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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS Aula 08 Olá, Pessoal! Está é nossa oitava e última aula do curso. Gostaria de agradecer a todos pela confiança no nosso trabalho. Espero que as aulas tenham sido proveitosas e que vocês possam aproveitá-las no momento que mais importa, que é a prova. Sintam-se à vontade para criticar este curso, pois é com as opiniões de vocês que poderemos melhorá-lo. A cada novo curso eu procuro melhorar as aulas de acordo com as críticas de vocês. Por exemplo, no último curso um aluno pediu para que fosse colocado um sumário em cada aula para facilitar a localização dos assuntos. Isso foi uma das mudanças que fiz para este curso. Portanto, sintam-se à vontade para criticar e fazer sugestões. Nesta última aula veremos os seguintes itens dos editais: TCU: 14. Processo de formulação e desenvolvimento de políticas: construção de agendas, formulação de políticas, implementação de políticas. 15. As políticas públicas no Estado brasileiro contemporâneo. Descentralização e democracia. Participação, atores sociais e controle social. Gestão local, cidadania e eqüidade social. 16. Planejamento e avaliação nas políticas públicas: conceitos básicos de planejamento. Aspectos administrativos, técnicos, econômicos e financeiros. Formulação de programas e projetos. Avaliação de programas e projetos. Tipos de avaliação. Análise custo-benefício e análise custo- efetividade. CGU: 1. Processo de Formulação e Desenvolvimento de Políticas: construção de agendas, formulação de políticas, implementação de políticas. 2. As Políticas públicas no Estado brasileiro contemporâneo. Descentralização e democracia. Participação, atores sociais e controle social. Gestão local, cidadania e eqüidade social. Instrumentos e recursos da economia pública (política fiscal, regulatória, cambial e monetária). 3. Planejamento e Avaliação nas Políticas Públicas - Conceitos básicos de planejamento. Aspectos administrativos, técnicos, econômicos e www.pontodosconcursos.com.br 1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS financeiros. Formulação de programas e projetos: diagnóstico, árvore de problemas, árvore de objetivos, matriz de planejamento, objetivos, metas e impactos. Avaliação de programas e projetos. Tipos de Avaliação. Análise custo-benefício e análise custo-efetividade. ERRATA: Vamos corrigir algumas coisas que saíram erradas em aulas anteriores. Aula 07: Questão 08, pg. 71. Deve-se desconsiderar a palavra SEM no seguinte trecho: “a administração pública pode sem valer-se dos mesmos instrumentos que a gestão privada”. Aula 06: A questão 06 da teoria (pg. 08) é ERRADA, e não certa. O gabarito da questão 89 é “A” e não “E”. Aula 05: Na página 28, logo após as definições de estratégia, deve desconsiderar o termo SEM no seguinte trecho: "as várias definições trazem em comum que a estratégia estabelece os objetivos, o caminho a ser seguido para alcançá-los, sem levando em consideração o ambiente em que a organização está inserida" A Questão 12 da teoria (pg. 42) traz o conceito de Mudança Organizacional, e não de cultura. ÍNDICE 1 PROCESSO DE FORMULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS................................................ 3 4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO .......................................... 22 2 DESCENTRALIZAÇÃO E DEMOCRACIA.............................................................................................. 28 3 CONCEITOS BÁSICOS DE PLANEJAMENTO ....................................................................................... 36 4 PROJETOS SEGUNDO O PMBOK......................................................................................................... 42 5 FORMULAÇÃO DE PROGRAMAS E PROJETOS .................................................................................. 56 6 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS E PROJETOS ...................................................................................... 63 www.pontodosconcursos.com.br 2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS 7 ANÁLISE CUSTO-BENEFÍCIO E ANÁLISE CUSTO-EFETIVIDADE.......................................................... 70 5 QUESTÕES COMENTADAS................................................................................................................... 75 8 LISTA DAS QUESTÕES ......................................................................................................................... 109 9 GABARITO .......................................................................................................................................... 123 10 LEITURA SUGERIDA............................................................................................................................. 124 11 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 125 1 Processo de formulação e desenvolvimento de políticas Vamos começar nosso estudo sobre políticas públicas com uma questão da ESAF, que fala sobre a sua definição. 1. (ESAF/MPOG/2008) O processo das políticas públicas mostra-se como forma moderna de lidar com as incertezas decorrentes das rápidas mudanças do contexto sócio-político nacional e internacional, que favoreceu uma concepção mais ágil da atividade governamental, na qual a ação baseada no planejamento deslocou-se para a idéia de política pública. Todos os componentes abaixo são comuns às definições correntes de política pública, exceto: a) Ideológico: toda política requer um discurso legitimador, ou seja, destinado a reforçar a convicção dos diversos atores quanto ao acerto das ações governamentais e à sua orientação para o bem de todos. b) Decisório: qualquer política envolve um conjunto seqüencial de decisões, relativo à escolha de fins e/ou meios, de curto ou longo alcance, numa situação específica e como resposta a problemas e necessidades. c) Comportamental: toda política pode envolver ação ou inação, mas uma política é, acima de tudo, um curso de ação e não somente uma decisão singular. d) Causal: toda política é um produto de ações e, por sua vez, provoca efeitos sobre o sistema político e social. www.pontodosconcursos.com.br 3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS e) Institucional: as políticas são elaboradas ou decididas por autoridades formal e legalmente constituídas no âmbito da sua competência e são coletivamente vinculantes. Esta questão foi tira da Enrique Saraiva, que afirma que nas definições dos dicionários de ciência política encontram-se os seguintes componentes comuns: a) Institucional: a política é elaborada ou decidida por autoridade formal legalmente constituída no âmbito da sua competência e é coletivamente vinculante; b) Decisório: a política é um conjunto-seqüência de decisões, relativo à escolha de fins e/ou meios, de longo ou curto alcance, numa situação específica e como resposta a problemas e necessidades; c) Comportamental: implica ação ou inação, fazer ou não fazer nada; mas uma política é, acima de tudo,um curso de ação e não apenas uma decisão singular; d) Causal: são os produtos de ações que têm efeitos no sistema político e social. Podemos perceber que o componente que não está presente é o ideológico. A resposta da questão é a letra “A”. Enrique Saraiva define política pública como: Um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade. Decisões condicionadas pelo próprio fluxo e pelas reações e modificações que elas provocam no tecido social, bem como pelos valores, idéias e visões dos que adotam ou influenciam na decisão. Com uma perspectiva mais operacional, ele coloca que: Poderíamos dizer que ela é um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos. Vamos ver algumas definições de políticas públicas: Dye: o que o governo decide fazer ou não. www.pontodosconcursos.com.br 4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS Lynn: um conjunto específico de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Lowi: uma regra formulada por alguma autoridade governamental que expressa uma intenção de influenciar, alterar, regular, o comportamento individual ou coletivo através do uso de sanções positivas ou negativas. Maria G. Rua: As políticas públicas (policies) são outputs, resultantes das atividades política (politics): compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores. Carvalho: Políticas públicas são construções participativas de uma coletividade, que visam à garantia dos direitos sociais dos cidadãos que compõem uma sociedade humana. Percebemos nas quatro primeiras definições uma grande valorização do Estado como responsável pelas políticas públicas. Quando a Maria das Graças Rua fala em “alocação imperativa de recursos”, o que ela quer dizer é que uma das suas características centrais é o fato de que são decisões e ações revestidas da autoridade soberana do poder público. Não podemos negar isso. Maria das Graças Rua afirma ainda que “as políticas públicas são ‘públicas’ – e não privadas ou apenas coletivas”. Contudo, é um tanto equivocado considerar que o termo “pública” se refere ao Estado. Vamos ver uma questão do CESPE. 