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Conferência de abertura 
Máquina de fazer machos: gênero e práticas culturais, desafio para o encontro das diferenças 
 
Durval Muniz de Albuquerque Júnior 
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros 
 
MACHADO, CJS., SANTIAGO, IMFL., and NUNES, MLS., orgs. Gêneros e práticas culturais: 
desafios históricos e saberes interdisciplinares [online]. Campina Grande: EDUEPB, 2010. 256 p. 
ISBN 978-85-7879-038-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. 
 
 
 
All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non 
Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. 
Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - 
Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. 
Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons 
Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. 
Conferência de abertura
23 { 
Máquina de fazer machos: 
gênero e práticas culturais, desafio 
para o encontro das diferenças
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Por todos os lados ouvimos que somos uma sociedade de cabras machos, de 
cabras da peste. Mas o que é ser macho? Através de que traços nós delineamos 
e definimos o perfil de um macho? Como podemos saber que a pessoa que 
está a nossa frente é um macho de verdade? Talvez possamos encontrar esta 
verdade do macho observando o seu corpo. Corpo que não deve deixar esca-
par nenhum gesto, nenhuma atitude, nenhum traço que possa ser definidos 
como femininos. Um corpo retesado, em permanente estado de tensão, corpo 
sempre com músculos definidos e em alerta, nenhum relaxamento, nenhuma 
lassidão. Nenhuma delicadeza, corpo rústico, rude, quase em estado de natu-
reza, recendendo a suor e testosterona, viril, másculo. Corpo onde se ressaltem 
pelos, músculos, que transpareçam força e potência. Mas, talvez, a verdade 
do macho esteja em seu comportamento, em seus gestos, em sua maneira de 
ser. Um macho que se preze é agressivo na vida e com as pessoas, caracteriza-
se pela vontade de poder, de domínio, exige subordinados e subordinações, 
notadamente das mulheres. Um macho não deixa transparecer publicamente 
suas emoções e, acima de tudo, não chora, não demonstra franquezas, vacila-
ções, incertezas. Um macho tem opiniões firmes e incontestáveis, tem uma só 
24 { Durval Muniz de Albuquerque Júnior
palavra, não aceita ser contrariado ou contestado, notadamente por mulheres. 
Um macho não adoece, não tem fragilidades nem físicas, nem emocionais, 
frescuras. Um macho sempre sabe o que faz, aonde quer chegar e ai daquele 
que se colocar em seu caminho. Um macho é um ser competitivo, está sempre 
disputando com outros machos a posse das coisas e das pessoas. Um macho 
é objetivo, racional, até frio e cruel, calculista, não se deixando levar por sen-
timentos. Um macho é desleixado, sem vaidade, é um homem natural, sem 
artifício, sem polidez. Talvez seja difícil alguém conseguir se enquadrar com-
pletamente neste perfil tão exigente e rigoroso. Mas este perfil que, traçado 
assim, pode parecer risível, quando não ridículo, compõe-se de uma série de 
traços, atualiza uma série de enunciados e imagens, remete para valores que 
fragmentariamente circulam em nossa sociedade e são elementos de nossas 
práticas e formas culturais, dando origem a ações e formas de pensamento que 
continuam sendo constitutivas da produção de subjetividades, da produção das 
identidades de sujeitos. Numa sociedade que tem como um de seus traços mar-
cantes o de ser pensada no masculino e para o masculino. Por isso, sabermos 
como se pensa o masculino, como esse se define é fundamental para enten-
dermos a própria sociedade deste tempo e deste espaço em que vivemos. Que 
implicações sociais, políticas ou culturais o fato da centralidade do masculino 
traz para nossa sociedade? Que consequências esta centralidade do masculino 
tem para os próprios homens e para as mulheres? O que significa esta centrali-
dade? O que nela está implicado? Seria possível descentrar o masculino? Se isto 
ocorresse, teríamos a centralidade do feminino? O que isto poderia significar? 
Seria esta a solução para muitos dos problemas sociais que enfrentamos? São 
estas questões que tentarei abordar aqui hoje.
Seria importante, inicialmente, retomarmos alguns daqueles traços com 
os quais definimos um macho e tentarmos pensar o que esses significam e 
como eles se explicam histórica e culturalmente, além de pensarmos as reper-
cussões sociais que esses implicam. Dissemos que possivelmente a verdade de 
um macho se encontre em seu corpo. Nesta maneira de pensar, duas variáveis 
importantes vêm se encontrar: a naturalização dos comportamentos sociais e, 
ao mesmo tempo, uma questão complexa, o lugar do corpo em nossa cultura. 
