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Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 1 RESUMÃO DE IMAGINOLOGIA – UC16 1. REVISÃO DE NEUROIMAGEM Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 2 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 3 2. DOENÇA DE FAHR Calcificações cerebrais, e sobretudo dos núcleos da base, podem ser observadas devido às mais diversas causas, sendo a disfunção hormonal paratireoidiana, com consequente desequilíbrio fosfocálcico, o fator etiopatogênico mais frequente. O nome de Fahr é associado a todas as formas de calcificações bilaterais dos núcleos da base e outras partes do encéfalo, apesar de não ter sido o primeiro autor a descrever a condição. Considerando a preferência da localização dos depósitos de cálcio nos núcleos denteados do cerebelo e nos gânglios da base, foi sugerido o termo descritivo de “calcinose estrio-pálido- denteada bilateral”. Alternativamente, o termo “síndrome de Fahr” poderia ser utilizado como designação abrangente, para se referir a uma condição radiológica ou patológica, com etiologia, quadro clínico e significado diversos (Engelhardt et al., 1996). Os estudos patológicos demonstram que o cálcio é o principal elemento presente. São encontrados ainda mucopolissacarídeos, traços de alumínio, cobre, ferro, entre outros. (Manyam et al., 2001). Esses depósitos, sobretudo o de cálcio, são responsáveis pelo aspecto observado na neuroimagem - a presença na tomografia computadorizada de extensos depósitos hiperdensos nos núcleos da base, núcleos denteados do cerebelo e outras regiões do encéfalo (Figura). As causas de calcificações intracranianas são múltiplas, podendo ser fisiológicas, prímárias (idiopáticas, familiares) ou secundárias. Estas se encontram associadas, com maior freqüência, a disfunção paratireoideana (hipoparatireoidismo primário, pós-cirúrgico, idiopático, pseudo-hipoparatireoidismo, pseudo- pseudohipoparatireoidismo, hiperparatireoidismo), podendo ser encontradas outras causas. É fundamental investigação detalhada, visando eventuais intervenções terapêuticas. A sintomatologia é variada, podendo ser encontrado comprometimento cognitivo (chegando a quadro de demência, do tipo subcortical), transtornos psicológicos e do comportamento, movimentos anormais e outras manifestações neurológicas. Cortes axiais de TC. Observar as extensas calcificações. A=nível dos gânglios da base B=nível do cerebelo. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 4 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 5 3. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA A encefalopatia hepática (EH) é definida como uma síndrome clínica potencialmente reversível decorrente de uma descompensação hepática aguda ou crônica, que se caracteriza por distúrbios psiquiátricos, cognitivos e motores. Esse conceito é atualmente compreendido de acordo com a etiopatogenia do processo desencadeante e classificado em três tipos principais: tipo A, com insuficiência hepática; tipo B, que resulta de xíww/portossistêmico sem disfunção hepática; e tipo C, que resulta de cirrose hepática com hipertensão portal ou shunts portossistêmicos. A fisiopatologia da encefalopatia que acompanha essas diversas condições encerra alguns conceitos de toxicidade por metabólitos circulantes e suas variadas interações e repercussões sobre o SNC. As manifestações variam de alterações sutis da personalidade déficits cognitivos perceptíveis somente em teste neuropsicológico minuciosos, até a franca anormalidade neurológic e o coma. • Sinais gerais de insuficiência hepática: icterícia, eritema palmar angiomas aracnoides (spiders), equimose, ginecomastia ascite, fefor hepaticus As alterações circulatórias que se seguem à hipertensão portal promovem múltiplas alterações nos órgãos abdominais e no esôfago, da mesma forma que os shunts portossistêmicos congénitos podem sobrecarregar o coração direito. • Sinais neurológicos: caracterizam-se principalmente por insónia, déficits de atenção, confusão e irritabilidade. Além de rebaixamento ou flutuação do nível de consciência, podendo evoluir para torpor e coma. • Sinais extrapiramidais cerebelares e corticais podem acompanhar a EH e são atribuídos à combinação de efeitos tóxicos, respectivamente, do depósito de Mn e do edema cerebral difuso induzido pelo metabolismo astrocitário da amónia, com consequente tremor, bradicinesia, asterix, ataxia, apraxia, hiperreflexia e crises epilépticas. Tomografia Computadorizada do Encéfalo • Fase aguda: normal ou com edema cerebral difuso, sem realce pelo meio de contraste iodado, inespecífico. • Fase crônica: normal ou com atrofia inespecífica. Ressonância Magnética do Encéfalo A RM do encéfalo constitui o método complementar que mais bem caracteriza algumas anormalidades estruturais e metabólicas que derivam direta ou indiretamente das disfunções disfunções hepáticas ou da presença de j/;w«/portossistêmico (encefalopatia portossistêmica). Com finalidade didática é plausível a subdivisão em dois distúrbios metabólicos principais: a hiperamonemia secundária à perda da função metabólica do hepatócito e o aumento dps níveis de Mn, decorrente principalmente das alterações circulatórias (shunts portossistêmicos). • T1: Permite estimar o efeito da vulnerabilidade seletiva do Mn no contexto da encefalopatia portossistêmica, derivado de seu efeito paramagnético. Caracteriza-se por hipersinal bilateral e simétrico nos globos pálidos, putames, regiões subtalâmicas, substância negra e adeno-hipófise. Algumas vezes há comprometimento difuso da substância branca dos hemisférios cerebrais. Na fase aguda pode haver prejuízo da distinção da interface entre as substâncias branca e cinzenta devido ao edema cerebral difuso. Não há áreas de impregnação anômala pelo Gd. Na fase crónica pode ser demonstrada atrofia cerebral ou cerebelar, principalmente nos casos de hepatopatia alcoólica. • T2/FLAIR: Na fase aguda de alguns casos graves, pode ser notado hipersinal na maior parte do córtex cerebral, que poupa as regiões perirrolândica e occipital. Os núcleos denteados do cerebelo também podem ser hiperintensos, bem como a substância branca periventricular. A ocorrência de necrose cortical neste contexto pode determinar a ocorrência de focos lineares de alteração do sinal na junção entre o córtex e a substância branca. Apesar de ser um padrão raro, constitui um achado bastante específico. Um padrão bastante peculiar de acometimento é caracterizado pelo sinal hiperintenso ao longo dos TCS, que deve resultar de edema intramielínico, reversível com a compensação da função hepática ou transplante de fígado. Este padrão também é comumente associado à ocorrência de múltiplos pequenos focos pleomórficos de hipersinal na substância branca, que simulam doença isquêmica de pequenos vasos e também são reversíveis. DIFUSÃO: na fase aguda, o córtex cerebral pode exibir restrição à livre movimentação das moléculas de água, caracterizada por sinal cortical hiperintenso, principalmente na convexidade. ESPECTROSCOPIA: A ERM é ferramenta fundamental na demonstração dos efeitos metabólicos cerebrais do metabolismo astrocitário da amónia. As alterações são bastante específicas e comumenteprecedem o aparecimento dos sinais e sintomas neurológicos de EH. A insuficiência hepática leva à hiperamonemia. Os astrócitos removem o excesso de amónia com a formação de glutamina intracelular, que gera um distúrbio na homeostase do volume celular glial, promovendo a saída de mioinositol e colina. Consequentemente, o padrão espectral é caracterizado pelo aumento de grutamina/glutamato (complexo Glx) e pela redução de mioinositol e colina. A TC não é útil para a estimativa dos efeitos tóxicos da EH, mas pode ser empregada para a caracterização de outras alterações estruturais. A presença de hemorragia intracraniana não traumática pode ser uma complicação da insuficiência hepática em face das alterações da coagulação que acompanham essa condição. Os estudos de RM permitem a avaliação diagnostica das alterações estruturais (Tl, T2/FLAIR) e metabólicas (ERM). Um cuidado especial deve ser dado à ERM, com o emprego de aquisições com tempo de eco (TE) baixo, visando a caracterização do padrão típico, que pode preceder as manifestações clínicas. O mioinositol, importante metabólito nessa avaliação, tem TE baixo e não será estimado em aquisições inapropriadas. O diagnóstico específico deve ser sempre vislumbrado diante do hipersinal seletivo em Tl nos núcleos da base, particularmente dos globos pálidos, o que resulta do efeito paramagnético pelo acúmulo de Mn, secundário a shunts portossistêmicos (encefalopatia portossistêmica). Não raramente nos deparamos com esse achado e instruímos o médico solicitante a requerer a pesquisa apropriada. A realização de transplante hepático pode promover a reversão das alterações estruturais e metabólicas à RM, método útil para o acompanhamento pós-transplante. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: Doença de Wilson, Parkinsonismo, Kernicterus agudo, dentre outras... Encefalopatia portossistêmica com depósito seletivo de Mn. Imagens T1 demonstram a distribuição seletiva do Mn com hipersinal bilateral e simétrico nos globos pálidos (A), regiões subtalâmicas, substância negra (B) e adeno-hipófise (C). Observe ainda o ténue hipersinal difuso da substância branca dos hemisférios cerebrais (B e C). Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 6 Encefalopatia hepática por vírus C. Paciente do sexo feminino, 69 anos. Em T1 sem contraste visualizam-se áreas de hipersinal na região dos globos pálidos, subtálamos e base dos pedúnculos cerebrais. Encefalopatia hepática com necrose cortical. Imagens axiais FLAIR (A-C) demonstrando hipersinal seletivo, bilateral e simétrico dos TCS (setas em A). Observe ainda o hipersinal linear na junção entre o córtex e a substância branca em toda a convexidade frontal e parietal bilateral. Edema dos TCS na encefalopatia hepática. Imagens axiais T1 (A-C) demonstrando depósito seletivo de Mn e imagem axial FLAIR (D) com hipersinal seletivo dos TCS (setas). Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 7 4. ENCEFALOPATIA POR ÁLCOOL Os contextos clinicorradiológicos nos quais a suspeita diagnostica de intoxicação paira com mais propriedade incluem três principais anormalidades estruturais, de forma isolada ou em combinações variadas: afecções vasculares que resultam em isquemia, hemorragia ou padrão angiográfico vasculítico (dano vascular); alterações difusas ou multifocais da substância branca (dano à mielina); atrofia global ou acometimento bilateral de núcleos da base (dano à substância cinzenta). A justificativa para a realização do exame pode basear-se em evento ictal, geralmente vascular ou epiléptico, ou, ainda, em disfunção neurológica subaguda ou mesmo crónica. Além disso, o dano estrutural poderá decorrer diretamente de determinada droga, como a atrofia cerebelar no abuso de álcool ou a desmielinização da substância branca na exposição ocupacional a solventes; derivar de um efeito secundário em órgão ou tecido que afeta secundariamente o encéfalo, como na EH da cirrose alcoólica ou na vasculite induzida pelo abuso de cocaína; ou ainda poderá resultar do uso recreativo esporádico ou do abuso recorrente de uma ou mais drogas ilícitas. O uso crónico do etanol pode afetar o SNC por diversas vias: neurotoxicidade direta, toxicidade de produtos metabolicamente relacionados (metanol e acetaldeído), efeitos secundários a deficiências nutricionais, além da encefalopatia, que tem curso a partir da hepatopatia crônica. O abuso de álcool, frequentemente associado à desnutrição, promove dano funcional combinado, agudo ou progressivo, em órgãos-alvo, particularmente o fígado, o encéfalo e o trato gastrointestinal, ocasionando, respectivamente, dano hepático agudo ou crónico associado à EH, perda volumétrica por efeito neurotóxico ou alteração de neurotransmissores e diversas anormalidades no trato digestório, inclusive com alterações da absorção de vitaminas. O abuso de álcool também predispõe à ocorrência de algumas infecções não usuais e está associado à maior ocorrência de traumatismos cranianos, pelo aumento do risco de eventos hemorrágicos secundários à disfunção hepática, incluindo a hipovitaminose K. A maioria dessas complicações será objeto de abordagem específica ao longo desta obra. Este capítulo reserva-se às complicações diretas pelo abuso do álcool. A intoxicação aguda pelo álcool determina a ocorrência de sinais cerebelares mais pronunciados e, em alguns casos, prejuízo da consciência, coma e morte. Os principais sintomas da encefalopatia alcoólica crônica incluem déficits cognitivos, de memória, polineuropatia periférica, ataxia e nistagmo (secundário à degeneração cerebelar). A encefalopatia alcoólica causa complicações neurológicas agudas, subagudas ou crônicas. Admite-se que os efeitos do álcool surjam a partir de 20-30 mg/dl com repercussões cognitivas, comportamentais e psicomotoras. Além da embriaguez há o risco cumulativo de dano encefálico progressivo, com seletiva atrofia da porção superior do verme do cerebelo, do lobo frontal e, por fim, de todo o encéfalo. Há ainda um aumento da ocorrência de crises epilépticas e alucinações no abuso crônico do álcool, particularmente relacionadas com o delinum tremens. O abuso crónico de álcool induz à diminuição de fatores neuro trópico s, que interferem na função normal do encéfalo, alteram os mecanismos sinápticos de conectividade e induzem finalmente à apoptose. Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética do Encéfalo • Encefalopatia Alcoólica - Tem sido sugerido um padrão evolutivo previsível, no qual a atrofia se inicia pelo acometimento seletivo da porção superior do verme do cerebelo e dos hemisférios cerebrais, estendendo se após um decurso variável de tempo, mantido o abuso contínuo, aos lobos frontais e, mais tardiamente, a todo o encéfalo. Alargamento simétrico dos ventrículos laterais, dos sulcos e fissuras sylvianas é usualmente demonstrado. É interessante observar a ocorrência de alguma reversão da atrofia nos casos de interrupção do abuso de álcool. O emprego da técnica de tensor de difusão pode demonstrar anormalidades microestruturais com redução volumétrica de feixes, bem como comprometimento do tecido pela degradação de fibras mielinizadas oriundas de diferentes sistemas, incluindo o corpo caloso. - As sequências T2/FLAIR têm maior sensibilidade para a detecção de pequenos focos inespecíficos de hipersinal na substância branca dos hemisférios cerebrais. - A desmielinização tóxica pelo abuso de álcool pode determinar ainda o comprometimento dos pedúnculoscerebelares médios e do corpo caloso, que são usualmente interpretados no contexto da doença de Marchiafava- Bignami. - A ambliopia tabaco-álcool tem aspecto inespecífico, manifestado pelo afilamento e hipersinal em T2 nos nervos ópticos. - A RM gestacional pode demonstrar a ausência de anormalidades estruturais na síndrome alcoólica do feto, entretanto, entre outras malformações, a agenesia ou a disgenesia do corpo caloso e o hipodesenvolvimento do cerebelo podem constituir achados relevantes. A TC de crânio sem contraste é um método de imagem satisfatório para a demonstração do padrão de atrofia seletiva e para complicações decorrentes da encefalopatia alcoólica, como o hematoma subdural e as coagulopatias secundárias à disfunção hepática. A análise das técnicas convencionais de RM permite valorizar a repercussão estrutural do abuso crónico de álcool, particularmente pela estimativa do grau de atrofia. Entretanto as técnicas não convencionais, particularmente a ERM e a difusão, terão aplicação primordial diante da suspeita de dano metabólico e/ou microestrutural. Neurotoxicidade pelo abuso crónico de álcool. Imagens sagital T2 (A) e axial FLAIR (B) demonstram atrofia seletiva da porção superior do verme do cerebelo, dos hemisférios cerebelares e dos lobos frontais. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 8 Síndrome alcoólica do feto. Imagens de RM fetal sagital (A) e coronal (B) em T2 demonstrando agenesia do corpo caloso e hipoplasia cerebelar. Neurotoxicidade aguda pelo álcool. Imagem axial FLAIR (A) demonstrando lesão compatível com glioma de baixo grau no lobo temporal esquerdo (seta). Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 9 5. NEUROTOXICIDADE – DROGAS: Cocaína/Crack Usuários de anfetaminas, cocaína e seus derivados costumam apresentar síndromes deficitárias piramidais, cefaleia intensa ou crises epilépticas decorrentes ou associadas a acidentes vasculares isquêmicos ou hemorrágicos. O acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico é mais comum (80%) que o isquêmico em usuários de cocaína e pode decorrer da elevação súbita da pressão arterial, de vasculite induzida pela droga ou da ruptura de malformação preexistente. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA E RESSONÂNCIA MAGNÉTICA • Cocaína e derivados: hematomas parenquimatosos, hemorragia subaracnóidea ou intraventricular. Constituem achados inespecíficos, que só devem ser interpretados no contexto apropriado e após descartar outras possibilidades. Usuários de cocaína costumam apresentar atrofia e lesões microvasculares não sintomáticas múltiplas que se caracterizam por focos hiperintensos em *2/fluid attenuated inversion recovery (FLAIR) na substância branca justacortical das ínsulas e pequenos focos lacunares sequelares no território da artéria cerebral média. O abuso materno de cocaína pode induzir o aparecimento de lesões isquêmicas no feto ou malformações caracterizadas pelo efeito deletério sobre o fechamento do tubo neural, que resulta em anormalidades da linha mediana, como exencefalia, holoprosencefalia e encefalocele. Cistos parenquimatosos e leucoencefalomalacia também já foram descritos. • Diversas drogas que cursam com vasculite, principalmente cocaína, anfetaminas e crack: a tomografia computadorizada (TC) sem contraste ou a ressonância magnética (RM), particularmente a sequência T2*, podem demonstrar hemorragia intracraniana. As sequências ponderadas em difusão e perfusão podem demonstrar áreas isquêmicas recentes e distúrbios perfusionais como áreas de "penumbra", potencialmente reversíveis, como complicação vascular do uso de diversas drogas ilícitas. As sequências Tl pós-gadolínio (Gd) podem demonstrar