2. (CESPE/PMRB/2007) O termo público, associado à política, não se refere exclusivamente à ação do Estado, mas, sim, à coisa pública,ou seja, àquilo que é de todos. A questão é CERTA. Segundo Potyara Pereira: Política pública não é sinônimo de política estatal. A palavra ‘pública’, que acompanha a palavra ‘política’, não tem identificação exclusiva com o Estado, mas sim com o que em latim se expressa como res publica, isto é, coisa de todos, e, por isso, algo que compromete simultaneamente, o Estado e a sociedade. É, em outras palavras, ação pública, na qual, além do Estado, a sociedade se faz presente, ganhando representatividade, poder de decisão e condições de exercer o controle sobre a sua própria reprodução e sobre os atos e decisões do governo e do mercado. É o que preferimos chamar de controle democrático exercido pelo cidadão comum, porque é controle coletivo, www.pontodosconcursos.com.br 5 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS que emana da base da sociedade, em prol da ampliação da democracia e da cidadania Portanto, política pública não é sinônimo de política estatal. Temos que entender que a presença do Estado é fundamental, assim como a participação da sociedade. Pereira conceitua política pública como: Políticas públicas são ações coletivas que tem por função concretizar direitos sociais, demandas da sociedade e previstos nas Leis. Podemos perceber que Maria das Graças Rua afirma que as políticas públicas não são apenas “ações coletivas”. Já Pereira afirma que “são ações coletivas”. Esta divergência parece ser mais no tocante ao significado de “ação coletiva” do que se pode haver política pública sem o Estado. O Estado é fundamental e sem a sua participação não há política pública. Vamos ver como pensa o CESPE. 3. (CESPE/TJ-AP/2007) Política pública significa ação coletiva cuja função é concretizar direitos sociais demandados pela sociedade e previstos nas leis. A questão é CERTA. Podemos perceber que ela é cópia da definição de Potyara Pereira. Assim, temos que entender que as políticas públicas são uma construção coletiva, formadas por um conjunto de atores, apesar de caber ao governo o papel central. Segundo Raquel Raichelis: Na formulação, gestão e financiamento das políticas sociais deve ser considerada a primazia do Estado, a quem cabe a competência pela condução das políticas públicas. Esta primazia, contudo, não pode ser entendida como responsabilidade exclusiva do Estado, mas implica a participação ativa da sociedade civil nos processos de formulação e controle social da execução. Também podemos observar na definição de Pereira que a função das políticas públicas é concretizar direitos sociais previstos nas leis, o que significa que as políticas públicas estarão tornando possível o exercício dos direitos sociais como educação, saúde, assistência social, etc. Vamos ver uma questão do CESPE: 4. (CESPE/CHESF/2002) Política pública é uma ação coletiva que tem por função concretizar direitos sociais demandados pela www.pontodosconcursos.com.br 6 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS sociedade e previstos nas leis. Os direitos declarados e garantidos nas leis só têm aplicabilidade por meio de políticas públicas. Esta questão foi dada como CERTA. Ela foi copiada da definição de Pereira que afirma: Políticas públicas são ações coletivas que tem por função concretizar direitos sociais, demandas da sociedade e previstos nas Leis. Em outros termos, os direitos declarados e garantidos nas leis só têm aplicabilidade por meio de políticas públicas correspondentes, as quais, por sua vez, operacionalizam-se mediante programas, projetos e serviços. Quando a autora afirma que “os direitos declarados e garantidos nas leis só têm aplicabilidade por meio de políticas públicas”, na realidade ela está se referindo aos direitos sociais. Se pensarmos na classificação dos direitos fundamentais, os direitos de primeira geração se referem aos direitos de não intervenção do Estado na vida privada, direitos como o de liberdade, livre associação, livre manifestação do pensamento; os de segunda geração envolvem os direitos sociais; e os de terceira os direitos coletivos, como os ligados à proteção do meio-ambiente, do patrimônio histórico, etc. Os direitos de primeira geração, em que se prega a não-intervenção do Estado, não precisam de políticas públicas para serem concretizados. As políticas públicas tornam-se necessárias com os direitos sociais, que exigem uma atuação positiva do Estado Não considero correto o CESPE reproduzir a definição da autora e dizer, de forma geral, que “os direitos declarados e garantidos nas leis só têm aplicabilidadepor meio de políticas públicas”. Mas, ele faz isso e nós temos que saber. Portanto, as políticas públicas são instrumentos de concretização dos direitos previstos e garantidos nas leis, ou seja, é somente com a existência de uma política pública que as pessoas poderão exercer seus direitos sociais. Dessa concretização resulta que é válida a intervenção do Poder Judiciário exigindo a implementação de políticas públicas. O Judiciário não pode elaborar políticas públicas, mas pode compelir o poder público a implementá-las, caso estejam previstas na Constituição e nas leis. Em julgamento de 2005, o STF decidiu que o município de Santo André (SP) deveria garantir a matrícula de um menino de quatro anos na creche pública administrada pela prefeitura. O entendimento é o de que é obrigação do município garantir o acesso à creche a crianças de até seis anos de idade, independentemente da oportunidade e conveniência do poder público. Segundo Celso de Mello: Quando a proposta da Constituição Federal impõe o implemento de políticas públicas, e o poder público se mantém inerte e omisso, é legitimo sob a perspectiva constitucional garantir o direito à educação e www.pontodosconcursos.com.br 7 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS atendimento em creches. O direito não pode se submeter a mero juízo de conveniência do Poder Executivo. Assim, se há um direito previsto na lei e é necessária uma política pública para que ele seja exercido, é um dever do Estado implementar tal política e cabe ao Judiciário exigir o cumprimento desta obrigação. Também é importante distinguir política pública de decisão política. Na primeira questão da ESAF, vimos que um dos componentes das definições de política pública é o decisório, que “a política é um conjunto-seqüência de decisões”. Segundo Maria das Graças Rua, uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. Já uma decisão política corresponde a uma escolha dentre um leque de alternativas, conforme a hierarquia das preferências dos atores envolvidos, expressando certa adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis. Assim, embora uma política pública implique decisão política, nem toda decisão política chega a constituir uma política pública. Um exemplo está na emenda constitucional para reeleição presidencial. Trata-se de uma decisão, mas não de uma política pública. Já a privatização de estatais ou a reforma agrária são políticas públicas. Podemos identificar alguns pontos comuns que poderiam nos ajudar a formular um conceito mais genérico de política pública: ƒ Conjunto de ações governamentais; ƒ Distribuição de recursos ou bens públicos; ƒ Atendimento às demandas da sociedade ou sistema político. ƒ Participação da sociedade em todo o processo. Cada política pública passa por diversos estágios. A isso damos o nome de “ciclo da política” (policy cycle). Normalmente, consideram-se três etapas nas políticas públicas: formulação, implementação e avaliação. No entanto, vários autores acrescentam outras fases. Enrique Saraiva afirma que é necessária certa especificação na América Latina. Por isso ele distingue entre elaboração e formulação, em que a primeira é a preparação da decisão política e a segunda é a própria decisão, formalizada em uma norma jurídica. Além disso, deve-se separar a implementação propriamente dita, que é a preparação para a execução, da execução, que é pôr em prática a decisão política. Ainda antes de todas estas fases, ressaltada a construção da agenda, que se refere ao processo de inclusão de determinada necessidade sócia, determinada demanda, na lista de prioridades do poder público. A seguir vamos dar uma olhada em cada uma dessas fases, exceto a avaliação, que ficará para um momento posterior desta aula. Contudo, antes de iniciarmos este estudo, www.pontodosconcursos.com.br 8 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS é preciso ficar claro que esta separação do processo de políticas públicas em fases distintas constitui mero exercício de abstração, um instrumento para facilitar a compreensão do funcionamento das políticas públicas. O que ocorre na realidade é que estas fases se confundem, não há uma ordenação tranqüila na qual cada ator social conhece e desempenha o papel esperado. Segundo Enrique Saraiva, “as modernas teorias do caos são as que mais se aproximam de uma visualização adequada da dinâmica social”. 