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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS João Martins Tude Daniel Ferro Fabio Pablo Santana Tatiane Antonovz G es tã o G E S T Ã O D E P O L ÍT IC A S P Ú B L IC A S Jo ão M ar tin s Tu de D an ie l F er ro Fa bi o Pa bl o Sa nt an a Ta tia ne A nt on ov z A preocupação com o bem-estar social marcou o Estado no século XX. Nesse contexto, surgiram as Políticas Públicas, enquanto meio para atender a demandas específicas da sociedade, e também como disciplina acadêmica e área de estudo. Os estudos de Políticas Públicas estão difundidos em diversos países e são de grande valia para o planejamento das ações dos governos, seja em nível municipal, estadual ou federal, das empresas e, até mesmo, dos cidadãos comuns. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6155-6 9 7 8 8 5 3 8 7 6 1 5 5 6 CAPA_gestao_politicas_publicas.indd 1 17/06/2016 09:11:10 João Martins Tude Daniel Ferro Fabio Pablo Santana Tatiane Antonovz IESDE BRASIL S/A Curitiba 2016 Gestão de Políticas Públicas CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T827g Tude, João Martins Gestão de políticas públicas / João Martins Tude , Daniel Ferro , Fabio Pablo Santana , Tatiane Antonovz. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE BRASIL S/A, 2016. 196 p. : il. ; 21 cm. ISBN 978-85-387-6155-6 1. Administração pública. I. Ferro, Daniel. II. Santana, Fabio Pablo. III. Título. 16-29338 CDD: 352 CDU: 352 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. © 2016 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Produção FAEL Direção de Produção Fernando Santos de Moraes Sarmento Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Evelyn Caroline dos Santos Betim Imagem Capa Digital Storm/Shutterstock.com Arte-final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Conceitos gerais de Políticas Públicas | 7 2. A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação | 35 3. Controle e monitoramento social de Políticas Públicas no Brasil | 61 4. Políticas Públicas no Brasil: o caso das políticas de habitação | 87 5. Políticas Públicas no Brasil: educação, saúde, trabalho e renda, meio ambiente e moradia | 115 6. Novos campos de estudo de Políticas Públicas: a política externa enquanto Política Pública | 139 7. A crise do Estado de Bem-Estar Social com relação às políticas públicas no contexto neoliberal | 157 Gabarito | 175 Referências | 183 Carta ao aluno A preocupação com o bem-estar social marcou o Estado no seculo XX. Nesse contexto, surgiram as Políticas Públicas, enquanto meio para atender as demandas especificas da sociedade e também como disciplina acadêmica e área de estudo. Os estudos de Políticas Públicas estão difundidos em diversos países e são de grande valia para o planejamento das ações dos governos, seja em nível municipal, estadual ou federal, das empresas e até mesmo dos cidadãos comuns. Com a evolução dos estudos sobre Políticas Públicas, tal campo vem se ampliando e diversificando, englobando uma grande quantidade de conceitos e teorias. Também são diversas as áreas do conhecimento que se debruçam sobre os estudos das Políticas Públi- cas: Administração, Ciências Políticas, Direito, Relações Internacio- nais, Economia, entre outras. Tais fatos nos evidenciam a importân- cia dos estudos sobre as Políticas Públicas. Visando introduzir o aluno ao universo dos estudos das Polí- ticas Públicas, buscaremos expor conceitos e teorias gerais importan- tes para os estudos das Políticas Públicas, assim como entender quais as principais razões motivadoras de se estudar as Políticas Públicas, os diferentes tipos de atores sociais e instituições envolvidos no processo – 6 – Gestão de Políticas Públicas de formulação, implementação e avaliação das Políticas Públicas e os princi- pais tipos de políticas adotadas pelo governo. Bucaremos também explicar como funciona o policy cycle, ou seja, o ciclo das Políticas Públicas, incluindo cada uma de suas fases, e analisar quais são os elementos constituintes do mesmo que interferem no desenvolvimento desse processo. E ainda, apresentar e refletir sobre o histórico, os meios, os mecanis- mos e as limitações da participação da sociedade civil brasileira no controle/ monitoramento de Políticas Públicas. Abordaremos o caso das politicas de habitação” – objetiva-se refletir sobre a formulação e implementação de Políticas Públicas no Brasil, a partir da análise do caso das políticas habitacionais. Vale a pena ressaltar que sabe-se que a formu- lação e implementação de outros tipos de políticas, como as de saúde, de edu- cação, de distribuição e renda, entre outras, guarda especificidades. Entretanto, entendemos que, de maneira geral, a formulação e implementação das Políticas Públicas guardam grandes semelhanças na sua lógica a depender do governo e período histórico brasileiro. Na sequência, objetivamos expor a perspectiva de abertura do campo de Políticas Públicas a partir do entendimento da política externa como política pública. Veremos de que forma a expansão do campo de estudos de Políticas Públicas e os processos de globalização e redemocratização política influencia- ram as novas abordagens da política externa. Veremos quais as características particulares da política externa como campo de estudos e como objeto do jogo político no seio do Estado, buscaremos analisar também de que maneira é possí- vel entendê-la enquanto política pública semelhante as políticas públicas domés- ticas, e analisaremos o caso brasileiro buscando compreender como esse processo de politização da política externa se desenvolveu em nosso país. Finalizando o material, serão abordados o conceito Bem-Estar Social e o papel do Estado como provedor dos direitos mínimos para os cidadãos, discu- tindo os diferentes modelos e fundamentos, também como alguns países apli- cam ou aplicaram o Estado de Bem-Estar Social, incluindo os países Latino Americanos, com ênfase nas práticas observadas no Brasil. Outro tema é o Neo- liberalismo, conceitos, evolução no contexto do capitalismo, a relação com o conceito de Bem-Estar Social e de suas principais práticas, e, por último, vere- mos os fundamentos da atual crise do Neoliberalismo. Conceitos gerais de Políticas Públicas 1.1 As Políticas Públicas e o seu estudo O estudo do papel e das ações do Estado não é novidade na história humana. Desde os filósofos e pensadores da Antiguidade que a humanidade debruça-se na reflexão sobre o que o Estado “faz ou deixa de fazer”, sobre como são tomadas as decisões políticas e sobre quais as obrigações e direitos dos governantes e governados. Mas, no decorrer dos séculos, essas perspectivas foram se modifi- cando em decorrência do próprio desenvolvimento político das sociedades e das formas de governo que iam se consolidando ao longo do tempo. 1 Gestão de Políticas Públicas – 8 – Nos séculos XVIII e XIX, por exemplo, as principais funções do Estado restringiam-se à manutenção da segurança pública interna e da preservação da propriedade privada e à defesa das fronteiras em caso de ataque externo advindo de outros Estados. No século seguinte, com o adensamento e expan- são cada vez mais crescente da democracia, as responsabilidades e funções do Estado também se diversificaram e expandiram. O século XX é marcado pelo surgimento de uma nova e importante função do Estado, a promoção do bem-estar social. Essa nova demanda social, o bem-estar, requer do Estado uma atuação diferenciada e mais diretamente ligada aos problemas cotidia- nos da sociedade.É nesse contexto que surgem as Políticas Públicas, com o objetivo de dar respostas a demandas específicas da sociedade. Enquanto disciplina acadêmica e área do conhecimento, as Políticas Públicas têm sua origem nos Estados Unidos em meados do século XX. Políticas Públicas, tradicionalmente, compreendem o conjunto das deci- sões e ações propostas geralmente por um ente estatal, em uma determinada área (saúde, educação, transportes, reforma agrária etc.), de maneira discri- cionária ou pela combinação de esforços com determinada comunidade ou setores da sociedade civil. Contudo, destaca-se que o conceito de Políticas Públicas tem evoluído ao longo do tempo, sobretudo na Ciência Política. Inicialmente, considera- vam-se as Políticas Públicas quase exclusivamente como outputs do sistema político, ou seja, as ações executadas por um ente estatal a partir de demandas captadas, negociadas e transformadas da sociedade; sendo que a ciência polí- tica se preocupava em estudar somente os inputs, que eram essas demandas da sociedade responsáveis pela formação desses outputs. Entretanto, com a evolução desta ciência, as Políticas Públicas começa- ram a ser concebidas como unidade de análise, sendo estudado o seu processo como um todo (inputs + outputs). Dessa forma, os estudos nessa temática pas- saram a se ocupar em entender desde a origem até a formação final das Políticas Públicas, abordando todos os atores envolvidos para o seu desenvolvimento. De Faria (2003) faz uma interessante análise da evolução do conceito de Políticas Públicas que evidencia a complexificação do processo por conta da participação de novos atores frente ao mesmo. Ela argumenta que inúmeros trabalhos científicos têm apontado para diversas formulações desse conceito. – 9 – Conceitos gerais de Políticas Públicas Segundo ela, os processos cada vez mais complexos, bem como a participação de novos atores nesses processos teriam deixado os modelos tradicionais de análise incapazes de interpretar essa nova realidade. A seguir é destacado um trecho importante em que se encontra esse pensamento: Nas duas últimas décadas, porém, os estudos acerca da interação entre os atores estatais e privados no processo de produção das Políticas