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Aula 9 Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro Eliana Maria Vinhaes Barçante História da Região 8 Meta da aula Relacionar o processo de urbanização às iniciativas industriais e aos movimentos sociais no Rio de Janeiro. Objetivos Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1. caracterizar os movimentos sociais da passagem do século XIX para o século XX no Rio de Janeiro; 2. identificar as contradições do caráter da urbanização do Rio de Janeiro, dentro do processo de modernização da cidade; 3. identificar o papel do bonde na cidade do Rio de Janeiro como fator de integração da cidade; 4. relacionar a imigração estrangeira à ampliação dos conflitos entre populares nacionais e estrangeiros: greves e movimentos reivindicatórios. Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 9 INTRODUÇÃO Vimos nas aulas anteriores como o período imperial se organizou ao longo do século XIX. Na primeira metade, as instâncias políticas foram se sedimentando, as elites regionais pactuando seus interesses locais e nacionais, os partidos políticos se ordenando e o poder central se configurou, aglutinando forças em torno da figura de D. Pedro I, e, na segunda metade do século XIX, em torno de D. Pedro II. Mas as forças de sustentação do Império começaram a ruir no último terço do século XIX. Alguns atribuíram isso à abolição da escravidão, associada à crise entre a Igreja e o Estado, situação aprofundada pela exigência dos militares em se fazer representar de forma efetiva no contexto social, político e econômico do Império brasileiro. Naquela época, o Rio de Janeiro polarizava as grandes discussões políticas e sociais do Brasil. Era o centro das decisões, a capital do Império. Para a cidade convergiam as demandas do Brasil. E a cidade expressava as grandes contradições da sociedade brasileira. Na segunda metade do século XIX, novos ingredientes vão ser acrescidos ao cenário de exigências e expectativas. O Rio de Janeiro era o laboratório das experiências que se faziam no Brasil. Passemos a examinar os novos impulsos que surgirão com a chegada de imigrantes e suas contribuições ao cenário carioca, e como a cidade vai se remodelar diante dessa transição do Império para a República. Vamos acompanhar os novos segmentos sociais que vão progressivamente se fazer representar, ainda que de forma frágil e desorganizada. História da Região 10 A cidade do Rio de Janeiro na passagem do século XIX para o século XX O Rio de Janeiro era caminho para as Minas Gerais e assumiu uma posição hegemônica na rede de cidades brasileiras. Mas não apenas as cidades mineiras se articulavam diretamente, quase como extensões urbanas do próprio Rio, mas pela navegação de cabotagem e por força do comércio de atacado, outras regiões se articulavam ao Rio de Janeiro, que se constitui no polo de um sistema mercantil estendido pela costa. Figura 9.1: Panorama do centro da cidade do Rio de Janeiro, por Marc Ferrez. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Centro_Rio_de_Janeiro_1889.jpg No Rio de Janeiro, as atividades comerciais eram intensas, suas relações comerciais com a Europa se aprofundavam, as viagens se intensificavam e as influências europeias se faziam representar no cotidiano da cidade no final do século XIX. A cidade precisava se adequar ao aumento populacional, aos avanços da economia, ao enriquecimento das elites, ao processo de desarticulação do escravismo, ao surgimento de uma população imigrante que vai se inserindo na cidade e na província, às novas demandas por participação, liberdade e cidadania. Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 11 Em fins do século XVIII esse sistema de cidades, quase todas do Brasil, à exceção do Maranhão e Grão-Pará – cujas dificuldades náuticas para contato com o Sudeste as colocaram diretamente ligadas a Lisboa –, formam o espaço colonial de influência do Rio. Com o controle fiscal das minas e a posição forte e crescente no núcleo do tráfico negreiro deriva-se e reforça-se a hegemonia do Rio. Na segunda metade do século XVIII os traficantes escravistas do Rio têm o controle do negócio na cidade. É nela que tendem a se concentrar a circulação e distribuição da riqueza, da renda. No interior dela há uma grande diversificação das atividades produtivas. No Rio desenvolvem-se e localizam-se os serviços para o conjunto das cidades integradas à cidade. Estrutura-se a presença do artesanato sofisticado e surge uma incipiente experiência manufatureira. Com o progresso do crescimento urbano, a troca mercantil se amplifica e prossegue a diferenciação dos processos de divisão do trabalho. Com a diversificação das atividades mercantis e de serviços, a cidade do Rio pode crescer e polarizar uma rede de transações, o que não significou necessariamente estar em processo de industrialização. A cidade pode acumular ganhos mercantis ou promover e intermediar transações, mantendo relações não capitalistas. O exemplo foi o Rio de Janeiro (LESSA, 2001). O Rio de Janeiro vai sediar uma concentração de poucos e grandes comerciantes que dominam o comércio de vulto, de grosso trato, como nos afirma Fragoso, ancorado no tráfico escravista. No século XIX, alguns atribuem ao café a indução dinâmica da economia, ou seja, o estímulo ao desenvolvimento do Rio. Mas esta visão é equivocada, segundo Lessa, um conhecido economista. O café não surgiu apenas fisicamente no interior do Rio. Foi financiado pelo capital mercantil do grosso comércio do Rio e deu continuidade à sua prosperidade (LESSA, 2001). Para o autor, portanto, o capital mercantil estimula a produção cafeeira. História da Região 12 Para Fragoso, historiador, a virada do século XIX para o XX convive com várias transformações internacionais. A Inglaterra perde a hegemonia econômica para os Estados Unidos e a Alemanha, isso vai se refletir no Brasil. No Brasil, as mudanças vão coexistir com as permanências estruturais. A agricultura continua a ser o principal setor da economia. Para se ter um exemplo, em 1920 a agricultura ainda sustentava 66,7% da população economicamente ativa. Mas há elementos novos acontecendo e convivendo com este panorama de permanências. A economia fica mais complexa. Os centros urbanos vão crescer com as atividades econômicas inerentes ao seu crescimento: transporte, luz, gás, serviços telefônicos etc. A população aumenta. Calcula-se que, entre 1872 e 1900, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador teriam seu aumento populacional estimado em, respectivamente, 664%, 195% e 59%. Mas este quadro de crescimento das atividades diversificadas vai conviver com o quadro agrário, do que o autor chamou a República dos Plantadores (FRAGOSO, 1990). É no período imperial que se aumenta a emissão do meio circulante (moeda) e do crédito. Os bancos vão facilitar empréstimos à lavoura. Aumenta-se, entretanto, o endividamento externo que sustentava a política emissionista e os empréstimos internos. Mas, essas medidas – ampliação do meio circulante, do crédito e do mercado de ações – vão se refletir positivamente sobre a agricultura, sobre a indústria e sobre o comércio (FRAGOSO, 1990). Um ponto a se destacar é que a Revolução Industrial, na Europa, ao projetar a máquina a vapor, modificou o padrão de articulação do Rio com o mundo e teve grandes implicações na infraestrutura interna e no dinamismo da cidade. Com a utilização da máquina a vapor pela navegação, regularizam-se as ligações externas via tráfego marítimo,e essas ligações intensificam as relações comerciais, pois reduzem e agilizam os fretes marítimos. Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 13 A máquina a vapor, por meio da ferrovia e do ferry boat, reduz os fretes internos à economia nacional e amplia a superfície edificável da cidade, uma vez que estimula o crescimento das cidades pela facilidade em transportar maiores cargas, numa navegação costeira ou nos rios. Facilita, agiliza e barateia o transporte interno. Estimula a construção urbana, pois muitos fazendeiros se deslocam para a cidade, podendo controlar seus negócios no campo e na capital. Outra vantagem é que a redução dos fretes, com o navio e o trem, permitiu o abastecimento de alimentos e outros bens à população carioca a preços reduzidos. Fretes mais baixos significam alimentos mais baratos e a possibilidade de um fluxo maior de abastecimento. Atraem fluxos migratórios para a cidade ocasionando o rápido crescimento da população do Rio, apesar das epidemias que vão acompanhar este deslanche da cidade. No Rio, surgirão eixos de ocupação dos subúrbios, o desenvolvimento de Niterói e das ilhas do Governador e de Paquetá. Novas formas de transporte coletivo começam a surgir no interior urbano. De início, com a força animal, e posteriormente com energia elétrica. Com o aumento da população, surgem novos problemas: saúde pública, segurança, higienização etc. Ao reduzir o tempo de viagem entre a plantação e a cidade, os ricos fazendeiros deslocam sua moradia do campo para a cidade. Mas essas mudanças ocorrem mesmo com a manutenção da sociedade escravista, até fins do século XIX. Todo o progresso técnico que chega ao Rio de Janeiro modifica o perfil da cidade. Aumenta o comércio atacado, diversifica e sofistica o comércio a varejo, estimula o comércio nos bairros. Essa expansão do comércio estimula uma elite mercantil que se aproxima das estruturas conservadoras e escravistas do Rio, isto é, dos proprietários de terras. No meio urbano, os comerciantes semeiam novas possibilidades de trabalho e acabam favorecendo o núcleo do proletariado. Mas, como se associam aos padrões Ferry boat ou balsa Trata-se de uma embarcação de fundo chato, com pequeno calado, para poder operar às margens e em águas rasas. Possui uma grande boca que pode transportar veículos ou máquinas. Possui várias denominações no mundo: batelão em Moçambique, jangadas, entre os pescadores do Nordeste, cacilheiros em Lisboa. O termo tem origem inglesa, mas não se conhece um termo global em português. História da Região 14 Atende ao Objetivo 2 1. Explique, a partir do texto anterior, como a diversificação do comércio urbano e a consolidação de uma elite comercial associada aos interesses agrários, no final do século XIX e início do século XX, mantêm as relações de trabalho não assalariadas. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ tradicionais do modelo imperial, o impacto dessas mudanças no mercado de trabalho assalariado nos moldes capitalistas é muito reduzido, se considerarmos a massa de homens livres e pobres. O assalariamento será muito restrito (LESSA, 2001). Em 1854, a Estrada de Ferro Mauá uniu a baía de Guanabara à Raiz da Serra. Em 1858 foi inaugurada a Estrada de Ferro Pedro II, com ligação até Queimados, e logo se estende a Japeri e inclui Maxabomba (Nova Iguaçu). Em 1871 esta estrada de ferro chega a Porto Novo do Cunha e cria uma alternativa à estrada de rodagem União e Indústria (1861). O trem semeou, com as estações que vão se desenvolvendo ao longo das vias de penetração, a colheita dos subúrbios cariocas. Aumenta o número de comerciantes, produtores rurais e de novas manufaturas. A geometria dos subúrbios foi polarizada pela estação e pelas atividades econômicas (LESSA, 2001). O comércio a varejo nos bairros do Rio de Janeiro também se organizou a partir dos bondes. O bonde, de tração animal, foi básico para o sistema de abastecimento e comunicação dos bairros. Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 15 ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada O desenvolvimento do comércio pode ser explicado pela incorporação da energia a vapor, tanto na navegação quanto na expansão das estradas de ferro. Entretanto, as atividades urbanas não incorporam a massa trabalhadora nos moldes modernos, introduzindo o trabalho assalariado, uma vez que a trabalho escravo ainda era hegemônico. A utilização de trabalho não remunerado ainda será a prática usual. O Rio de luzes e sombras Ao longo da segunda metade do século XIX houve uma progressiva incorporação de melhorias na infraestrutura da cidade. A limpeza urbana começa a ser organizada. A Companhia Gary é responsável, a partir de 1875, pela coleta do lixo domiciliar e das vias públicas seguida de sua deposição na ilha de Sapucaia. Em 1904, a coleta do lixo passou a ser um serviço municipal. As comunicações também se desenvolvem. É instalado o telégrafo urbano (1852). O Corpo de Bombeiros é instituído em 1856. A iluminação pública, alimentada a óleo animal, é, a partir de 1854, convertida para o gás produzido pela empresa de Mauá (LESSA; 2001). História da Região 16 Figura 9.2: Demolições para a construção da avenida Central, atual avenida Rio Branco, centro do Rio, entre 1904 e 1905 (foto da coleção de Augusto Malta, um dos mais conhecidos fotógrafos do Rio antigo). Fonte: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/ historia/0031.html Foi rápido o ajuste da cidade à máquina a vapor. Esta moderni- dade pelo interior da cidade não rompe com a inércia social, herdada do período colonial, ao combinar-se com a não industrialização. A sociedade da passagem do XIX para o XX mantém estruturas hierarquizadas e excludentes. O impulso da modernidade é muito maior para o crescimento das mesmas relações sociais do que para transformá-las, no sentido de estimular a industrialização. A cidade vai se desenvolvendo, seus moradores sofisticando seus hábitos e participando das novidades europeias. O progresso se elucidava na poeira de demolições. O novo convivia com o velho, em um desejo insaciável de tornar o Rio a vitrine do Império. Nesse processo, as edificações proliferavam, as vias de acesso se ampliavam, o comércio se intensificava. Leia o que diz Lima Barreto: "Remodelar o Rio! Mas como? Arrasando os morros (...). Mas não será mais o Rio de Janeiro, será outra qualquer cidade que não ele!" Muitos lamentavam as derrubadas das casas, dos morros, as construções monumentais da época. Mas uma capital moderna se fazia como nova exigência. O amplo projeto urbanístico destinava-se à construção do novo Rio de Janeiro, uma cidade bela, higiênica, Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 17 ordeira e racional complementada com um centro de negócios. E este centro pretendia negar as ruelas, caminhos estreitos, animais nas ruas, cheiros desagradáveis. Beleza, saneamento e racionalidade norteavam os novos tempos! Mas, como nos fala Lená Menezes, as luzes da boca de cena conviviam com as sombras dos bastidores. Vejam como a limpeza da cidade se processava, na visão de Pereira Passos: Comecei por impedir a venda pelas ruas de vísceras de reses,expostas em tabuleiros, cercados pelo vôo contínuo de insetos, o que constituía espetáculo repugnante. [Trata-se do conhecido tripeiro, vendedor de miúdos de boi ou porco.] Aboli a prática rústica de ordenharem vacas leiteiras na via pública, que iam cobrindo com seus dejetos, cenas estas que ninguém, certamente, achará dignas de uma cidade civilizada (...). Tenho procurado pôr termo à praga dos vendedores ambulantes de loteria, que por toda parte perseguiam a população (...). Muito me preocupei com a extinção da mendicidade pública, (...) punindo os falsos mendigos e eximindo os verdadeiros à contingência de exporem pelas ruas suas infelicidades (MENEZES, 1996, p. 40). A cidade pobre coexistia com seu lado luminoso, orientado para os valores europeus. A cidade velha ocultada pelos novos ventos permanecia nos interstícios envergonhados das grandes obras. E esta cidade não se caracterizava somente pela beleza, limpeza, modernidade ou somente agradável ao olhar, pois os resquícios do passado denotavam os problemas tradicionais. Problemas deslocados no espaço, escondidos nas vielas. As sombras permaneciam. O Rio não industrializado foi o espaço dos ambulantes, dos empalhadores, dos lustradores, dos reparadores de eletrodomésticos, dos tropeiros e de tudo que João do Rio chama de “profissões ignoradas” da miséria. As ruas se tornaram oficinas. A pobreza dividiu as ruas em lotes exploráveis. Os vendedores de quitutes, de mariscos, de vísceras de animais, de ervas viraram donos de seus História da Região 18 espaços na rua. Os mendigos partilhavam o espaço nos adros e escadarias das igrejas (LESSA, 2001). Vejam as imagens abaixo demonstrando a partilha do espaço público, entre luzes e sombras. Figura 9.3: Favela no morro de Santo Antonio, na época da construção da avenida Central. Fonte: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/ historia/0031.html Figura 9.4: Imagem do Palácio Monroe, que já não existe mais, na ocasião dos funerais de Joaquim Nabuco, em 1910. Fonte: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://upload. wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/72/Pal%C3%A1cio_ Monroe_(cart%C3%A3o-postal).jpg/300px-Pal%C3%A1cio_Monroe_ (cart%C3%A3o-postal).jpg&imgrefurl=http://pt.wikipedia.org/wiki/ Pal%25C3%25A1cio_Monroe&usg=__ql2-GqEgTVOAKADtddlk4H Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 19 Atende ao Objetivo 2 2. Identifique o significado de luzes e sombras na cidade do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o XX. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada O texto enfatiza que as contradições entre luzes e sombras marcaram o caráter da modernidade do Rio de Janeiro. De um lado, novas construções, novas formas de comunicação, aumento das atividades comerciais e de luxo. De outro lado, o deslocamento da pobreza para a periferia da cidade, embora com um reduzido mercado de trabalho, favorecendo atividades ambulantes, biscates, ofícios ignorados e desqualificados. 24vxk=&h=189&w=300&sz=25&hl=pt-BR&start=2&um=1&itbs=1 &tbnid=RSlG02jqUZ47jM:&tbnh=73&tbnw=116&prev=/images% 3Fq%3Dpalacio%2Bmonroe%2Bwikipedia%26um%3D1%26hl%3D pt-BR%26tbs%3Disch:1 História da Região 20 O bonde e a cidade do Rio de Janeiro O serviço de bondes na Cidade Maravilhosa foi inaugurado em 1868, conforme relata Gastão Cruls no livro Aparência do Rio de Janeiro. Figura 9.5: Bonde antigo. Fonte: http://www.transportes.rj.gov.br/sistemas/sistemas_ evolucao.asp Figura 9.6: Aqueduto da Carioca transformado em viaduto para bondes (Rio de Janeiro, 1896, foto de Marc Ferrez). Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aqueduto_da_ Carioca_Transformado_em_Viaduto_para_Bondes_(Rio_de_Janeiro_-_ Brasil)_-_1896.jpg Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 21 O bonde foi um vetor importante na modificação do comportamento social. Dizia Lima Barreto: Este veículo alastra a cidade, mas serve aos caprichos de cada um, de forma a fazer o rico morar num bairro pobre, e o pobre num bairro rico (...). A topografia (...) deu à nossa cidade esta moldura de poesia, de sonho e de grandeza. É o bastante (LESSA, 2001, p. 144). O bonde possibilitou a circulação pela cidade, ampliando a comunicação. Modificou hábitos, possibilitou acesso a espaços de lazer, como a Floresta da Tijuca, a Quinta da Boa Vista. A população carioca criou uma verdadeira paixão pelo bonde. Abrigado do sol e da chuva, com boa ventilação e livre da sujeira urbana, o passageiro do bonde conquistava a cidade (LESSA, 2001). No último quartel do século XIX, o capital imobiliário se expressa com maior nitidez na cidade. Os bairros e subúrbios começam a se estruturar. Os loteamentos e a abertura de novos bairros tiveram, em suas origens, as companhias de carris, que funcionaram integradas com as estratégias do capital imobiliário. Figura 9.7: Automóvel Ford do início do século XX. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:1910Ford-T.jpg Carris Carros e bondes à tração animal, ou com rodas que deixavam sulcos no chão por onde passavam, por terem rodas de madeira. História da Região 22 Atende ao Objetivo 3 3. Alvarenga e Ranchinho, compositores, gravaram um dos grandes sucessos carnavalescos, "Seu Condutor", que assim falava do bonde, um dos vetores de comunicação do Rio de Janeiro: Seu condutor, dim, dim. Seu condutor, dim, dim. Para o bonde p’ra descer o meu amor. E o bonde da Lapa É cem réis de chapa E o bonde Uruguai Duzentos que vai E o bonde Tijuca Me deixa em sinuca E o praça Tiradentes Não serve p’ra gente. Associe a letra do samba ao papel do bonde na cidade do Rio de Janeiro. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada O bonde como transporte urbano na virada do século XIX para o XX foi um fator facilitador de comunicação e transporte popular entre os vários bairros da cidade. Facilita a expansão da cidade para a periferia, conduzindo trabalhadores, estudantes e mesmo a elite, e ampliando as comunicações e o deslocamento mais rápido da população urbana. Além disso, desempenha o papel de ampliar o mercado de trabalho. Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 23 A imigração no Rio de Janeiro do século XIX para o século XX: associações e conflitos manifestos Há um aperfeiçoamento e uma diferenciação da vida metropolitana, e amplia-se a sofisticação dos hábitos urbanos, pois a cidade cresce e amplia seus contatos externos. Mas esse processo reflete a heterogeneidade social crescente. O Rio é o laboratório urbano do Brasil no final do século XIX e início do XX, onde a elite incorpora padrões modernos de consumo e conserva, de forma combinada, padrões e projetos tradicionais, como vimos anteriormente. Mas o Rio também vivia de festas, que congregavam populares em torno doslugares centrais da cidade. No passado, o entrudo, festa carnavalesca em que negros e brancos se divertiam e invertiam sinais do cotidiano, criando brincadeiras jocosas, ocorria na época do carnaval. Festas como a de Nossa Senhora da Penha, realizada nos domingos de outubro, promoviam danças. Outra festa famosa era a de Nossa Senhora da Glória, iniciada em 1671. Inúmeras procissões nos dias santos, com música, continuaram animando a cidade no período imperial. No Rio, as festas religiosas agregavam ao lazer o povo livre e pobre. O lundu como forma de dança combinou a expressão corporal do fandango ibérico ao ritmo do batuque afro. Essa modalidade de dançar prosperou; sincretizada com a polca, originou o maxixe, que foi exportado do Brasil para Paris em fins do século XIX. A modinha brasileira