Desde pelo menos os anos sessenta do século passado, o movimento feminista 
e com ele as teóricas que fundaram os estudos de gênero, que instituíram esta 
categoria para a análise das relações sociais e, notadamente, para estudar a 
relação entre os sexos, vêm buscando desnaturalizar as categorias do feminino 
25 { Máquina de fazer machos: gênero e práticas culturais, desafio para o encontro das diferenças
e do masculino, mostrando-as como construtos sociais e culturais. Ninguém 
nasceria masculino ou feminino, mas se tornaria masculino ou feminino sem-
pre de acordo com as definições e as modelizações que uma dada sociedade e 
uma dada cultura dão para estes conceitos, para a própria materialidade do 
corpo. Inicialmente fundada na distinção entre sexo, como realidade natural, 
material, corporal, e gênero, como significação, valoração, definição social e 
cultural, com Judith Batler (2003) a teoria de gênero radicalizou-se até defi-
nir o próprio sexo, o ser macho e o ser fêmea como implantações culturais no 
corpo. Não deixando de ter parcialmente razão, à medida que macho e fêmea 
são conceitos, pertencem ao mundo da linguagem e, portanto, são uma cate-
goria cultural, não se pode chegar, no entanto, a se negar a materialidade do 
corpo sexuado, a existência de órgãos genitais distintos, de uma composição, 
inclusive, hormonal diversa, entre machos e fêmeas. Parece-nos que, depois 
de muitos anos lutando contra a visão do corpo como um destino, do corpo 
definindo papéis sociais e culturais rígidos, lugares de sujeito hierarquicamente 
situados, o feminismo se aproxima perigosamente de um outro traço marcante 
da cultura ocidental cristã, o da negação do corpo, de sua obliteração como 
elemento partícipe, inclusive, da vida cultural.
Um dos maiores combates travados pelo feminismo não foi, justamente, 
pela reconquista do corpo, do poder sobre o próprio corpo por parte das mulhe-
res, para a superação da relação alienada que essas mantinham com seus corpos, 
corpos pensados como objeto, corpos pensados como existindo por causa de 
outros, para outros? Será politicamente interessante para o feminismo chegar 
a uma definição de gênero que secundarize completamente o lugar do corpo? 
Ora, o masculino, o macho, define-se, justamente, por uma relação de pro-
fundo controle, de censura, de apagamento do corpo. O corpo masculino é um 
corpo apagado naquilo que é mais próprio, um corpo sem sensibilidade, um 
corpo castrado na expressão livre dos efeitos trazidos pelos afetos das coisas e 
das pessoas. É um corpo domado, enrijecido, construído como uma carapaça 
muscular, que visa a protegê-lo do mundo exterior. Um corpo que busca ser 
impenetrável aos afetos externos, que tem medo de tudo que o ameace vio-
lar ou atravessar, tudo que o possa amolecer, desmanchar, delirar. O corpo 
masculino é pensado como um corpo instrumental, um corpo a serviço de si 
mesmo, autocontrolado, autocentrado, autoerotizado, autista, fechado, travado. 
O corpo masculinoteme a fuga, teme o desejo, teme o afeto, teme tudo que 
o possa arrastar para fora de si mesmo, possa gerar o descontrole, a abertura, 
26 { Durval Muniz de Albuquerque Júnior
a fragmentação, a viagem. Corpo pensado e treinado para se defender, para 
dominar a si mesmo e a outros, corpo treinado para ser reativo a tudo que vem 
de fora, corpo reacionário. Corpo adormecido, corpo censurado, corpo aneste-
siado, corpo pânico. O corpo masculino pensado e modelizado pela cultura 
judaico-cristã, pela cultura burguesa, é um corpo censurado e instrumental, 
um corpo docilizado, um corpo com medo de corpos.