Públicas têm sofrido significativas formulações. Uma grande varie- dade de pesquisas empíricas e de ensaios de natureza teórico-concei- tual tem demonstrado a incapacidade dos modelos tradicionais de interpretação dos mecanismos de intermediação de interesses, como o pluralismo, o corporativismo, o marxismo, em suas várias derivações, de dar conta da diversificação e da complexificação desses processos, muitas vezes marcados por interações não hierárquicas e por um baixo grau de formalização no intercâmbio de recursos e informações, bem como pela participação de novos atores, como, por exemplo, organi- zações não governamentais de atuação transnacional e redes de espe- cialistas. (DE FARIA, 2003, p. 21) Na atualidade, diante da diversidade de conceitos de Políticas Públicas, destaca-se o de Teixeira (2002). Ele desenvolve um conceito que aborda ele- mentos de uma definição clássica (alocação de recursos públicos e desenvol- vimento de ações a partir de regras definidas pelo Estado e sociedade), mas atenta também para a omissão em determinadas ações que fazem parte das Políticas Públicas. Dessa maneira, para Teixeira (2002, p. 3) Políticas Públicas [...] são diretrizes, princípios norteadores de ação do Poder Público; regras e procedimentos para as relações entre Poder Público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, polí- ticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normal- mente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não ações”, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos. Os estudos de Políticas Públicas estão difundidos em diversos países e são de grande valia para o planejamento das ações dos governos, seja em nível municipal, estadual ou federal, das empresas e até mesmo dos cidadãos comuns. Neste capítulo buscaremos entender quais as principais razões motiva- doras de se estudar as Políticas Públicas e os diferentes tipos de atores sociais Gestão de Políticas Públicas – 10 – e instituições que se ocupam de sua análise. Posteriormente passaremos ao esforço de conceituação e discussão semântica do termo “política” e suas diver- sas dimensões interpretativas, e especificamente do termo “Políticas Públicas”. Veremos, ainda, as diferenças entre os diversos atores envolvidos nos processos de formulação, implementação e avaliação de Políticas Públicas. Analisaremos os principais tipos de políticas adotadas pelo governo classificando-as de acordo com suas consequências tanto no processo de formulação como no processo de implementação e, por fim, verificaremos as interpretações das diversas correntes teóricas que se ocupam desse campo de estudos. 1.2 Por que estudar Políticas Públicas? Diversas são as razões que impulsionam os diferentes atores sociais a se debruçarem sobre os estudos de Políticas Públicas, mas dentre elas destaca- mos três razões principais: razões científicas (universidades, grupos de pes- quisa, acadêmicos etc.), razões profissionais (organizações sindicais, empresas e corporações comerciais e industriais, técnicos e especialistas em diversos segmentos sociais etc.) e razões políticas (lideranças comunitárias, lideranças políticas, organizações não governamentais etc.). 1.2.1 Razões científicas As razões científicas para o estudo das Políticas Públicas devem-se à importância adquirida por essa matéria principalmente nas democracias oci- dentais modernas. A possibilidade de prever os impactos da ação do Estado sobre a sociedade movimenta cientistas, notadamente do campo das ciên- cias humanas (cientistas políticos, sociólogos, administradores, antropólogos, economistas etc.) que têm por objetivo criar modelos que possam auxiliar tanto o Estado quanto a sociedade no processo de formulação, implementa- ção e avaliação de Políticas Públicas, além de fornecer instrumental explica- tivo dos fenômenos sociais que envolvem esse campo. Assim entendemos que, [...] o pressuposto analítico que regeu a constituição e a consolidação dos estudos sobre Políticas Públicas é o de que, em democracias está- veis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser (a) – 11 – Conceitos gerais de Políticas Públicas formulado cientificamente e (b) analisado por pesquisadores indepen- dentes. A trajetória da disciplina, que nasce como subárea da ciência política, abre o terceiro grande caminho trilhado pela ciência polí- tica norte-americana no que se refere ao estudo do mundo público. (SOUZA, 2006, p. 22) Uma análise científica das Políticas Públicas passa pela verificação de pelo menos duas variáveis explicativas: uma variável dependente e uma vari- ável independente. 2 Variável dependente: refere-se a quais forças sociais e quais carac- terísticas do sistema político influenciam o conteúdo das políticas. 2 Variável independente: refere-se aos impactos das Políticas Públicas sobre a sociedade e sobre o sistema político. 1.2.2 Razões profissionais As razões profissionais para o estudo das Políticas Públicas geralmente relacionam-se com a utilização dos conhecimentos adquiridos para resolução de problemas práticos. O estudo das Políticas Públicas é muito importante para tomada de decisões e planejamento das empresas e corporações comer- ciais e industriais, pois estas se utilizam dos estudos de Políticas Públicas para prever os impactos das ações do Estado sobre a sociedade e assim planejar suas ações no curto e médio prazo principalmente. Além das questões relacionadas à economia,os estudos de Políticas Públicas dão base para a ação de profissionais responsáveis por prover solu- ções imediatas para problemas sociais: técnicos em segurança pública, técni- cos em planejamento sanitário, técnicos em planejamento urbano, técnicos em saúde pública, técnicos em educação etc. 1.2.3 Razões políticas A principal razão política para o estudo das Políticas Públicas está em elevar o grau de conscientização da sociedade em torno das interferências do Estado na vida social e, dessa maneira, aumentar a qualidade das Políticas Públicas. Através da explanação detalhada das políticas adotadas pelo Estado, o estudo das Políticas Públicas proporciona o instrumental necessário para Gestão de Políticas Públicas – 12 – acender a discussão política e, dessa forma, tornar mais eficaz o resultado das Políticas Públicas, além de aproximar através da informação a sociedade das ações do Estado. 1.3 Conceitos centrais no estudo das Políticas Públicas A análise de Políticas Públicas passa necessariamente pelo entendimento dos diversos conceitos imbricados nessa matéria multidisciplinar e multiface- tada das ciências humanas. De acordo com Frey (2000), o termo “política” em língua inglesa possui três dimensões de significação: uma dimensão insti- tucional (polity), uma dimensão processual (politics) e uma dimensão material (policy/policies). 2 A dimensão institucional (polity): como o próprio termo já diz, essa dimensão do conceito de “política” na língua inglesa se refere ao ordenamento institucional do sistema político, às disposições jurídicas a que está sujeito e à estrutura institucional do sistema político-administrativo. 2 A dimensão processual (politics): refere-se ao processo político como comumente entendemos, às relações conflituosas entres os diversos atores políticos, partidos e agentes do governo, diz respeito aos objetivos a serem alcançados, aos conteúdos e às decisões de distribuição de poderes. 2 A dimensão material (policy): faz referência ao que entendemos como políticas (no plural), ou mais especificamente Políticas Públi- cas. São os conteúdos concretos da ação política, isto é, o resultado material dos chamados programas políticos ou planos de governo, são as resoluções do Estado para os problemas técnicos e mais ime- diatos da sociedade em sua concepção mais material. Apesar da importância teórica desses conceitos para a compreensão mais clara do que são as Políticas Públicas, na prática eles não podem ser dissocia- dos. Temos sempre de levar em conta que todas essas dimensões estão inter- -relacionadas e emergem de modo mais ou menos acentuado na ação política sempre entrelaçadas e influenciando-se mutuamente. – 13 – Conceitos gerais de Políticas Públicas O que veremos agora é a conceituação geral de cada uma dessas dimen- sões além de outros conceitos essenciais para compreensão das Políticas Públi- cas, sejam eles: politics, polity e policy/policies, policy network, policy arena e policy cycle. 1.3.1 Politics A politics pode ser entendida como a dimensão processual da política. É o âmbito dos caminhos (e descaminhos) pelos quais uma decisão política tem de passar, representa as instâncias decisórias do processo político, é nesse âmbito onde os diversos atores envolvidos no processo decisório possuem maiores pos- sibilidades de intervenção, tanto os policy makers (formuladores de políticas) quanto os demais atores sociais interessados nas decisões políticas. 1.3.2 Polity A polity seria a dimensão institucional da política. O conjunto de procedi- mentos, nos mais diversos níveis, formais e informais, que expressam relações de poder e que têm por objetivo a resolução dos conflitos no seio do Estado (entre diversas instâncias do poder) para melhor alocação dos recursos públicos. Podemos entender instituições políticas como, [...] padrões regularizados de interação, conhecidos, praticados e em geral reconhecidos e aceitos pelos atores sociais, se bem que não necessariamente por eles aprovados.[...] São produtos de processos políticos de negociação antecedentes, refletem as relações de poder existentes e podem ter efeitos decisivos para o processo político e seus resultados. (PRITTWITZ apud FREY, 2000, p. 232). 