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KUPFER, M. C. O que toca à/a Psicologia Escolar. In: MACHADO, A. M. S. Marilene P. R. (org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4a ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 55 a 65.

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Capítulo extraído do Livro: MACHADO, A. M. S. Marilene P. R. (org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4a ed. São Paulo: 
Casa do Psicólogo, 2004, p. 55 a 65. 
 
 
3. O Que Toca à Psicologia Escolar 
Maria Cristina Machado Kupfer 
 
Como todo jovem que se preza, a Psicologia Escolar não cansa de perguntar por sua própria 
identidade. O coro dos estudantes, profissionais e teóricos dessa área/ária vem repetindo de modo 
exaustivo e monocórdico uma só frase musical. Cantam em uníssono: “qual é o papel do psicólogo 
escolar?”. 
Nos tempos da sua infância, a melodia era outra. Provinha da certeza de seus praticantes de que 
a Psicologia Escolar tinha assegurado o seu lugar no mundo da Educação. Jubilosamente festejavam a 
imagem recém-construída, tomada, porém de empréstimo às ideologias que nela queriam ver uma 
prática ortopédica, corretiva das ações dos professores sobre as crianças. Mais que isso, pediam que 
confirmasse a máxima liberal segundo a qual as diferenças não provêm da desigualdade d e 
oportunidades e sim d as diferenças individuais. Assim, buscando ir ao encontro daquilo que seus 
criadores dela esperavam, a Psicologia Escolar elegia o objeto sobre o qual iria concentrar seus 
esforços: os problemas de aprendizagem das crianças. 
Durante algum tempo, então, foi necessário que a Psicologia Escolar s e alienasse nessa imagem 
que ela própria não construíra, mas que lhe conferia uma identidade e uma existência. 
Para os psicólogos orientados por essa perspectiva, foi conferido um lugar concreto na escola, 
dentro do qual podia exercitar suas funções. Não se tratava nem d e sala de aula, nem do pátio de 
recreação, nem das dependências administrativas. Era apenas uma sala de atendimento, um espaço em 
que podia aplicar testes. Um espaço à margem: caso fosse eliminado, em nada mudaria a configuração 
geral da escola. Se instalado a uma distância de dois quarteirões, seu trabalho poder ia prosseguir sem 
prejuízos. Sua voz não fazia coro com as demais vozes da escola. 
No entanto, o psicólogo entrou na escola. É lá dentro, não podia deixar de ouvir as vozes da 
escola. Tinha agora ao seu alcance novos dispositivos teóricos de leitura da realidade escolar e de seus 
problemas. Sabia, por exemplo, do peso dos determinantes sociais sobre os problemas de 
aprendizagem. Dispunha das leituras estruturais, segundo as quais há uma relação de determinação 
recíproca entre os elementos de uma instituição. Ou seja, não seria jamais possível estudar uma criança 
sem levar em conta as peculiares relações com seus professores e pais, por exemplo. 
Diante dessa mudança de visão, o psicólogo passou então a enfrentar dois problemas: o da 
demanda e o da técnica. Em primeiro lugar, como participar mais ativamente da vida da escola, se só 
o que lhe pediam era que testasse, discriminasse e “expulsasse” as crianças indesejáveis? E, caso uma 
brecha lhe fosse aberta, com que instrumentos iria trabalhar, s e essas teorias mais recentes ajudavam 
a entender, mas pouco diziam sobre como intervir na realidade escolar?1 A ética que o orientava era 
agora a ética da transformação social, mas não tinha ideia de como promovê-la com os poucos 
instrumentos que a Psicologia lhe havia fornecido. Estamos agora naquele momento em que o pré-
adolescente cresceu, mas não interiorizou ainda seu novo tamanho, e vive esbarrando pelos cantos. 
Sua voz oscila frequentemente de um registro grave para um agudo, o que decididamente não facilita 
a sua participação no coro da escola! Ou seja, ora aceita seu antigo lugar de psicometrista, ora deseja 
participar de uma reunião de professores. De modo canhestro, opina, aponta erros, critica o modo 
“pouco afetivo” de alguns professores, “interpreta-os”. Quer agora ocupar o lugar do maestro do coro... 
A escola se fecha, o trabalho do psicólogo escolar sofre uma retração. 
Onde encontrar teorias psicológicas que viessem a orientar uma intervenção nas escolas ao 
mesmo tempo que levassem em conta a análise da realidade social? Que Psicologia poderia propor 
uma intervenção “não-alienante”? 
 
