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APRESENTAÇÃO
Este livro dá seqüência às reflexões e propostas de Para onde vai o pensa-
mento geográfico?. E tem uma história.
Tenho notado nos debates de temas como globalização, meio ambien-
te, arranjos espaciais determinantes da organização estrutural de nossas socie-
dades, conflitos de territorialidades, uma curiosidade do público participante
com as fontes originárias das teorias que os embasam e a surpresa agradável de
saber que essas fontes são os clássicos da Geografia. Curiosidade e surpresa
seguidas de um enorme interesse em conhecer as obras em que esses clássicos
da Geografia externam suas idéias.
Esse interesse geral em conhecer a literatura geográfica básica vem
aumentando o interesse doméstico também dos geógrafos, entre os quais
principalmente os professores da rede escolar e universitária e os estudantes
de graduação e pós-graduação, estimulados por um diálogo público que está
sempre crescendo.
Daí a estrutura deste livro. Seu objetivo é contribuir, para dentro e para
fora da Geografia, para o crescimento deste diálogo, oferecendo alternativas
que sanem a dificuldade de acesso à bibliografia procurada e dando subsídios à
sua leitura crítica. Para isso, escolhi sete dentre os geógrafos que tiveram papel-
chave na formação da Geografia brasileira – Elisée Reclus, Paul Vidal de La
Blache, Jean Brunhes, Max Sorre, Pierre George, Jean Tricart e Richard
Hartshorne – e uma obra para base do estudo, uma para cada clássico, optando
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O PENSAMENTO GEOGRÁFICO B R A S I L E I RO
pelas obras disponíveis em língua portuguesa e espanhola e representativas do
seu pensamento. A influência desses clássicos sobre a formação da Geografia
brasileira – chamo-os por isso matrizes clássicas originárias – é o critério da
escolha. A intenção é desembocar seu estudo na análise das matrizes geográfi-
cas brasileiras.
O livro está dividido em três partes. A primeira parte traça o quadro da
formação histórica da Geografia moderna e da Geografia clássica dentro dela,
analisa o conceito e o contexto do que aqui se entende por clássicos e a razão
de por que assim nomeá-los e oferece um conceito de matriz em Geografia à
luz dos comentários críticos do que se chama a tradição de escolas e tradição
de geografias setoriais. Para facilitar, pensando num diálogo simultâneo com o
leitor dentro do livro, apresento na segunda parte um resumo crítico de cada
obra escolhida, tomando por base o que entendo exprimir o núcleo lógico do
pensamento nela desenvolvido, às vezes transcrevendo pedaços inteiros do tex-
to original quando é preferível deixar a palavra ao próprio autor.
A terceira parte, por fim, faz o balanço analítico das idéias dos autores,
comparando seus conceitos e enfoques, mostrando seus alinhamentos, estabe-
lecendo os entrecruzamentos e correspondências de epistemologias e apresen-
tando o quadro sintético do modelo matricial de cada um.
Pede-se atenção especial para o método de síntese utilizado. A síntese
é, no fundo, uma leitura do livro feita a partir do que se entende por seu nexo
discursivo (seu núcleo racional). Corre-se, assim, o risco de, na prática, torcer-
se o pensamento original do autor, adulterando-se o seu conteúdo real com o
fim de adequá-lo a uma interpretação que se quer fazer. É um risco, certamen-
te. Mas talvez haja também a vantagem de poder estimular o leitor a ir ao livro
original, lê-lo na sua integralidade, ajudando-o a quebrar a inibição do contato
direto com o clássico e, assim, também saborear, como eu, o livro em sua
frescura (muito embora já sabendo tratar-se de uma tradução). E, quem sabe,
através dele toda a obra do clássico. Não é preciso dizer o quanto isto é neces-
sário na Geografia brasileira, ausente, literalmente, desse hábito.
O leitor é convidado, assim, a conferir ele mesmo a atualidade e influên-
cia desses clássicos no pensamento recente, na e para além do âmbito imediato
da Geografia. E, então, descobrir que muitos conceitos e teorias atuais já se
encontravam neles, a exemplo da teoria da complexidade de Edgar Morin,
Henri Atlan, Isabelle Stengers e Ilya Prigogine, já presente em Max Sorre; da
construção técnica do espaço de Milton Santos, já presente em Pierre George;
do meio técnico e científico, também de Milton Santos, já presente no concei-
to de gênero e modo de vida de Vidal de La Blache; do movimento do real
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AS MATRIZES CLÁSSICAS ORIGINÁRIAS
como instituição da diferença de Jules Deleuze e Jacques Derrida, já presente
na teoria da diferenciação de áreas de Alfred Hettner e Richard Hartshorne; da
Terra como um produto da interação dos seres vivos com o meio físico no
planeta da teoria Gaia de James Lovelock, já presente no conceito de meio
geográfico de Jean Tricart; da superfície terrestre como morada do homem dos
ambientalistas, já presente em Vidal de La Blache, Jean Brunhes, Max Sorre e
Richard Hartshorne; dos conflitos sociais entre os povos de vida comunitária
(a exemplo de comunidades indígenas, camponesas e quilombolas) e o modo
de vida e produção do capitalismo que hoje domina a teoria social brasileira, já
presente em Elisée Reclus.
O leitor em questão é múltiplo. É o estudante universitário, o acadêmi-
co e o professor da escola, em seu afã de ir ao encontro da Geografia – sobretu-
do se não lhes foi oferecido o contato vivo e direto com a obra dos clássicos –
em suas próprias raízes. Mas é também o público em geral, interessado em
conhecer a bibliografia e a essência do pensamento geográfico e assim nela
encontrar uma chave de teorização dos temas atuais, atraindo-o para o conhe-
cimento direto de sua literatura. À exceção dos livros de Reclus e Sorre, aces-
síveis somente em espanhol, todos os demais estão disponíveis em língua por-
tuguesa, em edição brasileira ou portuguesa, mas de fácil acesso nas bibliotecas
do Brasil. Além de que já se dispõe de um bom número de estudos das obras e
dos clássicos, os aqui selecionados e outros, escritos e publicados por colegas
brasileiros, indicados na bibliografia ao final do livro. Oxalá este livro estimule
também sua multiplicação.

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