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CAPÍTULO IV A avaliação como parte do processo dos projetos de trabalho ________________________________________________________________________ Chegando a este capítulo, vamos enfrentar uma das questões mais controversas, mas, ao mesmo tempo, mais presentes quando se fala em mu dar a relação da Escola com os conhecimentos e com as formas de ensiná-los e aprendê-los. Na avaliação, é um dos temas nos quais se aprecia com mais clareza o sentido da inovação educativa que implicam os projetos de trabalho. Quando me refiro a que seja uma das questões mais controversas, o faço no sentido de que, se uma das finalidades dos projetos é promover formas de aprendizagem que questionem a ideia de verdade única, ao colocar os alunos diante de diferentes interpretações dos fenômenos está se questionando plenamente a visão da avaliação baseada na consideração da realidade como algo objetivo e estável. Com isso, o papel da avaliação passa a fazer parte do próprio processo de aprendizagem, e não é um apêndice que estabelece e qualifica o grau de ajuste dos alunos com a “resposta única” que o docente define. Se um projeto de trabalho pressupõe uma elaboração do conhecimento, a partir da relação das fontes, com a informação que os alunos têm (as vezes de maneira fragmentada, outras errôneas, com frequência de senso comum), a avaliação deverá possibilitar essa reconstrução. O papel do professor consistirá em organizar, com um critério de complexidade, as evidências nas quais se reflita o aprendizado dos alunos, não como um ato de controle, mas sim de construção de conhecimento compartilhado. De onde partimos Até recentemente, a finalidade da avaliação era proporcionar uma visão retrospectiva (ou pontual) sobre a aprendizagem do aluno e medir o 94 / FERNANDO HERNÁNDEZ_____________________________________ aprendido antes de adentrar-se em series posteriores ou receber uma qualificação que permitisse um exercício profissional. Como já́ indicamos (Hernández e Sancho, 1993), partindo de uma perspectiva ampla, entende-se por avaliação a realização de um conjunto de ações encaminhadas para recolher uma série de dados em torno de uma pessoa, fato, situação ou fenômeno, com o fim de emitir um juízo sobre o mesmo. Costuma-se considerar que esse juízo se expressa em função de alguns critérios prévios e com a finalidade de recolher evidências para uma posterior tomada de decisões. Partindo dessa definição, aparecem duas funções primordiais presentes na avaliação: recapitulação (armazenamento) e seleção social. A avaliação permite, por um lado, que se obtenham evidências sobre o que o indivíduo recorda ou compreende da informação que foi apresentada ou estudada em sala de aula; por outro lado, a avaliação está vinculada à promoção dos estudantes (de uma etapa a outra, de um nível de ensino a outro). De qualquer forma, na avaliação dos alunos, a partir de distintos modelos pedagógicos e das recomendações realizadas pela administração, destacam- se diversos modos de recolher informação sobre os estudantes assim como os momentos para realizá-las. Partindo dessa premissa, pode-se distinguir três fases no processo de avaliação da aprendizagem dos alunos, que têm distintas funções e implicações. Não é demais recordar essas funções, apesar de muito conhecidas e divulgadas, sobre- tudo porque não costumam ser levadas em consideração, e continuam orientadas para a avaliação dos resultados, já́ que se centram na produção de objetos. Esses três momentos avaliatórios estão presentes nos projetos de trabalho, não como uma fórmula, mas, sim, como uma forma de diálogo do professor com o conhecimento que os alunos vão construindo, e como evidência pública que lhes permite aprender uns dos outros. Na avaliação inicial, pretende-se detectar os conhecimentos que os estudantes já́ possuem quando começa o curso ou o estudo de um tema. Com ela, os professores podem posicionar-se diante do grupo para planejar melhor seu processo de ensino. Esse tipo de avaliação condiciona, com frequência, as expectativas posteriores dos professores, pois lhes leva a rotular as possibilidades dos alunos de aprender. No entanto, pode constituir-se numa prática recomendável se for inserida num modelo de ensino e aprendizagem que se estruture a partir do conhecimento de base dos estudantes. A avaliação inicial deveria tentar recolher evidências sobre as formas de aprender dos alunos, seus conhecimentos prévios (chaves, episódicos...), seus erros e preconcepções. Nesse sentido, os professores poderiam recolher uma informação de grande valor para seu planejamento posterior, mediante a criação de situações de aula nas quais os alunos pudessem ____________________TRANSGRESSÃO E MUDANÇA NA EDUCAÇÃO/95 expressar-se sobre um determinado problema, responder diante de uma pergunta-chave em relação ao tema a estudar (como se compreende a noção de volume?, a perspectiva é só́ uma maneira de desenhar a terceira dimensão?, que possibilidades de representação abriu a aquarela?, que significado adquire a noção de arte em alunos da terceira série do Ensino Médio, na Espanha, aos quais se pede que tragam duas ou três imagens que para eles e elas possam ser consideradas como arte?) A essas perguntas segue o recolhimento de evidências e sua ordenação, ao que seguiria uma