________________________________________________________________________________________ 
(1) Justiça seja feita ao movimento institucionalista e à proposta dos grupos operativos de Bleger. Tais ideias não chegaram, no 
entanto, a se constituir em uma prática efetiva junto aos psicólogos escolares em nosso meio. 
Capítulo extraído do Livro: MACHADO, A. M. S. Marilene P. R. (org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4a ed. São Paulo: 
Casa do Psicólogo, 2004, p. 55 a 65. 
 
 
Na busca das respostas a essas perguntas, o psicólogo acabou por “topar” com a Psicanálise. Não 
que ela já não estivesse de alguma forma presente. Estava, sim, exercendo influências sobretudo na 
Psicologia Clínica, e de modo impreciso quando se falava por exemplo em projeção, em identidade, 
em “desenvolvimento afetivo”. Mas agora se tratava de ir beber diretamente da fonte, ir em busca da 
teoria psicanalítica da “personalidade”. 
De início, as perspectivas pareciam muito promissoras. Tudo levava a crer que a ética da 
Psicanálise não casava bem com a ideia de adaptação do indivíduo à realidade social, pois seus 
compromissos eram com outras coisas; com o “desejo”, por exemplo, muito embora não se pudesse 
entender exatamente do que se tratava quando se falava em desejo. A Psicanálise era vista como uma 
prática não ideológica, e o que se pretendia, com a Psicanálise, era transformá-la em um auxiliar na 
luta pela transformação social: um homem mais equilibrado teria mais condições de lutar por ela. 
No entanto, as principais barreiras contra um casamento da Educação com a Psicanálise foram 
levantadas p ela própria Psicanálise. No início de sua obra, Freud acreditava que uma educação 
psicanaliticamente orientada podia ter um valor profilático, porque evitaria excessos repressivos e 
consequentemente a instalação das neuroses. No final, porém, essa crença havia sido desmontada: faça 
o que fizer um educador, não haverá como evitar a castração, o recalque e a neurose. Além disso, a 
sexualidade, o inconsciente e a morte, temas que constituem a seara da Psicanálise, precisam ser 
cuidadosamente evitados pelo educador. A Psicanálise e a Educação assentam-se em terrenos opostos, 
não podem auxiliar-se mutuamente. Devido à antinomia entre essas duas práticas, não é possível 
transformar o professor em um Psicanalista, nem criar um método pedagógico inspirado na Psicanálise 
(Millot, 1987). 
Mais do que isso, o encontro da Psicanálise com a Educação e com o psicólogo interessado em 
intervir de modo “não-alienado” na instituição escolar criou ainda um outro impasse: as explicações 
dadas pela Psicanálise a respeito das origens dos problemas das pessoas parecem não coincidir nem 
um pouco com as explicações que colocam um grande Peso sobre os determinantes sociais. 
Em busca de um esclarecimento a respeito desse aparente choque de opiniões o psicólogo 
encontrou uma explicação que lhe pareceu satisfatória: se a Psicanálise não se importa com os 
determinantes sociais, é porque ela está operando com o sujeito do inconsciente, e não com o eu do 
sujeito. 
O “eu” é constituído por identificações, e se molda a papéis sociais, se encaixa em tipos 
psicológicos, varia com as condições históricas. Para a Psicanálise, todo trabalho psicológico, seja ele 
realizado em uma psicoterapia individual, seja ele em uma instituição, tem como alvo esse eu, e não o 
sujeito do inconsciente. Mas é preciso não esquecer que esse “eu” não se confunde com o eu do cogito, 
da consciência. Ele possui partes inconscientes, e é basicamente uma instância de defesa, o que o torna 
“cego”. 
Longe de haver, nessa formulação, um menosprezo pelo trabalho sobre o eu, o que a Psicanálisefaz, ao afirmar essa distinção, é colocar com rigor um divisor de águas. A doença mental, por exemplo, 
é do âmbito do sujeito do inconsciente, e precisa ser tratada como tal; os problemas de aprendizagem 
são na sua maioria problemas no funcionamento egóico, e, portanto, amplamente determinados pelas 
relações vividas pelas crianças no interior da instituição escolar. 
A Psicanálise coloca, portanto, limites claros a respeito das possibilidades de uso dessa teoria 
fora dos consultórios: não pode auxiliar diretamente um professor, a não ser que esse professor se 
analise, não pode criar métodos pedagógicos inspirados por ela, e não tem os mesmos objetivos de 
qualquer trabalho institucional. 
Levando em conta todas as restrições que a Psicanálise coloca, e admitindo que o trabalho do 
psicólogo em uma instituição escolar se dirija principalmente ao eu, poderia a Psicanálise contribuir 
para a leitura das instituições, para a definição de objetivos e para a criação de “técnicas” de trabalho 
psicológico em uma escola? 
O “espaço psi” na escola 
Capítulo extraído do Livro: MACHADO, A. M. S. Marilene P. R. (org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4a ed. São Paulo: 
Casa do Psicólogo, 2004, p. 55 a 65. 
 