foi exportada e obteve sucesso em Portugal. Outra diversão clássica foi o teatro (LESSA, 2001). Surgem orquestras para bailes, e, com tantas novidades, o Rio se torna uma cidade urbanizada, mas não era uma cidade industrializada. Isto não significou a ausência de pequenas manufaturas, voltadas para o mercado local, nem de alguns poucos estabelecimentos industriais orientados para o mercado nacional coberto pela rede de cabotagem. História da Região 24 Entretanto, o trabalho cotidiano, em que conviviam trabalhadores nacionais e estrangeiros, foi marcado por inúmeros conflitos em que ficou expressa a permanência das hostilidades com o trabalhador liberto de cor. Esses conflitos ocorrem na transição para o capitalismo e foram marcados pela presença maciça de imigrantes na cidade. Em maior número, podemos identificar os portugueses, que se juntaram a milhares de trabalhadores brasileiros, pobres, de cor, que moravam na cidade ou para lá afluíam com a Abolição. O imigrante luso foi atraído para o Rio de Janeiro em fins do século XIX. Casou-se com brasileiros brancos e mestiços, mas não disputou somente o mercado matrimonial – competiu com os escravos e libertos em suas atividades clássicas. A situação era altamente competitiva e conflituosa, pois o mercado de trabalho assalariado em formação não conseguia absorver essa abundante mão de obra. Por outro lado, os donos do capital se beneficiavam desta abundância de trabalhadores disponíveis. Aos populares cabia aceitar as dificuldades de um futuro incerto, baixos salários, longas jornadas de trabalho e árdua competição para serem assimilados como assalariados nas fábricas, nas indústrias ou no comércio. Esses trabalhadores anônimos, que conviviam à margem do mercado de trabalho, desempenhavam atividades autônomas para garantir sua sobrevivência. É o caso do comércio ambulante que se espalha pela cidade. A competição pela sobrevivência e pela ascensão social dos trabalhadores urbanos acabava colocando em campos opostos de luta imigrantes e brasileiros pobres, principalmente de cor. Havia uma predisposição por parte das elites dominantes em perceber o negro como um mau trabalhador e em valorizar o imigrante como o trabalhador desejável para acelerar a transição para o capitalismo. Os empregadores tendiam a exercer práticas discriminatórias contra os brasileiros de cor. Era uma associação Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 25 de progresso com branqueamento da população nacional. E mais, os empregadores eram, em sua maioria, estrangeiros e, entre eles, portugueses. Em suma, os trabalhadores de cor viam a dificuldade de colocação no mercado urbano, especialmente no comércio, atividade dinâmica na economia da cidade. O Rio de Janeiro passa a conviver com inúmeros conflitos na disputa pelo trabalho, que favorecia o imigrante em detrimento do trabalhador nacional (CHALHOUB, 1986). Por outro lado, muitos imigrantes que desde meados do século XIX vieram para o Brasil acabaram integrados à lavoura cafeeira fluminense, disputando, também no campo, as formas de inserção como trabalhadores rurais nas fazendas cafeeiras. Nesse cenário, podemos apontar para as dificuldades que os populares pobres encontraram para se inserir no mercado emergente capitalista. Podemos dar o exemplo das brincadeiras populares, que não subvertiam as hierarquias da sociedade carioca. A folia das festas do entrudo mantinha as regras das famílias de respeito. Estas ficavam nas janelas dos sobrados ou em batalhas de janela para janela. Os negros participavam como coadjuvantes, carregando bandejas de limões de cera ou preparando a ceia que fazia parte da festa. Na ausência de seus senhores, iam pelas ruas em torno de chafarizes, em batalhas nas quais eram utilizados limões, pó branco etc. No início do século XX, estas brincadeiras de rua eram vistas com benevolência pela elite, observando o desenrolar de brincadeiras entre negros e negras, que se enfarinhavam, molhavam, melavam e pintavam pelas ruas em espaços físicos e temporais diferenciados das famílias (CUNHA, 2001). O exemplo anterior explica como os lugares da elite eram diferenciados dos lugares dos populares, ainda que na festa de todos. As hierarquias eram preservadas. História da Região 26 O nascimento das fábricas Em 1837 há a notícia de três pequenas fundições de ferro e cobre (Ferrez, Paris & Parot e Fleury). Há também notícias da Fábrica de Chitas na Tijuca, que deu origem, após sua demolição, à praça Saenz Pena. Havia uma tecelagem de seda no Andaraí, uma fábrica de tapetes na ilha de Mocanguê e duas fabriquetas de papel. Sabão, cera, fivelas e chapéus eram produzidos em pequenas manufaturas. A partir de 1840, a Sociedade Auxiliadora da Indústria já tinha sido constituída. A Junta de Comércio de 1849 deu provisão de fábrica a 102 estabelecimentos. E o Arsenal de Marinha desenvolve grande atuação técnica e fabril (LESSA, 2001). No Caju, temos a fábrica de sabão, na ilha do Governador, manufaturas de material de construção (cal, tijolo e telhas) e a fábrica de cerâmica Santa Cruz. Na rua São Clemente, em 1860, registra-se uma fábrica de chapéus de feltro, a Braga Costa. Entretanto, podemos chamar de fábrica, com escala industrial, a do estaleiro Ponta da Areia, onde trabalhavam 350 operários especializados na fundição de ferro e fabricação de mecanismos, como embarcações. Na última década do século XIX surgiram algumas indústrias têxteis: a da Confiança Industrial, a América Fabril, a Progresso. Com exceção do complexo Mauá, as demais indústrias da cidade não