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PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 1 Psicologia do Desenvolvimento PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 2 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO SUMÁRIO Apresentação da disciplina................................................................................... 3 Tema I - Introdução ao estudo do desenvolvimento humano.....................................5 Tema II - O desenvolvimento humano e a construção da personalidade ................ 14 Tema III - A Teoria do Ciclo Vital ....................................................................... 24 Tema IV - A Teoria Psicanalítica e o desenvolvimento psicossexual ..........................41 Conclusão ........................................................................................................ 57 Referências bibliográficas .................................................................................. 58 FIGURAS Figura 1 - As múltiplas perspectivas da personalidade ........................................... 18 Figura 2 - Os “Cinco Grandes” Fatores da Personalidade .........................................20 Figura 3 - Abordagem Biopsicossocial da Personalidade .........................................21 Figura 4 – Os reflexos primitivos ......................................................................... 32 Figura 5 – O reflexo do Moro .............................................................................. 32 Figura 6 – Imitação realizada por bebês ............................................................. 35 Figura 7 - Marcos do desenvolvimento motor, segundo a escala Denver II .......... 36 Figura 8 – O modelo Topológico ...........................................................................44 Figura 9 – A construção da memória inconsciente ................................................ 46 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 3 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Caro aluno, Você está recebendo o material didático da disciplina Psicologia do Desenvolvimento do curso de pós-graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Juntamente com as aulas online, as indicações de materiais das aulas, como vídeos e textos, este material serve como base para o estudo e aprendizagem da disciplina. Neste material, o conteúdo estará organizado de acordo com as aulas online, de modo a facilitar o processo de aprendizagem e a busca pelo conteúdo. Na primeira parte, será explicado em que consiste a área de estudo sobre o desenvolvimento e os aspectos fundamentais sobre o desenvolvimento. Na segunda parte, será trabalhado a articulação entre desenvolvimento e personalidade. A parte 3 aborda a Teoria do Ciclo Vital de Paul Baltes. A parte 4 apresenta alguns fundamentos da Teoria Psicanalítica e a concepção de desenvolvimento freudiano, o desenvolvimento psicossexual. Esperamos que a leitura seja agradável, informativa e formadora de uma concepção mais abrangente relacionada ao desenvolvimento, viabilizando a construção de uma base teórica sólida para a prática psicopedagógica. Bom estudo! Esta disciplina tem como objetivos: • Descrever o início do estudo do Desenvolvimento Humano; • Esclarecer o Desenvolvimento Humano; • Explicar os aspectos físico-motor, cognitivo/ intelectivo, social e afetivo; PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 4 • Identificar as principais interferências no desenvolvimento humano e na construção da personalidade; • Distinguir aspectos básicos das teorias do Ciclo Vital e da Teoria Psicossexual do desenvolvimento. BIBLIOGRAFIA Bibliografia básica: ARIÈS, Phillipe. A história social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981. ABERASTURY, Arminda; KNOBEL, Maurice. Adolescência Normal - Um Enfoque Psicanalítico. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. FEIST, Gregory J.; FEIST, Jess; ROBERTS, Tommi-Ann. Teorias da Personalidade. 8. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. FELDMAN, Robert S. Introdução à Psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. KLEINMAN, Paul. Tudo o que você precisa saber sobre Psicologia. São Paulo: Gente, 2015. MYERS, David G. Psicologia. 9. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012. PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento Humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. RAPPAPORT, Clara Regina; FIORI, Wagner da Rocha; DAVID, Claudia. Psicologia do Desenvolvimento. Vol.1. São Paulo: EPU, 2012. _________________. Psicologia do Desenvolvimento. Vol.2. São Paulo: EPU, 2012. _________________. Psicologia do Desenvolvimento. Vol.3. São Paulo: EPU, 2012. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 5 _________________. Psicologia do Desenvolvimento. Vol.4. São Paulo: EPU, 2012. Bibliografia complementar: BEE, Helen.; BOYD, Denise. A Criança em desenvolvimento. 11.ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. FREUD, Sigmund. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. PIAGET, Jean. Seis estudos de Psicologia. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 6 TEMA I — Introdução ao estudo do desenvolvimento humano Neste capítulo, você será introduzido ao estudo do desenvolvimento humano. Será apresentada a conceituação de desenvolvimento e seus aspectos centrais: o físico-motor, cognitivo/intelectivo, social e afetivo. Você terá contato com as perspectivas inatista e cognitivista de desenvolvimento e como estes paradigmas influenciam a forma de pensar o desenvolvimento da pessoa e sua personalidade. Até o surgimento da Psicologia, a criança era considerada um mini adulto, participando da vida social e trabalhando com uma carga horária de até 10 horas diárias. Obras renascentistas (séculos XV a XVIII) já demonstravam claramente imagens apresentando corpos e vestimentas de adultos em miniatura com faces de crianças. Entretanto, a Psicologia científica, originada no século XIX, permite enfocar este novo objeto de estudo que se presentifica em sua complexidade: o ser humano nos seus processos mentais e comportamentais, suas diferenças e singularidades. Com o objetivo de contribuir no entendimento sobre como as pessoas mudam, bem como permanecem estáveis durante suas vidas, surge o estudo sobre o desenvolvimento humano, que aborda as alterações dos aspectos físico-motor, cognitivo/ intelectivo, emocional e social desde a infância até a idade adulta. OBJETIVOS 1. Descrever o estudo do desenvolvimento humano; 2. Definir o desenvolvimento humano; 3. Identificar os aspectos físico-motor, cognitivo/intelectivo, social e afetivo relacionados ao desenvolvimento. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 7 O conceito de desenvolvimento refere-se ao processo de amadurecimento e evolução do ser humano no sentido de tornar-se cada vez mais habilitado e adaptado às demandas ambientais. Para tanto, o desenvolvimento do ser humano engloba desde aspectos biológicos até cognitivos e sociais/relacionais. Até o surgimento da Psicologia, a criança era considerada um mini adulto, participando da vida social e do trabalhando como um adulto, com carga horária de até 10 horas diárias. Obras renascentistas (séculos XV a XVIII) já demonstravam claramente imagens apresentando corpos e vestimentas de adultos em miniatura com faces de crianças. Entretanto, a Psicologia científica, originada no século XIX, permite enfocar esse objeto de estudo que se presentifica em toda a suacomplexidade: o ser humano nos seus processos mentais e comportamentais, suas diferenças e singularidades. Com o objetivo de contribuir no entendimento sobre como as pessoas mudam bem como permanecem estáveis durante suas vidas, surge o estudo sobre o desenvolvimento humano, que aborda as alterações dos aspectos físico-motor, cognitivo/intelectivo, emocional e social desde a infância até a idade adulta. De acordo com estes aspectos, pode-se destacar dois paradigmas que envolvem a discussão sobre o desenvolvimento humano: as posições inatista e cognitiva. De acordo com a posição inatista, o ser humano desenvolve-se a partir de uma base biológica que se torna o centro do processo evolutivo. Ou seja, segundo a posição inatista, o sujeito nasce com habilidades e competências em potencial, transmitidas geneticamente, e que serão desenvolvidas se as condições ambientais forem adequadas. Já a posição cognitiva explica o desenvolvimento a partir da construção do conhecimento sobre a realidade pelo sujeito, em um processo de interação contínuo com o ambiente. Neste sentido, o ambiente muda e desafia o sujeito a transformar-se para se adaptar às novas condições existenciais e à satisfação das suas necessidades. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 8 1.1 – A criança até o século XIX Até o século XII, o olhar que se tinha sobre a infância era de um período de transição, não havia interesse sobre esta etapa da vida, em que a mesma era considerada como algo inevitável para se chegar à juventude. Segundo Ariès (1981, p.18), as pinturas românticas do século XIII não apresentavam “crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido”. Muitas vezes, as pinturas apresentavam abdomens de adultos na caracterização das crianças. A própria noção de idade era diferente nos povos arcaicos. A métrica relacionada aos anos de vida e sua importância é fato que surge por volta do século XVIII. Antes do período era comum, em várias civilizações, uma caracterização por “idades da vida” (id. p.6). A noção de idades da vida era considerada, inclusive, para se entender o padrão biológico das pessoas, mas não permanecia tão presa às idades propriamente ditas. Na Idade Média, Ariès (1981) destaca como exemplo textos que caracterizavam como primeira idade, a infância (do nascimento aos sete anos) ou enfant, em francês, que etimologicamente significa não falante. A palavra enfant era utilizada para caracterizar o período em que a pessoa ainda não consegue falar adequadamente nem se expressar devido à dentição que está em ordenamento. A segunda idade é a pueritia, que dura até os 14 anos. A terceira idade, ou adolescência, pode durar até os 21 anos, ou mesmo estender-se para os 28 ou 30 anos, sem haver consenso entre os autores. (Ibid.). Ser adolescente significa possuir a capacidade de procriar e um corpo que ainda está em crescimento e adquirindo força muscular. Em seguida, têm-se a juventude até os 45/50 anos, em que a pessoa apresenta sua plenitude em termos de força e pensamento. Depois, segue a senectude, entre a juventude e a velhice, até os 70 anos, com características de descontroles corporais e mentais, apresentando manias e toda ordem de doenças. Ainda no século XVII, é possível observar em diversas obras de arte e escritos, a falta de importância das crianças. Como a taxa de mortalidade era alta, e a sua perda considerada como algo casual, os pais não se apegavam muito às mesmas. Não havia PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 9 a consideração de que as crianças possuíam uma personalidade ou uma individualidade. Tal era a indiferença com relação as crianças que Ariès (1981) cita como exemplo o enterro de crianças mortas no jardim de casa, como o que se faz com animais domésticos. Neste período, a ideia de homem integral está relacionada à juventude e força. Segundo Ariès (1981) Tem-se a impressão, portanto, de que, a cada época corresponderiam uma idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana: a “juventude” é a idade privilegiada do século XVII, a “infância”, do século XIX, e a “adolescência”, do século XX. (ibid., p.16) Quanto ao aspecto sexual, era comum as crianças participarem de jogos sexuais com os adultos. A educação moral iniciava a partir dos sete anos. Antes dessa idade, era corriqueiro as amas (ou cuidadoras) e os pais falarem sobre o sexo das crianças e tocarem ou brincarem com seus genitais. Essas práticas sexuais não chocavam o senso comum, como atualmente. A ideia que prevalecia era de que a criança impúbere era alheia à sexualidade. (Ariès, 1981) No século XVII ocorre a mudança dos costumes em relação à criança. Esta mudança será fundamental para a noção de infância contemporânea. Surge a ideia de inocência infantil. De acordo com Ariès (1981, p.85), “De fato, foi nessa época que se começou realmente a falar na fragilidade e na debilidade da infância. Antes, a infância era mais ignorada, considerada um período de transição rapidamente superado e sem importância”. Destaca-se neste período o surgimento de literatura pedagógica específica para a infância e os tratados de civilidade que deveriam orientar a educação dos pequenos, inclusive com trechos de Psicologia infantil, em que se tentava entender o pensamento das crianças para melhor adaptação dos métodos de educação. Delimita-se, então, o espaço das crianças e o domínio dos adultos (ibid.), o que permite, com o advento da ciência moderna, o surgimento do campo de estudos sobre as alterações biológicas e mentais durante a vida. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 10 1.2 – O surgimento da Psicologia como ciência e o estudo do desenvolvimento humano Consensualmente, entende-se como marco para o surgimento da Psicologia científica, o ano de 1879, em Leipzig, Alemanha, com a fundação do primeiro laboratório de Psicologia e o primeiro curso de formação de psicólogos pelo professor Wilhelm Wundt. Nesse primeiro momento, a Psicologia concentrava-se nas experiências sensoriais e perceptuais das pessoas como forma de entender a formação e o funcionamento da mente humana, mais especificamente da consciência. Entretanto, com a mudança no conceito de infância e na concepção de criança, e a preocupação em transmitir uma educação moral e civilidade para as mesmas, tem- se a formalização do campo de estudos do desenvolvimento humano. O desenvolvimento humano é a área de estudos da Psicologia que busca entender as alterações que ocorrem ao longo da vida, desde o nascimento até a morte, nos aspectos físicos, cognitivos e sociais, e qual a relação entre organismo e ambiente neste processo. O estudo científico do desenvolvimento ao longo da vida possui como objetivo descrever, explicar, predizer e alterar o comportamento humano, a partir do mapeamento de características qualitativas e quantitativas das pessoas (PAPALIA, 2006). Entende-se como características quantitativas aquelas relacionadas ao peso, altura, crescimento, e como características qualitativas as relacionadas às alterações na organização do pensamento, aquisição de estruturas cognitivas (ou esquemas cognitivos), entre outros. A sistematização de estudos na área (ibid.) indica que as pesquisas sobre o desenvolvimento humano se concentram nas seguintes questões: 1) natureza ou cultura: em que medida o desenvolvimento humano é influenciado pela herança genética e pelo ambiente; 2) continuidade e estágios: se o desenvolvimento é considerado como um processo contínuo e gradual ou se é entendido através de estágios separados com características delimitadas; e 3) estabilidadee mudança: se os traços de personalidade mudam ao logo do desenvolvimento ou permanecem os mesmos da infância até a velhice. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 11 A influência da natureza X cultura, ou características genéticas X ambiente, é uma das questões principais pesquisadas pelos cientistas. Estudos (PAPALIA, 2006) indicam que o contexto influencia direta e indiretamente o desenvolvimento. De forma direta a partir das vivências da pessoa com seu grupo familiar ou social, o ambiente econômico e político no qual o indivíduo está inserido, como situações de pobreza extrema, guerra, recessão econômica. A forma indireta aparece por meio das influências que os fatores externos provocam nos pais e como isto influencia o relacionamento entre pais e filhos. Com relação aos elementos de continuidade ou a graduação por estágios, esta perspectiva pode ser verificada em diversas teorias do desenvolvimento. De Freud e Piaget até Paul Baltes e a Teoria do Ciclo Vital, todas elas apresentam o desenvolvimento como um processo contínuo, ou seja, que ocorre ao longo da vida. Contudo, várias delas (Freud, Piaget, Wallon, Erikson, Baltes) mapeiam determinadas características por faixas etárias, chamadas de fases ou períodos. Cabe destacar que estas fases e/ou períodos são constructos sociais, ou seja, são atravessados pela história e cultura e em outro momento ou outra civilização, estas etapas do desenvolvimento mudam e recebem outros nomes, inclusive com alteração relacionada às faias etárias. Quanto à estabilidade e mudança dos traços de personalidade, entende-se que existe um núcleo estável e organizador da personalidade que é desenvolvido ao longo da infância e que permanece. Este núcleo organizador é onde a pessoa reconhece sua singularidade e individualidade (ou autoconceito) e está relacionado à sua identidade, mas transcende a esta em suas mudanças ao longo da vida. Além dessa, outra parte da personalidade está sempre em movimento através das aprendizagens que devem ocorrer para melhor ajustamento e adaptação do ser ao seu ambiente. Esta adaptação está relacionada à possibilidade de satisfação das necessidades. As mudanças na personalidade são evidentes, facilmente perceptíveis pelo padrão de comportamento nas diversas idades, como: bebê, criança, adolescência. Outro fator importante a ser considerado no estudo do desenvolvimento relaciona-se aos aspectos que compõem o processo evolutivo da pessoa. Estes aspectos influenciam-se de forma contínua e não há hierarquização entre eles, ou seja, nenhum é mais importante que o outro. São eles: PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 12 1) Físico-motor: que se refere ao crescimento orgânico, à maturação neurofisiológica, capacidade de manipulação de objetos e de exercício do próprio corpo; 2) Cognitivo ou Intelectual: relaciona-se à capacidade de pensamento, raciocínio, construção de esquemas cognitivos; 3) Afetivo-emocional: modo de integração de todas as experiências; é o modo de sentir da pessoa; 4) Social: relação do indivíduo com as outras pessoas e modo como reage diante de situações sociais. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 13 TEMA II — O desenvolvimento humano e a construção da personalidade Nesta unidade, será conceituada a noção de personalidade. Em seguida, será abordada a relação entre desenvolvimento e personalidade. Será exposto, ainda, como as influências sociais, ambientais e hereditárias influenciam na construção da pessoa, como ela pensa, sente e age no mundo. O conceito de personalidade na Psicologia talvez seja o mais amplo e complexo de todos. Afinal, existem muitas teorias da Personalidade dentro da Psicologia. Estas teorias objetivam explicar como as pessoas são como são, pensam e se comportam. De Freud às teorias pautadas na biologia dos indivíduos, o fato é que todas elas desejam entender que fatores interferem na construção das singularidades das pessoas e as tornam o que elas são. A origem da palavra personalidade vem de persona ou “soar através”, nome dado às máscaras que os atores do teatro antigo usavam para representar papéis. De acordo com o senso comum, a personalidade pode ser considerada uma referência a um atributo ou característica da pessoa que causa impressão nos outros, a partir da qual é usada para estabelecer um contato social (ou não, dependendo da impressão causada). No âmbito do conhecimento científico, a personalidade é entendida como o conjunto total de características próprias do indivíduo que, integradas, estabelecem a forma pela qual ele reage ao meio (comportamento individual e grupal, pensamento, linguagem, motivação, emoção, aprendizagem etc.). Os aspectos que interferem na construção da personalidade das pessoas são a respectiva herança genética, que irá influenciar através da estrutura orgânica e dos processos de maturação, e o ambiente onde o organismo está inserido, que inclui tanto o meio físico como o meio social. Então, pode-se dizer que a personalidade humana possui um alicerce biológico que somado à ação do meio (durante a vida intrauterina e após o nascimento) serão responsáveis por uma configuração completamente singular e rica de potencialidades. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 14 OBJETIVOS 1. Definir personalidade; 2. Explicar a relação entre desenvolvimento e personalidade; 3. Esclarecer como o ambiente e a hereditariedade influenciam no desenvolvimento e na construção da personalidade. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 15 2.1 – Conceituando personalidade Etimologicamente, a palavra personalidade surge de persona, palavra latina que possui significado de “soar através de”, ou seja, a máscara ou papel social que o ator utiliza para dar vida ao personagem. Persona era o nome dado às máscaras do teatro grego que os atores utilizavam para incorporar o personagem. (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015) Para o senso comum, a personalidade indica as características que são observadas nas pessoas e a partir das quais elas se comportam. É considerada a referência a um atributo da pessoa que causa impressão nos outros. Comumente, o senso comum constrói teorias da personalidade para entender como as pessoas se comportam e os seus motivos. Estas teorias construídas pelo senso comum são fundamentais para o estabelecimento de relações entre as pessoas, porque geram um alicerce importante para a compreensão e entendimento dos comportamentos individuais e sociais. Esse corpus teórico que as pessoas comuns constroem para lidar com os outros estão pautados na forma como elas percebem o mundo. Entretanto, essas teorias não possuem fundamento científico e podem conduzir à formação e manutenção de impressões erradas sobre uma pessoa. Para ser científico, um conhecimento deve seguir padrões rigorosos de mensuração e observação. E, além disso, deve estar pautado em outros conhecimentos científicos e possuir uma linguagem rigorosa e técnica, de acordo com o seu campo de saber. A Psicologia, como área científica, já produziu vários conhecimentos a respeito da personalidade. Por meio da Psicologia experimental, que possui a tradição de reduzir o objeto para quantificá-lo e entender seu funcionamento, o homem foi “dissecado” em características cada vez menores para o entendimento de seu funcionamento. Esta perspectiva utilizava, e ainda utiliza, experimentos com animais em laboratório e observação de seu comportamento para, por analogia, entender como os homens se comportam. A base epistemológica para esta comparação está na Teoria da Evolução de Darwin, pautada na hipótese de que haveriauma continuidade entre as mentes animais e humanas, e, portanto, seria possível compreender as PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 16 mentes humanas, mais complexas, a partir do entendimento da mente simples dos animais. Outra possibilidade de estudo da personalidade relaciona-se com a observação empírica na prática clínica, cuja referência é construída na última metade do século XIX e durante o século XX, a partir de diversas abordagens da Psicologia: Psicanálise, Humanismo, Cognitivismo, Behaviorismo, Psicologia da Gestalt. A ideia é entender e ajudar as pessoas no seu processo de individuação e construção subjetiva. A compreensão sobre a humanidade e a construção das subjetividades passa pelo enfoque nas preocupações, ansiedades, limitações, condições físicas, culturais e sociais dos indivíduos. Um exemplo refere-se à tradição gestáltica, cuja preocupação alude à unidade e integralidade do comportamento. Outro tipo de investimento no estudo da personalidade vincula-se à psicometria, que se interessa em medir e estudar as diferenças individuais, escalonar as dimensões dos comportamentos e proceder à análise quantitativa dos dados, por meio da observação e pesquisa descritiva. Muitos testes psicológicos e inventários de personalidade foram construídos para mesurar a personalidade através de padrões básicos (características ou traços) observados em grandes amostras de sujeitos. Os testes psicológicos são muito utilizados, pois viabilizam o acesso às principais características das pessoas de forma objetiva e estatística nos diversos campos de atuação do psicólogo, como a área clínica ou no processo de seleção para vagas de trabalho. Diante do cenário apresentado, o conceito de personalidade, para a Psicologia, abrange várias definições. De uma forma geral, pode-se entendê-lo como a maneira de sentir e pensar de cada um. Este modelo irá influenciar o modo como cada um se comporta. Feldman (2015) entende que a personalidade pode ser definida como (...) o padrão de características constantes que produzem consistência e individualidade em determinada pessoa. Abrange os comportamentos que nos tornam únicos e que nos diferenciam dos outros. Também nos leva a agir consistentemente em diferentes situações e por longos períodos de tempo. (p. 384) PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 17 Por meio da personalidade de um sujeito, é possível compreender e predizer seu comportamento, pois este conhecimento permite uma certa previsibilidade com relação às ações emitidas. Para compreender melhor e poder predizer comportamentos, diversos autores da Psicologia construíram suas teorias pautados em duas perspectivas: como a personalidade se constitui e quais são os traços característicos que podem ser encontrados nas pessoas. Um traço pode ser compreendido como “características de personalidade e comportamentos constantes exibidos em diferentes situações” (FELDMAN, 2015, p.395). As personalidades são construídas a partir da relação que os indivíduos estabelecem com o mundo e, portanto, das aprendizagens que se vai obtendo. Nesta relação com o ambiente e as outras pessoas, cada