 
Modernamente, existem teorias que podem ajudar a responder afirmativamente a essa questão. 
Será preciso ter em mente que a Psicanálise que vai nos ajudar não é a Psicanálise que se preocupa em 
descrever fases psicossexuais do desenvolvimento (oral, anal etc.), nem é aquela interessada em 
apontar constantemente desígnios e motivações inconscientes para os comportamentos humanos — 
essas formas de Psicanálise não são, aliás, freudianas (Japiassu, 1982). A partir do ensino de Jacques 
Lacan, psicanalista francês, alguns parâmetros passam a dirigir de modo mais preciso o trabalho do 
analista. O discurso — e não o comportamento — é o alvo da análise, e uma vez que o inconsciente 
se estrutura como uma linguagem, o analista estará operando com as leis de funcionamento da 
linguagem, e extraindo delas a eficácia de sua ação. 
Dito de outro modo, para essa Psicanálise a linguagem é condição do inconsciente, assim como 
é condição da Ciência, assim como é condição, fundamento, de toda construção cultural. Condição, 
portanto, da construção das instituições humanas, e entre elas, a escola. 
Transportando esses princípios para o âmbito de um trabalho institucional interessado em adotá-
los, admitir-se-á então que toda instituição está estruturada como uma linguagem. Se assim for, estará 
sujeita às leis de funcionamento da linguagem. 
Se as instituições seguem essas regras, também podemos ler os discursos que ali se desenrolam 
da mesma maneira como se lê o discurso de um sujeito em análise. Embora não estejamos 
psicanalisando as pessoas da instituição, estaremos aplicando as regras de funcionamento da 
linguagem à instituição como um todo. 
Os discursos institucionais tendem a produzir repetições, mesmice, na tentativa de preservar o 
igual e garantir sua permanência. Contra isso, emergem vez por outras falas de sujeitos, que buscam 
operar rachaduras no que está cristalizado. É exatamente como “auxiliar de produção” de tais 
emergências que u m psicólogo pode encontrar seu lugar: eis o que pode propor uma Psicologia na 
escola que opere com parâmetros da Psicanálise. 
O que pode rá acontecer quando uma instituição estiver toda voltada para a repetição, para o 
igual? Pois bem, quando houver apenas repetições, quando houver apenas discursos cristalizados, os 
sujeitos não mais poderão manifestar-se. Não falarão, não poderão “oxigenar-se”, ou seja, não poderão 
beneficiar-se dos efeitos de verdade e de transformação que surgem quando há espaço para 
emergências ou falas singulares. 
Nesses casos, o resultado poderá ser a impossibilidade de criação de novos discursos mais 
flexíveis e acompanhadores das mudanças. O passo seguinte e a fixação das crianças em estereotipias, 
em modelos que lhes são pré-fixados; vem a inibição intelectual, o fracasso escolar. Para os demais 
grupos da instituição escolar onde não houve r circulação discursiva, o resultado será a falta de 
oxigenação e a consequente necrose do tecido social. A falta de circulação discursiva é o início do fim 
de uma instituição, já que, não podendo jamais ficar parada, não lhe sobrará outra alternativa a não ser 
recuar, e iniciar a sua atrofia. Independentemente dos alvos a que se propõe essa instituição, eles não 
serão atingidos. 
De modo contrário, quando há circulação de discursos, as pessoas podem se implicar em seu 
fazer, podem participar dele ativamente, podem se responsabilizar por aquilo que fazem ou dizem. 
Mudam ativamente os discursos, assim como são por eles mudadas, de modo permanente. Um 
psicólogo munido dessa leitura poderá então propor-se a criar condições para a produção de tais 
mudanças. 
Note-se ainda uma outra consequência do fato de encarar a instituição como linguagem. As 
modificações sofridas por um grupo podem provocar modificações em outros grupos da instituição, 
sem que esses outros tenham sido tocados ou mencionados, já que a instituição está sendo encarada 
como uma rede de relações interligadas e em constante movimento, na qual a mudança de um elemento 
provocará necessariamente uma alteração de posição nos demais. Isso é uma decorrência do fato de 
ela ser encarada como uma linguagem. Se há mudanças em um grupo de professores, essas mudanças 
poderão “transbordar” para o grupo de crianças, sem que tenham sido dados conselhos, orientações, 
Capítulo extraído do Livro: MACHADO, A. M. S. Marilene P. R. (org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4a ed. São Paulo: 
Casa do Psicólogo, 2004, p. 55 a 65. 
 