Aí residiria, justamente, um dos perigos do feminino, tal como foi defi-
nido, desde pelo menos o século XIX. A mulher seria o corpo sensível, sedutor, 
erótico, macio, móvel, insinuante, que arrastaria o homem para a perdição, para 
a perda de si mesmo. Como dizia Schopenhauer (DURANT, [19--]) por repre-
sentar a natureza, por ter a missão de propagar a espécie, de parir, a mulher 
usaria de todos os estratagemas para arrastar o homem para a cópula, para a 
carne, retirando-o de suas tarefas mais elevadas, as tarefas do espírito, as tarefas 
da razão, do cérebro, para as quais as mulheres estariam menos preparadas. Por 
estar próxima da natureza, a mulher ainda não dominara, ainda não apagara 
o corpo, ainda não se livrara de seus imperativos, porque ainda estava sujeita 
a suas escravidões. Não seria, justamente, por ser visto como atributo femi-
nino por excelência, que o corpo sofreu tantas admoestações em nossa cultura? 
Afirmar a centralidade do corpo, recuperar sua importância para a cultura não 
seria uma tarefa mais urgente para o feminismo do que querer conjurar a sua 
presença, porque este foi durante muito tempo a prisão das mulheres? Ao invés 
de operar uma cisão entre corpo e cultura, corpo e pensamento, corpo e gênero, 
por que não se investir, como faz pensadores como Nietzsche (2006), Michel 
Onfray (1999), Michel Serres (1999), Michel Foucault (2000), Gilles Deleuze 
e Félix Guattari (1974) e Giorgio Agambem (2002), na relação estreita entre 
corpo e pensamento, corpo e conceito, corpo e política? Superar a dicotomia 
entre um masculino racional, espiritual, objetivo, um masculino centrado na 
cabeça, e um feminino desmiolado, sem cabeça, só corpo, só seios, cinturas, 
quadris e vulvas, um corpo só sensibilidade, só paixões e afetos, seria muito 
mais importante que querer fundar o feminino e o masculino apenas no con-
ceito, fazendo, mais uma vez do corpo, uma matéria inerte, que apenas recebe, 
de fora, determinações, implantações, próteses. Pensar seriamente que o corpo 
é vivo, tem uma inteligibilidade própria, é um agente histórico e cultural, é 
um sujeito, ele se expressa, ele provoca e participa do pensamento, ele faz pen-
sar, ele permite ou proíbe pensar, ele não é só suporte, possibilidade de tudo 
que fazemos, ele está presente em tudo que fazemos e pensamos. 
27 { Máquina de fazer machos: gênero e práticas culturais, desafio para o encontro das diferenças
Os feminismos foram fundamentais para que se politizasse o corpo, para 
fazer dele um tema da política, para torná-lo em si mesmo matéria política, 
através da mudança de gestos, atitudes, hábitos, comportamentos, costumes, 
formas de agir e de ser. O combate à definição do masculino que fabrica 
machos passa por uma politização dos próprios corpos masculinos. O corpo 
masculino sempre foi pensado como um instrumento da política. Seja como 
cidadão, seja como soldado, o corpo masculino esteve a serviço de todas as 
formas de governo dos homens. Mas para sê-lo tinha que ser, por isso mesmo, 
um corpo que se governava a si mesmo, desde pelo menos os gregos antigos. 
Um corpo dominado para dominar, um corpo domesticado para domesticar, 
corpo apolíneo, corpo disciplinado, treinado, adestrado, sob controle. Corpo 
máquina de guerra e máquina de produção, que sabe concentrar, potenciali-
zar e aplicar sua força, sua violência, num dado alvo preciso. Corpo que não 
deve vagar, divagar, dispersar-se, errar, dividir-se, desorientar-se, delirar, gin-
gar, rebolar. Corpo assombrado pela fraqueza, pela doença, pelos precipícios 
da paixão e da loucura. Mas um corpo instrumento é um corpo mecânico, 
sem lugar para dúvidas, vacilações, incertezas, meditações, reflexões, contem-
plações. No corpo feminino, o que se deseja ter e o que não se deseja ser, 
a diferença que incomoda, que atrai e amedronta, o dionisíaco que retorna, 
que, como no ritual grego, ameaça de despedaçamento os homens que a ele 
se entregam, ameaça de embriaguez e de desrazão, de descaminho. Nossa 
cultura sempre tratou mal o corpo, talvez por tê-lo associado ao feminino 
e tratado mal o feminino por associá-lo ao corporal, numa cultura onde o 
espírito, a alma e depois a razão sempre foram vistos como a dimensão a ser 
valorizada no humano, sua dimensão superior, que o aproximava, inclusive do 
divino, de Deus, este ser incorpóreo. 