1.1 Construção da Agenda Podemos dizer que a construção da agenda é a primeira fase das políticas públicas, já que é neste momento que são definidos os problemas que serão atacados por meio de uma política pública. Segundo Enrique Saraiva: Na sua acepção mais simples, a noção de “inclusão na agenda” designa o estudo e explicitação do conjunto de processos que conduzem os fatos a adquirir status de “problema público”, transformando-o em objeto de debates e controvérsias políticas na mídia. Podemos dizer que a agenda refere-se ao conjunto de temas que são debatidos com vistas à escolha dos problemas que serão atacados por meio de políticas públicas. O estudo da agenda busca entender porque alguns temas recebem mais atenção do que outros. Segundo Kingdon: A agenda é a lista de temas ou problemas que são alvo em dado momento de séria atenção tanto da parte das autoridades governamentais como de pessoas fora do governo, mas estreitamente associadas às autoridades. Evidentemente essa lista varia de acordo com os diferentes setores do governo. Esta definição do autor focaliza os temas que são considerados pelos governantes, por isso que ele chama de agenda de governo. Mas podemos dizer que existem três tipo de agenda: 1 Não-Governamental (ou sistêmica): contém assuntos e temas que são reconhecidos pelo público em geral sem, contudo, merecer atenção do governo. www.pontodosconcursos.com.br 9 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS 2 Governamental: inclui os problemas que estão a merecer atenção formal do governo (temas que, de alguma maneira, estão incorporados na estrutura administrativa e no discurso das autoridades). 3 De Decisão: contém a lista dos problemas e assuntos que efetivamente serão decididos, que serão tema de uma política pública. Nem sempre um tema que chegue a agenda governamental será alvo de alguma política pública. É preciso ainda que ele chegue à agenda de decisão, ou seja, que as autoridades realmente decidam fazer alguma coisa. Um exemplo: quando ocorrem crimes hediondos, geralmente os políticos surgem com discursos exigindo maior severidade na legislação, redução na maioridade penal, mais investimentos em segurança pública; no entanto, dificilmente ocorre alguma mudança substancial. O assunto esfria e as coisas voltam a ser como antes. Um ponto importante nesta definição de Enrique saraiva é que na agenda os fatos adquirem o status de “problema público”. Para que determinado tema entre na agenda, ele deve ser considerado como um problema. Maria das Graças Rua diferencia entre o momento pré-agenda, quando determinado tema não recebe atenção, quando este tema permanece um “estado de coisa”, e o momento da agenda, quando o tema se tornaum problema. Segundo a autora: Uma dada situação pode perdurar durante muito tempo, incomodando grupos e gerando insatisfações sem, entretanto, chegar a mobilizar as autoridades governamentais. Neste caso, trata-se de um "estado de coisas" – algo que incomoda, prejudica, gera insatisfação para muitos indivíduos, mas não chega a constituir um item da agenda governamental, ou seja, não se encontra entre as prioridades dos tomadores de decisão. Quando este estado de coisas passa a preocupar as autoridades e se toma uma prioridade na agenda governamental, então torna-se um "problema político". Portanto, na formação da agenda, é importantíssima a diferenciação entre o que seja uma situação e aquilo que é um problema. Para Kingdon: Existe uma diferença entre uma situação e um problema. Toleramos vários tipos de situações todos os dias, e essas situações não ocupam lugares prioritários em agendas políticas. As situações passam a ser definidas como problemas e aumentam suas chances de se tornarem prioridade na agenda quando acreditamos que devemos fazer algo para mudá-las. A diferenciação entre situação e problema ocorre dentro de um dos três dinâmicas de processos que Kingdon utiliza para explicar como os participantes influenciam agendas www.pontodosconcursos.com.br 10 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS e alternativas. A Teoria dos Fluxos Múltiplos defende que existem três dinâmicas de processos que fazem com que alguns temas sejam priorizados enquanto outros são negligenciados: a dos problemas, a da política e a das políticas públicas. As pessoas reconhecem os problemas, geram propostas de mudanças por meio de políticas públicas e se envolvem em atividades políticas, tais como campanhas eleitorais ou lobbies. Cada participante pode, em princípio, estar envolvido em cada um desses processos (reconhecimento do problema, formulação de alternativas, e política). Por exemplo, as políticas públicas não constituem o único modo de atuação dos analistas, como a política tampouco é o único cenário de atuação dos políticos. No entanto, na prática, os participantes geralmente tendem a se especializar em um ou outro processo. Os acadêmicos se envolvem mais com a formulação de políticas do que com a política propriamente dita, enquanto os partidos se envolvem mais na política do que na formulação de propostas detalhadas. Aqui podemos diferenciar duas categorias de atores nas políticas públicas: os visíveis e os invisíveis. A diferença entre eles é que os visíveis definem a agenda e os invisíveis formulam as alternativas. Este é o critério de classificação, apenas este. Portanto, são exemplos de atores visíveis políticos, mídia, partidos, grupos de pressão, etc. Já os atores invisíveis compreendem acadêmicos, consultores, assessores e funcionários legislativos, burocratas de carreira e analistas ligados a grupos de interesses. Em relação ao primeiro fluxo, o do reconhecimento dos problemas, Kingdon se faz a seguinte pergunta: “Porque alguns problemas recebem mais atenção do que outros por parte das autoridades governamentais?”. E ele mesmo responde: A resposta está tanto nos meios pelos quais esses autores tomam conhecimento das situações, quanto nas formas pelas quais estas situações foram definidas como problemas. Os meios podem ser: ƒ Eventos-foco: um desastre, uma crise, uma experiência pessoal ou um símbolo poderoso. Chama a atenção para algumas situações mais do que as outras. Contudo, tal evento tem efeitos apenas passageiros se não forem acompanhados por uma indicação mais precisa de que há um problema. ƒ Feedback: as autoridades tomam conhecimento de situações por meio de feedback a programas existentes, sejam eles formais (ex.: monitoramento de rotina sobre custos ou estudos de avaliação de programas) sejam informais (ex.: reclamações que chegam ao Congresso). www.pontodosconcursos.com.br 11 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS ƒ Indicadores: são usados para avaliar a magnitude de uma situação (como por exemplo a incidência de uma doença ou o custo de um programa) e discernir mudanças ocorridas nessa situação. Tanto uma alta magnitude quanto uma grande mudança chamam a atenção das autoridades. Já as formas podem ocorrer das seguintes maneiras: ƒ Situações que colocam em cheque valores importantes são transformadas em problemas; ƒ Situações se tornam problemas por comparação com outros países ou com outras unidades relevantes; ƒ A classificação de uma situação em certa categoria ao invés de outra pode defini-la como certo tipo de problema. Por exemplo, a falta de transporte público adequado para as pessoas portadoras de necessidades especiais pode ser classificada como um problema de transporte ou como um problema de direitos civis. Além de definir os problemas, a agendas também podem fazê-los desaparecer. Isso ocorre porque, primeiro, o governo pode tratar do problema ou não. Tanto na ação como na omissão, a atenção acaba se voltando para outro tema, ou porque alguma coisa está sendo feita ou porque se frustram pelo fracasso e decidem investir em outra coisa. Segundo, as situações que chamaram a atenção para o problema podem mudar. Terceiro, as pessoas podem se acostumar com a situação ou conferir outro rótulo ao problema. Quarto, outros itens surgem e colocam de lado antigas prioridades. Outro fluxo na Teoria dos Fluxos Múltiplos é o da política. Independentemente do reconhecimento de um problema ou do desenvolvimento de propostas de políticas públicas, a discussão política tem vida própria. Os acontecimentos no mundo político terão um papel importantíssimo na formação da agenda. Um novo governo, por exemplo, pode mudar completamente as agendas ao privilegiar outros temas. É aqui que atuam principalmente os atores visíveis. Esses atores incluem o Presidente e seus assessores, importantes membros do Congresso, a mídia, e atores relacionados ao processo