 
ou sem que os professores tenham tido “consciência” da necessidade dessa mudança. Simplesmente o 
ângulo de visão passa a ser outro, e o que se vê é outra coisa. 
Um psicólogo que faça, por exemplo, um grupo de professores tendo como referência essa 
“leitura” institucional, de modo amplo, e do grupo, em seu funcionamento interior, estará operando 
com princípios da Psicanálise, sem, contudo, estar psicanalisando ninguém. Assim, acredita-se que um 
psicólogo possa, atualmente, pedir à Psicanálise que lhe forneça alguns princípios s orientadores da 
construção d e um espaço de trabalho dentro da escola. 
Parâmetros do espaço psi 
O espaço psi, definido por parâmetros tomados de empréstimo à psicanálise, pode ser assim 
caracterizado: 
1. O objetivo do trabalho do psicólogo na escola é o de abrir um espaço para a circulação de 
discursos, naquelas instituições em que a ausência dessa circulação estiver comprometendo a 
realização dos objetivos institucionais. 
2. Um psicólogo estará “autorizado” a intervir em uma instituição quando estiver criada a 
transferência, seu principal instrumento de trabalho, da qual extrairá seu poder de ação, e com a qual 
poderá criar o espaço psi na escola. 
3. Diante da demanda da escola, o psicólogo não a atenderá, nem a recusará, mas a “escutará” 
(entendendo-se “escuta” em seu sentido psicanalítico). 
4. O trabalho do psicólogo se movimentará na intersecção entre a Psicologia e a Pedagogia. 
5. A ética que o orienta pode ser assim enunciada: um coordenador dirige os trabalhos, mas não 
dirige as pessoas2. Cada um deverá responsabilizar-se por aquilo que diz, condição para a eficácia da 
direção dos trabalhos. Disso se deduz ainda que o psicólogo não participa da definição ou da 
transformação dos objetivos daquela instituição, pois não faz uso político do poder que lhe confere a 
transferência. Usa-a apenas para produzir efeitos de verdade nos participantes dos grupos, e para ajudar 
na reorganização das condições de “oxigenação” daquele Organismo. 
Tais princípios requeremuma explicação sobre seus fundamentos na Psicanálise. Seguem-se 
algumas delas. A escuta. A palavra recolocada em circulação é o alvo. Para isso, seria necessário 
apontar, mostrar, interpretar os sujeitos nos grupos, mostrando aquilo que só o psicólogo pode escutar? 
Isto não seria tirar proveito das leis de funcionamento da linguagem, e sim das leis de funcionamento 
do poder da sugestão. 
Estaríamos tirando proveito do pedido dirigido ao psicólogo para que ele faça pela instituição. 
Há transferência de poder da instituição para as mãos do psicólogo, mas ele não deve usá-lo 
efetivamente, se quiser ser fiel aos princípios da Psicanálise. 
 Usando seu conhecimento sobre o funcionamento da linguagem, será necessário supor que só a 
palavra proferida pelo sujeito pode ser por ele ouvida. No entanto, ele precisa dirigir sua fala a alguém 
para que esta retome e ele a ouça. Não se ouve se não usar esse recurso3. Portanto, o psicólogo estará 
em posição de escuta ativa. Para que esses efeitos se produzam, é preciso, em primeiro lugar, que o 
psicólogo tenha sido colocado pelo falante em posição privilegiada. O falante precisa autorizá-lo a ser 
seu escutante. 
Essa autorização é “assegurada” pela transferência de que o psicólogo será alvo. Em seguida, 
será necessário proferir um “escuto”, para demonstrar essa sua disposição, para oferecer-se nessa 
posição específica e não em qualquer outra. Ao contrário, caso atenda ao pedido proferido na 
________________________________________________________________________________________ 
(2) Paráfrase de um dito de Lacan: “o analista dirige o tratamento, mas não dirige o sujeito” 
(3) Eis um trecho de O homem da mão seca, de Adélia Prado, que ilustra muito bem o valor da escuta em uma análise: “Por que 
peso de Corcovado e não de Pão de Açúcar? Perguntou-me o doutor, inábil, recusando me u primeiro discurso, tomando meu desenfeite 
orgulhoso por despojamento. Tinha mau sorriso. Não confiaria àquele homem afoito a dor da minha alma. (...) O segundo doutor ouviu-
me a um ponto que eu mesma ouvi-me. Eu gostava da minha voz narrando, da tez, do sorriso obsceno, da estatura anã dos monstrinhos 
que permitia passear entre a est ante e a poltrona de couro da sala, o doutor balançando a cabeça em me criticar. Falei de novo ‘peso d e 
Corcovado’, ficou impassível escutando, era bom falar, chamar à luz do dia a população das trevas, meu desassossego”. São Paulo, 
Siciliano, 1994, pp. 87-88. 
Capítulo extraído do Livro: MACHADO, A. M. S. Marilene P. R. (org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4a ed. São Paulo: 
Casa do Psicólogo, 2004, p. 55 a 65. 
 