ser humano aprende a forma que deve se comportar e introjeta os valores prescritos socialmente. Sua personalidade será o resultado de todas as tentativas de acerto e erros que comete, daquilo que ela observa nos outros e do que acha que os outros esperam dela. Este modelo será a referência para a visão de mundo do indivíduo. De forma resumida, pode-se dizer que a personalidade é a organização dinâmica dos traços no interior da pessoa, que são construídos a partir dos genes herdados dos pais, das experiências pessoais e da respectiva percepção de mundo. A personalidade torna cada pessoa única na sua forma de SER e ESTAR no mundo e no desempenho de seu papel social. Alguns princípios básicos da personalidade podem ser destacados: 1) A globalidade: que se refere aos elementos inatos, adquiridos, orgânicos e sociais estão incluídos no conceito de personalidade; 2) A dimensão social: as características da personalidade se manifestam e se desenvolvem em situações sociais; personalidade também consiste nos hábitos e características adquiridas em resultado das interações sociais, que promovem o ajustamento do indivíduo ao meio social; 3) A dinamicidade: a personalidade é um conceito dinâmico, possui vários elementos que interagem e se combinam de forma a produzir novos e originais efeitos; personalidade é o que organiza, integra e harmoniza todas as formas PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 18 de comportamento e características do indivíduo. Ela é capaz de receber novas influências e adaptar-se a novas circunstâncias. 4) A individualidade: a personalidade é sempre uma realidade individual que marca e distingue um ser do outro; há sempre uma dimensão peculiar e exclusiva porque as pessoas são únicas no mundo, ou seja, é o conjunto de todos os aspectos próprios do indivíduo pelos quais ele se distingue dos outros. Para a Psicologia, o conceito de personalidade é um dos mais complexos e, portanto, torna-se difícil uma única teoria que explique a complexidade do ser humano e as respostas que emite durante sua existência. Desta forma, podemos destacar várias perspectivas relacionadas ao conceito de personalidade: a psicodinâmica, a relacionada aos traços, a da aprendizagem, a biológica evolucionista, a humanista, entre outras. Figura 1: As múltiplas perspectivas da personalidade Abordagem teórica e principais teóricos Determinantes conscientes versus inconscientes da personalidade Natureza (fatores hereditários) versus criação (fatores ambientais) Livre-arbítrio versus determinismo Estabilidade versus modificabilidade Psicodinâmica (Freud, Jung, Horney, Adler) Ênfase no inconsciente Enfatiza a estrutura inata, herdada da personalidade, valorizando a importância da experiência infantil Enfatiza o determinismo, a visão de que o comportamento é direcionado e causado por fatores externos ao próprio controle Enfatiza a estabilidade das características durante a vida da pessoa Traços (Allport, Cattell, Eysenck) Desconsidera o consciente e o inconsciente As abordagens variam Enfatiza o determinismo, a visão de que o comportamento é direcionado e causado por fatores externos ao próprio controle Enfatiza a estabilidade das características durante a vida da pessoa Aprendizagem (Skinner, Bandura) Desconsidera o consciente e o inconsciente Centra-se no ambiente Enfatiza o determinismo, a visão de que o comportamento é direcionado e causado por fatores externos ao próprio controle Enfatiza que a personalidade permanece flexível e resiliente durante a vida de uma pessoa Biológica e evolucionista (Tellegen) Desconsidera o consciente e o inconsciente Enfatiza os determinantes inatos, herdados da personalidade Enfatiza o determinismo, a visão de que o comportamento é direcionado e causado por fatores externos ao próprio controle Enfatiza a estabilidade das características durante a vida de uma pessoa Humanista (Rogers, Maslow) Enfatiza o consciente mais do que o inconsciente Enfatiza a interação entre a natureza e a criação Enfatiza a liberdade dos indivíduos de fazer as próprias escolhas Enfatiza que a personalidade permanece flexível e resiliente durante a vida de uma pessoa Fonte: FELDMAN, R. S. Introduçãoà Psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. p. 406 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 19 Destaca-se a Teoria dos Traços pela objetividade e simplicidade em caracterizar os traços principais das pessoas e, consequentemente, compreender seus comportamentos. Mesmo diante desta perspectiva, não existe uma única teoria dos traços de personalidade. Por exemplo, Gordon Allport definiu sua teoria propondo que haveria três categorias fundamentais de traços de personalidade: o cardinal, que seria uma característica única e definiria a maior parte dos comportamentos de uma pessoa; os traços centrais, que formam a essência da personalidade; e os traços secundários, que afetam o comportamento com menos força. Outros autores, como Cattell e Eysenck, utilizaram-se de técnicas estatísticas para chegar a um núcleo central de traços de personalidade, com a aplicação de questionários a um grupo abrangente de pessoas. A partir da análise de fatores das características marcadas nos questionários pelas mesmas, Cattell propôs dezesseis traços de origem que o fez desenvolver o 16PF, ou Questionário dos Dezesseis Fatores da Personalidade (FELDMAN, 2015). Eysenck também utilizou a análise de fatores, porém obteve outro resultado. Segundo ele, existem três dimensões principais de personalidade: a extroversão, relacionada ao grau de sociabilidade das pessoas; o neuroticismo, relacionado à estabilidade emocional; e o psicoticismo significa o grau de distorção da realidade. (Id.). Segundo Feldman (2015), estas dimensões possuem os seguintes traços: 1) Extroversão: sociável, animado, ativo, assertivo e empenhado na busca de sensações; 2) Neuroticismo: ansioso, deprimido, sentimento de culpa, baixa autoestima, tenso; 3) Psicoticismo: agressivo, frio, egocêntrico, impessoal e impulsivo. Pesquisadores atuais, a partir da análise de fatores de Eysenck, propuseram a teoria dos cinco grandes fatores da personalidade, cujo resultado estatístico apresenta grande consistência e precisão em diversas populações, sendo considerada a melhor teoria para a descrição da personalidade até o momento. (id.) Os Big Five podem ser demonstrados da seguinte forma: (MYERS, 2012) PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 20 Figura 2. Os Cinco