1.3.3 Policy/policies É no conceito de policy/policies que iremos encontrar a definição mais equivalente ao que entendemos como Políticas Públicas, ou mesmo “políti- cas” no plural. As policies são outputs (saídas), resultantes da atividade política, da dimensão procedimental da política (politics): faz referência aos conteúdos mais objetivos da política, ou seja, à materialização das propostas inseridas Gestão de Políticas Públicas – 14 – nos programas políticos, relaciona-se com os problemas técnicos e com o conteúdo material das decisões políticas. 1.3.4 Policy network A policy network pode ser entendida como o processo de inter-relações entre os diversos atores envolvidos na formulação/implementação de Políticas Públicas, são as redes que interligam esses atores e por onde a discussão política transita. De acordo com Miller, 1994, p. 379 (apud FREY, 2000, p. 221), Conforme uma definição de Heclo, entende-se por um “policy network” as “interações das diferentes instituições e grupos tanto do executivo, do legislativo como da sociedade na gênese e na implemen- tação de uma determinada policy” [Heclo, 1978, p. 102]. Segundo Miller, trata-se no caso de “policy networks” de redes de relações sociais que se repetem periodicamente, mas que se mostram menos formais e delineadas do que relações sociais institucionalizadas, nas quais é prevista uma distribuição concreta de papéis organizacionais. Todavia, essas redes sociais evidenciam-se suficientemente regulares, para que possa surgir confiança entre seus integrantes e se estabelecer opiniões e valores comuns. [MILLER, 1994, p. 379 apud FREY, 2000, p. 221]. 1.3.5 Policy arena A policy arena refere-se aos processos de conflitos e consensos entre os atores nas diversas arenas políticas. Envolve uma série de negociações e bar- ganhas que têm por objetivo maximizar os ganhos políticos nos processos de formulação/implementação de Políticas Públicas. Essas arenas de discussão podem ser subdividas de acordo com as suas consequências: políticas distri- butivas, políticas redistributivas, políticas regulatórias e políticas constituti- vas. Frey (2000, p. 223) argumenta que, A concepção da “policy arena” foi originalmente introduzida no debate científico por Lowi (1972). Ela parte do pressuposto de que as reações e expectativas das pessoas afetadas por medidas políticas têm um efeito antecipativo para o processo político de decisão e de imple- mentação. Os custos e ganhos que as pessoas esperam de tais medi- das tornam-se decisivos para a configuração do processo político. O modelo da “policy arena” refere-se, portanto, aos processos de conflito e de consenso dentro das diversas áreas de política, as quais podem ser distinguidas de acordo com seu caráter distributivo, redistributivo, regulatório ou constitutivo. – 15 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 1.3.6 Policy cycle A policy cycle corresponde às fases ou ciclos pelos quais as Políticas Públi- cas transitam antes de se concretizarem materialmente na sociedade. Esses ciclos correspondem a uma ordem sequencial que guia o processo político- -administrativo e possuem fases que vão desde a formulação, passando pela implementação até a avaliação das consequências das políticas adotadas. Frey (2000) propõe uma subdivisão mais sofisticada dessas fases que estaria repre- sentada pelas seguintes etapas: 2 Fase da percepção e definição de problemas – a grande questão envolvida nesse elemento concerne ao fato de como entre uma infi- nidade de demandas políticas, uma demanda específica converte-se em um problema público que acaba por gerar um policy cycle. 2 Fase da agenda setting – nessa fase é decidido se determinado tema fará parte da agenda política ou será excluídoou adiado para um período posterior. 2 Fase de elaboração de programas e de decisão – é nesse cenário que se decide qual das alternativas de ação é a mais apropriada para resolução da problemática social em questão. 2 Fase da implementação de políticas – seria a fase imediatamente posterior à da elaboração de programas e de decisão, corresponde- ria à concretização da alternativa escolhida entre as diversas dispo- níveis transformando-a em ação política concreta. 2 Fase da avaliação de políticas e correção da ação – nessa fase é quando ocorre a avaliação das políticas adotadas. Nela é possível refletir a relação custo X benefício empreendida na política pública e tentar contornar possíveis falhas de formulação ou execução. 1.3.7 Atores de Políticas Públicas Diversos são os atores sociais interessados na discussão das Políticas Públicas, seja na formulação, na implementação ou na avaliação. Esses atores, cada um a sua maneira, procuram influenciar esse processo dentro do jogo político e podem ser divididos em atores estatais e atores privados. Passare- Gestão de Políticas Públicas – 16 – mos agora à distinção desses atores e sua forma de atuação na discussão das Políticas Públicas. 1.3.8 Atores estatais O que entendemos por atores estatais são aqueles atores diretamente ligados à Administração Pública, que estão envolvidos na burocracia estatal ou ocupando cargos legislativos e executivos, sendo os políticos os principais representantes dos atores estatais. Os políticos são eleitos com base em suas propostas de políticas apre- sentadas para a população durante o período eleitoral e buscam tentar realizá-las. As Políticas Públicas são definidas no Poder Legislativo, o que insere os parlamentares (vereadores e deputados) nesse processo. Entretanto, as propostas das Políticas Públicas partem do Poder Exe- cutivo, e é esse Poder que efetivamente as coloca em prática. Cabe aos servidores públicos (a burocracia) oferecer as informações necessárias ao processo de tomada de decisão dos políticos, bem como operacio- nalizar as Políticas Públicas definidas. Em princípio, a burocracia é politicamente neutra, mas frequentemente age de acordo com interes- ses pessoais, ajudando ou dificultando as ações governamentais. Assim, o funcionalismo público compõe um elemento essencial para o bom desempenho das diretrizes adotadas pelo governo. (SEBRAE/ MG, 2008, p. 8-9) 1.3.9 Atores privados Os atores privados são aqueles que, diferentemente dos atores estatais, não estão diretamente ligados à Administração Pública, mas procuram par- ticipar das decisões do Estado principalmente através do que é comumente conhecido como lobby político. Como exemplo desses atores temos: 2 organizações não governamentais (ONGs); 2 as mídias em geral; 2 movimentos sociais; 2 sindicatos; 2 corporações empresariais; 2 associações da sociedade civil; 2 grupos políticos; – 17 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 2 entidades representativas etc. Entre os atores privados de relevância, com grande capacidade de influir em Políticas Públicas, estão incluídos os empresários, que detêm os meios de produção, controlam parcelas de mercado e a oferta de empregos. Através dos sindicatos, os trabalhadores podem, de forma organizada, articular e expressar seu poder e força políticos, tanto no setor privado quanto público. (IIDAC, 2003, p. 2) 1.4 Tipos de Políticas Públicas Depois de verificados os diversos conceitos envolvidos no estudo das Políticas Públicas e as razões e justificativas para seu estudo, passaremos agora à análise dos principais tipos de Políticas Públicas. É certo que os modelos que iremos apresentar não representam o conjunto total dos tipos de Políticas Públicas existentes, nem que cada política encaixe-se somente em um modelo, mas eles são importantes, pois buscam simplificar e esclarecer o nosso enten- dimento em torno do tema, nos ajudam a identificar aspectos relevantes das problemáticas políticas e a direcionar nosso olhar para compreender melhor o campo das Políticas Públicas. Inseridos no que definimos anteriormente como policy arena, podemos dividir em quatro os principais tipos de Políticas Públicas: políticas distribu- tivas, políticas redistributivas, políticas regulatórias e políticas constitutivas. 1.4.1 Políticas Públicas distributivas As chamadas políticas distributivas não consideram a limitação dos recursos públicos e buscam privilegiar não a sociedade como um todo, mas uma parcela da população. Um risco iminente advindo das políticas distribu- tivas é a ocorrência do que conhecemos como clientelismo. As políticas distributivas são caracterizadas por um baixo grau de con- flito dos processos políticos, visto que políticas de caráter distributivo só parecem distribuir vantagens e não acarretam custos − pelo menos diretamente percebíveis − para outros grupos. Essas “policy arenas” são caracterizadas por “consenso e indiferença amigável” [Windhoff- -Héritier, 1987, p. 48]. Em geral, políticas distributivas beneficiam um grande número de destinatários, todavia em escala relativamente pequena; potenciais opositores costumam ser incluídos na distribui- ção de serviços e benefícios. (FREY, 2000, p. 223) Gestão de Políticas Públicas – 18 – 1.4.2 Políticas Públicas redistributivas Diferente das políticas distributivas, as políticas redistributivas procuram atingir grandes contingentes sociais, mas consequentemente acarretam quase que equitativamente perdas e ganhos que muitas vezes representam um jogo que resulta em soma zero, tornando assim as políticas adotadas ineficazes. As políticas redistributivas, ao contrário [das políticas distributivas], são orientadas para o conflito. O objetivo é “o desvio e o desloca- mento consciente de recursos financeiros, direitos ou outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade” [Windhof f-Héritier, 1987, p. 49]. O processo político que visa a uma redistribuição cos- tuma ser polarizado e repleto de conflitos. (FREY, 2000, p. 224) 1.4.3 Políticas Públicas regulatórias Dentre os principais tipos de Políticas Públicas, as políticas regulatórias são as mais facilmente reconhecidas e envolvem