eleitoral, como os partidos políticos; são atores que trabalham para formar a agenda. Já os atores invisíveis, como acadêmicos, burocratas e funcionários do Congresso, trabalham com as alternativas. Por isso que os políticos eleitos e seus assessores são mais importantes do que funcionários públicos de carreira no processo de estabelecimento da agenda. O terceiro fluxo é o das soluções, as alternativas de ação da política pública. Além do conjunto de temas ou problemas que estão na agenda, um conjunto de alternativas de ação governamental é seriamente considerado pelas autoridades governamentais e www.pontodosconcursos.com.br 12 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS pessoas estritamente associadas a elas. Em grande parte da literatura, a construção da agenda se refere tanto ao processo de discussão de problemas quanto à de alternativas. Kingdon prefere diferenciar estes dois processos e afirma que a formulação de políticas públicas é um processo que envolve: 1. O estabelecimento de uma agenda; 2. A especificação das alternativas a partir das quais as escolhas são feitas; 3. Uma escolha final entre estas alternativas específicas; 4. A implementação desta decisão. A ESAF cobrou a seguinte questão no último concurso da CGU: 5. (ESAF/CGU/2008) A formação ouconstrução da agenda de políticas públicas consiste em um processo de identificação e reconhecimento de problemas, o que a distingue da formulação, que consiste na especificação das alternativas de ação governamental. A questão é ERRADA. A agenda, segundo alguns autores, envolve a discussão também das alternativas. Mas como podemos observar, a questão traz o texto usado por Kingdon para descrever uma etapa posterior à agenda, que Enrique Saraiva define como a Elaboração. Já a formulação é definida por Saraiva como a “seleção e especificação da alternativa considerada mais conveniente”. Tentando agora entender esta questão da ESAF, podemos dizer que o erro está no fato de que a formulação não consiste na especificação das alternativas (isso é a elaboração), mas sim na especificação da alternativa (singular), a escolha de uma delas. Na realidade, em virtude das divergências doutrinárias, esta questão não deveria ter sido cobrada desta forma. Podemos dizer que um erro seria dizer que a especificação das alternativas não está na agenda, já que muitos autores consideram dessa forma. Mas, como eles usaram um texto igual ao de Kingdon, creio que eles seguiram a linha do autor, diferenciando o processo de discussão dos problemas da discussão de soluções, colocando esta fora da agenda. Vamos ver então como é o processo de discussão das alternativas, colocando este processo como uma fase separada da agenda, a elaboração. www.pontodosconcursos.com.br 13 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS 1.2 Elaboração Segundo Enrique Saraiva: O segundo momento é a elaboração, que consiste na identificação e delimitação de um problema atual ou potencial da comunidade, a determinação das possíveis alternativas para sua solução ou satisfação, a avaliação dos curtos e efeitos de cada uma delas e o estabelecimento de prioridades. Portanto, após uma situação ser reconhecida como um problema que começaria o processo de discussão das alternativas de solução. O modelo dos fluxos múltiplos de Kingdon se baseia no modelo Garbage Can, de Cohen, que pode ser traduzido como “lata de lixo”. Segundo esse modelo, problemas e soluções não são pensados conjuntamente. As soluções não são criadas para um problema específico, elas são pensadas sem ter relação com um problema, e depois de criadas procura-se adaptá-las aos problemas existentes. Portanto, os diversos problemas e soluções existentes são jogados numa grande “lata de lixo” e lá dentro tenta-se formar os pares. Segundo Kingdon, “as agendas não são estabelecidas em primeiro lugar, para depois serem geradas as alternativas. Em vez disso, as alternativas devem ser defendidas por um longo tempo antes que uma oportunidade de curto prazo se apresenta na agenda”. Para estudar o processo de discussão de alternativas, Kingdon se pergunta “como a lista das alternativas possíveis para a escolha de políticas públicas é filtrada até se chegar Às que realmente recebem séria atenção?”. E o autor mesmo responde: Há dois tipos de respostas: 1) as alternativas são geradas e filtradas na dinâmica própria das políticas públicas; e 2) o envolvimento dos participantes relativamente invisíveis, que são especialistas na área específica dessas políticas. Vimos que os atores visíveis definem a agenda, diferenciam situações de problemas, enquanto os atores invisíveis formulam as alternativas. As alternativas, propostas e soluções são geradas por comunidades de especialistas, que podem ser acadêmicos, pesquisadores, consultores, burocratas de carreira, funcionários do Congresso, analistas que trabalham para grupos de interesses. Esses participantes relativamente invisíveis formam comunidades de especialistas que trabalham de forma mais ou menos coordenada. O momento de formulação das alternativas é um dos mais importantes no processo decisório. Segundo Maria das Graças Rua, é quando se colocam as preferências dos atores, manifestam-se seus interesses, resultando daí o confronto, em que cada ator vai usar seu poder, sua influência, capacidade de afetar o funcionamento do sistema. A esses atores que investem para que suas preferências sejam consideradas nos www.pontodosconcursos.com.br 14 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS processos de políticas públicas damos o nome de “empreendedores da política” (policy entrepreneurs). Segundo Rua, uma preferência é uma alternativa de solução para um problema que mais beneficia determinado ator. Assim, dependendo da posição de cada ator, eles podem ter preferências muito diversas uns dos outros, ou então defender as mesmas preferências, formando as “coalizões de defesa” (policy coalition). Este modelo, proposto por Sabatier e Jenkins-Smith, é meio que um contraponto ao modelo garbage can. Segundo os autores, os modelos anteriores negligenciavam elementos importantes para entender os processos de formulação das políticas públicas são as crenças, os valores e as idéias. Uma determinada questão pode ser defendida por um grupo que partilha dessas crenças, valores ou idéias. Forma-se aí uma coalizão de defesa. As preferências se formam em torno de “issues”, que podem ser entendidos como pontos importantes que afetam os interesses de vários atores e que, por causa disso, mobiliza suas expectativas quanto ao resultado da política e catalisa o conflito entre eles. Rua cita como exemplo do conceito de terra improdutiva na reforma agrária, em que, dependendo da decisão, alguns atores ganham e outros perdem. Com base nas preferências dos atores, formam-se alianças e dá-se o conflito, daí surgem as arenas políticas. A maioria dos autores fala em três tipos de arenas: distributivas, redistributivas e regulatórias. Outros citam ainda as constitutivas. Vamos dar uma olhada em cada uma: ƒ Políticas distributivas são caracterizadas por um baixo grau de conflito dos processos políticos, visto que políticas de caráter distributivo só parecem distribuir vantagens e não acarretam custos - pelo menos diretamente percebíveis - para outros grupos. Em geral, políticas distributivas beneficiam um grande número de destinatários, todavia em escala relativamente pequena; potenciais opositores costumam ser incluídos na distribuição de serviços e benefícios. ƒ Políticas redistributivas, ao contrário, são orientadas para o conflito. O objetivo é o desvio e o deslocamento consciente de recursos financeiros, direitos ou outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade. O processo político que visa a uma redistribuição costuma ser polarizado e repleto de conflitos. ƒ Políticas regulatórias trabalham com ordens e proibições, decretos e portarias. Elas estabelecem imperativos seletivos: quem pode ou não pode ter ou fazer alguma coisa, quem paga o que e em que situações. Os efeitos referentes aos custos e benefícios não são determináveis de antemão; dependem da configuração concreta das políticas. Custos e benefícios podem ser distribuídos de forma igual e equilibrada entre os grupos e setores da sociedade, do mesmo modo como as políticas também podem atender a interesses particulares e www.pontodosconcursos.com.br 15 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS restritos. Assim, as arenas regulatórias poderão envolver um maior ou menorgrau de conflito, já que podem adotar formas variadas. ƒ Políticas constitutivas ou políticas estruturadoras determinam as regras do jogo e com isso a estrutura dos processos e conflitos políticos, isto é, as condições gerais sob as quais vêm sendo negociadas as políticas distributivas, redistributivas e regulatórias. Vamos voltar agora para o modelo dos fluxos múltiplos de Kingdon. Os três fluxos, dos problemas, da política e das soluções têm, cada um, vida própria. Os problemas são identificados e definidos de acordo com processos que são diferentes daqueles nos quais as políticas públicas são elaboradas, ou de como se dão os eventos políticos. Contudo, em determinados momentos estes processos se unem. Um problema urgente demanda atenção e uma proposta de política pública é associada ao problema e oferecida como solução. Quando estes três fluxos convergem, ocorre a abertura de uma “janela política” (policy window), permitindo que determinado tema vá direto para a agenda de decisão, ou seja, que seja realmente escolhido para ser combatido por uma política pública. 