Politizar o corpo masculino significa tomá-lo como um problema a ser 
discutido, tomá-lo como uma realidade que precisa ser modificada, propor 
que sejam modificadas as formas de pensar que o definem e o constituem, 
assim como as práticas que o instituem. Para isso, os homens devem passar a 
ser uma preocupação central dos feminismos, não apenas as mulheres. Se os 
estudos de gênero afirmaram o caráter relacional das definições de gênero, dos 
modelos de gênero, as mensagens e práticas feministas não devem estar volta-
das apenas para um lado da relação, mas devem se dirigir aos dois agentes das 
relações de gênero. Tomar os homens como o inimigo a combater ou aqueles 
a quem se deve derrotar, talvez só contribua para reforçar esta forma de ver 
28 { Durval Muniz de Albuquerque Júnior
o masculino presente em nossa cultura, produza um masculino ainda mais 
crispado, defensivo e agressivo. Excluir os homens de suas práticas e reflexões 
não seria reproduzir a exclusão que as mulheres sofreram durante séculos nas 
práticas e formas de pensar dos homens? É possível modificar as relações de 
gênero modificando apenas as mulheres? Isso não exacerbaria uma tendência 
já presente em nossa cultura, a da segregação de espaços e de relações entre 
homens e mulheres? Não aprofundaria os desentendimentos entre homens e 
mulheres, já tão profundos, motivados, exatamente, pelo fato de que em nossas 
sociedade e culturas mulheres e homens são educados de maneiras completa-
mente diferentes e nestas diferenças está implícita uma valoração distinta de 
cada gênero, que termina por afirmar e gerar desigualdades entre eles? Não 
estaríamos fabricando uma sociedade de seres solitários, individualistas, com 
medo do outro? Os homens precisam ter modelos alternativos de subjetividade 
para se elaborarem, é preciso ser pensados diferentemente para serem diferen-
tes, precisam ser educados de nova forma para adquirirem novas formas de ser. 
Evidentemente que não vamos novamente afirmar aqui que isso é uma tarefa 
apenas das mulheres, mas do feminismo, praticado, inclusive, pelos homens, 
pelos pais, educadores, pelas instituições sociais e culturais. 
É preciso tomar essas formas de pensar e de agir que constituem o mas-
culino em nossa cultura, como um dos problemas graves que essa comporta. 
Nas sociedades ocidentais, e não apenas nessas, a masculinidade é um pro-
blema a ser discutido e a exigir soluções, pois a masculinidade entre nós é 
letal, morremos de masculinidade, matamos por masculinidade, para afirmá-
la, por afirmá-la. A masculinidade, tal como é pensada e praticada entre nós, 
investe na afirmação da agressividade, da competição, da força, da valentia, do 
heroísmo, da coragem como valores culturais a serem cultivados e exaltados. 
A masculinidade se vê associada, normalmente, a práticas onde a tônica é a 
violência, a falta de cuidado com o outro e consigo mesmo. Ao masculino 
são associados a aventurae o risco, que levam os homens a se colocarem em 
situações e a promoverem práticas que os expõem à morte, aos acidentes e ao 
dano físico e psicológico, em maior número do que aquelas situações em que se 
envolvem as mulheres. Da mesma forma que parecem não estar atentos a situ-
ações em que possam se machucar, muito menos estão atentos para situações 
onde possam vir a machucar o outro, seja física ou psicologicamente falando. 
O permanente estado de competição, a necessidade constante de afirmação da 
masculinidade fazem com que os homens vivenciem um stress constante, que 
29 { Máquina de fazer machos: gênero e práticas culturais, desafio para o encontro das diferenças
faz com que adoeçam e morram mais prematuramente do que as mulheres. 
Para isso contribui a resistência masculina em admitir fraquezas e fragilidades, 
o que torna os homens presas fáceis das doenças, nunca admitidas, negadas 
até, muitas vezes, ao estágio terminal. Uma vez doentes, a dificuldade em 
lidar com a dor e com a dependência, vistas como coisas de mulher, tornam os 
homens pacientes, quase sempre, mais deprimidos, dificultando sua recupe-
ração. Para quem é ensinado a ter domínio e poder sobre si e sobre os outros, 
vivencia muito mal toda situação em que precisa depender de outrem, em que 
tem que se submeter ao poder de outro, levando ao ressentimento e ao rancor. 