Grandes Fatores da Personalidade (MYERS, 2012) Dimensão do traço Extremos da dimensão Realização ou conscienciosidade (escrupulosidade) Organizado – desorganizado Cuidadoso – Descuidado Disciplinado – Impulsivo Socialização Amável – Cruel Confiável — Suspeito Prestativo – Egoísta Neuroticismo (estabilidade vs instabilidade emocional) Calmo – Ansioso Seguro – Inseguro Autossatisfação – Autopiedade Abertura para a experiência Imaginativo – Prático Preferência por variedade – Preferência pela rotina Independente – Conformado Extroversão Sociável – Retraído Divertido – Sóbrio Afetuoso – Reservado Fonte: MYERS, 2012, p. 434 O questionamento sobre a hereditariedade ou aprendizagem dos traços é uma constante que provoca infinitas pesquisas sobre a temática na Psicologia. Estudos indicam que cerca de 50% das diferenças individuais podem ser herdadas e esta porcentagem foi comprovada em vários povos. Segundo MYERS (2012) A hereditariedade de diferenças individuais varia com a diversidade das pessoas estudadas, mas normalmente fica em torno de 50% ou um pouco mais para cada dimensão, e as influências genéticas são semelhantes em diferentes nações. (p.434) Quanto à estabilidade ou variabilidade dos traços de personalidade durante a vida, pesquisas mostram que as mudanças são maiores no período da infância e adolescência e que na vida adulta eles permanecem estáveis, apesar da possibilidade de mudança ser contínua. Na vida adulta, os Cinco Grandes traços são bem estáveis, com algumas tendências (instabilidade emocional, extroversão e abertura para experiência) diminuindo um pouco nas décadas que seguem o começo e o meio da idade adulta e outras (socialização e realização ou conscienciosidade) aumentando. A realização ou conscienciosidade aumenta mais na casa dos 20 anos, à medida que as pessoas PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 21 amadurecem e aprendem a lidar com o trabalho e seus relacionamentos. A socialização aumenta mais na casa de 30 anos e continua a aumentar até os 60 (MYERS, 2012, p.434). Estes cinco traços essenciais ainda têm a propriedade de predizer outros atributos ou características pessoas como, por exemplo, o fato de pessoas mais extrovertidas possuírem a tendência de tirar notas mais altas e a satisfação matrimonial estar relacionada ao traço de socialização, estabilidade e abertura à experiência. Quanto mais baixo o escore desse traço, maior a tendência para insatisfação matrimonial. Apesar da hereditariedade contar, é evidente a influência dos fatores ambientais e da aprendizagem na construção ou mudança da personalidade das pessoas. Dessa forma, o entendimento consensual na Psicologia é que o ser humano (e sua personalidade) são constituídos por aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Figura 3: Abordagem Biopsicossocial da Personalidade Fonte: MYERS, D. G. Psicologia. 9.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012. p. 439. Influências biológicas • Temperamento geneticamente determinado • Reatividade do sistema nervoso autônomo • Atividade do cérebro Influências psicológicas • Respostas aprendidas • Processos de pensamento inconscientes • Expectativas e interpretações Influências socioculturais • Experiências na infância • Influência da situação • Expectativas culturais • Apoio social PERSONALIDADE PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 22 Neste sentido, o estudo do desenvolvimento humano articula-se ao estudo da personalidade, pois permite ao pesquisador entender como esses traços específicos foram construídos ao longo da vida da pessoa e quais deles encontram-se no padrão de normalidade ou divergência, bem como compreender a estabilidade ou modificabilidade dos traços essenciais das pessoas. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 23 TEMA III – A Teoria do Ciclo Vital Nesta parte, será apresentada a Teoria do Ciclo vital, em que o desenvolvimento é considerado desde a etapa intrauterina até a velhice. Em cada etapa serão explicados os aspectos físico-motor, social afetivo e cognitivo da pessoa. Será exposta, ainda, a influência da parte biológica e da parte social no desenvolvimento e construção da personalidade. De acordo com a Teoria do Ciclo Vital, pode-se dizer que: 1) o desenvolvimento é vitalício: ou seja, cada período da vida é influenciado pelo que vem antes e irá afetar o que vem depois e cada período possui suas características e nenhum é hierarquicamente superior ao outro; 2) o desenvolvimento depende da história e do contexto considerando a interação homem e ambiente; 3) o desenvolvimento é multidirecional e multidimensional, ou seja, acontece durante toda a vida e envolve um equilíbrio entre o declínio e o crescimento; 4) o desenvolvimento é flexível ou plástico, visto que há uma capacidade de modificação no desempenho, entretanto a flexibilidade não é infinita. Os oito períodos do Ciclo vital são: 1º - pré-natal: concepção ao nascimento; 2º - primeira infância: nascimento aos 3 anos; 3º - segunda infância: 3 aos 6 anos; 4º - terceira infância: 6 aos 11 anos; 5º - adolescência: 11 aos 20 anos; 6º - jovem adulto: 20 aos 40 anos; 7 º - meia-idade: 40 aos 60 anos; 8º - terceira idade: 65 em diante. OBJETIVOS1) Descrever a Teria do Ciclo Vital; 2) Ilustrar as etapas de desenvolvimento; 3) Explicar os aspectos físico-motor, social afetivo e cognitivo. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 24 O estudo do desenvolvimento do ciclo vital tem seu início na década de 1920, a partir do acompanhamento científico de crianças até a idade adulta. No decorrer desses estudos, a curiosidade sobre como o ambiente (ou o momento histórico e as circunstâncias sociais) afeta o desenvolvimento, começaram a receber o foco dos pesquisadores da área. Paul Baltes, considerado o líder no estudo do desenvolvimento do ciclo vital, distingue algumas características básicas desta abordagem (PAPALIA, OLDS, FELDMAN, 2006) 1) O desenvolvimento é vitalício: o desenvolvimento ocorre durante toda a vida. Cada etapa possui suas características específicas e influencia a seguinte. Nenhuma etapa pode ser considerada como hierarquicamente superior a outra; 2) O desenvolvimento é contextualizado pelo momento histórico e pelo lugar: no desenvolvimento humano as circunstâncias da vida social, política e econômica interferem no crescimento físico, afetivo, cognitivo e social. Humano e ambiente sofrem influência mútua, um modificando o outro; 3) O desenvolvimento é multidimensional e multidirecional: o desenvolvimento ocorre durante toda a vida e envolve perdas e ganhos em todos os períodos. As pessoas tendem a maximizar os ganhos e compensar e minimizar as perdas. Na infância, fica mais evidenciado os ganhos e na velhice as perdas. Porém, como mencionado anteriormente, há a compensação e minimização entre perdas e ganhos. Na meia-idade e na velhice, o vocabulário e a sabedoria tendem a crescer, entretanto o organismo pode apresentar decréscimo relacionado às condições físicas, como ossos, musculatura, respiração, memória; 4) O desenvolvimento é flexível e plástico: durante toda a vida podemos verificar a melhora e a flexibilidade de desempenho a partir de treinamentos específicos, como a força, mobilidade, cognição, entre outros. Entretanto, essa plasticidade não é ilimitada. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 25 Além disso, o desenvolvimento ocorre em diferentes instâncias do ser humano continuamente. Estas instâncias podem ser entendidas como os aspectos do desenvolvimento ao longo da vida. São eles: 1) Desenvolvimento físico: refere-se a toda alteração física que acarreta em ganhos e perdas durante a vida. Exemplos são verificados facilmente como as mudanças hormonais da puberdade, o crescimento do corpo da criança em termos de tamanho, peso e força, as alterações cerebrais nas crianças e nos velhos, entre outros. 2) Desenvolvimento cognitivo: refere-se às alterações de organização de pensamento, memória, criatividade, senso moral, aprendizagem, linguagem, percepção etc. 3) Desenvolvimento psicossocial: relaciona-se com as alterações da personalidade e o estabelecimento de relações interpessoais. Todos esses aspectos encontram-se completamente interligados e influenciam- se mutuamente. Por exemplo, as alterações orgânicas da puberdade trazem mudanças na personalidade porque afetam a visão que a pessoa tem de si mesma. Esta mudança também está relacionada às relações que ela possui e aos seus grupos de pertença, que geram expectativas de comportamentos para os componentes dos respectivos grupos. O ser humano constrói a visão de si mesmo, ou seu autoconceito, a partir das suas experiências particulares, mas também da interação que estabelece com outras pessoas e da visão e expectativas que elas possuem dele. Este processo cognitivo ocorre para o bem ou para o mal. Pode-se verificar o processo ocorrendo comumente na vida das pessoas. Quando uma criança é elogiada, respeitada, com suas necessidades emocionais satisfeitas, incentivada a resolver os desafios do cotidiano sem evidenciar suas falhas e erros, ela tem mais chances de se tornar um adulto eficiente nas produções da sua vida, sem medo de ser empreendedor e de lidar com desafios. Por outro lado, se a pessoa foi agredida, violada em seus direitos, rotulada como incapaz ou delinquente, a possibilidade de construir uma personalidade PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 26 dependente ou outra com tendência a ultrapassar os limites morais ou legais são grandes. 3.1 — Os períodos do ciclo vital Os períodos do ciclo vital são constructos sociais e dependem da cultura referida. Fazem parte da interpretação de cada povo sobre as etapas da vida humana e não é possível universalizar somente um modelo para todas as culturas. Cada sociedade cria marcos de desenvolvimento e rituais de passagem de uma etapa para outra. O conceito de períodos do ciclo de vida é uma construção social: um ideal acerca da natureza da realidade aceito pelos integrantes de uma determinada sociedade em uma determinada época com base em percepções ou suposições subjetivas compartilhadas. Não existe um momento objetivamente definível em que uma criança torna-se um adulto ou em que uma pessoa jovem torna-se velha. As sociedades do mundo inteiro reconhecem diferenças no modo como pessoas de diferentes idades pensam, sentem e agem, mas elas dividem o ciclo de vida de modos diferentes. (PAPALIA, OLDS, FELDMAN, 2006, p.51 ) Em nossa sociedade, construímos marcos para a infância, a adolescência, jovem adulto, meia-idade e velhice porque a organização social é realizada a partir destas etapas e também as influenciam. Não há dúvidas sobre os papéis sociais de cada pessoa em cada etapa da vida e sobre as expectativas do que deverão cumprir. Por outro lado, a sociedade é alimentada no sentido de construir sua organização e instituições para “enquadrar” as pessoas nestes papéis sociais. Por exemplo, criança deve ir para a escola, os adolescentes devem escolher a carreira profissional, os adultos devem constituir famílias e cuidar dos filhos e os velhos devem ter mais sabedoria devido às experiências pelas quais passaram na vida. É importante destacar novamente que este entendimento sobre o DEVER SER de cada pessoa em cada fase da vida é construído social e culturalmente. Os indígenas Chippewa só têm dois períodos de infância: do nascimento até a criança caminhar e do caminhar à puberdade. A adolescência é parte da vida adulta, que dura até a vinda do primeiro neto; um período posterior da PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 27 idade adulta começa com o nascimento do primeiro bisneto. Os Swazi africanos definem oito períodos da vida e marcam cada um com uma cerimônia. A condição de bebê começa aos 3 meses, quando se considera que o bebê provavelmente irá sobreviver. Depois vem a segunda etapa (que começa quando o bebê aprende a caminhar), a infância (que começa aos 6 anos), a puberdade e o casamento. Para uma mulher, as etapas seguintes chegam quando nasce seu primeiro filho e quando ela vai morar com um filho casado. (ibid.) Nesse sentido, a Teoria do Ciclo Vital divide as etapas da vida em oito ciclos: 1) período pré-natal, da concepção ao nascimento; 2) primeira infância; 3) segunda infância; 4) terceira infância; 5) adolescência; 6) jovem adulto; 7) meia-idade; 8) terceira idade. O período pré-natal corresponde da concepção ao nascimento. Nesta etapa, já se inicia a interação entre a genética herdada dos pais e o ambiente. A concepção ocorre quando o óvulo feminino tem sua membrana rompida por um espermatozoide masculino e é fecundado. Deste momento até duas semanas ele é chamado de zigoto. A partir desta etapa, aproximadamente dez dias após a concepção, o zigoto se prende à parede do útero materno, processo queé chamado de nidação. Neste período, o zigoto transforma-se em embrião e inicia a diferenciação celular e o desenvolvimento