1.3 Formulação Segundo Enrique Saraiva: A formulação inclui a seleção e especificação da alternativa considerada mais conveniente, seguida da declaração que explicita a decisão adotada, definindo seus objetivos e seu marco jurídico, administrativo e financeiro. Portanto, a formulação compreende o processo de escolha da alternativa, dentro do cardápio formado no processo de elaboração, que consiste na especificação das possíveis alternativas. Além da decisão de escolher uma alternativa, também é realizada aqui a formalização dessa decisão, o que significa o estabelecimento de normas que permitirão a sua implementação pelos diversos atores envolvidos. Em relação ao estudo do processo de tomada de decisão, são utilizadas algumas teorias. Podemos dividi-las nos modelos: racional-compreensivo, incrementalismo e mixed-scannig. Vamos vê-los: Compreensivo, segundo o dicionário Houaiss, significa “pleno de entendimento ou consciência”, é aquele que compreende, que entende. É racional porque usa a razão. A escolha da alternativa é feita com base em critérios impessoais. Parte-se do princípio de que é possível conhecer o problema de tal forma que se possa tomar decisões de www.pontodosconcursos.com.br 16 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS grande impacto. Os decisores estabelecem quais os valores a serem maximizados e quais as alternativas que melhor poderão maximizá-los. A seleção da alternativa a ser adotada é feita a partir de uma análise abrangente e detalhada de cada alternativa e suas conseqüências. A decisão é mais lenta, uma vez que precisa de um levantamento de todas as informações disponíveis sobre o assunto, o estudo de todas as possibilidades técnicas e políticas para solucionar o problema. A visão da política pública como um processo incremental foi desenvolvida por Lindblom. Baseado em pesquisas empíricas, o autor argumenta que os recursos governamentais para um programa, órgão ou uma dada política pública não partem do zero e sim, de decisões marginais e incrementais que desconsideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos programas públicos. Assim, as decisões dos governos seriam apenas incrementais e pouco substantivas. Lindblom questionou a ênfase no racionalismo argumentando que os diversos interesses presentes na sociedade não podem ser deixados de lado, inclusive sob pena de a política pública receber objeções intransponíveis. Ele propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório o que não teria necessariamente um fim ou um princípio. Daí por que as políticas públicas precisariam incorporar outros elementos à sua formulação e à sua análise além das questões de racionalidade, tais como o papel das eleições, das burocracias, dos partidos e dos grupos de interesse. Abordagens distintas de literatura descrevem a idéia incrementalista, a despeito de todas convergirem para o mesmo tema. São elas: o incrementalismo desarticulado, o incrementalismo lógico, o empreendimento estratégico e a compreensão retrospectiva. a) Incrementalismo Desarticulado: Lindbloom descreve a geração de políticas como um processo serial, terapêutico e fragmentado, no qual as decisões são tomadas mais para resolver problemas do que para explorar oportunidades, considerando pouco as metas definitivas ou mesmo diferentes conexões. b) Incrementalismo Lógico: Quinn concorda com Lindbloom sobre a natureza incremental do processo, mas não sobre sua desarticulação. Nesse sentido ocorre um direcionamento por parte dos gerentes na busca de estratégias conscientes. c) Empreendedorismo Estratégico: Para Mintzberg, iniciativas estratégicas têm origem na base hierárquica das organizações, que então se difundem e ganham apoio. Uma vez que tenham conseguido difundir sua idéia à alta gerência, essas ações isoladas tendem a ganhar corpo de estratégias organizacionais. www.pontodosconcursos.com.br 17 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS d) Compreensão Retrospectiva: Weick descreve que toda compreensão origina-se no comportamento passado. Assim, os gerentes necessitam de uma ampla gama de experiências e de competências para criarem estratégias novas e vigorosas. Aprender não é possível sem agir. Dentro do método dialético, da filosofia grega, temos a Tese, a Antítese e a Síntese. A tese é uma afirmação ou situação inicialmente dada. A antítese é uma oposição à tese. Do conflito entre tese e antítese surge a síntese. O mesmo ocorre em quase tudo. Aqui no nosso estudo, o racionalismo é a tese, o incrementalismo a antítese e o modelo mixed-scannig a síntese. Ambos os modelos de tomada de decisão acima apresentam problemas. Entre outros, o modelo incremental mostra-se pouco compatível com as necessidades de mudança e pode apresentar um viés conservador. Já o modelo racional-compreensivo parte de um pressuposto ingênuo de que a informação é perfeita e não considera adequadamente o peso das relações de poder na tomada de decisões. Assim, buscando solucionar essas dificuldades e outras, elaboraram-se propostas de composição das duas abordagens. Entre elas destaca-se a concepção defendida por Etzioni, do mixed-scanning, chamado também de rastreio combinado. A idéia é, através da combinação das duas perspectivas, reduzir o conservadorismo e os horizontes estreitos dos processos marginais, bem como trazer a visão racional para bases mais realistas e exeqüíveis. Etzioni distingue entre decisões ordinárias ou incrementais; e decisões fundamentais ou estruturantes. As decisões estruturantes são aquelas que estabelecem os rumos básicos das políticas públicas em geral e proporcionam o contexto para as decisões incrementais. Para as decisões estruturantes seria usado o modelo racional; para as ordinárias o incremental. Etzioni considera o mixed-scanning o método adequado para lidar com as decisões estruturantes porque permite explorar um amplo leque de alternativas. Basicamente, o mixed-scanning requer que, nas decisões estruturantes, os tomadores de decisão se engajem em uma ampla revisão do campo de decisão, sem se dedicar à análise detalhada de cada alternativa (conforme faz omodelo racional-compreensivo). Esta revisão permite que alternativas de longo prazo sejam examinadas e levem a decisões estruturantes. As decisões incrementais, por sua vez, decorrem das decisões estruturantes e envolvem análise mais detalhadas de alternativas específicas. 1.4 Implementação Segundo Enrique Saraiva: www.pontodosconcursos.com.br 18 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS A implementação é constituída pelo planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos necessários para executar uma política. Trata-se da preparação para pôr em prática a política pública, a elaboração de todos os planos, programas e projetos que permitirão executá-la. A implementação constitui assim a tradução, na prática, das políticas que emergem do complexo processo decisório. O autor diferencia a implementação da execução, afirmando que esta: É o conjunto de ações destinado a atingir os objetivos estabelecidos pela política. É pôr em prática efetiva a política, é a sua realização. Essa etapa inclui o estudo dos obstáculos, que normalmente se opõem à transformação de enunciados em resultados, e especialmente, a análise da burocracia. O fato de determinada política pública ter chegado até uma decisão, até a formulação, não significa que ela será implementada. Segundo Maria das Graças Rua, o que garante a transformação de uma decisão em ação é a resolução de todos os pontos de conflito envolvidos em determinada política pública. Uma “boa decisão” seria aquela em que todos os atores relevantes acreditam que saíram ganhando algo e nenhum deles acredite que saiu completamente prejudicado. Como isso é muito difícil de ser conseguido, considera-se uma “boa decisão” aquela que foi a melhor possível naquele momento específico. Considera-se que, desde os anos 1970, o estudo das políticas públicas indica haver um “elo perdido” situado entre a decisão e a avaliação dos resultados: a implementação. Vimos que as fases do ciclo da política não são períodos estanques, muito bem separados. É ainda mais importante a relação entre formulação e implementação. Na visão clássica de ação governamental, a implementação era vista como uma das fases do ciclo político