formaram cadeias industriais, nem desenvolveram integração fabril: todas dependiam do reduzido mercado local, e poucas supriam outras cidades brasileiras. É, portanto, equivocado confundir essa incipiente iniciativa manufatureira com a consistência de um processo de industrialização. A inexpressiva atividade manufatureira fez do emprego regular um contrato raro no tecido social urbano do Rio. O trabalhador assalariado esteve presente, além de em poucas manufaturas, nas ferrovias, nas companhias de transporte urbano, nos contratistas de Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 27 serviços públicos. Algum emprego regular existiu para os libertos na Polícia Militar, no Exército e na Marinha, celeiros tradicionais de músicos populares, oriundos de bandas militares. Os baixos salários, as condições de trabalho nos estabelecimentos fabris, a ausência de legislação trabalhista, a superexploração e a longa jornada de trabalho, o ritmo da atividade fabril, a restrição ao deslocamento, a prepotência dos chefes de equipe: todas estas condições adversas criavam uma similaridade com o cativeiro recentemente abolido.Estudos revelaram intensa rotatividade do trabalho entre o operariado têxtil não especializado (LESSA, 2001). Foram frequentes os conflitos entre o trabalhador nacional e o estrangeiro que reduziam os espaços dos recém-libertos. Origens do proletariado fabril e algumas experiências de industrialização no Rio de Janeiro No Brasil, diferentemente do que ocorreu na Europa, os primeiros trabalhadores das fábricas eram escravos, que conviviam com operários. A formação da classe operária no Rio de Janeiro conviveu com a desagregação do trabalho escravo. Algumas empresas não empregavam trabalhadores livres até meados do século XIX; outras os utilizavam apenas para serviços especializados, sendo o trabalho mais pesado realizado exclusivamente por escravos. Isso ocorria nas firmas estrangeiras e nas nacionais. No caso das nacionais, pode-se citar uma fábrica de velas do Rio de Janeiro que, até 1857, somente empregava escravos. Entre os escravos utilizados nas fábricas podemos notar que os escravos ao ganho eram utilizados porque eram relativamente autônomos, custeavam seu sustento e viviam como ambulantes. Era na obrigação de entregar uma porcentagem de seu ganho a seu dono que se resumia e se concretizava sua condição de escravo; História da Região 28 no mais, funcionava livremente no mercado de trabalho. Outros utilizados eram os chamados escravos de nação (africanos de origem) e os pertencentes às municipalidades. O governo fixava suas condições de trabalho, havendo leis que regulamentavam os critérios de sua alimentação, o tipo de indumentária que deveriam usar e o tratamento a que estariam expostos. Com a abolição do tráfico aparece uma categoria de africanos livres que, confiscados pelo Estado, eram alugados a particulares e seus salários destinados, teoricamente, à sua repatriação (voltar para a África). Esses homens capturados ilegalmente pelos traficantes, quando identificados, ficavam sob o controle do Estado e podiam ser encaminhados para os serviços necessários à cidade. Essas categorias de trabalhadores se opunham ao trabalho operário, que necessariamente deveria ser livre e assalariado. Em alguns estabelecimentos, conviviam livres e escravos no mesmo local de trabalho. Na fábrica de velas, por exemplo, a partir de 1857 eram contratados alguns imigrantes, que recebiam da indústria o mesmo tratamento escravo em relação a alojamento e alimentação. Em outros locais apareciam apenas trabalhadores livres. A companhia de estrada de rodagem de propriedade de Mariano Procópio não empregava escravos. Os operários desta firma eram alemães e portugueses, por ocasião da construção da estrada União e Indústria, que ligava Petrópolis a Juiz de Fora, entre 1856 e 1861. Este trabalho era muito penoso, se considerarmos as condições da época. Nas ferrovias, foram utilizados, quase exclusivamente, operários livres. A lei que definiu a política ferroviária em 1852, “vedava expressamente a utilização do braço escravo nos trabalhos da estrada”. Mas foram ferroviários, operários da construção civil, estivadores, portuários, têxteis e gráficos as categorias de proletários brasileiros formadas no século XIX, em pleno Império, em várias cidades do país. Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 29 O setor têxtil já era bem mecanizado e empregava máquinas a vapor. Nessas fábricas trabalhavam operários brasileiros e estrangeiros, e a maior parte deles se concentrava no Rio de Janeiro (HARDMAN; LEONARD, 1982). Primeiras associações e manifestações de classe: greves A exploração a que eram submetidos os primeiros proletários era tamanha que seu nível de vida expressava tal dificuldade. Eles não possuíam direitos, e sua reação, quando ocorria, direcionava- se aos contramestres e patrões. Aos poucos, a tendência era de aprofundamento da exploração. Portanto, a formação de organizações operárias se explica como uma forma de defesa da exploração que se alastrava no espaço das fábricas. As associações mutualistas pretendiam a sobrevivência destes trabalhadores, organizando o socorro mútuo em caso de doença e de acidentes ou ajuda pecuniária nos anos de velhice, enterro de parentes próximos etc. Era o início de um longo e sofrido processo de formação de classes. Se hoje os operários desfrutam de garantias, suas conquistas foram obtidas com lutas, com árduo e paciente trabalho de organização e reivindicação. Este processo se iniciou com a formação das