prioritariamente os policy makers, a administração pública e a burocracia estatal, além dos grupos de interesse. As políticas regulatórias trabalham com ordens e proibições, decre- tos e portarias. Os efeitos referentes aos custos e benefícios não são determináveis de antemão; dependem da configuração concreta das políticas. Custos e benefícios podem ser distribuídos de forma igual e equilibrada entre os grupos e setores da sociedade, do mesmo modo como as políticas também podem atender a interesses particulares e restritos. Os processos de conflito, de consenso e de coalizão podem se modificar conforme a configuração específica das políticas. (FREY, 2000, p. 224) 1.4.4 Políticas Públicas constitutivas As Políticas Públicas constitutivas incorporariam em si os outros três tipos de políticas e seriam responsáveis pelos procedimentos necessários para que as outras políticas entrem em vigor. As políticas constitutivas (“constituent policy”) [Lowi, 1972] ou polí- ticas estruturadoras − Beck fala de “políticas modificadoras de regras” [Beck, 1993, p. 17] − determinam as regras do jogo e com isso a estrutura dos processos e conflitos políticos, isto é, as condições gerais sob as quais vêm sendo negociadas as políticas distributivas, redistri- butivas e regulatórias. (FREY, 2000, p. 224) – 19 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 1.5 Abordagens teóricas sobre as Políticas Públicas No campo das ciências especializadas nos estudos de Políticas Públicas, notadamente a Ciência Política e a Administração, muitos são os modelos teóricos utilizados na análise das Políticas Públicas. Destacaremos a seguir os principais modelos teóricos utilizados e as questões que guiam sua aná- lise em torno da resolução das problemáticas que envolvem os estudos de Políticas Públicas.1.5.1 Institucionalismo (neoinstitucionalismo) A Escola Institucionalista da Ciência Política tem origem nos Estados Unidos em meados do século XX, tendo como principais representantes Joseph Schumpeter, Robert Alan Dahl, Giovanni Sartori, entre outros. O principal pressuposto institucionalista evidencia que o desenho organizacio- nal das instituições é primordial no desdobramento do jogo político, rele- gando à participação dos cidadãos um caráter secundário. Aprofundando um pouco mais as contribuições do chamado [insti- tucionalismo] neo-institucionalismo para a área de Políticas Públicas, sabemos que, de acordo com os vários ramos desta teoria, instituições são regras formais e informais que moldam o comportamento dos atores. Como as instituições influenciam os resultados das Políticas Públicas e qual a importância das variáveis institucionais para explicar resultados de Políticas Públicas? A resposta está na presunção de que as instituições tornam o curso de certas políticas mais fáceis do que outras. Ademais, as instituições e suas regras redefinem as alternativas políticas e mudam a posição relativa dos atores. (SOUZA, 2006, p. 40) Existem, no mínimo, três grandes diferenças entre as instituições do Estado (ou governo) e as organizações privadas no que tange às Políticas Públi- cas, são elas: 2 é o estado que dá legitimidade às Políticas Públicas, são apenas as polí- ticas governamentais que estão submetidas às obrigatoriedades legais; 2 o objetivo das políticas governamentais está em atender a sociedade como um todo, em caráter universal; 2 somente o Estado possui a prerrogativa da coerção. Gestão de Políticas Públicas – 20 – Como já afirmamos anteriormente, o desenho organizacional das insti- tuições pode influenciar de modo decisivo o encaminhamento de um processo político e a implementação das Políticas Públicas. Esse desenho pode, em alguns casos, acelerar e desobstruir a execução de algumas políticas, mas pode também, em alguns casos, emperrar totalmente a execução de um projeto. Apesar dessa capacidade de mudar os rumos de um processo político, as alterações no desenho institucional das instituições devem ser feitas com cautela, pois muitas vezes essas mudanças são ineficazes, ou até mesmo pre- judiciais, quando não acompanhadas de mudanças na conjuntura social, eco- nômica e política. 1.5.2 Grupos de interesse A teoria dos grupos de interesse estabelece que grupos com atitudes próximas ou semelhantes tendem a se unir e reivindicar interesses comuns sobre outros grupos constitutivos da sociedade. Essa perspectiva compreende a política como a disputa entre os diversos grupos sociais pela influência nas ações do Estado, nas Políticas Públicas. O sistema político seria o responsável por equilibrar essas disputas e gerenciar os conflitos inter-grupais através de quatro disposições básicas: 2 estabelecer sob que regras esses grupos disputariam sua influência sob o processo político; 2 balancear os interesses divergentes e estabelecer os compromissos entre as partes; 2 fazer valer os compromissos e materializá-los em Políticas Públicas; 2 garantir a efetividade desses compromissos e sua permanência para sociedade. As Políticas Públicas representariam o equilíbrio mínimo alcançado na disputa dos grupos de interesse pelo poder político. Os policy makers (formuladores de políticas) ficariam então responsáveis em dar uma res- posta às demandas dos diversos grupos sociais que os pressionam atra- vés de barganha, negociação e concessões frente às petições de grupos de influência concorrentes. – 21 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 1.5.3 Teoria das elites Sendo uma das teorias mais influentes na Ciência Política moderna a teoria das elites possui também uma interpretação das Políticas Públicas e de como elas se conformam. A teoria das elites surgiu no final do século XIX tendo como fundador o filósofo e pensador político italiano, Gaetano Mosca (1858-1941). Em seu livro Elementi di Scienza Política (1896), Mosca estabeleceu os pressupostos do elitismo ao salientar que em toda sociedade, seja ela arcaica, antiga ou moderna, existe sempre uma minoria que é detentora do poder em detrimento de uma maioria que dele está pri- vado. Os poderes econômicos, ideológicos e políticos são igualmente importantes, mas em seus escritos Mosca deu ênfase à força política das elites. O restrito grupo de pessoas que a detém também pode ser denominado de classe dirigente. (CANCIAN, 2009, p. 1) De acordo com a perspectiva elitista, as elites possuíram historicamente maior poder de influência sobre o processo de formulação/implementação das Políticas Públicas que as massas, isso em decorrência de sua efetiva capa- cidade de organização e seu alto grau de consenso, dificilmente encontrado nas massas. Como consequência disso podemos delinear alguns pontos que caracterizariam as Políticas Públicas influenciadas pelas elites políticas. 2 as elites tendem a impor seus valores nas inovações e mudanças das Políticas Públicas que passam a perder seu caráter de alcance universal; 2 a perspectiva de inflexão (revolução) nas Políticas Públicas é substi- tuída por uma perspectiva incremental e reformista; 2 as reformas efetuadas através das Políticas Públicas podem servir somente para manutenção do status quo da elite dominante no momento; 2 na perspectiva elitista, a responsabilidade pela promoção do bem- -estar é das elites e não das massas, não que necessariamente somente as primeiras venham se beneficiar dos resultados das Polí- ticas Públicas; 2 o processo de participação política democrática na formulação/ implementação das Políticas Públicas adquiriria um caráter mera- mente simbólico já que essa prerrogativa estaria restrita somente a uma minoria. Gestão de Políticas Públicas – 22 – 1.5.4 Racionalismo Outra corrente teórica de grande relevância nas ciências em geral e nas ciências humanas especificamente, o racionalismo possui grande influência na formulação das Políticas Públicas. Dizer que uma política é racional sig- nifica afirmar que todos os valores essenciais para consecução dessa política foram amplamente difundidos e conhecidos e que, caso um desses valores tenha de ser sacrificado imediatamente, deve ser compensado por outro capaz de proporcionar o mesmo resultado. No campo prático da formulação/implementação das Políticas Públi- cas, essa racionalidade absoluta é praticamente impossível de ser alcançada devido à complexidade dos problemas sociais e da grande diversidade de fatores imprevisíveis contidos nesses problemas. Para resolução de tais ques- tões, Simon (1957) introduziu no campo de estudos das Políticas Públicas o conceito de racionalidade limitada dos policy makers (decisores públicos) argumentando que, [...] a limitação da racionalidade poderia ser minimizada pelo conhe- cimento racional. Para Simon, a racionalidade dos decisores públicos é sempre limitada por problemas tais como informação incompleta ou imperfeita, tempo para a tomada de decisão, autointeresse dos decisores etc., mas a racionalidade, segundo Simon, pode ser maxi- mizada até um ponto satisfatório pela criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos) que enquadre o comportamento dos atores e modele esse comportamento na direção de resultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de maximização de interesses próprios. (SOUZA, 2006, p. 23) Uma política racional estará sempre pautada na relação custo (valor dos inputs) X benefício (valor dos outputs), ou seja, sempre priorizando a eficiên- cia. Quanto maior for o cálculo racional inserido numa política, maior será sua eficiência prática. No processo de formulação/implementação de Políticas Públicas racio- nais, os policy makers necessitam seguir alguns pressupostos básicos: 2 é necessário possuir o conhecimento de todas as preferências dos diversos grupos demandantes da sociedade e seus pesos relativos; 2 é necessário ter claramente quais as alternativaspossíveis e viáveis para consecução de determinada política; – 23 – Conceitos gerais de Políticas Públicas 2 é preciso ter um diagnóstico antecipado das consequências de cada política alternativa que pode ser adotada; 2 é indispensável estabelecer a relação custo X benefício (valores aten- didos e valores sacrificados) para cada política alternativa; 2 dentre as alternativas apresentadas, deve-se escolher a que for mais eficiente, ou seja, a que minimize os custos e maximize os ganhos para sociedade. 