observação e avaliação interpretativa (onde se situa o aluno?, o que quer dizer com essa resposta?, é capaz de estabelecer relações?, de que tipo?, todas as respostas são iguais?, podemos ordená-las por níveis de compreensão?, agora, como continuamos?). Levar adiante essa tarefa interpretativa e torná-la pública como fonte de aprendizagem é uma das exigências que propõem os projetos de trabalho, não como uma questão à margem, mas como parte do próprio processo de compreensão. Assinalar o conhecimento base é conveniente (a partir do planeja- mento de tarefas de aprendizagem de distintas naturezas: de memória, de resolução de problemas, de compreensão, de tratamento de nova informação, de resolução de situações que os alunos não tenham enfrentado anteriormente), seguindo-se de uma análise dos significados de suas res- postas. Tudo isso pode servir de ponto de partida para iniciar um projeto, planejar uma unidade didática ou iniciar um processo de pesquisa. A avaliação formativa é a que se supõe que deveria estar na base de todo processo de avaliação. Sua finalidade não é a de controlar e qualificar os estudantes, mas, sim ajudá-los a progredir no caminho do conheci- mento, a partir do ensino que se ministra e das formas de trabalhos utilizadas em sala de aula. A avaliação formativa implica, para os professores, uma tarefa de ajuste constante entre o processo de ensino e o de aprendizagem para se ir adequando a evolução dos alunos e para estabelecer novas pautas de atuação em relação às evidências sobre sua aprendizagem. Nesse processo, a análise dos trabalhos dos alunos poderia ser realizada não a partir da ótica de se estão bem ou mal realizados, mas sim levando em conta a exigência cognitiva das tarefas propostas, a detenção dos erros conceituais observados e as relações não previstas. Esse momento avaliativo pode utilizar as mesmas estratégias de recolhimento de informação sobre os alunos e ter as mesmas limitações em sua colocação em prática nas Escolas que as assinaladas na avaliação inicial. Por último, a avaliação recapitulava, oportuna, se apresenta como um processo de síntese de um tema, um curso ou um nível educativo, sendo “o momento” que permite reconhecer se os estudantes alcançaram os resultados esperados, adquiriram algumas das destrezas e habilidades propostas, em função das situações de ensino e aprendizagem planejadas. Na prática, esse tipo de avaliaçãose associa, sobretudo, com a noção 96 / FERNANDO HERNÁNDEZ_____________________________________ de êxito ou fracasso dos estudantes na aprendizagem e serve como passagem para provar oficialmente os conhecimentos adquiridos. No entanto, centrar-se na função acreditava da avaliação minimiza a possibilidade de uma avaliação em ciclo que destaque o processo seguido e sirva aos professores para avaliar sua própria tarefa e o progresso ou as dificuldades dos alunos. Nos projetos, temos observado como alguns professores planejam, na fase de avaliação recapitulava, situações similares às apresentadas na avaliação inicial, para comprovar se foram mantidas as mesmas concepções ou se foram modificadas. Também temos recolhido atividades de avaliação nas quais se trabalha a transferência dos conhecimentos que se supõe tenham sido aprendidos para outra situação que não se tenha trabalhado, previa- mente, em sala de aula. Situação que se planeja em termos de hipóteses de trabalho, problema a resolver ou simulação de uma tomada de decisões. Por último, e essa é nossa própria experiência, concretizamos essa fase da avaliação propondo aos alunos uma reconstrução do processo seguido ou de tomada de consciência do momento em que aprenderam “mais”. Nos exemplos de projetos apresentados nos capítulos seguintes, podem ser encontradas mostras de como se levantam evidências do próprio desenvolvimento do projeto para ir ordenando e analisando os atos de conhecimento dos alunos, situar as estratégias de compreensão que os alunos utilizam, assim como as dificuldades que vão surgindo em sua aprendizagem. Tudo isso para, depois, situá-los de acordo com sua complexidade de elaboração cognitiva, de maneira que lhes permita aprender da própria avaliação. De toda forma, se, com a avaliação, o que se pretende é estimular a capacidade de pesquisa, parece adequado que os estudantes possam aplicar (transferir) os conhecimentos que aprenderam para situações reais e de simulação, e não responder apenas a enunciados verbais, visuais ou numéricos de caráter reprodutivo. Mais do que medir, avaliar implica entender, interpretar e avaliar. Para isso, é necessário uma múltipla “abertura” por parte dos docentes: – conceitual, para dar entrada na avaliação de resultados não previstos e acontecimentos imprevisíveis; – Investigadora, para dar lugar ao levantamento de evidências tanto do processo como dos resultados; – metodológica, para introduzir procedimentos informais frente à inflexível estratégia formal, o que implica passar do monismo ao pluralismo metodológico; – ético-política, para recolher o caminho que vai da avaliação burocrática à democrática. Isso implica reconhecer que os implicados também fazem parte do processo de avaliação, não só́ como executores, mas também como referenciais do próprio processo seguido e como partícipes das decisões adotadas.
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