e corresponde à execução de atividades que permitem que ações sejam implementadas com vistas a executar o que já foi pensado e planejado. Na implementação, não ocorreriam decisões que definiriam os rumos da política pública, apenas seria executado o que foi planejado na fase de formulação. Esta visão clássica não considera os aspectos relativos à implementação e seus efeitos retroalimentadores sobre a formulação de política. A implementação é entendida, fundamentalmente, como um jogo de uma só rodada, onde a ação governamental, expressa em programas ou projetos de intervenção, é implementada de cima para baixo (top down). O modelo ‘bottom-up’ assume que implementação é algo que envolve o reconhecimento de que as organizações têm limitações humanas e organizacionais, e que isso deve ser www.pontodosconcursos.com.br 19 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS reconhecido e interpretado como um recurso. Implementação efetiva se constrói com a experiência e o conhecimento daqueles que executam as políticas. Política é feita enquanto está sendo administrada, e administrada enquanto esta sendo feita. Diz-se que a implementação é a formulação em processo, formulação de política levada a efeito por outros instrumentos. Os próprios objetivos da política, e os problemas envolvidos, não são conhecidos antecipadamente em sua totalidade, ao contrário, vão aparecendo na medida em que o processo avança. Justifica-se que algumas decisões devem ser deixadas para o processo de implementação porque: ƒ Não há como resolver conflitos durante a fase de formulação; ƒ Se considera necessário permitir que as decisões-chave sejam tomadas só quando todos os fatos estiverem disponíveis para os implementadores; ƒ Acredita-se que os implementadores estão mais bem preparados que outros para tomar decisões-chave; ƒ Pouco se sabe previamente sobre o verdadeiro impacto das novas medidas; ƒ As decisões diárias terão que envolver negociações e compromissos com grupos poderosos. Devemos entender que a implementação pode sim mudar os rumos da política publica, uma vez que os administradores que estão em contato direto com a população, os “burocratas de nível de rua”, têm um grande grau de discricionariedade. Assim, as decisões que esses servidores tomam, as rotinas que estabelecem e os procedimentos que inventam para lidar com a incerteza e as pressões do trabalho vão dar as características reais das políticas públicas. O conceito de burocracia de nível de rua surgiu da percepção da importância dos servidores que interagem direta e continuamente com o público. O autor que formulou o conceito chegou a sustentar que “a implementação de uma política, no final, resume-se às pessoas que a implementam”. Para implementar uma política pública formulada nos altos escalões, é necessária uma contínua negociação a fim de que a burocracia de nível de rua se comprometa com suas metas. Além dos enfoques top-down e bottom-up, há ainda um terceiro modelo, que é o de ação de política, ou interativo-iterativo, que considera a implementação como um processo evolucionário. Foram desenvolvidos modelos comportamentais que vêem a implementação como resultado das ações de indivíduos que são constrangidos pelo mundo de fora de suas instituições e pelo contexto institucional no qual eles atuam. A implementação pode ser mais bem entendida em termos de uma ação política contínua, na qual um processo interativo e de negociação que acontece no tempo, entre aqueles www.pontodosconcursos.com.br 20 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS responsáveis pela formulação da política e aqueles responsáveis por sua implementação. Poder é central para a dinâmica dessa relação. Para esse modelo, a implementação é um processo de barganha interativa entre os responsáveis por aprovar uma política e aqueles que possuem o controle dos recursos. Nesse modelo maior ênfase é posta em questões de poder e dependência, interesses, motivações e comportamentos, do que nos modelos ‘top-down’ e ‘bottom-up’. O modelo de ação enfatiza que implementação envolve mais do que uma cadeia de comando. É um processo que requer o entendimento sobre a maneira com que os indivíduos e as instituições ‘percebem’ a realidade, e como essas instituições interagem com outras instituições para a obtenção de seus objetivos. Maria das Graças Rua, A implementação diz respeito às ações necessárias para que uma política saia do papel e funcione efetivamente. Pode ser compreendida como o conjunto de ações realizadas por grupos ou indivíduos, de natureza pública ou privada, com vistas à obtenção de objetivos estabelecidos antes ou durante a execução das políticas. A autora diferencia dois tipos de implementação: ƒ Implementação administrada: quando uma política requer a constituição de uma estrutura complexa para sua execução. É o caso no Brasil de políticas como a saúde, educação, etc. ƒ Implementação não-administrada: quando uma política estabelece apenas regras e condiçõese deixa aos interessados as iniciativas destinadas à sua realização. A autora cita como exemplo o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade que estudamos na Aula 06. Segundo Maria das Graças Rua, há estudos que indicam 10 pré-condições ideais necessárias para que haja uma implementação bem sucedida: 1. As circunstâncias externas não devem impor restrições que a desvirtuem; 2. O programa deve dispor de tempo e recursos suficientes; 3. Em cada estágio da implementação, a combinação necessária de recursos deve estar efetivamente disponível; 4. Teoria adequada sobre a relação entre a causa (de um problema) e o efeito (de uma solução que está sendo proposta); www.pontodosconcursos.com.br 21 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS 5. Esta relação entre causa e efeito deve ser direta; 6. Deve haver uma só agência implementadora, que não depende de outras agências para ter sucesso; 7. Deve haver completa compreensão e consenso quanto aos objetivos; 8. Deve ser possível especificar, com detalhes completos e em seqüência perfeita, as tarefas a serem realizadas por cada participante; 9. É necessário que haja perfeita comunicação e coordenação entre os vários elementos envolvidos no programa; 10. Os atores que exercem posições de comando devem ser capazes de obter efetiva obediência dos seus comandados. No entanto, ainda existem agentes públicos que não compreendem a complexidade da implementação e tomam atitudes que podem prejudicá-la, como: ƒ Os que decidem supõem que o fato de uma política ter sido definida, garante, automaticamente, que seja implementada; ƒ Todas as atenções concentram-se na decisão e no grupo decisório, enquanto a implementação fica ignorada ou é tratada como se fosse de responsabilidade de outro grupo; ƒ Supõe-se que a implementação resume-se em executar o que foi decidido, logo, é apenas uma questão de os executores fazerem o que deve ser feito para implementar a política; ƒ A implementação é vista como uma atividade de menor importância e desprovida de conteúdo político propriamente dito. 4 As políticas públicas no Estado brasileiro contemporâneo Vamos ver agora como está a conjuntura das políticas públicas no Brasil. Maria das Graças Rua aponta algumas características nas políticas públicas brasileiras. A autora usa o termo “regularidades” para se referir a essas características. Regular pode significar algo que está em conformidade com as regras, as leis, mas pode significar também algo que demonstra constância, continuidade. A autora usa o termo aqui no segundo sentido, ou seja, fala de características que estão presentes na grande maioria de nossas políticas públicas. www.pontodosconcursos.com.br 22 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS Segundo a autora, um dos aspectos que primeiro chamam a atenção nas políticas públicas brasileiras é a fragmentação. Embora as demandas da sociedade geralmente necessitem ser resolvidas de forma articulada, em que diferentes agências setoriais atuem de forma coordenada, na prática o que ocorre é a existência de linhas rígidas – mas nem sempre consensuais e respeitadas – de demarcação das áreas de atuação de cada uma delas. Como conseqüência da fragmentação, as políticas muito freqüentemente emperram devido à competição interburocrática. As políticas ou são fragmentadas em áreas de controle de cada agência, na busca de uma convivência pacífica; ou estabelecem-se superposições que levam à baixa racionalidade e ao desperdício de recursos. Uma terceira característica recorrente é a descontinuidade administrativa. Segundo a autora, em regra, “inexistem concepções consolidadas de missão institucional”, uma vez que as preferências, convicções e compromissos políticos e pessoais dos escalões mais elevados possuem muita influência sobre a definição dos rumos das políticas. Como esses cargos são na maioria das vezes preenchidos conforme critérios políticos, há muita alternância entre seus