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A EVOLUÇÃO DAS CIDADES BRASILEIRAS: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO SÉCULO XIX. Maria Gabriela Caroline Leal1 Victória Régia dos Santos Lima2 RESUMO Tendo como objeto de estudo a urbanização das cidades brasileiras no século XIX, o presente artigo tem como finalidade estudar o processo de urbanização que ocorreu no Brasil durante o século XIX, bem como apontar os principais acontecimentos que marcaram esse processo. Para o desenvolvimento desse trabalho nos debruçamos sob leituras de trabalhos de pesquisadores consagrados como Emília Viotti, Lucia maria bastos pereira das neves, Humberto Fernandes machado, entre outros que nos permitiram ter uma visão geral do processo de urbanização brasileiro, apresentando-nos aspectos sociais e econômicos importantes para o entendimento do contexto que envolvia os acontecimentos que estavam ocorrendo nas urbes. PALAVRAS-CHAVES: URBANIZAÇÃO- INDUSTRIALIZAÇÃO- CIDADES- SÉCULO XIX. ABSTRACT The aim of this article is to study the urbanization process that occurred in Brazil during the 19th century, as well as to point out the main events that marked this process. For the development of this work, we have studied the work of renowned researchers such as Emília Viotti, Lucia Maria Bastos Pereira das Neves, Humberto Fernandes Machado, among others, who allowed us to have an overview of the Brazilian urbanization process, presenting social and important for the understanding of the context surrounding the events that were taking place in the cities. KEY WORDS: URBANIZATION- INDUSTRIALIZATION- CITIES- XIX CENTURY. 1 Graduando (a) em Licenciatura em História na Universidade Federal do Piauí – Campus Senador Helvídio Nunes de Barros. E-mail: mariagabi.c9@gmail.com 2 Graduando (a) em Licenciatura em História na Universidade Federal do Piauí – Campus Senador Helvídio Nunes de Barros. E-mail: vick.regia@outlook.com INTRODUÇÃO As cidades assim como qualquer outro meio que mantém uma interação com o homem sofre diversas transformações no intuito de se adequar as necessidades de sua população. Nesse processo de adequação fez- se necessário o desenvolvimento de um processo de urbanização.3 O presente artigo versa sobre, principalmente o processo de urbanização que ocorreu nas cidades brasileiras durante o século XIX. Faremos um pequeno percurso historiográfico abordando a visão que se tinha das urbes durante o período colonial, para que sirva de parâmetro de comparação para observarmos as transformações ocorridas nas urbes no decorrer do século XIX, uma vez que o objetivo desse trabalho é apresentar as razões facilitadoras que levaram ao processo de urbanização nas cidades brasileiras no século XIX, bem como destacar as cidades que mais se desenvolveram durante esse período. O século XIX foi marcado por um processo de industrialização. O surgimento das primeiras industrias acarretaram em uma serie de facilidades para o desenvolvimento da vida do homem. Para além disso trouxeram para as cidades um aceleramento no seu crescimento, favorecendo o processo de urbanização, que foi intensificado por diversos motivos, dentre eles: a implantação de indústrias nas cidades que atraiu muitas pessoas para se instalarem nas urbes em busca de trabalho; a implantação de máquinas nas atividades do meio agrícola e a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários. Concentrando- se nas faixas litorâneas as primeiras cidades, no Brasil, foram fundadas no século XVI; seguidamente, acompanhando as bacias hidrográficas houve o avanço para o interior (séculos XVII e XVIII). Então, a descoberta do ouro acentuou a formação de aldeamentos de características proto-urbanas, com algumas vilas de maior densidade populacional e equipamentos urbanos.4 No transcorrer do século XIX, na região sudeste, o café e a ferrovia foram fundamentais na constituição do urbano e a cidade foi sendo exaltada como o centro da civilização. 3 Urbanização é o processo de transformação de um ambiente predominantemente rural em urbano. 