1.5.5 Incrementalismo No campo das Políticas Públicas, o incrementalismo é a teoria concor- rente da teoria racionalista, visto que, a primeira considera as Políticas Públi- cas um continuum das políticas adotadas no passado efetuando-se apenas pequenas modificações. O incrementalismo considera a perspectiva raciona- lista irrealista e humanamente inviável, entendendo que seus pressupostos básicos requereriam uma capacidade de cálculo, conhecimento e previsão de fatos sociais que estariam além do escopo intelectual e técnico humano. Segundo Anthony Downs, os economistas analisam, planejam e deci- dem racionalmente. Dessa forma, creem poder prever as decisões, já que serão sempre tomadas aquelas consideradas mais razoáveis para se alcançar as metas previstas. Portanto, o homem racional sempre age de acordo com os seguintes critérios: (i) consegue tomar uma decisão quando confrontado com várias alternativas; (ii) classifica todas as alternativas em ordem de preferência; (iii) seu ranking de preferências é transitivo, ou seja, pode ser mudado; (iv) a escolha recai sempre sobre a primeira preferência; (v) a decisão sempre é a mesma quando são dadas as mesmas preferências. Downs ainda afirma que as decisões nem sempre serão racionais por- que os homens sempre visam algum fim e os benefícios devem sempre superar os custos. Assim, também se pode dizer que os políticos visam, primeiramente, a reeleição (seu maior benefício), logo, suas decisões serão sempre de acordo com seus fins e nem sempre racionais. O Homo economicus possui uma lógica diferente do Homo politicus. Além disso, “o comportamento racional requer uma ordem social previsível”. Nesse sentido, fica claro o quanto o comportamento racional se torna algo impossível nas relações políticas, pois, a imprevisibilidade da ordem social é um elemento, comprovadamente, presente na engenharia polí- tica. Se, geralmente, o resultado é o aumento das incertezas, torna-se muito difícil a racionalidade das decisões. (FERREIRA, 2003, p. 1) Gestão de Políticas Públicas – 24 – Com isso podemos sintetizar as críticas do incrementalismo ao modelo de Políticas Públicas pautadas na perspectiva racionalista nos seguintes pontos: 2 não há disponibilidade de tempo, verbas públicas, capacidade inte- lectual etc. que possibilitem a investigação de todas as alternativas possíveis na formulação/implementação das Políticas Públicas; 2 não há como prever todas as consequências possíveis das novas políticas adotadas; 2 não seria interessante desperdiçar investimentos já efetuados em função de políticas passadas, mesmo que estas não estejam aten- dendo com total eficiência as demandas a que foram destinadas; 2 a disputa política inviabiliza a implementação de uma política estritamente racional; 2 há uma predisposição humana em buscar a satisfação de suas demandas individuais e não a maximização dos ganhos sociais; 2 é impossível estabelecer um consenso dos objetivos sociais. 1.5.6 Teoria dos jogos A teoria dos jogos utilizada no campo das Políticas Públicas pode ser conceituada como o estudo das decisões racionais dos atores políticos quando postos em situações nas quais, interagindo com outros atores, têm que fazer opções e o resultado dessas escolhas depende das escolhas feitas por cada um dos atores envolvidos. A teoria dos jogos tem a finalidade de prever os movimentos dos outros jogadores, sejam eles concorrentes ou aliados, através dessa teoria os jogadores se posicionam da melhor forma para obter o resul- tado desejado. O objetivo da teoria dos jogos é entender a lógica na hora da decisão e ajudar a responder se é possível haver colaboração entre os jogado- res, em quais circunstâncias o mais racional é não colaborar e quais estratégias devem ser adotadas para garantir a colaboração entre os jogadores. (ALMEIDA, 2006, p. 1) A teoria dos jogos não possui a capacidade de descrever como os atores realmente fazem suas escolhas, mas como eles fariam se fossem totalmente – 25 – Conceitos gerais de Políticas Públicas racionais. É uma espécie de aplicação da teoria racionalista aplicada a situa- ções competitivas. Um exemplo muito conhecido de aplicação da teoria dos jogos é o dilema do prisioneiro, que funciona da seguinte forma: Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, tes- temunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. (GALUCIO, 2014) A grande questão resultante é “de que forma os prisioneiros irão reagir a esse dilema?” Do ponto de vista individual, o dilema do prisioneiro pode ser sinteti- zado na relação proposta na tabela abaixo: Prisioneiro “B” nega Prisioneiro “B” delata Prisioneiro “A” nega Ambos são condenados a 6 meses. “A” é condenado a 10 anos; “B” sai livre. Prisioneiro “A” delata “A” sai livre; “B” é condenado a 10 anos. Ambos são condenados a 5 anos. 1.5.7 Teoria dos sistemas A teoria dos sistemas utilizada como ferramenta para resolução das pro- blemáticas das Políticas Públicas preconiza que os diversos sistemas sociais estão em constante interação e, por isso, não devem ser considerados isolada- mente, mas sim nas suas relações de interdependência mesmo que sejam estes extremamente heterogêneos. A partir dessa perspectiva podemos entender que para resolução dos problemas sociais deve haver uma interação entre os policy makers e a socie- Fonte: GALUCIO, 2014. Gestão de Políticas Públicas – 26 – dade civil, num processo de troca de conhecimentos e experiências para con- secução dos objetivos das Políticas Públicas formuladas. Nesse processo a teo- ria dos sistemas propõe algumas questões essenciais que caracterizariam uma Política Pública sistêmica. 2 Quais dimensões significativas do sistema social que acarretam em demandas sobre o sistema político? 2 Quais características significativas do sistema político geram a possibilidade de transformação das demandas sociais em Políticas Públicas? 2 De que maneira os inputs da sociedade afetam as características específicas do sistema político? 2 De que modo essas características específicas do sistema político influem no conteúdo das Políticas Públicas adotadas? 2 Como as demandas e pressões sociais influenciam no conteúdo das Políticas Públicas? 2 De que maneira a Política Pública influencia, através de feedback, o ambiente social e as características específicas do sistema político? Neste capítulo vimos que o estudo de Políticas Públicas segue uma linha evolutiva ao longo do tempo, sempre em sintonia com o desenvolvimento do sistema político e social e do que é considerado no momento responsabilida- des do Estado. Vimos, também, as razões que motivam o estudo em torno das Políticas Públicas, tanto as científicas, profissionais, quanto as razões políticas. Realizamos um esforço em conceituar o termo “política” para assim definir o termo “Políticas Públicas” e observamos as diversas dimensões contidas nesses termos: uma dimensão institucional, uma dimensãoprocessual e uma dimen- são material. Analisamos as distinções existentes entre os modos de atuação dos diversos atores envolvidos nos processos de formulação, implementação e avaliação de Políticas Públicas, atores públicos e atores privados. Vimos, também, a classificação dos diversos tipos de Políticas Públicas de acordo com suas consequências: políticas distributivas, políticas redistributivas, políticas regulatórias e políticas constitutivas, e verificamos que apesar dessa distinção elas não podem ser entendidas na prática separadamente, mas sim em um movimento de influência mútua. E, por fim, analisamos as diferentes aborda- – 27 – Conceitos gerais de Políticas Públicas gens teóricas que se debruçam sobre o estudo das Políticas Públicas e de que maneira elas podem nos ajudar a compreender melhor as ações do Estado sobre a sociedade. Ampliando seus conhecimentos Reflexões leigas para a formulação de uma agenda de pesquisa em Políticas Públicas (REIS, 2003) No contexto do tema geral desse evento – Ciência Polí- tica e Justiça Social – parece-me oportuno lembrar algumas questões que permeiam toda a prática da ciência social e, em particular, da ciência política. Quero, contudo, pensar isso no caso específico da subárea de Políticas Públicas. O tema é importante demais para ser reservado exclusivamente aos especialistas. Considero as questões a serem discutidas tão centrais que sinto-me à vontade para refletir sobre alguns pontos, ainda que, pessoalmente, eu não seja uma pesqui- sadora dessa área e sim uma consumidora de seus resultados de pesquisa. Como ponto de partida, quero chamar atenção para o fato de que “Políticas Públicas” é uma das especializações que responde mais diretamente ao imperativo da relevância na prática das ciências sociais. Seja analisando a formulação, a implementação ou os resultados de policies, os especialistas podem ver de maneira bastante clara e imediata como suas análises interpelam situações concretas, examinam tecnica- mente problemas empíricos específicos e podem servir para legitimar ou deslegitimar as escolhas políticas efetivas. É preci- samente esse aspecto da relevância prática que mais me atrai nessa área. Ou seja, o fato de que, em princípio, ela não se Gestão de Políticas Públicas – 28 – furta ao imperativo da utilidade social e que, mesmo quando adota uma postura