primeiras associações mutualistas, já na primeira metade do século XIX. Podemos citar como algumas das primeiras associações a Sociedade de Oficiais e Empregados da Marinha (1833), a Socie- dade Mecânica Aperfeiçoadora das Artes Beneficentes (1836), a Sociedade de Auxílio Mútuo dos Empregados da Alfândega (1838), a Associação tipográfica Fluminense (1853), a Sociedade de Bem-Estar dos Cocheiros (1856), a Associação Protetora dos Caixeiros (1858), a Associação de Auxílio Mútuo dos Empregados da Tipografia Nacional (1873) e a União Beneficente dos Operários da Construção Naval (1884). Essas sociedades eram organismos cuja iniciativa cabia aos empregados, aos assalariados, que estavam História da Região 30 na origem do socorro mútuo entre operários, que iria se desenvolver nas décadas de 1850 e 1880. Organizaram-se independentemente da Igreja e do Estado, e nelas não havia patrões. Existiam dezenas de associações deste tipo no Rio de Janeiro. Mas, a partir dos anos 70 do século XIX, iniciam-se as associações de um novo tipo – as ligas operárias, que se propunham como objetivo organizar a resistência dos trabalhadores contra o patronato; são conhecidas também como associações de resistência. O objetivo era reivindicar, e uma das novas formas de atuação passou a ser a greve (HARDMAN; LEONARDI, 1982). Da mesma forma que o mutualismo, o aparecimento das Ligas de Resistência Operárias esteve relacionado à evolução das tendências do movimento operário europeu, vinculados ao projeto anarquista dos seguidores de Bakunin. O anarquismo de Bakunin Bakunin nasceu em 1814 e morreu em 1876. Apesar de filho de pais abastados, cedo se interessou pelas lutas dos trabalhadores. Estudou Hegel e conheceu Karl Marx, com quem teve divergências e se afastou, fundando sua própria organização. Foi preso várias vezes e acusado de terrorista, sendo até condenado à morte. Participou de várias rebeliões. Defendia a destruição do Estado. Em suma, era um anarquista por convicção. Mas não se confunda: anarquistas odeiam o Estado, mas isso não significa que amam o caos. A obra de Bakunin influencia pessoas e atos até os dias de hoje. A primeira greve operária de que se tem notícia foi realizada em 1858 pelos gráficos dos três jornais do Rio de Janeiro: Correio Mercantil, Jornal do Commercio e Diário do Rio de Janeiro. Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 31 Na época, trabalhava-se quinze horas por dia nas oficinas desses jornais; a iluminação a gás era deficiente, o que prejudicava a vista dos que trabalhavam noite adentro confinados em espaços insalubres. Com o aumento do custo de vida, a reivindicação de aumento salarial era uma necessidade, e pediram, então, um aumento, que lhes foi negado. Em 9 de janeiro de 1858, os trabalhadores dos três jornais paralisaram as oficinas e exigiram aumento de dez tostões diários. Nenhum jornal circulou pelas ruas do Rio durante aqueles dias, a não ser o Jornal dos Tipógrafos, que tinha a função de informar a população sobre as razões da paralisação. Os patrões reagiram convocando a ajudapolicial. Os operários tentaram uma mediação com os patrões e, ao que consta, sem êxito. Em 1857, outra tentativa de greve ocorreu no Rio: a dos acendedores de lampiões. Em 1863 houve outra greve: a dos ferroviários. Esse movimento ocorreu na Estrada de Ferro Pedro II e recebeu a adesão dos operários que trabalhavam na construção desta ferrovia, em Barra do Piraí. Foi tal a sua amplitude que o governo foi obrigado a enviar para essa cidade um reforço de 400 soldados da Guarda Nacional. Foi nesse longo período, anterior a 1888, que surgiram as primeiras ideias socialistas no Brasil. Eram propagandeadas por intelectuais e não chegaram a criar raízes junto aos trabalhadores. O jornal O Socialista do Rio de Janeiro propagandeou as ideias de Fourier, defendidas por um grupo de brasileiros que editava no Rio. O jornal O Socialista da Província do Rio de Janeiro, em 1845, afirmava os objetivos a que se propunha: Fourier idealizava um novo mundo "racional e harmônico" e imaginava a transformação socialista através da criação de "colônias" (falanstérios), nas quais todos trabalhariam e agiriam segundo suas tendências inatas, contribuindo "de modo espontâneo para o bem-estar do conjunto" (HARDMAN; LEONARDI, 1991). História da Região 32 Novamente, o jornal O Socialista da Província do Rio de Janeiro, em 1845: Assim, pois, o Socialista tratará de agronomia prática, economia social, didática jacotista, política preventiva e medicina doméstica, e sobretudo do Socialismo, ciência novamente explorada, da qual basta dizer que seu fim é ensinar aos homens a se amarem uns aos outros (O SOCIALISTA..., 1845, p. 110). José Murilo de Carvalho, apesar de observar a existência de associações e de “jornais radicais”, na década de 1870, ligados aos operários do Estado (trabalhadores dos arsenais do Exército e da Marinha, ferroviários da Estrada de Ferro D. Pedro II, gráficos da Imprensa Nacional e funcionários da Casa da Moeda e algumas categorias de portuários), enfatiza as tentativas, ocorridas após a proclamação da República, de organizar os operários, “seja através de elementos de fora, seja de dentro da classe”. Como, por exemplo, os positivistas, representados por Teixeira Mendes, que reuniram 400 operários da União em 1889, com o objetivo de elaborar um documento para ser enviado ao então ministro da Guerra, Benjamin Constant, sustentando a necessidade de “incorporar o proletariado à sociedade”, por meio de medidas de cunho trabalhista. No ano seguinte, ocorreriam as “várias tentativas de criar um Partido Operário, já abrangendo também os operários do setor privado” (CARVALHO, 1987, p. 52-53). Baseado em critérios que considera separadamente movimento operário, movimento sindical, mercado de trabalho e legislação trabalhista, Luiz Werneck Vianna classifica a experiência de organização no século XIX nos seguintes termos: (...) até 1889 (...) a ação operária e sindical, embora livres, não reúnem condições para interferir na fixação da regulamentação do mercado de trabalho, limitando-se a atividades mutualistas; o mercado de trabalho não-escravo se rege por suas funções "naturais" (VIANNA, 1978). Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 33 Edgar Carone define as sociedades de auxílio mútuo como sendo o primeiro elo na corrente evolutiva das formas de organização do movimento operário no Brasil: (...) Esta forma sindical é de iniciativa patronal ou do próprio operariado, conforme o caso. Ela não representa oposição ao sistema capitalista, e, sim, uma atitude passiva ao regime. Por esta razão é que os anarquistas, no seu radicalismo, sempre atacaram o Auxílio Mútuo, pois, segundo eles, a exploração capitalista é a responsável pelas doenças e dificuldades do operariado, daí caber a ela as responsabilidades por seus atos. No entanto, num momento em que o trabalhador não encontra nenhum recurso da sociedade, cabe ao Auxílio Mútuo o papel primordial de ajuda humanitária aos seus associados. A sua função se traduz clara nos estatutos das entidades (...) (CARONE, 1989, p. 33). Para Eulália Lobo e Eduardo Stotz, as primeiras manifestações coletivas e organizações de trabalhadores na corte não (...) se traduziriam em movimento próprio e independente, diante do caráter dominante do escravismo. As associações estariam voltadas, sobretudo, para o socorro dos enfermos, dos impossibilitados de trabalhar e dos familiares dos trabalhadores que faleciam na indigência. Portanto, agrupavam uma ínfima parte das classes trabalhadoras (LOBO; STOTZ, 1985). Entre 1853 e 1890, ainda que as antigas corporações, inicialmente de caráter religioso, de pedreiros, marceneiros e pintores tivessem sido substituídas por associações de caráter mutualista, beneficente e profissional, prevaleceriam as organizações de vários ofícios e frequentemente criticadas na imprensa operária por serem ineficazes (LOBO; STOTZ, 1985). História da Região 34 (...) nos anos da década de 1880, surgiram várias associações beneficentes e as primeiras do tipo sindical que se proporiam a defender os interesses materiais dos trabalhadores livres. Mas foi com a proclamação da República que teve início um movimento operário mais estruturado, que se manifestou através de greves, comícios, uma imprensa própria levantando reivindicações e tentando organizar-se como partido político próprio (LOBO; STOTZ, 1985, p. 65). Atende ao Objetivo 1 4. Vimos como o movimento dos trabalhadores ansiava por melhores condições de vida e de trabalho. Eram reivindicações legítimas, mas que não foram capazes de se estruturar de forma a atingir seus objetivos. Caracterize esses desdobramentos sociais que antecederam o movimento operário mais organizado. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada Os movimentos de socorro mútuo que pretenderam salvaguardar os trabalhadores de suas agruras, diante de seus patrões representaram os primórdios dos movimentos sociais no Brasil. O trabalho fabril caracterizou uma forma de exploração violenta do operário que, progressivamente, foi se organizando, mas não conseguiu interferir na relação capital x trabalho, foco da exploração capitalista. Aula 9 – Industrialização, urbanização e movimentos sociais no Rio de Janeiro 35 CONCLUSÃO Podemos, portanto, concluir que a virada do século XIX para o XX no Rio de Janeiro, capital do Império e da República recém-inaugurada, conviveu com inúmeras mudanças, mas com permanências que marcaram o perfil da cidade desde a colônia. Inovações, prosperidade, progresso e modernidade comparti- lharam seu significado com desemprego, pobreza, parcas moradias e movimentos sociais reivindicatórios. Esse período foi o cenário do Rio de Janeiro dos contrastes. RESUMO Esta aula apresenta o panorama do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o XX. Muitas inovações vão surgindo, entretanto, as raízes coloniais da cidade permanecem, ainda que deslocadas para os subúrbios e a periferia dos centros de decisão política e social da cidade. Os trabalhadores urbanos disputavam seus ofícios no incipiente mercado de trabalho. As permanências de séculos de escravidão se expressam na disputa urbana por novos empregos. Mas a cidadese reconstrói, mirando os exemplos europeus de Londres e Paris, em nome do progresso. As melhorias urbanas passam a ser desfrutadas pelas elites. E o Rio de Janeiro se moderniza, convivendo com seu avesso, a pobreza. Informação sobre a próxima aula A nossa próxima aula vai tratar da influência da proclamação da República para estimular o projeto modernizador. O incremento de soluções modernizadoras vai intensificar as novas modalidades de História da Região 36 relações entre a disciplinarização do trabalho e o desenvolvimento fabril. Novos movimentos reivindicatórios surgirão como decorrência da inflação, do bota abaixo, da vacinação obrigatória, do deslocamento dos populares dos cortiços para os subúrbios. A modernização conservadora vai expressar o caráter da República e suas repercussões na cidade do Rio de Janeiro.
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