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Texto Carta a um jovem tomando decisões

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CARTA A UM JOVEM TOMANDO DECISÕES 
Leandro Karnal - 14 de Janeiro de 2016, às 04:05 
 
Há algum tempo, recebi uma carta algo aflita de um jovem de 16 anos, que chamarei pela 
inicial G. Ele dizia ter optado por fazer História e ser professor. A família fazia oposição. Respondi 
com esta carta. Por que divulgo? Porque muita gente tem perguntado a mesma coisa e pode servir a 
outros. 
Caro G.: 
Como eu lhe prometi ontem, sento-me para lhe dar uma resposta mais complexa. Você tem 
16 anos e pensa em seguir a carreira de professor e historiador. Tem dúvidas e sua família torce contra 
esta opção de vida. 
Sartre nos diz que escolhemos a resposta ao escolher quem responderá nossa dúvida. Ao 
perguntar a um historiador /professor se você deve seguir este rumo, é lógico supor que você queira 
um reforço da sua decisão. Vivo da minha escolha há mais de 32 anos e seria estranho que eu desse 
outra resposta a não ser um voto de entusiasmo. Mas o mundo é mais complexo... 
Vamos começar pelo item “oposições familiares”. Seus pais e parentes próximos o amam e, 
sendo você novo e dependente deles, tem a preocupação aumentada. Você deve entender esta 
“oposição” como um gesto de amor e nunca como um combate a sua liberdade. Seus pais o conhecem 
muito e conhecem uma parte importante do mundo e da sociedade. Eles dizem estas coisas com 
absoluta convicção de ajudá-lo. 
De fato, como é muito noticiado, a carreira de professor tem percalços e é, de uma maneira 
geral, pouco atrativa financeiramente. A média da sociedade indicará carreiras com maior valor 
simbólico agregado, como Direito, Engenharia, Medicina etc. Seus pais refletem este senso geral. 
Há uma coisa importante a ser dita: quando temos 16 anos e ainda não gerenciamos nossa vida 
material de forma autônoma, desconsideramos o dinheiro como mola das coisas e, na generosidade 
da juventude, falamos de valores como vocação, desprendimento etc. Quase todas as pessoas 
aumentam a importância que dão ao dinheiro com o tempo. Envelhecemos mais materialistas, em 
geral. Até eu diria que isto é envelhecer para a maioria: medir o mundo a partir de coisas muito 
concretas. Além dos seus pais, você deve levar em conta que o G. de 50 anos talvez não tenha este 
desprendimento, mas, naquela altura, uma mudança de rumo será difícil. 
Há duas observações contraditórias com tudo o que eu disse. Seus pais o amam e querem o 
melhor para você. Levará alguns anos para você ter consciência da extensão deste amor. Porém, seus 
pais expressam a consciência possível do mundo e das escolhas que eles fizeram, dentro de 
circunstâncias deles, que não são as suas. Mais importante: quando você chegar ao fim da sua vida e 
tiver de responder se a vida valeu a pena, é provável que eles não estejam mais neste mundo e que 
gestos de aprovação ou desaprovação, feitos meio século antes, não tenham mais nenhuma relevância. 
Em outras palavras: a resposta sobre sua vida será sua, sempre sua, e solitariamente sua. Seus pais o 
amam e você deve ouvi-los; mas seus pais não são você. 
 
O segundo ponto é que, de fato, há dificuldades na carreira que você cogita. Mas ...todas as 
carreiras apresentam problemas. O popular curso de medicina, que obteria aprovação de quase 
qualquer pai do mundo, é o que registra o mais alto índice de suicídios e alcoolismo entre os alunos 
na faculdade, segundo eu soube por pesquisa recente. Aparentemente, o glamour de algumas escolhas 
está no âmbito das conversas familiares e não na realidade das universidades. Meu pai era advogado 
e reclamava, sem cessar, dos problemas da profissão. A questão é que não existe carreira perfeita, 
mas ela deve estar adequada aos seus desejos, ao seu caráter e a sua ambição neste momento. Mas 
como saber como você será daqui a 20 anos? Não existe resposta. Ninguém sabe o futuro. Talvez até 
você tenha que fazer mudanças na sua escolha, mas, se for coerente consigo, continuará a busca pelo 
que é importante. 
Se você, aos 16, pensou numa carreira de humanas e com magistério, você pensa fora da curva 
e deve ser original entre seus colegas de ensino médio. Se você cogitou esta ideia, parabéns, você não 
segue o pensamento coletivo e isto já indica um traço interessante. Há um preço a pagar por ser mais 
original, inclusive certa solidão. Mas, meu caro G., você já é assim e será mesmo que faça curso de 
História, de Educação Física ou de Engenharia Mecatrônica. 
Você gosta da ideia de dar aula? Pode fazê-lo em quase todas as formações que tiver. Pode 
fazer o curso de Direito e ser professor. Você não está limitado a uma escolha. Pode também dar aula 
de História e fazer este lindo curso, como pode fazer Filosofia ou até Administração: todas estas 
carreiras podem ter sua contribuição como professor. São estudos desafiadores e interessantes. O 
estudo da História também é fascinante. Dar aula é uma paixão que me encanta mais a cada ano que 
passa. 
Uma revelação: quando fiz a opção por História, minha mãe profetizou que eu passaria fome. 
Isto não ocorreu. Minha carreira tem sido prazerosa e materialmente eficaz. Eu decidi que queria mais 
e, após o curso, fiz pós-graduação. Doutorei-me e comecei a dar aula numa universidade pública. 
Escrevo textos, dou palestras e organizo diversas atividades que me garantem muito prazer pessoal e 
boa retribuição material. Não sou a regra, mas demonstro que é possível viver muito bem como 
historiador. 
Meu caro G., o futuro é absolutamente imponderável. Os rumos que seguiremos são fruto de 
interações muito complexas que ninguém pode prever. O importante é você se conhecer, seguir sua 
reflexão, constituir uma meta e mantê-la enquanto ela lhe trouxer as respostas que você procurava. O 
magistério é um mundo difícil, mas possível. Seja sempre honesto com você e diga o que você 
realmente quer. Siga seu sonho com intensidade e faça um esforço gigantesco para chegar aos pontos 
que você traçou hoje ou aos que traçará no futuro. Saiba mudar de ideia quando perceber que o rumo 
mudou e saiba ouvir a todos que te cercam, mas consciente de que as escolhas finais são suas. Como 
advertia Oscar Wilde, viver é muito importante, porque a maioria das pessoas apenas existe. 
Talvez lhe ajude mais ler meu livro “Conversas com um jovem professor” que faz reflexões 
sobre esta escolha. Mas, mesmo lendo muito ou ouvindo pessoas como eu, lembre-se sempre de que 
você tem de tomar uma decisão sua, exclusivamente sua e só você responderá por ela. 
Um abraço, 
Leandro

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