crítica, ela o faz apostando na possibi- lidade de cursos de ação alternativos. Em outras palavras, trata-se de uma área propositiva, pelo menos em tese. [...] Nesse sentido, o primeiro ponto que eu lembraria para uma agenda de pesquisas em Políticas Públicas é que os proje- tos tenham uma sustentação teórica. Isso parece demasiado óbvio para requerer atenção. Contudo, na prática vemos que com muita frequência descuramos desse princípio. Tal- vez o problema seja mais agudo na prática do ensino do que na da pesquisa em Políticas Públicas, mas em ambos os casos vale a pena enfatizar que nós nos beneficiamos e muito ao adotar uma postura atenta aos parâmetros teóricos que modelam nossas análises, por mais empíricas que sejam. O problema inverso deve nos preocupar igualmente. Pesqui- sas e cursos que são rotulados como análises de Políticas Públi- cas, na realidade, apenas se referem a policies, sem tratá-las de forma específica e sistemática. Em muitos casos, a indignação moral é tomada como justificativa teórica. Para alguém, como eu, que tem uma visão de fora da área, quais seriam os temas candentes? Que temáticas privilegiar nessa agenda? Sem dúvida, a gama de temas e problemas a serem investigados é imensa e são vários os critérios ordenadores que poderiam ser invocados para se elaborar as prioridades de pesquisa. O que é que esperaríamos ver enfatizado pelos especialistas? De fato, parece-me que a comunidade acadêmica tem respondido bem aos desafios do momento e a prova disso pode ser vista no próprio programa desse evento. [...] Acho proveitoso partir da constatação de que as relações entre recursos de autoridade e recursos de mercado, por um lado, e entre critérios de auto- ridade e critérios de solidariedade, por outro, passaram por modificações profundas no período histórico recente. No caso do primeiro polo, o surpreendente revival do libe- ralismo a que assistimos levou a uma súbita erosão da legitimi- – 29 – Conceitos gerais de Políticas Públicas dade do Estado como agente econômico no Segundo e no Terceiro mundo. O que mais me impressiona aqui é a rapidez com que crenças firmemente estabelecidas no âmbito da aca- demia e no âmbito dos governos foram suplantadas quase da noite para o dia. Subitamente, por exemplo, os livros sobre desenvolvimento e planejamento caducaram, deixando anô- micos os especialistas no assunto. No caso dos países ex-socialistas, as tendências mais recentes sugerem que tanto o governo quanto o mercado começam a dar sinais de se reequilibrarem, mas busca-se avidamente um arcabouço teórico e ideológico capaz de sistematizar novos arranjos. Já no caso da América Latina, se a situação econô- mica e social é menos animadora, não deixa de ser claro que o eclipse do Estado desenvolvimentista deixou um enorme vazio ideológico que introduz aqui e ali novas incertezas polí- ticas. Nesse novo contexto, a análise e a discussão de Políticas Públicas pode ser vítima de um tecnicismo exagerado, e isso é o que muitas vezes se critica nas análises dos economistas. O problema inverso é também bastante disseminado, ou seja, a negação dos constrangimentos técnicos em favor de uma adesão a-crítica a ideais doutrinários no mais das vezes arcaicos e anacrônicos. Pois bem, a nós cientistas políticos, sociólogos e antropólogos caberia o empenho de analisar policies como práticas políticas, práticas essas onde a interação entre interes- ses, valores e normas merece tanta consideração quanto os critérios técnicos e as restrições orçamentárias. Lembraria também que a erosão do ideário planificador (socia- lista ou capitalista) deu ensejo a uma situação nova onde a for- mulação de policies constitui causa e efeito das mudanças polí- tico-institucionais em curso. Poucas conjunturas são tão propícias a evidenciar a dinâmica interativa entre instituições e motivações individuais. Um programa de pesquisa amplo que se dedicasse a explorar essa questão, comparando tanto as diversas formas institucionais quanto as motivações variáveis de atores estratégi- Gestão de Políticas Públicas – 30 – cos que atuam nelas, ou com elas, seria extremamente relevante não só em termos teóricos, mas também práticos. Quero enfatizar aqui tanto o foco simultâneo na instituição e no ator, como o recurso à comparação. O primeiro aspecto permite-nos captar o jogo entre constrangimento e liberdade, entre limitações paramétricas e voluntarismo. Mas é o segundo, a comparação sistemática, que nos faculta as condições para checarmos o alcance de nossas explicações e interpretações. Nunca é demais insistir que a comparação é nossa melhor proxi a uma situação experimental. Esses seriam, portanto, na minha opinião, os elementos preliminares de uma agenda de pesquisa em Políticas Públicas. É preciso assumir o compromisso de arti- cular as perspectivas individualista e institucional. Isso me parece o desafio crucial, desafio que é tanto teórico como prático. Vol- temos à linha central de meu argumento, a ideia segundo a qual as relações entre autoridade, mercado e solidariedade passam por mudanças profundas no momento atual. No que diz res- peito à interação entre autoridade e solidariedade, as transforma- ções não são menos relevantes. Assim, por exemplo, as trans- formações recentes nas relações entre o Estado e a nação são igualmente dignas de nota: identidades coletivas são redefinidas por toda parte, cruzando fronteiras e desafiando autoridades nacionais. Mas, na medida em que a Política Pública continua sendo definida no contexto dos Estados nacionais, quero me deter apenas em outra dimensão desserelacionamento entre autoridade e solidariedade, o que concerne às organizações voluntárias – ONGs, instituições filantrópicas etc. Também aqui observamos um movimento notável em escala mundial que cria um novo tipo de ator relevante para a prática da Política Pública, o chamado Terceiro Setor, reino da solidariedade. Em síntese, é necessário reexaminarmos as relações do Estado com o mercado, por um lado, e com a sociedade civil, por outro. No primeiro caso, parece-me que à área de Políticas Públicas compete, por exemplo, analisar como é que o Estado – 31 – Conceitos gerais de Políticas Públicas age e/ou poderia agir para assegurar a provisão de bens públi- cos que não são mais produzidos e/ou distribuídos pelo setor público. Nesse sentido, a análise das agências de regulação é um dos objetos de estudo cruciais. Como são concebidas essas novas instituições? Quais suas atribuições? Como vêm desem- penhando seu papel de articuladoras entre a autoridade pública e o mercado provisor de bens públicos? De que maneira suas atribuições e prerrogativas constituem obstáculos ou recursos para a eficácia de Políticas Públicas específicas? Enfim, há toda uma série de questões da maior relevância para a análise de Polí- ticas Públicas que, para serem respondidas, precisam que o for- mato institucional e a prática dessas agências sejam esclarecidos. Com relação ao binômio autoridade/solidariedade, seria de extrema relevância pesquisar os novos padrões de funciona- mento da política social, que conta mais e mais com o volun- tariado. Noções como “democracia participativa”, “capital social”, “inclusão social”, “governança” e tantas outras que incorporamos ao nosso léxico nas décadas recentes têm, certamente, inspirado estudos de grande interesse e impor- tância. Mas, é oportuno lembrar que a componente virtuosa associada a cada um desses conceitos não nos dispensa do exame crítico, sem o qual a prática da análise política perde sua dimensão científico-reflexiva para tornar-se prática política. Cabe examinar, por exemplo, as consequências do recurso cada vez mais utilizado à atuação da sociedade civil em contextos onde a extrema desigualdade torna difícil postular uma sociedade civil no singular. Se os custos de organização e de participação são tão desiguais dentro de um país, faz sentido falar de uma sociedade coincidente com o Estado nacional? Não é só a globalização que coloca desafios ao Estado nacional. Interage estreitamente com ela um paralelismo entre setores sociais que experimentam condições e oportunidades de vida tão desiguais. Nesse contexto, o próprio engajamento da sociedade civil pode implicar novas formas de oligarquização de recursos. Gestão de Políticas Públicas – 32 – Ou seja, onde os custos e as oportunidades de participa- ção dos cidadãos são tão desiguais, os que já estão incluídos podem vir a aumentar suas vantagens relativas em relação aos excluídos. A lógica do capital social pode comportar tanta formação de monopólios quanto a do mercado. O que estou sugerindo é que a agenda de pesquisa em Políticas Públicas deveria incluir entre suas preocupações o exame crítico da interação entre o ator público e o voluntariado na execução de policies. Não se trata de demonizar esse ator, mas simples- mente de adotar uma postura crítica e analítica ante um ator ainda pouco estudado pela área. Também gostaria de ressaltar a importância de se inserir no quadro geral de orientações a modelar uma agenda de pes- quisa em Políticas Públicas a questão das tensões e possíveis contradições entre os princípios orientadores da ação. Uni- versalismo e ação focalizada, afirmação da igualdade e afir- mação das diferenças são termos que povoam os discursos de teóricos e práticos sobre a afirmação da cidadania. No entanto, a discussão a respeito disso poucas vezes se volta para a análise sistemática de resultados a curto ou a longo prazo de políticas sociais que privilegiem um ou outro dos termos dessas disjuntivas. Aqui, poder-se-ia abrir um amplo leque de estudos extremamente importantes, tanto no inte- rior da área de Políticas Públicas como no âmbito da ciência política como um todo. Isto é, essa discussão diz respeito ao próprio escopo da cidadania hoje, tema que se situa no cerne da teoria social e política. Atividades 1. De acordo com a evolução dos estudos de Políticas Públicas, é correto afirmar que: a. No século XX e início do século XXI as principais funções do Es- tado restringem-se à manutenção da segurança pública interna e à – 33 – Conceitos gerais de Políticas Públicas preservação da propriedade privada além da defesa das fronteiras em caso de ataque externo advindo de outros Estados. Isso explica o elevado interesse nos estudos de Políticas Públicas. b. Enquanto disciplina acadêmica e área do conhecimento as Po- líticas Públicas têm sua origem na Europa Ocidental em finais do século XX. A globalização e o desenvolvimento da ideologia neoliberal foram cruciais para que os estudos de Políticas Públicas se sedimentassem. c. Atualmente, os estudos de Políticas Públicas estão difundidos em diversos países e são de grande valia para o planejamento das ações dos governos, seja em nível municipal, estadual ou federal, das empresas e até mesmo dos cidadãos comuns. d. O estudo do papel e das ações do Estado é recente na história hu- mana e data de fins da Idade Média. Foi somente no contexto do declínio do regime feudal que os pensadores, filósofos e cientistas passaram a investigar e refletir sobre o que o Estado “faz ou deixa de fazer”. 