ocupantes. Cada mudança dos titulares dos cargos, como regra, provoca alterações nas políticas em andamento. Essas podem ser alterações de rumo, de prioridade, etc. Em conseqüência, com a mudança de dirigentes, freqüentemente programas e políticas são redimensionados, reorientados, suspensos, ou deixam de concentrar as atenções e energias dos quadros daquelas agências. Além disso, nas raras situações em que se logra superar a fragmentação e a disputa interburocrática e são estabelecidas formas cooperativas de ação entre as agências, nem sempre os novos dirigentes mantêm os vínculos de solidariedade dos seus antecessores, porque também as relações de cooperação tendem a ser personalizadas. Outro aspecto recorrente nas políticas públicas, principalmente nas políticas sociais, é o de que as decisões e ações tendem a ser pensadas a partir da oferta e muito raramente são efetivamente consideradas as demandas. Os instrumentos de avaliação (indicadores e procedimentos) na maior parte das vezes são inadequados ou precários e os mecanismos de controle social são absolutamente incipientes ou inexistentes. Disso resultam descompassos entre oferta e demanda de políticas, acarretando desperdícios, lacunas no exercício da cidadania, frustração social, perda de credibilidade governamental, desconfiança e óbices à plena utilização do potencial de participação dos atores sociais, etc. Uma quinta regularidade é a presença de uma clara clivagem entre formulação/decisão e implementação. Clivagem, segundo o Dicionário, significa “separação, diferenciação ou oposição entre duas ou mais coisas quaisquer”. Portanto, no Brasil ainda se adota a visão clássica da implementação, top-down, uma cultura que www.pontodosconcursos.com.br 23 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS enfatiza a formulação/decisão, tomando a implementação como dada. A percepção da complexidade das políticas públicas se restringe a fase da formulação, enquanto a implementação é vista como um conjunto de tarefas de baixa complexidade, acerca das quais as decisões já foram tomadas. Por outro lado, essa clivagem se manifesta nas diferenças de status e de capacitação dos quadros funcionais encarregados, respectivamente, da formulação/decisão e da implementação. Concretamente, esta característica tem como resultado a tendência à centralização, a reduzida autonomia das agências implementadoras, a baixa adaptabilidade dos modelos adotados para as políticas públicas e uma acentuada fragilidade dos níveis e agências implementadores. O produto final, freqüentemente, é o desperdício de recursos pela ineficácia das políticas públicas. De fato, à luz dessa clivagem é possível entender a constatação recente de que, “em lugar da suposta paralisia decisória, o que tem se observado é a incapacidade do governo no sentido de implementar as decisões que toma. Dessa forma, à hiperatividade decisória da cúpula governamental contrapõe-se a falência executiva do Estado, que não se mostra capaz de tornar efetivas as medidas que adota e de assegurar a continuidade das políticas formuladas”. Esses problemas são ainda mais aflitivos na área das políticas sociais, onde é acentuada a ineficácia e dispersão organizacional. De fato, comparadas com outras áreas, a maior parte dasagências e dos seus quadros são pouco modernos, exibem capacitação insuficiente e reduzida eficácia/eficiência gerencial; as diversas agências são desarticuladas entre si e freqüentemente constituem nichos de interesses políticos personalizados. Além disso, como se trata de agências (e políticas) que consomem recursos, ao invés de gerá-los, a clivagem acima mencionada se torna ainda mais acentuada com a sua exclusão da maioria das decisões relevantes, ou seja, as decisões quanto a recursos, que são tomadas em outras esferas governamentais. Isso, por sua vez, tem a ver com outra recorrência observada: a hegemonia do economicismo e a desarticulação entre política econômica e política social. Como regra, as políticas econômicas assumem a primazia em todo o planejamento governamental, cabendo às políticas sociais um papel absolutamente secundário, subordinado e subsidiário. São várias as concepções que sustentam o primado da política econômica. Uma delas supõe que o mercado é perfeito e que, se for permitido o seu livre funcionamento, aos poucos as distorções serão resolvidas; logo, as políticas sociais devem ficar restritas aos interstícios nos quais não cabe a ação do mercado e onde, por isso mesmo, não serão capazes de transtornar a sua dinâmica. Outra perspectiva admite que o mercado não é perfeito, mas mantém o crescimento econômico como prioridade máxima; assim, caberia às políticas sociais a função de corrigir os desvios sociais advindos em conseqüência. www.pontodosconcursos.com.br 24 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS Uma variante desta concepção, em época relativamente recente, encontrava-se na máxima do regime militar de que “primeiro é preciso deixar o bolo crescer, para depois dividir”. Só muito recentemente é que começou a ser abandonada a percepção de que as políticas sociais se destinam a corrigir deficiências. Isso porque só há muito pouco tempo desenvolveu-se a concepção de que política social é - mais até que direito de cidadania - investimento produtivo e de que deve haver coordenação e equalização entre os objetivos da política econômica e os das políticas sociais, uma vez que os novos parâmetros do processo produtivo enfatizam o capital humano. O exame dos programas sociais do governo federal mostra claramente diversos dos aspectos acima mencionados. De fato, observa-se nitidamente a ocorrência de ações dispersas entre as diferentes agências e de programas desarticulados no interior de cada uma delas. Além disso, a maior parte das ações reflete a concepção típica do primado da economia: são propostas de correção de desvios e seqüelas. Não chegam sequer a expressar concepções de prevenção de problemas, e muito menos ainda, de investimento consistente na formação de capital humano, visando o destino futuro do país. Neste ponto talvez fosse útil lembrar o conceito de decisões estruturantes, de Etzioni. Segundo tal conceito, caso o conjunto das políticas sociais fosse efetivamente orientado por uma concepção de investimento na formação de capital humano visando o destino futuro do país, caberiam decisões estruturantes. Não é o que ocorre. Nos diversos programas em andamento, os problemas são tratados numa perspectiva incremental. Finalmente, cabe assinalar que a maioria dos programas existentes peca pela falta de focalização. Este é um tema bastante controvertido. Na forma defendida pelo Consenso de Washington, a focalização e seletividade das políticas sociais ameaça a idéia da universalização, tão cara a certos setores políticos brasileiros, já que corresponde ao estreitamente do grupo beneficiado pelas políticas, restringindo-as progressivamente aos estratos sociais mais excluídos, cabendo aos demais recorrer à oferta de serviços pelo mercado. Na realidade, embora tal estratégia seja potencialmente viável nas economias desenvolvidas do pós-welfare state - onde o bem-estar é mais ou menos generalizado e identificam-se apenas minorias excluídas – no caso dos países em desenvolvimento, suas imensas assimetrias sociais e uma maciça maioria de excluídos, a focalização parece perder totalmente o sentido. Entretanto, é possível pensar que, exatamente porque os recursos são escassos e os contingentes a serem atendidos são tão numerosos, a focalização é uma estratégia a ser considerada. Qual seria, então, o seu significado? Em primeiro lugar, focalização e seletividade implicariam a eliminação de privilégios e vantagens cumulativas. Em segundo lugar, focalização e seletividade significariam, em sociedades como a nossa, www.pontodosconcursos.com.br 25 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS que os direitos são universais, mas os recursos são redistribuídos segundo as necessidades sociais, setoriais, locais e regionais, que são, sempre, extremamente diferenciadas. Por fim, focalização e seletividade implicam clara definição de clientelas prioritárias, e a decorrente disposição de arcar com o custo político dessa decisão. A questão da universalização/focalização também está na análise que o IPEA realiza sobre as políticas sociais. Segundo o IPEA, a trajetória recente das políticas sociais tem sido marcada por mudanças que vêm introduzindo transformações importantes no perfil do Estado Social brasileiro herdado do regime autoritário, e vêm permitindo avanços no cumprimento dos princípios de responsabilidade, de transparência e de parceria Estado/sociedade. Essas mudanças podem ser agrupadas em dimensões representativas: universalização, descentralização, participação da sociedade, focalização ou seletividade das ações, regulamentação e regulação, promoção de inovações sociais, adoção de medidas que visam a elevar a eficiência