4 DANTAS, Sandra Mara A fabricação do urbano: civilidade, modernidade e progresso em Uberabinha/MG (1888- 1929) / Sandra Mara Dantas. –Franca: UNESP, 2008. P. 02 DESENVOLVIMENTO O Brasil em toda sua história está arraigado na agricultura, seu sistema econômico era essencialmente agrícola, o que ocasionou um escasso número de pessoas na zona urbana, com exceção das cidades portuárias, que detinha da maior concentração de atividade urbana, por ser de lá onde eram exportados os produtos que davam sustentação a economia. A pouca expressividade das áreas urbanas no Brasil era ocasionada por conta da política colonial e da distribuição estabelecida durante seu período colonial. Tais políticas favoreciam o crescimento das áreas rurais em contrapartida às áreas urbanas, uma vez que o fator motivador da vida urbana, a economia não estava centrada na cidade, mas sim pelo interior. Apoiando- se na leitura feita de Emanuel Araújo,5 em O Teatro dos Vícios, pode- se afirmar que as construções das cidades durante o período colonial não favoreciam a circulação das pessoas, por serem formadas de ruas em ladeiras tortuosas e íngremes. Havia, da parte dos colonos um certo desapego, o que acabou por refletir na própria urbanística da colônia, esse comportamento se dava pelo fato de verem o Brasil como uma coisa provisória, onde buscava- se o enriquecimento e, logo após, o consequente retorno a metrópole; muitos colonos usavam a terra não como donos, mas como usuários que se utilizavam do que as terras lhes ofereciam com o único objetivo de enriquecer a si próprio, sem visar o desenvolvimento colonial. O sentido do provisório e do fugaz que dominava os colonos revela-se no desleixo da urbanização; até na falta de urbanização, como denunciava frei Vicente do Salvador. Acontecia, além de tudo, que o principal da vida urbana na colônia não estava nas cidades, mas disperso pelo interior, nos engenhos e nas fazendas de criação.6 A partir desses acertativos, aponta-se que o Brasil não passava de um refúgio ou de um lugar onde havia maiores e melhores oportunidades de enriquecer. O meio urbano era, com exceção de algumas capitanias reduzido, acanhado, eram ralamente habitado, de forma que os principais habitantes viviam no campo. As condições de produção postas durante o período 5 Emanuel Araújo nasceu em Aracaju, Sergipe, em 1942. Foi professor da Universidade Federal da Bahia e da Universidade de Brasília. Por esta última, tornou-se Mestre em Artes e Doutor em História. Editor, tradutor e organizador de diversas publicações, é autor de A construção do livro, obra pioneira e essencial sobre bibliografia e o ofício da edição de livros no Brasil. 6 ARAÚJO, Emanuel. O Teatro dos Vícios: Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. 3ª edição. Rio de Janeiro: Jose Olympio,1993. P. 36. colonial nos primeiros séculos da colonização não favoreciam o desenvolvimento dos núcleos urbanos. Se o pequeno mundo urbano era outrora confundido com o rural, ao longo do século XIX, as transformações foram relevantes. Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, no início do século XIX, houve, consequentemente, uma aproximação do país com a civilização europeia, que era o exemplo do que havia de mais moderno na época. A cidade do Rio de Janeiro recebeu uma série de melhoramentos; o cotidiano, a vida social e cultural, e a economia também foram alterados e a acanhada colônia adquiriu certa importância política,pois se tornara centro do então Império luso-brasileiro.7 A transferência da sede do governo português para o Brasil no século XIX e a abertura dos portos em 1808, associados ao rompimento com o sistema de monopólio até então vigente e a independência, acarretaram a criação de novas condições para o processo de urbanização. Com a Independência, as funções burocráticas e políticas ganharam novo relevo. As capitais das províncias, quase todas, aliás, situadas no litoral, tornaram-se centros político-administrativos importantes, o que daria nova vida a esses núcleos urbanos. A intenção de criar uma elite capaz de governar o país acarretou a fundação de algumas faculdades (Rio de Janeiro, Recife e São Paulo), criando estímulos novos para a vida urbana. Os fazendeiros começaram a construir casas nas cidades. A Corte tornou-se o grande centro das atrações8. O Brasil, durante o século XIX passou por diversas modificações nas suas estruturas físicas, econômicas e sociais. Porém essas transformações como aponta Emília Viotti,9 não foram suficientes para alterar profundamente os padrões tradicionais de urbanização que se definiram no período colonial.10 A urbanização que se desenvolveu no Brasil não segue a linha de desenvolvimento do modelo clássico de urbanização, caso analisado com base no processo de desenvolvimento urbano de áreas centrais do capitalismo. Viotti afirma que ao analisar o 7 DANTAS, Sandra Mara A fabricação do urbano. P. 54. 