As guerras e conflitos sociais de toda ordem, as revoluções no Ocidente 
sempre estiveram apoiadas numa mística da virilidade, da força, da valentia, 
da coragem, uma idolatria do masculino guerreiro. Mesmo na sociedade bur-
guesa onde a mitologia cavalheiresca e guerreira da nobreza foi contestada; a 
empresa, o mercado, a vida pública foram apresentados como novas arenas em 
que a agressividade masculina viria se expressar. A própria racionalidade, a 
própria razão, tal como definida pelo Iluminismo, é pensada como um atributo 
privilegiado do masculino, justamente, por seu caráter conquistador, domina-
dor, combativo. A razão pensada como algo penetrante, como algo destinado 
a subjugar a natureza, as práticas e saberes não racionais são uma versão fálica 
da razão, uma racionalidade que esquadrinha, julga, separa, divide, classifica, 
ordena, toma posse e domina aquilo que lhe é estranho, que lhe é diferente. 
Esta dificuldade de lidar com a diferença é uma das consequências culturais e 
sociais mais preocupantes da forma como se define a masculinidade em nossa 
sociedade. A masculinidade soberana e poderosa não aceita nenhuma prática 
ou modelo alternativo de comportamento para homens e mulheres. Ela gera 
a infelicidade da maioria dos homens que são incapazes de corresponder a seu 
modelo ideal. Todos os homens temem não ser e no fundo acham que ainda não 
são homens o suficiente. A competição entre os homens faz da masculinidade 
uma espécie de atributo que para se ter deve-se retirar do outro. Para afirmar-
se homem deve-se sempre desqualificar, rebaixar, vencer, derrotar, feminilizar 
um outro homem. Os homens estão sempre desconfiando da masculinidade 
uns dos outros, colocando-a em suspeita, fragilizando assim esta identidade 
que aparentemente parece ser tão inquestionável.
A violência dos homens contra as mulheres é apenas uma das faces das 
várias formas de violência que constituem uma subjetividade masculina. 
Violentado para se tornar homem, poderá retornar esta violência em forma de 
30 { Durval Muniz de Albuquerque Júnior
agressão aos outros, preferencialmente contra os mais fracos, crianças e mulhe-
res, já que aprendeu a desconfiar da fraqueza, a ter horror da fragilidade, a 
se irritar com elas. Aprendendo no dia-a-dia que aquela mulher idealizada 
que aprendeu a desejar não existe, que aquela mulher passiva, mulher objeto, 
pensa, deseja, reclama e disputa com ele poder e espaço, que, cada vez mais, as 
mulheres não aceitam o lugar social e cultural que lhes havia sido reservado, 
desorientado e ressentido, este homem terá dificuldade em se relacionar com 
este outro que o limita e o interpela, que o abandona, que o nega, que o des-
respeita, não encontrando consolo, muitas vezes, a não ser em eliminar este 
outro, em matar a mulher, como forma de se afirmar macho, preocupado que 
está com sua perda de status, com o que vão dizer os outros homens, que são os 
seus juízes, a quem deve sempre satisfação. Vivemos em uma sociedade onde a 
heteronormatividade espera que homens desejem sexualmente mulheres, que 
homens gostem de mulheres, mas, ao mesmo tempo, esta sociedade define o 
masculino e o feminino de forma que não possam gostar um do outro, forma-
os como estranhos, como mundos apartados, territórios difíceis de palmilhar. 
Numa sociedade como a nossa, nessa máquina de fabricar machos, os machos 
só gostam é de si mesmos, pois só se pode gostar verdadeiramente, só se pode 
amar o que se admira, o que parece digno deste afeto. E aos olhos de um 
macho, as mulheres são apenas fêmeas, são apenas objeto de desejo de posse e 
de prazer imediato, são objeto de desejo de poder e domínio. 
Felizmente vivemos numa sociedade cada vez mais complexa, em que assis-
timos a complexificação e a problematização destes modelos de ser masculino 
e feminino. Convivemos com fenômenos emergentes que vêm dilapidando e 
corroendo estes modelos de subjetividade, estas formas de ser e pensar as iden-
tidades de gênero. Muitas conquistas foram feitas pelas mulheres no último 
século. Mas consideramos que o mesmo ainda não ocorreu com os homens, 
pelo menos na mesma intensidade com que ocorreu com as mulheres. Por não 
terem sido colocados como agentes deste processo, os homens mais sofreram as 
suas consequências e tentaram a elas se adaptar, do que foram protagonistas 
destas redefinições dos lugares de gênero. Os homens viram entre atônitos e 
indignados, entre a revolta e a admiração, ocorrer uma revolução silenciosa 
nos costumes que solapou seus lugares tradicionais, questionou suas identi-
dades, colocou-os em novas relações, convocou-os a se repensar e se redefinir. 