e a eficácia do aparelho governamental, e progressiva elevação do gasto social federal. Enquanto a Maria das Graças Rua fala de problemas em nossas políticas, o IPEA trata de tendências de melhoria. Essas dimensões são, na maior parte dos casos, movimentos ainda embrionários que não se constituem em um conjunto coeso de diretrizes claras sobre os rumos das políticas sociais brasileiras. A universalização das ações encontra seu fundamento na Constituição de 1988. Em que pese o fato de o sistema de proteção social brasileiro ainda estar distante de um padrão redistributivo e eqüitativo, a universalidade das políticas de saúde, de assistência, de previdência e de educação tem sido objeto de inúmeros avanços nos últimos anos. Assim, em relação à saúde consolida-se, progressivamente, o Sistema Único de Saúde – SUS, que busca garantir o acesso igualitário de toda a população aos serviços de saúde por intermédio da organização de uma rede descentralizada. Além da descentralização, enfatiza-se também o atendimento integral cujas prioridades são as atividades preventivas e a participação da comunidade. A descentralização das ações, da União, para os estados, municípios e instituições da sociedade civil é, por seu turno, um movimento que vem ganhando força desde a década de 1980, e é bem emblemático em algumas áreas. O setor saúde é pioneiro nesse processo a ponto de, atualmente, 97% dos municípios já estarem adscritos a uma ou a outra forma de gestão local do Sistema Único de Saúde - SUS. A área de educação também tem se destacado no processo de descentralização. A promulgação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases - LDB da educação nacional explicitou com maior clareza as atribuiçõesdos três níveis de governo, tendo por fundamento o regime de colaboração entre as instâncias da Federação. www.pontodosconcursos.com.br 26 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS Outra linha de mudanças, a participação da sociedade na formulação, na implementação e no controle das políticas sociais ocorre essencialmente por intermédio dos conselhos. Atualmente, a maioria absoluta das políticas sociais está atrelada a conselhos que, em geral, desdobram-se nas três esferas de governo – federal, estadual e municipal – e contam com integrantes governamentais e não governamentais. As composições e as competências variam de conselho para conselho; alguns, por exemplo, são paritários, e outros não o são; alguns são deliberativos, e outros, apenas consultivos. Ademais, em alguns setores, como o da saúde e o da assistência, são as conferências nacionais – integradas por representantes do governo e da sociedade – que legalmente definem os rumos das respectivas políticas. Porém, há o reconhecimento de que esses instrumentos, que visam à partilha das decisões e da gestão das políticas sociais entre Estado e sociedade, ainda necessitem de ser aprimorados. No que se refere à focalização ou seletividade das ações, observa-se um esforço em dar prioridade a grupos social e biologicamente vulneráveis no âmbito das políticas sociais. Trata-se de um caminho para a universalização do atendimento, que, assim, configura-se em uma prática cujo objetivo é beneficiar a todos e mais a quem tem menos. Isto é, esse movimento busca contemplar tanto a garantia dos direitos sociais quanto a execução de programas expressivos de combate à pobreza. Esse é o caso, por exemplo, do Projeto Alvorada. As mudanças no padrão de regulação e a regulamentação de bens e serviços públicos vêm gradativamente definindo novos parâmetros para a gestão e para o controle da produção de bens e de serviços de natureza social. Um exemplo expressivo desse movimento pode ser encontrado na área se saúde, na qual foram recentemente criadas duas agências regulatórias: a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A primeira visa a controlar a oferta dos planos de saúde, e a segunda, como já foi comentado em capítulo anterior, busca resguardar a saúde da população por meio do controle sanitário. Outro exemplo de intervenção regulatória, que pode ser bastante eficaz na garantia da qualidade, e na acessibilidade, de um importante insumo de saúde, é o estímulo à difusão de medicamentos denominados genéricos, há pouco regulamentados pela ANS. Outro movimento de transformação das políticas sociais pode ser observado no conjunto de medidas e de instrumentos que o governo federal vem implementando para melhorar seu gerenciamento, buscando maximizar sua eficiência e eficácia. Nesse sentido, tem-se procurado aperfeiçoar a qualidade dos serviços prestados, por medidas dentre as quais se destacam: ƒ A contratação de gestores via concurso público e o treinamento regular dos servidores; www.pontodosconcursos.com.br 27 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS ƒ O aperfeiçoamento dos sistemas de informação e uma maior divulgação deles, com o uso dos meios propiciados pela informática e pela internet, entre outros; ƒ A mensuração dos resultados para que se conheça melhor o alcance das políticas. ƒ A implementação de mecanismos de aproximação dos usuários ao acesso a bens e a serviços públicos, tais como a instalação, em praticamente todos os ministérios sociais, de centrais de atendimento gratuito (linhas 0800). Nesses últimos anos, tem-se assistido à emergência de uma série de inovações sociais, ainda muito restritas, e que têm em comum uma forte vertente de localismo (o local como ponto privilegiado para impulsionar um desenvolvimento mais sustentável) e a busca de processos de participação democrática. Essas experiências mais pontuais têm procurado rearticular o espaço social no qual se processam as políticas, promovendo uma mudança nos modos de produzir e distribuir os bens e serviços sociais. Exemplos nessa linha – ainda que com magnitudes e naturezas diferenciadas – podem ser encontrados em propostas como a Agenda 21 Local, a Comunidade Ativa, os programas de desenvolvimento local impulsionados pelo Banco do Nordeste ou pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, os programas de renda mínima e as experiências municipais de orçamento participativo. Pode-se concluir que esse movimento de reformas está em andamento. Sua consolidação dependerá do reforço da capacidade de coordenação e de controle estatais, bem como de maior “permeabilidade” em relação à sociedade civil organizada. Coordenação, planejamento e mobilização de recursos condizentes com o tamanho da dívida social, de um lado, e, de outro, sólidas instituições legais guardiãs dos direitos constituem condições necessárias à conquista de maior eqüidade e justiça social e, conseqüentemente, à realização do direito humano à alimentação adequada. 2 Descentralização e Democracia A descentralização de políticas públicas representa a transferência da gestão de serviços sociais, como saúde, educação fundamental, habitação, saneamento básico e assistência social do Governo Federal para os estados e municípios e também para a sociedade civil. Durante o regime militar, as relações intergovernamentais do Estado brasileiro eram, na prática, muito mais próximas às formas que caracterizam um Estado unitário do que àquelas que caracterizam as federações. Governadores e prefeitos das capitais e de cerca de 150 cidades de médio e grande porte foram destituídos de base própria de autonomia política: selecionados formalmente por eleições indiretas e, de fato, por www.pontodosconcursos.com.br 28 . ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA P/ TCU E CGU PROFESSOR RAFAEL ENCINAS indicação da cúpula militar, sua autoridade política não era derivada do voto popular. Além disto, todos os governadores e prefeitos detinham escassa autonomia fiscal: a centralização financeira instituída pela reforma fiscal de meados dos anos 60 concentrou os principais tributos nas mãos do governo federal e, ainda que tenha ampliado o volume da receita disponível dos municípios, uma vez realizadas as transferências, estas estavam sujeitas a estritos controles do governo federal. Foi um Estado dotado destas características que consolidou o Sistema Brasileiro de Proteção Social, até então um conjunto disperso, fragmentado, com reduzidos índices de cobertura e fragilmente financiado de iniciativas governamentais na área social. Esta forma de Estado moldou uma das principais características institucionais do Sistema brasileiro: sua centralização financeira e administrativa. Após a CF/88, a redefinição de competências e atribuições da gestão das políticas sociais tem-se realizado sob as bases institucionais de um Estado federativo, o que significa dizer que o modo pelo qual os governos locais assumem funções de gestão de políticas públicas é inteiramente distinto daquele sob o qual elas foram assumidas no regime militar. Segundo Maria Hermínia Tavares de Almeida: O Federalismo caracteriza-se, assim, pela não centralização, isto é, pela difusão dos poderes de governo entre muitos