2. Quais as principais dimensões conceituais inseridas na definição de “política”, qual delas é a que mais se aproxima do que conhecemos comumente como Políticas Públicas e quais as implicações dessa se- paração metodológica? 3. Quais as principais diferenças entre a abordagem racionalista e a abordagem incrementalista das Políticas Públicas? A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação A elaboração de Políticas Públicas consiste em um ciclo de fases sequenciais através do qual as demandas políticas são percebi- das e analisadas e são projetados e implantados os meios para que essas demandas sejam supridas. Geralmente, “o estudo das políti- cas é baseado no conceito de ‘ciclo da política’ (policy cycle), que se desenvolve a partir da decomposição do processo de elaboração da política” nos momentos de formulação, implementação e avaliação de resultados, dos quais “participam atores que tomam decisões, escolhem entre cursos possíveis e alcançam resultados característi- cos”. (CAVALCANTI, 2007, p. 177). Devido à abrangência e à relevância do conceito de policy cycle, existem diferentes teorias que explicam seus aspectos. Na ten- tativa de compreendê-lo e explicar suas etapas, os estudiosos das Políticas Públicas desenvolveram diversos modelos explicativos que apresentam conteúdos dessemelhantes decorrentes do modo de abordagem de cada autor. 2 Gestão de Políticas Públicas – 36 – As principais explicações sobre o policy cycle decorrem das teorias conhe- cidas como racionalismo e incrementalismo, as quais tratam dos aspectos da criação de Políticas Públicas de acordo com o grau de racionalidade e a ação dos fatores de ordem política presentes nas etapas de elaboração. No entanto, essas duas teorias apresentam um conteúdo limitado por se basearem em um modelo idealizado do processo de elaboração que negligencia aspectos fun- damentais da real estrutura da sociedade e do funcionamento do Estado. Em decorrência dessas restrições, surgem as abordagens denominadas teoria dos jogos e teoria dos sistemas que tratam da elaboração de Políticas Públicas de um modo mais sistemático e, por conseguinte, conseguem abarcar aspectos mais densos do processo de elaboração. Tendo em vista que as Políticas Públicas são elaboradas com o objetivo fundamental de suprir as demandas sociais, o tema da elaboração de PolíticasPúblicas ganha uma importância significativa para o nosso estudo, uma vez que nos permite observar as características que ao longo do policy cycle determi- nam a eficácia ou fracasso das soluções apresentadas pelas políticas adotadas. Este capítulo tem por objetivo explicar como funciona o policy cycle, como ocorrem cada uma de suas fases e quais são os elementos constituintes do mesmo que interferem no desenvolvimento do processo. Para atender a tal objetivo, assim como para facilitar a explicação das etapas do policy cycle, este capítulo se divide em duas partes principais. A primeira parte se atém a explicar os momentos de formulação e implementação das Políticas Públi- cas, caracterizando seus atores e procedimentos e enfatizando os aspectos que influenciam no resultado dessas políticas. A segunda parte apresenta a etapa de avaliação, o momento final do ciclo da política, onde são ilustrados os con- ceitos e diferenças entre a avaliação e a análise de Políticas Públicas e também são apresentadas as principais características dessa etapa. 2.1 Formulação e implementação de Políticas Públicas 2.1.1 A formulação de Políticas Públicas As Políticas Públicas são elaboradas essencialmente com o objetivo de suprir as demandas sociais, sendo assim, o fato de que existem diversos problemas sociais nos permite deduzir que existem diferentes segmentos da – 37 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação sociedade onde as Políticas Públicas podem atuar na tentativa de solucionar esses problemas. Independente do tipo de política adotada e do segmento ou problema social ao qual ela se direciona, todas as Políticas Públicas que seguem o modelo do policy cycle têm seu início na etapa de formulação. De acordo com Cavalcanti (2007), “a formulação se inicia quando os atores políticos, Estado, instituições etc., ‘conjuntamente’ [...] definem qual assunto fará parte da agenda política e sofrerá interferência por parte do setor público tornando necessária a formulação de alternativas de política.” Nesse sentido, podemos definir como primeira etapa da formulação de uma Política Pública o estágio onde as problemáticas sociais são analisadas e inseridas ou não na agenda política. Essa última afirmação nos remete ao seguinte ques- tionamento: por que alguns problemas sociais são considerados importantes e outros são deixados de lado? As demandas sociais são analisadas de acordo com a sua relevância enquanto problema de interesse público. “Somente a convicção de que um problema social precisa ser dominado política e administrativamente o trans- forma em um problema de policy”. (FREY, 2000, p. 227 apud WINDHOFF- -HÉRITLER, 1987, p. 58). Sobre isso Cavalcanti (2007) nos traz a seguinte afirmação: A construção da agenda ou mais propriamente a inclusão ou não de um determinado assunto na agenda de governo revela o fato de que em função da assimetria existente na distribuição do poder, nem todas as questões se transformam em assuntos que serão objeto da ação governamental. Em outras palavras, nem todos os assuntos são introduzidos na agenda e elaborados a fim de darem lugar a uma polí- tica a ser implementada. (CAVALCANTI, 2007, p. 181) A percepção e definição de quais problemas serão solucionados pela política a ser elaborada é o que dá início ao policy cycle, no qual a fase de formulação corresponde ao momento onde são definidos quais serão as alter- nativas de ação e os instrumentos utilizados para solucionar os problemas percebidos durante a prospecção das demandas. Sobre os processos desenvolvidos na etapa de formulação, Cavalcanti (2007) nos apresenta a seguinte declaração: A formulação da política é o momento em que se estabelece uma ‘fór- mula’; onde se ordenam alternativas; onde se prescreve “o como”, “o Gestão de Políticas Públicas – 38 – quando”, “o porquê”; e se exprimem os resultados que se espera da política. Em outras palavras, é o momento no qual se estabelece como o “assunto” escolhido será abordado e como será solucionado. É o momento da “formulação” de alternativas para a solução do “problema público”. Não obstante, deve-se considerar que ainda que o assunto tenha sido “incluído” como merecedor de uma intervenção existirá uma variedade de maneiras para resolvê-lo. (CAVALCANTI, 2007, p. 178). Nessa afirmação de Cavalcanti (2007) percebe-se claramente que o momento de formulação das políticas é marcado por um intenso período de tomada de decisões. É muito importante compreender o modo como essas decisões são tomadas, quais são os atores envolvidos no processo, assim como quais são os fatores que influenciam essa tomada de decisão. Essas observa- ções são imprescindíveis uma vez que as decisões tomadas nessa etapa servem de base para orientar as políticas ao longo de todo o ciclo político e impactam diretamente nos seus resultados. “A tomada de decisão é considerada como o processo de responder ao assunto mediante a busca de alternativas para solucioná-lo” (CAVALCANTI, 2007, p. 193). É importante ressaltar que o processo decisório não ocorre de forma ordenada e racional, e que por isso “ele é diferente em cada sistema político e regido por forças diversas (negociação, relações de poder, novas oportunidades etc.) [...]. Para compreender como se dá o processo de decisão é necessário considerá-lo como algo extremamente complexo, sem princípio, meio e fim, cujos limites e resultados são incertos” (LINDBLON, 1981, p. 10 apud CAVALCANTI, 2007, p.193). Os critérios comumente adotados para analisar o processo decisório derivam de diversos modelos teóricos. Para guiar o nosso estudo, apresenta- -se abaixo uma tabela comparativa contendo as principais características dos modelos teóricos mais utilizados. Tabela 1 – Tabela comparativa dos modelos teóricos mais utilizados para análise do processo de tomada de decisão Modelo racional Nesse modelo, o ator ou decisor (individual ou coletivo) atua utili- zando critérios de racionalidade. É um modelo descritivo e prescri- tivo, que pressupõe que o ator dispõe de todas as decisões necessárias para a tomada de decisão e, diante disso, pode escolher e prescrever qual a melhor opção dentre as demais. – 39 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação Essas perspectivas teóricas nos permitem compreender em que funda- mentos se baseiam as decisões tomadas na formulação das políticas. Seguindo o fluxo do policy cycle, analisaremos agora como as proposições definidas na formulação são implementadas. 