Muitas vezes alçados à condição do grande vilão, de inimigo mesmo, os 
homens vêm tentando se adaptar aos novos tempos, sem que tenham deixado 
31 { Máquina de fazer machos: gênero e práticas culturais, desafio para o encontro das diferenças
de lutar insistentemente para manter seus privilégios e o seu lugar de poder 
na sociedade, sem que tenham deixado de tentar desqualificar, numa intensa 
batalha simbólica, as conquistas e mudanças sociais e culturais promovidas 
pelas mulheres. Por isso, seria importante que uma nova etapa dos feminismos 
incluísse os homens como sujeito e como objeto de suas práticas e discursos. 
Repensar, redescrever e elaborar novas formas de ser para o masculino devem 
incluir, a partir de agora, os próprios homens como sujeitos que, implicados 
no processo poderão, mais do que ninguém, saber dos problemas, das dores e 
delícias que a antiga forma de definir o masculino e de definir a relação com 
o feminino trazia. 
Os homens devem, antes de mais nada, ser convencidos de que redefi-
nir o masculino é uma necessidade e uma urgência para os próprios homens. 
Estes devem lançar fora o fardo que a forma de definir a masculinidade, ainda 
hegemônica, traz para os próprios homens, as perdas e danos que essa acarreta. 
Devemos, enquanto homens, repensar os custos físicos, emocionais, psico-
lógicos e afetivos de continuarmos sendo definidos como somos ainda hoje. 
Devemos avaliar os custos de sermos definidos como o provedor, o responsável 
exclusivo pelo sustento da família, traço já bastante desgastado pela ida das 
mulheres para o mercado de trabalho, mas que ainda apoia e sustenta a incúria 
masculina no que se refere às atividades domésticas, ao partilhamento de todas 
as tarefas com as mulheres. Devemos avaliar os custos de sermos definidos 
como o sexo forte, aquele que é responsável por todas as atividades que exigemesforço físico e que envolvem alto risco. Devemos questionar a imagem do pró-
prio corpo masculino visto como forte, como mais resistente, como mais apto 
para realizar as tarefas mais penosas. Devemos avaliar os custos de sermos res-
ponsabilizados pela proteção de todo grupo familiar, de sermos definidos como 
o chefe do lar, o dono da casa, aquele que deve se expor para defender qualquer 
membro da família em uma situação de perigo. Por que não partilharmos com 
as mulheres essas atividades? Por que não transferirmos para as máquinas ou 
para dadas instituições essas atividades que ameaçam a vida?
Devemos repensar o custo para nós de negarmos nossa sensibilidade, nossos 
afetos, nossos sentimentos, nossas emoções. A associação entre demonstração 
de afeto e fraqueza, demonstração de sensibilidade e feminino, faz com que 
a vida emocional dos homens se empobreça, abastarde-se, seja feita de fortes 
conflitos, de muita dor e de muita renúncia e castração. Devemos avaliar o 
que acarreta nos abstermos de cuidar dos filhos, das crianças, o que significa 
32 { Durval Muniz de Albuquerque Júnior
abrirmos mão da paternagem, do direito de ser pai. É urgente a luta para que, 
inclusive juridicamente, os homens tenham os mesmos direitos das mulhe-
res no que tange aos filhos, quando advém uma separação. A negligência em 
relação aos filhos, o abandono a que os submetem têm graves consequências 
não só para as crianças, mas para os próprios pais, quase sempre punidos na 
velhice com a completa ausência dos filhos, com a ausência de carinho e amor 
e o não reconhecimento desses como sendo seus pais. Os asilos estão cheios de 
velhos abandonados e de certa forma punidos pela sua arrogância, prepotência, 
violência, dificuldade de expressarem afeto, enquanto tiveram o poder dentro 
de casa. A falta de responsabilidade masculina com seu próprio corpo, com o 
que faz com ele, também é outro tema a ser repensado. Tido como invulne-
rável, como aquele em que nada pega, o corpo dos homens é completamente 
negligenciado de cuidados, é usado e abusado, é submetido a todos os riscos 
e excessos, e o que vemos é os homens morrerem sempre mais cedo do que as 
mulheres, contraírem doenças por excesso de trabalho, por excesso de esforço 
físico, por excesso de bebida, de comida, de drogas, por comportamentos de 
risco, no cotidiano, no lazer e na vida sexual. Não tendo aprendido a cuidar, 
não cuida nem de si mesmo, relegando seu corpo a uma rotina de exigências 
que o envelhecem precocemente. Homens sempre dependentes das mulheres 
para as tarefas mais comezinhas, quando se trata da vida doméstica, da vida 
pessoal, das atividades de subsistência e cuidado pessoal. 