8 COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos/Emília Viotti da Costa. – 6.ed. – São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. – (Biblioteca básica). P. 240 9 Emília Viotti da Costa nasceu em São Paulo (28 de fevereiro de 1928 - São Paulo, 2 de novembro de 2017) foi uma historiadora e professora brasileira. Graduou-se em História na USP em 1954, com especialização em História na França, onde estudou na Ecole Pratique des Hautes Études, Quinta Secção da Sorbonne, estudando com Emile Labrousse, Charles Morazé e George Gurvitch. Obteve o Doutorado na USP, em 1964, com tese de livre-docência. A sua produção científica é referência obrigatória para muitas gerações de historiadores e tem obras centrais na historiografia brasileira, principalmente com a temática da escravidão. São exemplos de sua profícua produção científica: "Da Senzala à Colônia", onde analisa a transição do trabalho escravo para o livre na região cafeeira de São Paulo, publicado pela Unesp, e "Da Monarquia à República, momentos decisivos", "Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue, Rebelião de escravos em Demerara em 1823", "A Abolição", "As Revoluções Africanas", "O Supremo Tribunal Federal e a constituição da cidadania", "Brazilian Empire- Myths and Histories", além de outras. Recebeu o título de professora emérita pela Universidade de Yale (EUA) e pela Universidade de São Paulo, em 1999. 10 COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república. P. 231. desenvolvimento urbano brasileiro e buscar traçar um modelo urbanístico, nota-se que a urbanização brasileira não se adequa ao modelo clássico, uma vez que é característico de áreas de economia colonial e periférica. Mesmo a Independência trazendo condições mais favoráveis para o desenvolvimento das cidades, a produção agrícola continuou a ser a base da economia. As elites no poder, beneficiando-se da produção agrícola, procuraram manter intacta a estrutura tradicional de produção, revelando-se pouco simpáticas às empresas industriais,11 consequentemente as mesmas condições que tardaram o progresso urbano durante o período colonial mantiveram- se a inibir o desenvolvimento urbano na primeira metade do século XIX, à vista disso permaneceu uma imensa disparidade entre as cidades portuárias que se modernizaram mais rapidamente, e os núcleos urbanos do interior que eram apenas continuidades das zonas rurais. Os núcleos urbanos do interior possuíam um aspecto descuidado, as moradias não possuíam uma boa estrutura, eram em sua maioria construídas a base de taipas, onde vacas, cavalos e cabras eram costumeiramente vistos andando pelas ruas das cidades. A substituição do trabalho escravo para o trabalho livre e a instalação da rede ferroviária na segunda metade do século XIX, geraram mudanças na estrutura econômica e social do país cooperando para o desenvolvimento do mercado interno e, consequentemente, estimulando o processo de urbanização. O aprimoramento do sistema de transporte com a instalações de ferrovias coincide com a crescente demanda da produção de café, favorecendo dessa maneira uma proporcional distribuição de riqueza. Dessa forma, a produção cafeeira que se estabeleceu foi suficiente para encerrar as constantes crises econômicas observadas desde o Primeiro Reinado. Após a sua fixação no mercado europeu, o café brasileiro também chegou até os norte- americanos, levando os Estados Unidos a se tornar o principal mercado consumidor, à vista disso, o café, nos finais do século XIX, foi o responsável por mais da metade dos ganhos com exportação. O grande acúmulamento de capitais alcançados com a venda do café viabilizou o investimento em infraestrutura e o surgimento de novos setores de investimento econômico no comércio e nas indústrias, contribuindo dessa maneira para o processo de urbanização do país. A expansão do setor cafeeiro determinou, por conseguinte, o desenvolvimento das estradas de ferro em função da expansão na produção, do desenvolvimento da mecanização, substituindo secadores manuais pelos mecânicos e introduzindo no processo produtivo os classificadores a vapor. Neste contexto, a ferrovia representou um importante meio de 11 COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república. P. 241. interiorização e contribuiu para que muitas cidades surgissem nas pontas dos trilhos, acreditava- se que o país receberia maior impulso com a instalação de trilhos nos diversos pontos e regiões como “espectros