impregnação do parênquima com isquemia subaguda. Pode ser observada ainda a impregnação parietal das artérias maiores nos casos de vasculite. Os estudos angiográficos das artérias intracranianas (ângio- TC ou ângio-RM) podem demonstrar coágulos intraluminais, estreitamentos e oclusões secundárias à vasculite. O abuso de cocaína também já foi associado a padrão moyamoya. A hipótese de intoxicação só deverá ser considerada relevante após a exclusão de possibilidades mais usuais, que devem incluir, principalmente, doenças inflamatórias/infecções, vasculopatias e afecções neurodegenerativas. Diante de um evento súbito e na suspeita de abuso de substâncias químicas, frequentemente a TC do encéfalo sem contraste é preconizada para avaliar a presença de hemorragia intracraniana. Diante de um resultado positivo, a investigação por imagem poderá prosseguir com a complementação com estudo multiplanar por RM do encéfalo, incluindo a sequência T2*, além dos estudos angiográficos das artérias intracranianas por ângio-TC, ângio RM ou mesmo angiografia digital. Dada a raridade da ocorrência dos eventos isquêmicos decorrentes do uso crónico da maconha, a presença dessas lesões sempre deverá promover a busca ativa de outras causas, como embolia e abuso concomitante de outras drogas, particularmente da cocaína. Nos casos de neurotoxicidade por ecstasy, a RM torna-se o exame inicial de escolha devido a sua maior sensibilidade na detecção do acometimento encefálico seletivo. Os estudos de angiografia por TC ou RM podem ser úteis na demonstração de aneurisma infeccioso ("micótico") nos casos de endocardite infecciosa, particularmente nos usuários de droga intravenosa. Apesar disso, a modalidade de escolha para este diagnóstico ainda é a angiografia digital. Hemorragia em usuário de cocaína e crack. (A) TC sem contraste demonstra hemorragia parenquimatosa na região nucleocapsular direita. (B) Observe outros focos menores em ambos os hemisférios cerebrais (seta). Vasculite cerebral em usuária de cocaína e crack. Imagens axiais FLAIR (A e B) demonstram múltiplos focos isquêmicos na substância branca, núcleos da base, tálamo esquerdo, córtex e corpo caloso (seta). Observe foco sequelar no putame direito. A injeção de Gd (C) evidenciou ténue impregnação na parede do segmento M1 esquerdo (círculo), atribuído a vasculite. A ângio- RM (D) demonstrou artérias intracranianas alongadas e tortuosas, com estreitamento luminal multifocal, principalmente na artéria cerebral média esquerda (círculo). Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 10 Acidente vascular encefálico isquêmico/arterite com infarto por uso de cocaína. Paciente do sexo masculino, 21 anos. Lesões presentes no putâmen, cabeça do núcleo caudado e braço anterior da cápsula interna à direita. Presença de área de hipersinal em T2/FLAIR, com foco de hipointensidade putaminal (hemorragia) (A,B). Na difusão há hipersinal (C) e no mapa de ADC (D) há hipossinal, exceto na área putaminal de transformação hemorrágica, que tem hipossinal na difusão e no mapa de ADC. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 11 6. DEPÓSITO DE MANGANÊS Os níveis normalmente relatados de manganês no cérebro excedem os do plasma em mais de 100 vezes e os canais transportadores deste metal incluem, entre outros, receptores de ligação transferrina dependentes. A principal via de eliminação do manganês no organismo parece ser a via biliar, sendo a excreção urinária praticamente desprezível. O achado mais frequentemente visto naRM nos pacientes com acúmulo de manganês é o hipersinal, em T1, bilateral e relativamente simétrico nos núcleos da base, especialmente no globo pálido e no núcleo estriado. Isto pode estar relacionado com o fato de, particularmente, os núcleos da base serem locais abundantes de receptores de transferrina. Os sintomas relacionados podem variar, sendo o parkinsonismo mais comumente observado, além de mioclonias(13). O acúmulo de manganês no SNC está também frequentemente presente em pacientes com encefalopatia hepática, nos submetidos a nutrição parenteral e nos com shunt venoso portossistêmico (congênito ou adquirido). Estudos têm relacionado o acúmulo de manganês no SNC (hipersinal em T1 nos núcleos da base - Figura 8) e seus sintomas em pacientes com insuficiência renal crônica submetidos a diálise prolongada. A razão para este acúmulo ainda é incerta, mas parece haver correlação com a disfunção de canais transportadores de manganês, facilitada pela terapêutica dialítica. A ingestão aumentada de compostos com este elemento também pode ser observada nesses pacientes. Paciente com insuficiência renal crônica em terapêutica dialítica prolongada, não apresentava hepatopatia. Axial T1 (A) identificando focos confluentes de hipersinal em T1 nos globos pálidos. Axial FLAIR (B) com hipossinal nos núcleos lentiformes. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 12 7. ENCEFALOPATIA DE WERNICKE A afasia de percepção de Wernicke foi originalmente descrita por Cari Wernicke em 1881 e consiste em uma desordem neurológica aguda decorrente da deficiência de tiamina (vitamina BI). Predomina entre indivíduos com abuso crónico de álcool e com deficiências nutricionais. Entretanto outras condições, como neoplasias do trato gastrointestinal, diálise crónica, tratamento com tolazamida, hiperêmese gravídica, neoplasias hematológicas, nutrição parenteral prolongada ou sem suplementação com vitaminas e recusa psicogênica à alimentação, também podem estar relacionadas com essa deficiência vitamínica. Mais recentemente, as cirurgias bariátricas com grande perda de peso em um curto período de tempo, sem o cuidado com a adequada reposição vitamínica, também têm sido incJuídas entre os fatores desencadeantes. Clinicamente é caracterizada pela tríade de ataxia, nistagmo e confusão mental. A encefalopatia de Wernicke (EW) não tratada pode ter alto índice de letalidade, mas deve ser compreendida como uma condição tratável e potencialmente reversível. Uma situação peculiar foi originalmente descrita em 1887 por um psiquiatra russo, S.S. Korsakoff, que observou distúrbios de memória em indivíduos com alcoolismo crônico. Trata-se de uma síndrome associada à deficiência de tiamina, que comunga com a EW alguns fatores predisponentes. A demência de Korsakoff cursa com dificuldade para adquirir novos aprendizados, amnésia anterógrada/retrógrada e típica confabulação, que consiste na tentativa de preencher os lapsos de sua memória com fatos imaginários. É considerada uma sequela tardia da EW (estágio crónico), observada em aproximadamente 80% dos pacientes que sobreviveram (síndrome de Wernicke- Korsakoff). O diagnóstico clínico é sustentado pela caracterização de uma síndrome amnéstica associada à história de abuso de álcool. Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética do Encéfalo Usualmente a TC tem baixa sensibilidade neste contexto. A RM é o método mais sensível para o diagnóstico in vivo dessa condição. • O achado mais característico é a demonstração de hipossinal em Tl e hipersinal em T2/FLAIR ao redor do terceiro ventrículo (face medial dos tálamos), região periaquedutal e, principalmente, nos corpos mamilares. • A sequência ponderada em difusão pode demonstrar áreas de restrição à livre movimentação das moléculas de água (hipersinal) nos tálamos, sendo mais sensível que as sequências convencionais. • A injeção intravenosa do agente paramagnético (Gd) pode demonstrar impregnação, principalmente nos corpos mamilares. A ocorrência de impregnação ou restrição à difusão pode estar relacionada com a atividade desmielinizante por doença aguda, com potencial para reversão com a adequada suplementação de tiamina. • A impregnação dos corpos mamilares e dos tálamos pelo Gd é um achado característico de EW em etilistas, e pode ser observada mesmo na ausência de hipersinal local em T2/FLAIR. Postula-se que o álcool altere a permeabilidade da BHE, resultando no realce pelo contraste. • Em indivíduos não etilistas predomina o acometimento simétrico de áreas não usuais, como os núcleos dos nervos hipoglossos na porção dorsal do bulbo, os núcleos vestibulares nos corpos restiformes e os núcleos dos nervos abducentes e faciais, ambos na porção dorsal da ponte. Nesses indivíduos pode ocorrer ainda o acometimento difuso e multifocal do córtex cerebral, notadamente nos lobos frontais. • Na fase crônica pode ser demonstrada atrofia cerebral global ou atrofia dos corpos mamilares, com alteração difusa do sinal da substância branca cerebral, caracterizada por hipersinal em T2/FLAIR. • A principal anormalidade observada nos indivíduos com a síndrome de Korsakoff é a atrofia dos corpos mamilares. Diante da suspeita de EW a RM constitui o método de imagem de escolha para a estimativa do dano tecidual. A realização de sequência ponderada em difusão e a injeção intravenosa de Gd podem ter papel na estimativa de prognóstico e deverá constituir parte importante da interpretação do exame. Para o diagnóstico específico devemos nos basear na ocorrência de pelo menos um elemento da tríade clínica mencionada, associado ao acometimento variável, porém seletivo, do encéfalo, principalmente dos corpos mamilares, da face medial dos tálamos e hipotálamo e da substância cinzenta periaquedutal. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: encefalopatias mitocondriais, encefalite por citomegalovírus (a infecção pelo CMV pode ocasionar o comprometimento periventricular e, em particular, do diencéfalo, simulando a distribuição dos achados de EW)... Admite-se que o acometimento dos corpos mamilares constitua o achado com maior especificidade para o diagnóstico dessa doença. A demonstração de atrofia dos corpos mamilares é um achado frequente em pacientes com história de abuso crónico de álcool. Contudo não é suficiente para o diagnóstico da síndrome de Korsakoff. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 13 Síndrome de Wernicke. Paciente do sexo feminino, 47 anos. Coronal FLAIR (A) e axial T2 (B,C) mostram focos de hipersinal na substância cinzenta periaquedutal, tálamos em região paramediana, corpos mamilares (setas), tecto e tegmento do mesencéfalo. Em T1 após contraste (D) observa-se realce em corpos mamilares (setas) e tecto do mesencéfalo. Encefalopatia aguda de Wernicke. Imagens axiais FLAIR demonstrando comprometimento bilateral e simétrico do verme do cerebelo, da região periaquedutal (A), substância negra, corpos mamilares (B), tálamos mediais, fórnices (C) e córtex frontal (D) nesta paciente com carcinoma gástrico. Encefalopatia aguda de Wernicke. Imagens comparativas FLAIR (A e B) e T1 pós-Gd intravenoso (C e D) demonstrando acometimento seletivo periaquedutal e dos tálamos mediais, com impregnação pelo Gd. Note o acometimento dos corpos mamilares em T2 (E) com impregnação seletiva ténue (F) neste indivíduo com história deetilismo crônico e desnutrição. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 14 8. INTOXICAÇÃO POR CO O monóxido de carbono (CO) é um produto volátil da combustão incompleta de combustíveis ou de substâncias à base de carbono. Constitui o veneno potencialmente letal mais disponível em todo o mundo, sendo a sequela neurológica a morbidade mais frequente. Adiciona-se a isso o fato de o CO ser um composto inodoro e incolor. A exposição ao CO pode desencadear mecanismos fisiopatológicos com hipóxia e dano celular com neurotoxicidade que varia de dano leve a um desfecho letal. As tentativas de suicídio com inalação de CO podem deflagrar lesões cerebrais com quatro categorias principais aos estudos neuropatológicos: necrose multifocal com acometimento de núcleos de substância cinzenta, tronco encefálico e cerebélo; necrose multifocal envolvendo o córtex; mielopatia com lesão palidal; e lesão de substância branca. Toda essa variedade tóxica decorre da ligação entre o CO e a hemoglobina (carboxi-hemoglobina), com afinidade 250 vezes maior que aquela da ligação com o oxigénio (oxi-hemoglobina). A distribuição das lesões (seletividade neuronal) deriva da preferência por regiões ricas em ferro, como o globo pálido e a pars nticulata da substância negra. Além disso, o CO tem um efeito tóxico à mitocôndria inibindo a atividade enzimática citocromo C oxidase e a fosforilação oxidativa, importante fonte de energia celular. O globo pálido, a pars reticulata e os circuitos rubrais do mesencéfalo são ricos em mitocôndrias e, portanto, zonas propensas ao dano pelo CO. Pacientes expostos ao CO sofrem de cefaleia, mal-estar, vertigens, náusea, confusão mental, distúrbios cognitivos e perda da consciência, podendo culminar em morte ou sequelas neurológicas permanentes. A necrose palidal bilateral é o dano mais observado. Apesar disso, não é necessariamente relacionada com o desenvolvimento de parkinsonismo, provavelmente devido ao dano incompleto da via nigroestriatal. Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética do Encéfalo O aspecto mais comum e característico da intoxicação pelo CO resulta em hipoatenuação simétrica dos globos pálidos nos estudos de TC sem contraste intravenoso. A RM é o método de escolha para avaliação da suspeita de intoxicação por CO e pode evidenciar padrões sugestivos • Hipossinal em Tl usualmente simétrico nos globos pálidos. Pode ocorrer realce periférico nas lesões ou mesmo focos puntiformes de impregnação pelo Gd. Outras áreas, como os núcleos caudados e putames, tálamos, hipocampos, tronco encefálico, cerebélo e córtex dos hemisférios cerebrais, também podem exibir graus variáveis de acometimento. • As sequências T2/FLAIR têm maior sensibilidade para a detecção de zonas de hipersinal na porção medial dos globos pálidos, o que pode resultar de edema vasogênico transitório ou de dano tecidual isquêmico. • A difusão constitui ferramenta importante para avaliar a fase aguda da intoxicação pelo CO, permitindo estimar o dano tecidual permanente (citotóxico) mediante a demonstração de zonas de restrição à livre movimentação das moléculas de água. A sequência DWI pode ter papel em predizer o prognóstico. • As lesões podem apresentar reversão ou evoluírem para sequelas, caracterizadas por hipersinal persistente em T2/FLAIR nos exames de seguimento, com atrofia das estruturas acometidas. A RM é o método de imagem de escolha para avaliar o dano encefálico nos casos de intoxicação pelo CO. Deverá incluir, no mínimo, sequências multiplanares ponderadas T2/FLAIR e difusão. Os exames seriados são mais confiáveis para a melhor estimativa do dano permanente ou da reversibilidade. Neurotoxicidade pelo CO. Imagens axiais de TC sem contraste (A) e FLAIR (B) confirmam o aumento de água em lesão seletiva dos globos pálidos. A imagem em difusão (C) confirma a presença de edema citotóxico local neste indivíduo com acidente doméstico recente com intoxicação pelo CO (aquecedor a gás) Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 15 9. DESMIELINZAÇÃO OSMÓTICA Antigamente conhecida como mielinólise central pontina e/ou mielinólise extrapontina, foi classicamente relacionada com a rápida correção da hiponatremia, principalmente em etilistas. Atualmente esta condição é mais adequadamente referida como desmielinização osmótica. Trata-se de uma desmielinização aguda geralmente causada por mudanças abruptas na osmolaridade sérica. Atualmente admite-se que a severidade, duração e velocidade da correção da hiponatremia constituem os principais fatores de risco. Apesar disso, a desmielinização osmótica pode ocorrer em indivíduo normonatrêmicos ou associada a queimaduras extensas, secreção inapropriada de hormônio antidiurético, polidipsia psicogênica e hiperêmese gravídica. O quadro clínico varia de manifestações mínimas a completa síndrome de encarceramento (locked-in syndromè), coma ou morte. Geralmente se inicia com confusão mental, fraqueza nos membros, frequentemente com quadriparesia, paralisia do olhar conjugado, disartria (ou mutismo), disfagia, hipotensão e até crises epilépticas. Nos indivíduos com acometimento extrapontino ocorrem ainda distonia e coreoatetose. A doença comumente tem evolução fatal, porém com o advento da RM alguns casos com reversão já foram relatados. Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética do Encéfalo Hipoatenuação central na ponte ou núcleos da base pode ser observada à TC, sem evidências de hemorragia ou realce pelo meio de contraste iodado. A RM é o método de escolha para esta avaliação. • Sequência Tl — Fase aguda: discreto hipossinal na porção central da ponte ou nos núcleos da base. Na ponte há a preservação das regiões periféricas, classicamente sem impregnação pelo Gd. - Fase subaguda: raramente pode demonstrar necrose central pontina. • Sequências T2/FLAIR — Fase aguda: hipersinal de contorno circular na porção central da ponte, com relativa preservação das suas fibras periféricas (50% dos casos). Os TCS podem ser identificados no interior da zona acometida que assume a forma de "tridente" (Fig. 11-23). O acometimento de estruturss extrapontinas como os núcleos da base, a substância branca dos hemisférios cerebrais e os hipocampos também é comumente visto. — Fase subaguda: usualmente normal. Raramente pode demonstrar necrose central pontina. • Sequência T2*: raramente demonstra focos hemorrágicos (hipointensos) de permeio. • Difusão: as lesões podem exibir hipersinal na DWI, geralmente em decorrência de edema citotóxico (hipossinal no mapa ADC). A alteração na DWI pode preceder a anormalidade de sinal nas sequências convencionais, pode ser transitória e, em alguns poucos casos, reversíve Diante da suspeita de desmielinização osmótica a RM é ferramenta comprobatória mais sensível e específica para confirmação do dano estrutural e o diagnóstico presuntivo Deverá inclui sequências Tl pós-Gd e, principalmente, difusão visando à estimativa de prognóstico. A desmielinizaçã pontina central ou em "tridente associada ao cenário clinicolaboratoria permite o diagnóstico confiável. Paciente do sexo masculino, 49 anos. Em T2 axial (A) e sagital (B) observa-se área de hipersinal na ponte, com preservação do sinal na periferia. Mielinólise osmótica. Imagens sagital T1 (A) e axial T2 (B) demonstrando lesão central na ponte com preservação da periferiae o típico "aspecto de tridente". Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 16 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 17 10. PRESS (ENCEFALOPATIA POSTERIOR REVERSÍVEL) A PRES foi originalmente descrita por Hinchey e cols., em 1996, como um distúrbio multifatorial da autorregulação cerebrovascular, em que a maioria dos casos cursava com a elevação dos níveis pressóricos. A denominação PRES é consagrada pelo uso, mas não deixa de ser imprecisa, haja vista que não se trata de uma alteração exclusiva das regiões posteriores do cérebro e tampouco cursa com reversão completa em todos os casos. O uso frequente de diversos medicamentos tem aumentado a incidência da PRES, entretanto muitos fatores desencadeantes já foram descritos. Admite-se que a repercussão específica dessa condição no encéfalo independe de seu fator desencadeante, sendo, por isso, aqui apresentada na sua forma mais geral. Entre as causas principais, atualmente, podem ser destacadas pré-eclâmpsia, eclâmpsia, encefalopatia hipertensiva e toxicidade a drogas. Diversos medicamentos usados sob prescrição médica, como ciclosporina, metotrexato, tacrolimo, cisplatina, gencitabina, adriamicina, ciclofosfamida, citarabina, filgrastim, amoxapina (antidepressivo tricíclico de última geração), interferon- alfa e eritropoetina, podem determinar o aparecimento de PRES como resultado de um distúrbio da autorregulação cerebrovascular. A síndrome da vasoconstricção cerebral reversível tem na encefalopatia hipertensiva seu protótipo. É caracterizada por intensa cefaleia abrupta associada à disfunção da autorregulação arterial intracraniana com edema vasogênico multifocal e potencialmente reversível. A maioria dos indivíduos apresenta reversão completa com a retirada do fator precipitante. Cefaleia, crises epilépticas, distúrbios visuais, rebaixamento do nível de consciência e, ocasionalmente, déficits neurológicos focais têm sido os comemorativos clínicos mais comumente descritos no contexto da PRES. Tomografia Computadorizada do Encéfalo • Focos hipoatenuantes de predomínio subcortical, com alguma extensão ao córtex adjacente, nas regiões parietais e occipitais. As lesões podem exibir realces focais ou puntiformes pelo meio de contraste iodado. • Hemorragias petequiais na transição entre o córtex e a substância branca ou nos núcleos da base constituem achados raros. Ressonância Magnética do Encéfalo A RM tem papel de destaque no contexto da PRES, pois assegura o diagnóstico correio diante do contexto clínico apropriado, e ainda permite estimar o prognóstico pela avaliação de reversibilidade das lesões. • Sequência Tl: áreas de hipointensidade de sinal de predomínio subcortical, com extensão cortical, nas regiões parietais e occipitais, que raramente exibem impregnação focal ou puntiforme pelo Gd. • Sequências T2/FLAIR: as lesões típicas são caracterizadas por sinal hiperintenso, com características de edema vasogênico, digitiforme, que podem estender-se às regiões anteriores do cérebro, além de acometer os núcleos da base. Raramente há hiperintensidade difusa no tronco encefálico. • Sequência T2* ou SWI: mais sensíveis para a demonstração de eventuais focos hemorrágicos de permeio às lesões, caracterizados por marcado hipossinal. • Difusão: representa a ferramenta mais útil para a confirmação da natureza vasogênica do edema, estimando, assim, o prognóstico das lesões. Usualmente é normal, com hipersinal no mapa de ADC (T2 shine-through effecf). Os casos que apresentam restrição verdadeira à difusão são interpretados como decorrentes de zonas de dano estrutural irreversível por edema citotóxico. Os estudos de RM deverão incluir sequências Tl antes e após a administração intravenosa de Gd e, principalmente, sequência ponderada em difusão. A DWI se presta à avaliação prognostica, pois permite estimar o dano tecidual após a retirada do fator precipitante. A principal dica diagnostica é a presença de lesões predominantemente subcorticais nas regiões posteriores dos hemisférios cerebrais, não restritas ao território da artéria cerebral posterior, que ocorra no contexto do uso dos medicamentos previamente mencionados. Eclâmpsia com alterações reversíveis da PRES. Imagens axiais FLAIR demonstrando extensas áreas de edema vasogênico em tronco encefálico (A), núcleos da base e tálamos (B), além das regiões parietoccipitais (C). Imagens comparativas (D-?) após 30 dias evidenciaram reversão completa. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 18 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 19 11. DOENÇA DE ALZHEIMER Principal síndrome demencial nos países ocidentais (50%-60% dos casos. A idade avançada representa o principal fator de risco, sendo que a doença afeta l % da população entre 60 e 70 anos de idade e cerca de 6% a 8% das pessoas acima dos 85 anos de idade. História familiar de demência é encontrada em 25% dos casos. A única mutação relacionada com a DA de início tardio é a variante genética que codifica a apolipoproteína E4 (APÕE E4). A presença do alelo da APÕE E4 aumenta o risco de desenvolver DA em duas a três vezes. O início da doença é insidioso e as manifestações clínicas evoluem ao longo de vários anos. Apesar disso, a evolução progressiva é inexorável, levando à incapacidade mental e funcional, culminando com a morte. A sobrevida média está entre 8 a 13 anos após o início das manifestações. Um estado de transição, referido como transtorno cognitivo leve, muitas vezes precede as primeiras manifestações da DA. Trata-se de um período intermediário, no qual o indivíduo apresenta alteração da memória de forma um pouco mais acentuada do que o esperado para a sua faixa etária, mas, no entanto, ainda não preenche os critérios diagnósticos para a DA. Acredita-se que exista uma fase pré-clínica da DA em que a presença da proteína beta-amiloide e de emaranhados neurofibrilares já pode ser encontrada de forma a preencher os critérios anatomopatológicos para a doença. Nesta fase, o indivíduo não apresenta manifestação clínica relacionada com uma síndrome demencial e os métodos de imagem estrutural disponíveis não são capazes de caracterizar alterações atribuíveis à doença. Não existem marcadores biológicos in vivo que permitam o diagnóstico de DA e, por este motivo, o diagnóstico é baseado em critérios probabilísticos. As recomendações para o diagnóstico da DA prevêem três categorias: DA definida (comprovação histológica realizada por biópsia ou necropsia) DA provável DA possível (quando existem outras explicações que possam ser responsabilizadas pelas alterações cognitivas). As manifestações clínicas usualmente iniciam-se após os 65 anos de idade, sendo que o prejuízo da memória recente e a incapacidade de absorver novas informações dominam o quadro nas fases iniciais. A memória para fatos remotos é caracteristicamente poupada nesta fase da doença. Muitas vezes, o diagnóstico diferencial entre o envelhecimento normal e as manifestações clínicas iniciais da DA representa um grande desafio. A evolução das manifestações clínicas da DA gera a acentuação do comprometimento cognitivo, determinando prejuízo das relações sociais. Há embotamento do relacionamento afetivo, perda do juízo crítico e o indivíduo torna-se progressivamente incapaz de tomar decisões. A deterioração motora associadaao comprometimento cognitivo determina perda da independência para a execução das atividades da vida diária, mutismo e incontinência urinária até a desconexão completa com o ambiente. Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética Atrofia encefálica com predomínio temporoparietal, envolvendo caracteristicamente a porção mesial do lobo temporal. Estes achados, contudo, são caracterizados à TC apenas nas fases avançadas. A avaliação qualitativa por RM é mais sensível que a TC para a caracterização da atrofia encefálica global e do seu predomínio temporal. A atrofia da região mesial do lobo temporal geralmente é bilateral e simétrica, notadamente do córtex entorrinal, hipocampo e do giro para-hipocampal e constitui a pedra angular do diagnóstico por imagem da DA. Há consequente alargamento do corno temporal dos ventrículos laterais c das fissuras corióideas, bem como aumento da distância fimbriossubicular, estimada pelo alargamento do sulco hipocampal e pela redução da espessura do hipocampo. A ausência dos achados de imagem não permite excluir o diagnóstico desta doença. A volumetria do hipocampo tem sido proposta como uma ferramenta objetiva de quantificação, que pode ser realizada de forma manual ou pela utilização de programas apropriados. PET e SPECT A SPECT permite demonstrar a perfusão encefálica do radiofármaco, sendo a hipoperfusão temporoparietal bilateral o achado mais frequente na DA. Para a melhor avaliação de um indivíduo com demência é indispensável que se realize um protocolo apropriado de RM incluindo, pelo menos, a aquisição de imagens Tl ou T2 anguladas no plano coronal perpendicular ao maior eixo dos hipocampos. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: envelhecimento normal (esta diferenciação é feita principalmente por meio de estudos neuropsicológicos. Nos métodos de imagem estrutural devemos buscar atrofia global do parênquima encefálico, sem Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 20 acometimento seletivo das estruturas mesiais do lobo temporal); demência vascular, demência por corpos de Lewy, Demência de Korsakof, Doença Priônicas e Degenerações Corticiais Assimétricas. Tomografia computadorizada na doença de Alzheimer. Imagens axiais de TC do encéfalo sem contraste (A-C) demonstram acentuada atrofia temporal, inclusive nas regiões mesiais, sem alteração significativa do restante do encéfalo. Observe o alargamento dos sulcos temporais e o aumento dos cornos ventriculares temporais (*). Ressonância magnética na doença de Alzheimer. Imagens de RM nos planos coronal T2 (A) e axial FLAIR (B) demonstram atrofia dos lobos temporais, principalmente nas regiões mesiais. A SPECT cerebral (D-E) demonstra acentuada hipoperfusão temporoparietal bilateral (setas). Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 21 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 22 12. DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL É uma síndrome degenerativa cortical assimétrica. Natureza relativamente focal das alterações cerebrais e suas respectivas manifestações clínicas. A primeira descrição da degeneração lobar frontotemporal (DFT) é atribuída a Arnold Pick, em 1892, e, por este motivo, apesar de muitas outras sinonímias, esta condição também costuma ser denominada de complexo Pick. Acima dos 65 anos de idade, a DFT é a quarta principal causa de demência, depois da DA, DV e DCL. Antes dos 65 anos, representa a segunda causa cie demência, atrás apenas da DV. Clinicamente, a DFT manifesta-se em uma faixa pré-senil, com um curso evolutivo gradual e sem a ocorrência de eventos ictais, ao contrário do que acontece na DV. CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA 1. Variante Frontal (Comportamental) da Degeneração Lobar Frontotemporal Comprometimento predominantemente dos lobos frontais, seja este simétrico ou assimétrico. Caracteriza-se tipicamente pelo início insidioso de alterações de personalidade, anormalidades de comportamento e prejuízo do discernimento. Alguns indivíduos apresentam desinibição, hiperatividade, distração, comportamento social inadequado e desinteresse, enquanto outros são apáticos e inertes. Manifestações relacionadas com a desinibição e o comportamento antissocial resultam do comprometimento da região orbitobasal. A apatia resulta do envolvimento da porção frontal anteromedial do giro do cíngulo, enquanto os déficits de planejamento e organização, bem como outros aspectos da função executora, refletem o acometimento do córtex pré-frontal dorsolateral. Ressonância Magnética Atrofia dos lobos frontais, de forma simétrica ou assimétrica, sendo que os giros atróficos acabam por assumir, com o passar do tempo, um padrão em "lâmina de faca", como caracterizado à macroscopia. Hipersinal em T2/FLAIR pode ser observado no córtex e na substância branca subcortical da região atrofiada, estendendo- se à região periventricular, cursando progressivamente com o aumento das dimensões ventriculares. Este aspecto, principalmente no estágio avançado da doença, decorre de extensa gliose e, em menor grau, de desmielinização. PET e SPECT Os estudos de medicina nuclear (SPECT e PET) demonstram hipoperfusão e hipometabolismo nos lobos frontais. Apesar da boa correlação com as áreas de atrofia, é muito importante compreender que as alterações observadas nos métodos não estruturais da medicina nuclear precedem a ocorrência das alterações parenquimatosas demonstráveis à RM. Por isso o déficit perfusional ou metabólico é frequentemente mais extenso à medicina nuclear do que à RM. 2. Afasia Progressiva não Fluente A afasia progressiva não fluente (APNF) consiste principalmente em uma desordem da expressão da fala, em que ocorrem problemas de recuperação das palavras. Os indivíduos manifestam alterações da fluência, pronúncia e mesmo a perda de algumas palavras de seu vocabulário, determinando uma fala hesitante e até incompreensível. Erros fonológicos são muitas vezes óbvios durante a conversação. Alterações comportamentais são incomuns até uma fase tardia da doença. Ressonância Magnética Nesta variante com comprometimento temporal esquerdo observa- se tipicamente o alargamento da fissura lateral (sylviana esquerda) com atrofia da ínsula e das regiões operculares frontais e temporais. O giro frontal inferior esquerdo é frequentemente atrofiado, enquanto as regiões mesiais temporais encontram-se relativamente preservadas. PET e SPECT Hipoperfusão ou hipometabolismo da região perisylviana esquerda, mesmo antes das alterações estruturais (atrofia e gliose subcortical). As alterações à medicina nuclear também são mais extensas do que aquelas demonstradas à RM. 3. Variantes do Lobo Temporal da Degeneração Lobar Frontotemporal A doença neuroclegenerativa mais comum que acomete os lobos temporais é a DA. No entanto existe um grupo de doenças que inclui as variantes temporais da degeneração frontotemporal que também acometem os lobos temporais, mas com um padrão de atrofia e de manifestações clínicas distinto da DA. Nas variantes temporais a doença é frequentemente bilateral, porém assimétrica, com graus variáveis de atrofia do lobo frontal. A assimetria do comprometimento temporal é que determina os diferentes padrões peculiares das apresentações clínicas. Diante do predomínio da atrofia do lobo temporal direito são observadas síndromes psiquiátricas, distúrbios de comportamento ou alterações visuais. Por outro lado, na ocorrência de envolvimentopredominante do lobo temporal esquerdo, geralmente caracterizam-se distúrbios de linguagem e da fala. 3.1. Variante Temporal Esquerda da Degeneração Lobar Frontotemporal (Demência Semântica) Atrofia do lobo temporal esquerdo, principalmente das regiões anterior e lateral. Os giros fusiforme, para-hipocampal e entorrinal estão geralmente acometidos. Usualmente nesta condição haverá comprometimento temporal bilateral, porém menos pronunciado à direita. As áreas comprometidas exibem hipersinal em T2/FLAIR na substância branca subcortical relacionado predominantemente com gliose. 3.2. Variante Temporal Direita da Degeneração Lobar Frontotemporal A atrofia assimétrica do lobo temporal direito está associada a um quadro clínico em que combina déficit de memória episódica e sensação de "ficar perdido", principalmente com anormalidades de comportamento, sendo a prosopagnosia encontrada em 60% dos indivíduos. Além disso, observamse também alucinações visuais (visões de répteis e de figuras sem cabeça) e respostas anormais aos estímulos somáticos e sensoriais. 3.2.1. Variante Comportamental Combinações variadas de irritabilidade, impulsividade, agressividade, excentricidade, desinibição, ideias fixas e limitadas, além de hiperreligiosidade e redução da expressão facial. RM: atrofia predominante ou, menos frequentemente, seletiva do lobo temporal direito. O acometimento predomina nas porções anteriores, estendendo-se às porções mesiais e laterais do lobo. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 23 Demência frontotemporal (variante frontal). As imagens multiplanares de RM do encéfalo sagital T1 (A), axial FLAIR (B) e coronal T2 (C) demonstram, respectivamente, o padrão de atrofia em "lâmina de faca" do córtex frontal (seta) e a gliose subcortical associada ao alargamento predominante dos cornos frontais (*). Observe que a hiperintensidade em T2/FLAIR acompanha as áreas de atrofia. A SPECT cerebral demonstra nítida hipoperfusão frontal bilateral (setas brancas), mais extensa que o dano estrutural estimado pela RM. Demência frontotemporal (variante frontal). As imagens T2 de RM axial (A) e sagital (B-C) demonstram acentuada atrofia em "lâmina de faca" do córtex frontal (setas), associada a gliose subcortical, alargamento predominante dos cornos frontais e atilamento do corpo caloso. Aspecto evolutivo da demência frontotemporal. A SPECT cerebral (A-B) demonstra nítida hipoperfusão do lobo frontal esquerdo neste indivíduo com quadro clínico sugestivo de DFT variante frontal. Apesar disso, a imagem axial FLAIR (C) da mesma época apenas demonstrou mínima atrofia lobar. As imagens evolutivas comparativas, após dois (D) e cinco anos (E), demonstram a progressão da atrofia e o aparecimento de gliose subcortical. Afasia progressiva não fluente. Imagens de RM axial FLAIR (A) e coronal 12 (B) demonstram a atrofia perisylviana com o alargamento da fissura lateral (*)..Observe a atrofia com sinais de gliose subcortical do giro frontal inferior e da ínsula esquerda (seta). Degeneração lobar f rontotemporal - variante temporal esquerda (demência semântica). As imagens de coronal T2 (A), axial T1 (B) e FLAIR (C) demonstram nítida atrofia do lobo temporal esquerdo, principalmente das regiões anterior e lateral, com alargamento ventricular (*) e dos sulcos adjacentes. Note a extensa área de hipersinal em T2/FLAIR na substância branca relacionada com a gliose (setas). Degeneração lobar frontotemporal - predomínio temporal direito (variante comportamental). As imagens de RM coronal 12 (A) e axial FLAIR (B) demonstram atrofia predominante do lobo temporal direito, nas porções anterolaterais, associada a sinais de gliose caracterizada por hipersinal em T2/FLAIR na substância branca subcortical. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 24 3. DEMÊNCIA MULTI-INFARTO Uma demência vascular (DV) é uma condição não degenerativa complexa que se caracteriza por déficit cognitivo decorrente de lesões vasculares. Trata-se da segunda causa mais comum de demência (15%-20% dos casos), atrás apenas da DA. Os fatores de risco para DV incluem idade avançada, HÁS, diabetes mellitus, dislipidemia, acidentes vasculares encefálicos recorrentes, doença cardíaca, tabagismo, distúrbios do sono (apneia) e hiper- homocisteinemia. O início do quadro demencial deve ocorrer dentro de três meses após um insulto vascular. Alguns achados de imagem, clínica e patologia das principais lesões vasculares, aquelas que mais comumente se associam à DV: 1. Doença de Grandes Vasos 1.1. Infarto Arterial Territorial A DV está associada à evidência de doença cerebrovascular relevante, incluindo múltiplos infartos de grandes vasos ou um único infarto estrategicamente localizado. As ditas localizações estratégicas incluem o giro angular, o tálamo, o prosencéfalo basal ou os territórios das artérias cerebrais posterior (ACP) e anterior (AÇA). Haverá um predomínio do acometimento dos infartos no hemisfério esquerdo, visto que o envolvimento do hemisfério dominante constitui um dos critérios de gravidade da DV. Os infartos crónicos de grandes vasos aparecem nos exames de TC como áreas corticossubcorticais hipoatenuantes, que à RM tem hipossinal em Tl e hipersinal em T2/FLAIR, delimitando um território vascular arterial. Associa-se atrofia local com acentuação dos sulcos e dilatação ventricular adjacente. 1.2. Infartos de Zona Fronteira Lesões isquêmicas que ocorrem nos limites entre dois ou três territórios arteriais principais. Sinal hipointenso em Tl e hipersinal em T2, geralmente com acometimentopredominante na substância branca. 2. Doença de Pequenos Vasos As anormalidades da substância branca e os infartos lacunares são as principais lesões cerebrais no contexto da doença de pequenos vasos. Múltiplos infartos lacunares e lesões da substância branca que atingem uma área superior a l O cm2 aumentam a probabilidade de repercussões clínicas cognitivas. 2.1. Doença da Substância Branca Os focos de hipersinal em T2 e FLAIR na substância branca têm sido chamados por vários nomes que incluem microangiopatia, leucoaraiose, lesões da substância branca e focos brilhantes inespecíficos. 2.2. Microangiopatia A microangiopatia é provavelmente a causa mais comum das alterações na substância branca caracterizadas nos exames de imagem em indivíduos idosos aparentemente normais, naqueles com DV e em alguns com DA. A escala de Fazekas é possivelmente a mais conhecida e fornece uma impressão geral da ocorrência das lesões na substância branca, estimada nas sequências T2/FLAIR. As alterações da substância branca são vistas como áreas hipoatenuantes e simétricas nos exames de TC. Na RM estas lesões aparecem como áreas de hipossinal em Tl e hipersinal em T2 na substância branca periventricular, estendendo-se à substância branca profunda, mas poupando as regiões subcorticais (fibras U). 3. Arteriopatia Autossômica Dominante com Infartos Subcorticais e Leucoencefalopatia (CADASIL) Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 25 4. Angiopatia Amiloide Cerebral Doença de pequenos vasos caracterizada pela ocorrência de hemorragia lobar não traumática, localizada, em ordem decrescente de frequência, nos lobos frontal, parietal, temporal e occipital. Hemorragias cerebelares e nos núcleos da base são infrequentes e hemorragia no tronco encefálico é extremamente rara. A RM é o melhor método para demonstrar as alterações da AAC. 5. Infartos Lacunares Lacunas são pequenos infartos encefálicos profundos, menoresque 2 cm, únicos ou múltiplos, na maioria das vezes clinicamente silenciosos. Geralmente resultam de doença de pequenos vasos, com oclusão secundária à arterioloesclerose ou embolia, em indivíduos com HÁS. As lacunas consistem em cavitações isquêmicas ovais ou "em fenda" do encéfalo, medindo até l ,5 cm no maior eixo. Os infartos lacunares são hipoatenuantes na TC sem contraste, hipointensos em Tl e hiperintensos em T2 e FLAIR na RM. 6. Dilatação dos Espaços Perivasculares Os espaços perivasculares, também denominados espaços de Virchow-Robin, caracterizam-se microscopicamente por uma cavidade contendo um vaso no seu interior, sem evidência de necrose, macrófagos ou restos teciduais. Usualmente estão associados à idade e constituem achado comum em idosos. Podem estar associados a HÁS, demência e lesões incidentais da substância branca. 7. Atrofia Cerebral Ao contrário da doença de Alzheimer, a atrofia hipocampal da DV é menos severa e constitui achado secundário. Observa-se também atrofia do corpo caloso em indivíduos com DV. Demência vascular (infarto estrategicamente localizado). Imagem de RM do encéfalo em T2 axial demonstrando sequela de infarto isquêmico com extenso hipersinal occipital e temporal medial esquerdo (*). A alteração da memória se instalou logo após o insulto vascular. Alteração cognitiva com alargamento de espaços perivasculares de Virchow-Robin. Imagens comparativas axiais do encéfalo T1 (A) e T2 (B) e coronal T2 (C) demonstrando o alargamento multifocal dos espaços perivasculares, de aspecto linear, confluente e bilateral, principalmente nas regiões subcorticais da convexidade frontal e nas ínsulas. Padrões de lesões hiperintensas na substância branca. Imagens comparativas axiais FLAIR de quatro indivíduos diferentes com focos hiperintensos na substância branca. (A-B) Hipersinal adjacente ao corno ventricular anterior bilateral (normal). (C-D) Múltiplas lesões puntiformes esparsas na substância branca. (E-F) Lesões da substância branca tendendo à confluência. (G-H) Grandes lesões confluentes da substância branca. Angiopatia amiloide cerebral. As imagens de TC do encéfalo sem contraste intravenoso (A-B) demonstram volumosa hemorragia lobar frontal (*) esquerda e área sequelar parietal homolateral (seta). A RM axial FLAIR (C-D) demonstrou extensas áreas hiperintensas frontal e parietal esquerdas, além de sinais de hemorragia subaracnóidea na convexidade parietal direita (seta branca). As imagens T2* (E-F) confirmam hemorragias multicompartimentais em diferentes fases de degradação. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 26 4. HIDROCEFALIA DE PRESSÃO NORMAL Nomenclatura atual: HIDROCEFALIA CRÔNICA DO ADULTO A hidrocefalia de pressão normal (HPN) foi descrita como uma síndrome clínica específica. Desde então vem sendo reconhecida como uma causa tratável de demência, que acomete adultos, geralmente após a sexta década da vida. A tríade clássica pela qual a HPN ficou conhecida é caracterizada por deterioração cognitiva progressiva, dificuldade na marcha e incontinência urinária. É indispensável a presença de dilatação comunicante do sistema ventricular, porém sem aumento persistente da pressão liquórica ou papiledema, para que o diagnóstico de hidrocefalia crónica compensada seja adequadamente definido. Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética A TC do crânio sem contraste tem sensibilidade suficiente para caracterizar os achados diagnósticos da HPN. Apesar disso, a RM exibe estas alterações com mais detalhes e tem sido por isso preferida na prática diária. A TC é útil para o acompanhamento e para o diagnóstico das complicações, particularmente do hematoma subdural pós-derivação. Os métodos de imagem permitem caracterizar a dilatação compensada do sistema ventricular, que se caracteriza pelo aumento global de suas dimensões com arredondamento dos cornos dos ventrículos laterais e do terceiro ventrículo. Os sulcos e as fissuras cerebrais encontram-se usualmente alargados, refletindo algum grau de atrofia em decorrência da idade avançada. Entretanto o achado mais consistente para a suspeita diagnostica por imagem é a desproporção entre o alargamento predominante dos ventrículos e o alargamento dos sulcos e fissuras corticais, que habitualmente exibem o apagamento relativo dos sulcos na convexidade dos hemisférios, retratando, em conjunto com a dilatação ventricular, o distúrbio da circulação/ absorção liquórica. A ocorrência de focos hiperintensos na substância branca em T2/FLAIR é frequente nos indivíduos com HPN e estes devem ser quantificados para a estimativa de resposta cognitiva à colocação da derivação ventricular. As técnicas avançadas de RM, como a ERM e a DTI, podem estimar a repercussão neuronal e axonal da hidrocefalia crónica. Entretanto a aplicação destas modalidades de imagem na prática clínica ainda necessita de parâmetros mais bem estabelecidos. O termo HPN é reservado para uso clínico, visto que nenhum dos métodos de imagem permite aferir a pressão intracraniana, apenas estimam a repercussão dos distúrbios circulatórios ou da absorção. O diagnóstico por imagem deve avaliar a presença e as repercussões da dilatação ventricular, sendo preferível a denominação de hidrocefalia crónica do adulto. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL • Demência vascular: a presença de múltiplos focos hiperintensos em T2/FLAIR permite aventar a possibilidade de doença de pequenos vasos cerebrais. Todavia a ocorrência simultânea de hidrocefalia compensada e, em alguns casos, a ausência de fatores de risco vascular auxiliam na diferenciação. • Doença de Alzheimer: a superposição de DA e HPN não é rara e deve ser avaliada, particularmente naqueles indivíduos com severa atrofia temporal mesial, particularmente dos hipocampos. A ERM pode demonstrar a presença de alterações sugestivas da DA, porém seu emprego na diferenciação destas duas afecções não é seguro. Imagem sagital T1 (A) demonstrando concavidade do mesencéfalo pela dilatação do terceiro ventrículo (seta). Note o apagamento dos sulcos na convexidade dos hemisférios cerebrais (*) e o arqueamento superior do corpo caloso. A imagem em densidade de prótons (B) sem compensação de fluxo demonstra o fluxo rápido no quarto ventrículo, com flow void local (seta). As imagens FLAIR (C-D) demonstram dilatação ventricular (*), apagamento dos sulcos com fluxo turbilhonado no terceiro ventrículo (seta), além de focos hiperintensos confluentes na substância branca. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 27 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 28 5. DEMÊNCIA RELACIONADA AO HIV A demência associada à Aids é um efeito do próprio vírus em conjunto com a resposta do organismo infectado. Pacientes com doença avançada apresentam-se com déficits em vários domí- nios cognitivos, enquanto pacientes com infecção pelo HIV, mas assintomáticos podem ter déficits sutis e limitados a poucos domínios cognitivos. A demência pode ser manifestação inicial da Aids em 5% dos casos, mas geralmente aparece nos estágios avançados da infecção. Déficit cognitivo decorrente do aumento da carga viral. Comprometimento progressivo das funções corticais. 25% dos casos cursam com manifestações neurológicas. Desordem cognitiva leve. Graus variados de comprometimento neurocognitivo, como: demência progressiva, anormalidades psicomotoras progressivas e perda da memória.Tomografia Computadorizada Atrofia cerebral difusa. Áreas hipoatenuantes de limites imprecisos, sem realce pelo constrate acometendo substância branca e cinzenta, em geral de forma bilateral e simétrica. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 29 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 30 6. DOENÇA DE CREUTZFELDT-JACOB A doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é uma desordem neurodegenerativa fatal, rapidamente progressiva, classificada nas formas esporádica (eDCJ), genética (gDCJ), iatrogênica (iDCJ) e nova variante (vDCJ). As manifestações clínicas clássicas da eDCJ, a forma mais comum da doença, bem como da gDCJ e da iDCJ, incluem demência de rápida evolução e mioclonias, presentes em 80% dos indivíduos. Completando a tríade típica da DCJ, têm-se as descargas sincrônicas e periódicas identificadas no EEG. Outros achados clínicos podem estar presentes e incluem sinais piramidais, extrapiramidais, cerebelares e cegueira cortical. Forma Esporádica (eDCJ) • Alteração cortical: hipersinal cortical giriforme nas imagens T2/FLAIR e, principalmente, na sequência em difusão. Em geral, o comprometimento é bilateral, porém assimétrico. Já foi demonstrada a correlação destes achados com os padrões clínicos e com achados neuropatológicos da doença. • Alteração estriatal: hipersinal em T2/FLAIR acometendo a cabeça do núcleo caudado e estendendo-se à região anteroinferior do putame, que apresenta restrição na sequência em difusão. • Alteração talâmica: apesar de ser classicamente descrita na vDCJ, o hipersinal dos tálamos visto nas imagens T2/ FLAIR e difusão pode ser demonstrado na eDCJ. Forma Variante (vDCJ) Alteração talâmica: caracteriza-se pelo hipersinal seletivo em T2/FLAIR e em difusão nos pulvinares talâmicos ("sinal do pulvinar"). Como nesta forma há extensão da alteração de sinal aos núcleos mediodorsais dos tálamos, geralmente configura- se o aspecto de dois bastões de hóquei justapostos nas imagens axiais. Nesse grupo de doenças é indispensável o emprego da sequência em difusão, pelas maiores sensibilidade e especificidade de seus achados mesmo na fase precoce da doença. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: • Encefalopatia hipóxico-isquêmica e hipoglicemia severa; • Demência frontotemporal; • Estado pós-comicial; • Doenças metabólicas e hereditárias: — Doença de Leigh; — Doença de Wilson; — Doença de Huntington. Doença de Creutzfeldt- Jakob. Imagem axial ponderada em difusão (A) demonstrando restrição à livre movimentação das moléculas de água no córtex bifrontal e parietal, principalmente à direita. Note ainda a alteração estriatal direita. Após seis meses a imagem comparativa (B) demonstrou pseudonormalização frontal, neste momento com atrofia lobar bilateral, além da exacerbação do comprometimento parietal e estriatal bilateral. Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P6 31 7. DESMIELINIZAÇÃO POR MICROANGIOPATIA E INVOLUÇÃO CORTICAL DIFUSA O envelhecimento do encéfalo pode ser classificado em normal e patológico, sendo que muitas vezes a distinção entre ambos não pode ser alcançada pela análise mais completa das diferentes técnicas da neuroimagem moderna. A consequência mais frequente do envelhecimento encefálico patológico é o desenvolvimento de doenças degenerativas, nas quais é possível identificar manifestações combinadas que determinam síndromes ou doenças específicas. O envelhecimento normal, por outro lado, não é acompanhado de manifestações clínicas expressivas, e pode ser subdividido em envelhecimento encefálico bem-sucedido, com mínimas alterações morfológicas observadas na comparação com indivíduos mais jovens, e envelhecimento encefálico típico ou usual, com o surgimento de alterações estruturais previsíveis. Os indivíduos com envelhecimento encefálico normal bem-sucedido são assintomáticos e a avaliação pelos diferentes métodos de imagem demonstra aparência normal ou apenas alterações estruturais mínimas. Naqueles com envelhecimento encefálico usual, as alterações estruturais estarão mais presentes, porém sem repercussões clínicas. As alterações mais previsíveis devem ser entendidas como a ocorrência de perda volumétrica leve ou moderada do tecido encefálico, alargamento dos espaços perivasculares de Virchow-Robin (EPV), pela presença variável de focos de alteração de sinal na substância branca, focos esparsos de hemorragia e depósito de ferro, principalmente nos núcleos da base. A perda volumétrica de tecido encefálico usualmente pode ser observada a partir da sexta década da vida e tornar-se-á mais pronunciada a partir da sétima década. Acomete o encéfalo de forma global, sendo a perda predominante da substância cinzenta cortical mais acentuada nas regiões anteriores. Apesar da difícil distinção entre o envelhecimento normal e o patológico, é importante para o radiologista reconhecer as alterações mais características do envelhecimento encefálico, suas interações com enfermidades sistémicas, como o diabetes e a hipertensão arterial, e as alterações neurodegenerativas. O desenvolvimento de técnicas modernas de avaliação por imagem, notadamente as sequências de espectroscopia de prótons (ERM), perfusão (PWI) e tensor de difusão (DTI) por ressonância magnética, associadas às modernas técnicas de medicina medicina nuclear com estudos metabólicos por tomografia por emissão de pósitrons (PET) e estudos de perfusão por meio da tomografia computadorizada com emissão de fóton único (SPECT), tem se mostrado útil neste cenário. Indivíduos com envelhecimento normal não costumam apresentar sinais ou sintomas clínicos atribuíveis a manifestações neurológicas específicas. Todavia pode ser observado prejuízo do desempenho dos mesmos quando submetidos a testes neuropsicológicos específicos, nos quais déficits cognitivos mínimos podem estar presentes. Tomografia Computadorizada Leve/moderada perda volumétrica do tecido encefálico: ocorre de forma global (atrofia cortical difusa), mas pode ser mais evidente nas regiões anteriores e é caracterizada por alargamento do sistema ventricular, bem como acentuação dos sulcos corticais e das fissuras cerebrais. Alargamento dos EPV: notadamente adjacente às extremidades da comissura anterior, na região dos núcleos da base, no mesencéfalo e na substância branca do centro semioval. Tênue hipoatenuação da substância branca periventricular e do centro semioval: provavelmente relacionada com microangiopatia e/ou gliose. Alterações vasculares: espessamento e calcificações parietais nas artérias dos sistemas carotídeos e vertebrobasilar, focos lacunares e micro-hemorragias. Estas últimas, por sua vez, são pouco caracterizadas na TC, sendo mais bem avaliadas por meio de aquisições específicas de RM. Calcificações fisiológicas nos núcleos da base, principalmente nos globos pálidos. Ressonância Magnética • Leve/moderada perda volumétrica de tecido encefálico: ocorre de forma global e é caracterizada por alargamento do sistema ventricular e também acentuação dos sulcos corticais e das fissuras cerebrais. Alargamento do EPV. Focos de hipersinal na substância branca periventricular e dos centros semiovais em T2/FLAIR. Focos hipointensos em T1 (Gliose) envelhecimento normal Focos hipointensos em T1 (Desmielinização)
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