Devemos, principalmente, abrir-nos para aprender com o outro, para 
avaliar a positividade do diferente, do feminino. Feminino que, afinal, tam-
bém nos constitui, física e psicologicamente, já que todo homem é produto 
físico e subjetivo de uma mulher, a mãe, e de todas as mulheres com as quais 
iremos nos relacionar. As mulheres podem contribuir decisivamente para a 
mudança do masculino, modificando inclusive a imagem de masculino que 
desejam, que reclamam, que requerem. As mulheres podem começar a mudar 
os homens mudando o masculino que as habita, o masculino que veicula e 
expressa em dadas situações, em dados gestos, comportamentos e discursos. 
Como as lésbicas prestam um grande favor à sociedade quando, ao invés de 
copiarem e veicularem o estereótipo do macho, do masculino, tal como define 
nossa sociedade, negam-se a fazê-lo, afirmando o caráter cultural e relativo 
desta definição. Da mesma forma, ocorre quando os homossexuais masculinos 
não se propõem a veicular uma caricatura do feminino, do feminino estereo-
tipado, da mulher objeto e fútil, que as próprias mulheres estão contestando 
33 { Máquina de fazer machos: gênero e práticas culturais, desafio para o encontro das diferenças
neste momento. Estas formas alternativas de sexualidade, ao lado de muitas 
outras praticadas hoje por homens e mulheres, constituem-se em verdadeiros 
laboratórios de experimentação de novas práticas e de novos modelos de ser 
masculino e feminino. Se percorrermos as salas de bate-papo na internet, se 
lermos os blogs e flogs, se lermos as páginas de contos eróticos, vamos ver que 
as práticas sexuais, os desejos, os amores, os afetos, as fantasias sexuais, as rela-
ções afetivas já não cabem nas definições hegemônicas ainda em nossa cultura 
para o masculino e o feminino.
Estes são devires que devem ser observados. Para a ira do Papa, cientis-
tas italianos afirmaram recentemente que a espécie humana caminha para a 
androginia, para as sexualidades múltiplas, para a quebra dos papéis antes con-
sagrados. A Parada Gay de São Paulo é o maior evento turístico do país e seu 
mais expressivo movimento político, o que reúne o maior número de pessoas. 
Talvez seja mesmo o fim dos tempos. Tempos de sexualidade heteronormativa, 
de monogamia, de família burguesa e classe média, do sexo papai-mamãe, de 
masculino e feminino definidos como papéis naturais, eternos, fixos, não inter-
cambiáveis, não modificáveis. Tempos de desigualdade profunda entre homens 
e mulheres, de hierarquias de papéis e de status fundados no sexo. Tempo 
de ruína da família tradicional, de crianças abandonadas, de pais ausentes e 
irresponsáveis. Tempo de mulheres sobrecarregadas, de homens e mulheres 
solitários, individualistas, incapazes para o amor, o afeto, a entrega e a abertura 
para o outro. Mas para que os novos tempos possam ser melhores do que este, 
muito temos que fazer. Em cada lugar onde estamos, em cada relação onde nos 
encontramos, na vida de cada um, devemos procurar repensar práticas e formas 
de pensar, para que possamos ser pessoas melhores, mais afetivas, mais solidá-
rias, mais capazes de se abrir para o diferente, de amar e respeitar o diferente, 
buscando formar a respeito de cada uma destas diferenças conceitos que evitem 
o preconceito, o estereótipo, a descrição rápida e arrogante do outro. É preciso 
deixarmos de ser machos ou fêmeas para sermos melhores seres humanos. 
34 { Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Referências
AGAMBEM, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo 
Horizonte: UFMG, 2002.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identi-
dade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. El Antiedipo. Barcelona: Barral, 
1974. 
DURANT, Will. A filosofia de Schopenhauer. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 
[19--].
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2000. 
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: Companhia das 
Letras, 2006. 
ONFRAY, Michel. A arte de ter prazer. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 
SERRES, Michel. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro: Berthrand 
Brasil, 1999.

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