de civilização e progresso”.12 As estradas de ferro tiveram um papel essencial, mesmo que indiretamente no processo de urbanização, elas suscitaram o crescimento de novas cidades, mas por consequência, acabou por matar outras. Alguns dos núcleos promissores da fase anterior que ficaram à margem da rede ferroviária viram decair seu movimento, enquanto outros núcleos surgiram ao longo da ferrovia junto às estações. Facilitando as comunicações, a ferrovia permitiu aos fazendeiros transferirem suas residências para os centros mais importantes, reduzindo a importância dos núcleos interioranos e reforçando a concentração nas grandes cidades. O crescimento da cidade de São Paulo, no fim do século, liga-se em parte ao fato de se ter tornado um centro para onde convergiam as ferrovias.13 Na medida em que os grandes fazendeiros mudavam- se para as cidades faziam- se necessário uma melhoria no espaço urbano, dessa forma houve o aumento do interesse pelas diversões públicas, a construção de hotéis, e de locais de passeios públicos; houve melhoras também no sistema de pavimentação de ruas, iluminação, abastecimento de água e no sistema de comunicação. Aperfeiçoaram-se os transportes urbanos. O comércio urbano ganhou novas dimensões, bem como o artesanato e a manufatura. O processo foi favorecido pelo interesse que o capital estrangeiro teria nesse tipo de empreendimento urbanizadores.14 Porém, as vantagens do progresso restringiram- se aos grandes centros, que rapidamente se modernizaram, as regiões mais abastadas que não foram alcançadas pelas ferrovias e nem pelos telégrafos não tiveram suas vidas afetadas pela modernização. Nos grandes centros as casas foram setornando mais suntuosas, ampliando- se em tamanho, no sentido vertical,15 os casarões de taipa foram dando lugar as grandes casas feitas de tijolos. A decoração a partir de 1860, possuía forte influência francesa, especialmente na corte, e estava repleta de móveis, como na França do Segundo Império, destinados à conversação.16 Por outro lado, nos bairros mais pobres surgiam os cortiços: os cortiços eram uma forma de habitação coletiva que consistia numa sucessão de pequenas casas, cada uma delas com apenas uma porta e uma janela, reduzindo-se por vezes a simples quartos.17 As populações dos cortiços pertenciam as camadas 12DANTAS, Sandra Mara A fabricação do urbano. P. 45. 13 COSTA, Da monarquia à república. P. 255- 256. 14COSTA, Da monarquia à república. P. 256. 15 NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. P. 325 16 NEVES e MACHADO, O Império do Brasil. P. 327 17 MANUEL C. Teixeira. A habitação popular no século XIX — características morfológicas, a transmissão de modelos: as ilhas do Porto e os cortiços do Rio de Janeiro. Análise Social, vol. XXIX (127), 1994. P. 572- 573. mais baixas da sociedade, eram em suma habitados por artesões e desempregados. Após a leitura do livro O Império do Brasil fica evidente que os cortiços tornaram- se um perigo para a saúde pública, pois eram focos de transmissão de doenças. Foi durante o Segundo Reinado que surgiu os primeiros esforços para a industrialização do Brasil, sendo fundado no final do século um grande número de estabelecimentos industriais. As industrias estavam estabelecidas nos principais núcleos urbanos, no estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Empresários brasileiros, como Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá, juntamente com grupos estrangeiros, principalmente ingleses, iniciaram investimentos em estradas de ferro, estaleiros, empresas de transporte urbano e gás, bancos e seguradoras. A partir de 1885, o número de estabelecimentos industriais do país cresceu bastante. Na última década do século XIX, portanto, havia “áreas de mercado”, mais ou menos extensas, em cidades já de certa expressão (e em uma quase metrópole, o Rio) e nas zonas rurais que lhes eram tributárias. A demanda de produtos industriais dessas “ilhas” de mercado era atendida pela importação. Os centros urbanos constituíram-se, pois, numa das precondições do desenvolvimento industrial posterior: a existência de mercados para produtos manufaturados. Aquele desenvolvimento, por seu turno, irá intensificar enormemente o crescimento urbano.18 Como apontado anteriormente as industrias estabeleceram- se nos principais centros urbanos, o que acarretou a essas cidades um rápido e maior desenvolvimento urbano se comparados às cidades interioranas. Dentre esses centros urbanos destacam- se a