 
superfície, é possível que se feche a possibilidade de aquele pedido ter suas “verdadeiras” raízes 
escutadas. 
O espaço pela transferência 
O trabalho do psicólogo cria na escola um espaço que não existe concretamente, que não é nem 
a sala de aula, nem a sala da diretora, nem o pátio de recreio. Trata-se de um espaço montado, de um 
recorte a partir de todos os espaços da escola. É um novo espaço que se cria quando se entra na escola. 
Como montar esse espaço na escola? E por que ele não pode coincidir com os já existentes? 
A partir do momento em que um psicólogo se dispõe a ouvir a demanda de trabalho psicológico 
feita por uma escola, já se inicia o desenho desse espaço. A es cola autoriza o psicólogo a ocupar um 
determinado lugar, e essa autorização indica o estabelecimento de uma transferência. 
Sendo ele o alvo da transferência, é a ele que serão dirigidos os discursos, e essa é a condição 
para que ele possa lê-los. Um psicólogo pode saber sobre a r elação que um sujeito estabelece com ele 
porque ele mesmo é o alvo. Mas não há como saber como é a relação de um professor com seu aluno. 
Mesmo indo observá-la em sala de aula, ou ainda que o professor a relate, estaríamos apenas vendo 
comportamentos, com um risco enorme de erros de interpretação. Só poderemos intervir sobre as 
relações transferenciais de que formos alvo, daí a necessidade de criar instâncias especiais de trabalho, 
sem a interferência de outras tarefas ou de outras figuras de autoridade presentes. 
Após ser configurada pelo estabelecimento da transferência, prossegue a montagem desse espaço 
quando o psicólogo cria enquadres mais ou menos fixos para acionar seu “eu escuto”; monta grupos, 
marca reuniões. Ao fazê-lo, põe a palavra em circulação. Falam os professores no grupo, falam as 
crianças em outro, falam os pais na reunião. As alternâncias de falas, as relações que o psicólogo 
estabelece entre elas, vão “desenhando”, dando contornos a esse espaço. A transferência de que se 
suporte e as falas encadeadas montam o campo psi em que circulará o psicólogo4. 
Entre a Pedagogia e a Psicologia 
O espaço psi se define, em termos de “conteúdos”, a partir da intersecção entre o pedagógico e 
o psicológico. Ou seja, há aspectos do pedagógico que caem fora do seu âmbito, assim como há 
aspectos do psicológico que também não devem ser abordados. 
Se uma professora, por exemplo, põe-se a falar da infância, será preciso pensar a intersecção 