2.1.2 A implementação de Políticas Públicas O processo de implementação é a etapa onde as decisões tomadas na fase de formulação são aplicadas na prática; é o momento onde se podem observar os resultados finais das políticas adotadas e pode-se mensurar se ela obteve sucesso ou fracasso na consecução de seus objetivos. Sobre essa visão do momento de implementação, Cavalcanti (2007) nos traz algumas considerações importantes ao afirmar que: Modelo de racionalidade limitada É um modelo que sugere que o conhecimento nunca abrange a totalidade, sendo assim, o decisor não dispõe de todas as infor- mações e, por isso, utiliza-se daquelas que estão disponíveis. Modelo de escolha pública Nesse modelo cada ator político toma decisões de acordo com seus interesses estritamente pessoais. Os indivíduos são vistos como instrumentos racionais capazes de escolher ações apropria- das aos objetivos que pretendem alcançar. Modelo de análises de redes É um modelo que compreende o processo de tomada de decisão explicado através das características das estruturas de interação (redes) nas quais tem lugar o processo de formulação de políti- cas, esse processo é entendido como uma troca de recursos entre agentes que, além de terem um papel ativo na materialização de deveres públicos, tentam satisfazer seus próprios interesses. Modelo incremental Esse modelo se baseia na premissa de que não existeuma expli- cação racional no processo de tomada de decisão, seja ela global ou limitada. A tomada de decisão no modo incremental é um resultado de pressões, compromisso, coalizões entre atores que se encontram numa relação de interdependência. Fonte: CAVALCANTI, 2007. Gestão de Políticas Públicas – 40 – Nem todas as políticas definidas são realmente implementadas. E, mesmo as que são implementadas, podem alcançar resultados dife- rentes daqueles que foram originalmente idealizados. Isso ocorre por- que muitas coisas falham entre o momento da formulação e aquele em que são produzidos os resultados. [...] O processo de implemen- tação é um momento especialmente problemático. Momento esse em que se pretende transformar as intenções expressas em planos ou programas em ações, e onde se materializam as decisões. Também é um momento que emergem as negociações que não foram levadas a termo entre os atores políticos ou que foram propositadamente dei- xadas em suspenso. O que denota o caráter dinâmico e complexo do processo de implementação. (CAVALCANTI, 2007, p. 218). Para explicar a fase de implementação há duas vertentes teóricas básicas: as teorias consideradas tradicionais – as chamadas Visão Clássica da Imple- mentação e Visão da Implementação como Processo – e a teoria moderna, chamada Visão da Implementação como Jogo; as quais apresentam caracte- rísticas distintas e abordam o momento de implementação segundo o modo como cada uma concebe o ciclo da política (policy cicle). Na Visão Clássica da teoria tradicional, o policy cycle não é conceituado como um processo (figura 1). Essa visão considera que a fase de implemen- tação se separa da fase de formulação e que tais etapas ocorrem de cima para baixo (top down)1. Diante disso, é possível fazer uma analogia entre essa visão e a manufatura: a “construção de políticas” se dá em dois momentos distin- tos, a concepção – realizada pelos altos funcionários públicos – e a execução – realizada pelos funcionários públicos com menor nível hierárquico. Nessa perspectiva, a administração pública aparece como um mecanismo opera- tivo perfeito onde seria possível assegurar que um projeto proposto na fase de formulação seria fielmente reproduzido na sua etapa de implementação. Todavia, inúmeras são as críticas feitas a essa visão ingênua da administra- ção pública, porque além de fornecer um panorama demasiado simplista da realidade, não considera os aspectos relativos à implementação como fatores importantes no âmbito das Políticas Públicas. 1 O modelo “de cima para baixo” (top-down) parte do pressuposto de que a responsabilidade pela a implementação da política repousa quase que exclusivamente na atuação dos burocratas de “alto- -nível” que “comandam” aqueles situados nos níveis “mais baixos”. (CAVALCANTI, 2007, p. 222) – 41 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação Figura 1 – Visão Clássica do policy cycle. Formulação de políticas Implementação de políticas Resultados Fonte: SILVA; MELO, 2000. A outra vertente da teoria tradicional decorre de uma visão mais abran- gente da administração pública, a qual considera a implementação um pro- cesso (figura 2) e suas eventualidades são incorporadas à análise do mesmo. Essa teoria é mais ampla na medida em que considera os aspectos relacio- nados à capacidade institucional dos agentes implementadores, assim como os problemas de natureza política e a possibilidade de resistências e boicotes de grupos negativamente afetados pela política. Entretanto, tais ocorrências – ou seja, fatos ocorridos diferentemente do que foi planejado – ainda são entendidos como problemas, os quais são responsáveis por “desvios de rota”. Ou seja, esses problemas irão retroalimentar o processo de formulação que deverão readequar o planejamento para que possa, então, ser implementado de uma nova maneira. Figura 2 – A visão do policy cycle como um processo simples e linear. Formulação de políticas Implementação de políticas Retroalimentação/monitoramento Fonte: SILVA; MELO, 2000, p. 6. As críticas feitas a essa teoria referem-se à prioridade que ela ainda con- fere ao processo de formulação e por desconsiderar a capacidade dos respon- sáveis pela implementação da Política Pública em formular no momento da ação/execução dessa política. Além dessas duas visões da teoria tradicional existe uma concepção do processo de implementação entendido como um jogo, a chamada Teoria Moderna. Essa suposição considera os contextos importantes nos processos de Gestão de Políticas Públicas – 42 – implementação das Políticas Públicas, nos quais são evidenciados a existência de um cenário político caracterizado por troca, a negociação e a barganha, a ambiguidade de objetivos e os problemas de coordenação intergovernamental; um cenário completamente diferente daquele que considerava a administração pública como um sistema operativo perfeito. Nessa visão se considera ainda que: os recursos para implementação são limitados, a informação na fase de formulação é escassa e existe uma grande limitação cognitiva por parte dos for- muladores (policy makers). É ressaltada também, nessa visão, a impossibilidade de se controlar as eventualidades, uma vez que os formuladores de políticas não controlam e muito menos têm condições de prever as contingências que podem afetar o policy environment (ambiente político) no futuro. Para os teóricos dessa visão, os elementos que ocorrem na implementa- ção que acontecem diferentemente do que havia sido planejado são formas de aprendizagem que contribuem para evolução e adaptação das Políticas Públi- cas. A existência dos “elos críticos”2 são responsáveis pelo redirecionamento das políticas, no qual as redes de agentes políticos desenvolvem a aprendiza- gem coletiva. Há nessa visão, portanto, a recusa à noção de implementação como uma etapa subsequente à formulação. Todas essas considerações criam uma visão bastante estratégica dos problemas de implementação; esse processo passa a ser percebido como uma decisão política que decorre da interação entre atores políticos (stakeholders) e é eliminada a tendência de isolar a Política Pública do jogo político mais amplo, uma ideia que tem efetivamente se mostrado irrealista e pouco democrática. Esse contexto nos permite conceber uma ideia de policy cycle como um processo constituído por etapas, onde ao longo de cada uma delas as Políticas Públicas passam por um ciclo de reedição constante, e onde cada etapa tem o papel fundamental de retroalimentar o ciclo de forma que as experiências aprendidas ao longo dessa trajetória possam ser usadas como aprendizado e, 2 Elos críticos” representam os pontos no tempo onde questões referidas ao processo de sus- tentação política e a capacidade de mobilizar recursos se conjugam. Nesse momento se produz uma espécie de crise e há uma tomada de decisão crítica por um ator estratégico que impele o programa em uma direção nova. Esse momento de crise representa um momento de aprendi- zado na dinâmica do programa. (FREY, 2000, p.14) – 43 – A elaboração de Políticas Públicas: processos de formulação, implementação e avaliação com isso, passem a ser consideradas como estratégias para a avaliação e aper- feiçoamento da intervenção estatal (figura 3). Figura 3 – A implementação como aprendizagem e tomada de decisão. Implementação como aprendizado e tomada de decisão Nós críticos Stakeholders Fonte: SILVA; MELO, 2000, p. 14. 2.1.3 As etapas do processo de formulação e implementação de Políticas Públicas Independente do modelo de implementação de Políticas Públicas ado- tado, esse processo segue uma série de etapas que, em linhas gerais, estão presentes na quase totalidade das Políticas Públicas. Essas etapas não são necessariamente sequenciais nem mesmo apresentam- -se como conjunto integrado em todas as Políticas Públicas, mas a ordem apresen- tada a seguir, bem como a quantidade de fases que estaremos expondo,
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