cidade do Rio de Janeiro e São Paulo, às quais, em seguida iremos pontuar alguns acertativos. Com a chegada da Família Real portuguesa no Brasil, em 1808, a cidade do Rio de Janeiro passou por diversas mudanças, sendo que o mesmo ocorreu com a cidade de São Paulo na segunda metade do século XIX. As duas cidades se destacaram em relação as demais em decorrência da primeira ser a capital do Império, e a segunda em razão do crescimento da economia cafeeira. Essas mudanças no cenário urbano iriam também modificar a composição social, alterando a estrutura de classes da sociedade. A cidade do Rio de Janeiro por volta da metade do século XIX, detinha de mais de duzentos mil habitantes, entretanto poucas melhorias eram notadas na cidade. No entorno da Corte Imperial não havia saneamento básico, como rede de esgotos e água encanada, o que 18 LOPES, JRB. Desenvolvimento e mudança social: formação da sociedade urbano-industrial no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. 233 p. ISBN: 978-85-99662-82- 3. P. 18. deixava as ruas em estado precário; todavia, foi durante essa época que se manifestou as primeiras modificações no espaço urbano, em especial no Sudeste. Com a cessação do tráfico de escravos o dinheiro antes investido na compra destes, pôde enfim, ser redirecionado para outras demandas. A paralisação do tráfico de escravos em 1850, liberou recursos que até então, eram empregados na compra de africanos. Um grande volume de capital passou a ser investido em outras atividades econômicas, principalmente no comercio e no setor de transportes, incentivando a urbanização e o estabelecimento de manufaturas, embora ainda incipientes.19 A proibição do tráfico de africanos escravizados fez com que os serviços fossem realizados por homens livres, principalmente imigrantes portugueses. A liberação de capitais que eram utilizados na compra dos escravos fez com que outros setores econômicos fossem beneficiados. Surgindo assim, mais indústrias, bancos, casas comerciais, companhias de seguros, navegação, transporte urbano e gás. No Rio de Janeiro, a iluminação pública a gás foi instalada em 1854. Serviços de transporte foram criados, surgindo as carruagens e os bondes puxados por animais nas ruas das cidades para propiciar a locomoção de parte da população. Houve a iniciativa de criar um sistema de coleta de esgoto que foi instalado na capital,20 a partir da década de 1860, para substituir o serviço realizado por escravos, conhecidos como tigres21, que transportavam os dejetos domésticos em grandes tonéis para despejá-los ao mar. Não há dúvida de que ocorreu uma verdadeira revolução nos transportes no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. O bonde, assim chamado por causa da palavra inglesa bond (cupons que a concessionária emitia para contornar a falta e troco), desempenhou um papel fundamental no processo de alargamento do espaço urbano da cidade.22 No sentido de realizar atividades para o desenvolvimento no perímetro urbano, apareceram operários, artesãos, trabalhadores das casas comerciais e bancárias, comerciantes, pequenos proprietários e uma grande quantidade de funcionários públicos que preenchiam as 19 NEVES e MACHADO, O Império do Brasil. P. 291. 20 O sistema de esgotos do Rio de Janeiro só foi feito em 1862, por uma firma inglesa, Rio de Janeiro City Improvements Company Ltd”. P. 295. 21 Com as mudanças no espaço urbano, surgiram diversos hábitos inovadores, começando através das elites que iam para os centros urbanos nas lojas atrás de especiarias de costumes europeus, assim como as roupas e as loções (essências), “As essências acondicionadas em belos frascos não conseguiam, porém, eliminar os odores fétidos provenientes dos barris com fezes que os escravos - os tigres –levavam destampados, principalmente à noite, para despejar no mar”. P. 294. 