dessa história com a questão dela enquanto professora ali. O trabalho dirige a discussão para esse 
espaço de intersecção, e despreza os aspectos mais propriamente psicanalíticos do discurso daquela 
professora. Ao fazer isso, haverá também aspectos do pedagógico que cairão fora: técnicas de 
alfabetização etc. Do âmbito institucional, ficarão dentro do espaço psi aqueles aspectos que diz em 
respeito, por exemplo, ao especial modo como as crianças e os professores vivem e filtram para si as 
relações de poder, e ficarão fora as ações concretas que buscam modificar tais relações. 
A justificativa disso advém do âmbito possível de qualquer trabalho com a subjetividade 
psicanaliticamente orientado, mas realizado fora do enquadre do consultório: o âmbito será o do eu do 
sujeito, e, portanto, o das identificações, o dos papéis socialmente definidos. Em uma palavra, o do 
imaginário. O que está em jogo é o modo como aqueles professores imaginam seu papel, e quais os 
discursos em torno desse papel que impede m seu exercício eficaz, muito mais que a verdade última 
daquele sujeito do inconsciente que “habita” um professor. 
O psicólogo voltou agora, como no início, a não fazer parte do coro da escola. Tampouco é seu 
maestro, nem o compositor da melodia que entoam. Resta-lhe então o lugar do ouvinte, lugar difícil 
de manter. Mas não é pelo fato de haver u m ouvinte que se justifica toda a mobilização de um coro? 
Não é por ele que trabalham, que se orientam? Se o psicólogo puder se manter nesse lugar, e se puder 
reproduzir em uma escola os efeitos que um ouvinte causa a um coro, não terá trabalhado para 
“consertar” uma escola, mas para ser um dos agentes na produção de uma instituição bem 
“concertada”! 
________________________________________________________________________________________ 
(4) Para entender melhor a transferência, ver Miller, J. A., Percurso de Lacan. Rio de Janeiro, Zahar, 1987. 
 
Capítulo extraído do Livro: MACHADO, A. M. S. Marilene P. R. (org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4a ed. São Paulo: 
Casa do Psicólogo, 2004, p. 55 a 65. 
 
 
BIBLIOGRAFIA 
JAPIASSU, H. Introdução à Epistemologia da Psicologia. Rio de Janeiro, Imago, 1982. 
MILLOT, C. Freud anti-pedagogo. Rio de Janeiro, Zahar, 1987. 
SOUZA, H.R. “Institucionalismo: a perdição das instituições”. Temas IMESC, v.1, n°.1, pp.l3-24, 
1984.

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