22 NEVES e MACHADO, O Império do Brasil. P. 293. estruturas da burocracia estatal. Em São Paulo, por exemplo, a burguesia do café passava a morar na capital, retirando seus filhos das fazendas e levando-os para a cidade, principalmente com o objetivo de educá-los. O processo de desenvolvimento de São Paulo expressou- se de maneira mais lenta, visto que a iluminação a gás veio chegar até a urbe somente a partir de 1872. Dado que, antes desse processo evidenciava- se uma precariedade das condições sanitárias, o que ocasionou uma disseminação de epidemias, a exemplo disso, a febre amarela em 1849 e a cólera em 1850; ademais a distribuição de água era escassa, vindo a melhorar após a implantação de chafarizes por volta de 1850, e as instalaçõesde encanações que curiosamente não eram destinadas a população. O crescimento da cidade de São Paulo, no fim do século, liga- se em parte ao fato de se ter tornado um centro para onde convergiam as ferrovias.23 O ritmo de urbanização das cidades brasileiras acompanhava, a grosso modo o processo de desenvolvimento industrial. No entanto, como aponta Viotti, a industrialização até o fim do século XIX não chegou a influenciar tão fortemente as estruturas econômica do Brasil. O processo de urbanização no século XIX seria ainda essencialmente fruto da expansão comercial resultante da integração do país no mercado internacional, e, portanto, sujeito às suas oscilações. Eis porque São Paulo e Rio de Janeiro, situados na zona cafeeira então em expansão, cresceriam mais rapidamente do que Recife, que vivia em razão da economia açucareira então em situação crítica no mercado internacional.24 Constata- se, com base na argumentação de Viotti que a urbanização decorrente do século XIX seria em grande parte, um reflexo do crescimento do mercado internacional agregado ao desenvolvimento da economia de exportação. CONCLUSÃO O processo de urbanização ao qual o Brasil passou esteve intimamente relacionado com o papel de sujeição que sua economia desempenhava na conjuntura da economia mundial. Efetivamente, o padrão de urbanização do território brasileiro, juntamente com as atribuições por ele encarada e a constante busca pelo desenvolvimento de infraestrutura, que é o pilar de sustentação da urbanização sempre estiveram associadas às grandes etapas de desenvolvimento que o país passou. 23 COSTA, Da monarquia à república. P. 256. 24 COSTA, Da monarquia à república. P. 259. Apesar de todas as modificações ocorridas após a independência, esse acontecimento não foi capaz de alterar significativamente a posição que o Brasil ocupava no mercado internacional. A sua inserção no mercado internacional enquanto mero fornecedor de matérias- primas e um consequente comprador de produtos manufaturados, resultou para o país uma posição agrária, embaraçando, dessa forma a constituição do mercado interno. Consequentemente, as funções primárias da vida urbana tenderam a se concentrar nas principais urbes exportadoras, que em consequência, se modernizaram mais rapidamente, ao passo que os núcleos urbanos interioranos ficaram postos sobre os paradigmas tradicionais. Por fim, com base nos assertivos expostos no desenvolvimento deste artigo, conclui- se que as mudanças ocorridas na segunda metade do século XIX, não foram capazes de modificar a orientação da economia, mas colaboraram de forma direta para a construção inicial de um mercado interno, estimulando dessa forma a urbanização. A propensão que teve o Brasil para concentrar suas capitais nas áreas, exatamente onde a economia estava em expansão, resultou numa modernização mais acelerada dessas regiões. O progresso relacionado ao mercado interno foi o motivo para o processo de industrialização que ocorre nas últimas décadas do século XIX. Não obstante o caráter limitado da urbanização, o desenvolvimento urbano no século XIX cria novas formas de sociabilidade, oferece maiores possibilidades de mobilidade social, contribui para aumentar o nível de alfabetização de alguns setores da população e para incorporá-lo aos benefícios da civilização.25 25 COSTA, Da monarquia à república. P. 268. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ARAÚJO, Emanuel. O Teatro dos Vícios: Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. 3ª edição. Rio de Janeiro: Jose Olympio,1993. COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos/Emília Viotti da Costa. – 6.ed. – São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. – (Biblioteca básica). DANTAS, Sandra Mara A fabricação do urbano: civilidade, modernidade e progresso em Uberabinha/MG (1888-1929) / Sandra Mara Dantas. –Franca: UNESP, 2008. LOPES, JRB. Desenvolvimento e mudança social: formação da sociedade urbano-industrial no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. 233 p. ISBN: 978- 85-99662-82- 3. MANUEL C. Teixeira. A habitação popular no século XIX — características morfológicas, a transmissão de modelos: as ilhas do Porto e os cortiços do Rio de Janeiro. Análise Social, vol. XXIX (127), 1994. NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. .
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