dos órgãos do futuro bebê. No embrião, já é possível escutar os batimentos cardíacos e nove semanas após a concepção tem-se o feto, com forma tipicamente humana. É durante este período que ocorre o maior desenvolvimento físico e de forma extremamente rápida. Ao final dos seis meses, se a gravidez for interrompida acidentalmente, já é possível a sobrevivência do bebê, pois órgãos como o estômago já estão prontos. Entretanto, esta condição de imaturidade requer intervenções médicas importantes, pois o organismo ainda não está completo, podendo trazer comprometimento futuro. Estudos mostram que um feto de sexto mês já é suscetível aos sons ambientais, principalmente à voz materna. Tal intimidade entre o feto e sua mãe acarreta o reconhecimento e a preferência da voz materna em detrimento de qualquer outro som, inclusive da voz paterna. A nutrição, oxigenação e filtragem de substâncias nocivas e tóxicas do feto é feita através da placenta, formada a partir da vinculação do zigoto na parede uterina. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 28 Daí a importância do cuidado com a saúde da gestante porque qualquer substância nociva, como drogas, álcool, fumo e vírus afetam o feto. Segundo Myers (2012), Não há quantidade segura de bebida alcóolica conhecida para uma mulher grávida. O álcool entra na corrente sanguínea da mulher – e do feto – e deprime a atividade do sistema nervoso de ambos. O consumo de álcool durante a gravidez poderá fazer com que o filho goste de álcool. Adolescentes cujas mães beberam durante a gravidez correm o risco de virar dependentes de álcool ou alcoólatras. (p.131) 3.2 – Influências genéticas pré-natais Estudos mostram que os filhos podem herdar geneticamente de seus pais desde características físicas (como altura, peso, obesidade, tom de voz, cáries, nível de atividade, idade da morte, habilidade atlética) até características intelectuais (memória, idade de aquisição da linguagem, retardo mental, déficit de leitura) e características emocionais e transtornos (timidez, extroversão, neuroticismo, ansiedade, alcoolismo). Segundo pesquisas (FELDMAN, 2015), cerca de 95 a 98% das gestações apresentam o desenvolvimento normal do feto. Entretanto, os 2 ou 5% restantes podem nascer com defeitos congênitos graves: 1) Fenilcetonúria – quando o organismo não consegue produzir uma enzima que é fundamental para o crescimento normal do indivíduo, porque prejudica a liberação de toxinas pelo corpo. Os acúmulos dessas toxinas podem acarretar em déficit cognitivo importante; 2) Anemia falciforme – esta doença caracteriza-se pela forma anormal das células sanguíneas e pode acarretar dor, atraso no crescimento, olhos amarelados e problemas de visão; 3) Doença de Tay-Sachs – nesta doença, o organismo não consegue quebrar as células de gordura. A expectativa de vida para as crianças que nascem com esta doença é de 3 a 4 anos; PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 29 4) Síndrome de Down – esta síndrome caracteriza-se pela quantidade anormal de cromossomos. É uma das causas mais comum de retardo mental. Além desta condição, as pessoas são suscetíveis a problemas de coração, visão, fala, hipotonia. Atualmente, muitos desses problemas podem ser resolvidos devido à intervenção precoce no bebê down, possibilitando um desenvolvimento adequado ao potencial de cada um. 3.3 – Influências ambientais pré-natais Apesar da herança genética dos pais ser importante na formação da pessoa, os fatores ambientais pré-natais podem interferir de forma importante na constituição do bebê, incluindo alterações na genética. Feldman (2015) destaca: 1) Nutrição da mãe – a alimentação durante a gestação é fundamental para a constituição orgânica e mental do bebê. A subnutrição materna pode acarretar subnutrição do feto, o que gerar problemas de desenvolvimento e problemas mentais após o nascimento; 2) Doenças da mãe – várias doenças que podem ter um efeito simples no organismo materno, podem ser desastrosas para o bebê. Exemplos são a AIDS, zica, rubéola, entre outras; 3) Estado emocional da mãe – as alterações emocionais da gestante afetam o organismo do bebê porque seu sistema nervoso está suscetível às mudanças químicas do organismo materno. Então, gestantes ansiosas podem acarretar bebês ansiosos, com problemas de sono e alimentação; 4) Uso de drogas pela mãe – gestantes que fazem uso de drogas fisicamente aditivas, como a cocaína, crack, heroína, entre outras, podem gerar bebês dependentes que sofrem crises de abstinência e que podem apresentar problemas de malformação, prejuízos físicos e mentais permanentes; 5) Álcool – a ingestão de álcool pela gestante pode ocasionar a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), mesmo com baixos nível de uso de álcool. A SAF causa deficiência PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 30 intelectual e deformidades na face. Estudos indicam que é a principal causa de deficiência intelectual na atualidade (FELDMAN, 2015); 6) Uso de nicotina – a utilização de nicotina durante a gravidez pode acarretar aborto espontâneo ou parto prematuro com bebês abaixo do peso e tamanho ao nascimento. Esta condição pode trazer danos permanentes para a saúde do bebê ao longo da sua vida inteira; 7) Rubéola – pode gerar cardiopatias, cegueira, surdez ou bebê natimorto; 8) Sífilis – pode ocasionar aborto, retardo mental e deformidades físicas; 9) Radiação por raios X – acarreta retardo mental e deformidades físicas; 10) Idade da mãe (menor que 18 anos) – maior probabilidade de Síndrome de Down; nascimento prematuro; 11) Idade da mãe (maior que 35 anos) – maior probabilidade de Síndrome de Down; 12) Aids – possibilidade de transmissão para o feto, além de poder acarretar deformidades na face e problemas no crescimento; 13) Dietilestilbestrol (DES) – substância utilizada para prevenir aborto espontâneo. Pode acarretar câncer genital e dificuldades reprodutiva nos filhos; 14) Accutane ou isotretinoína – é uma substância utilizada para combater acne. Pode ocasionar deformidade físicas e retardo mental no bebê. 3.4 – O recém-nascido Todo recém-nascido é uma promessa. Devido à sua completa dependência, deve ser investido de cuidados e amor para que possa sobreviver. Cada experiência por que ele passa com seu cuidador, imprime marcas afetivas no seu corpo e na sua mente que serão fundamentais para a constituição da sua identidade e do seu relacionamento consigo mesmo e com o mundo. No útero, o feto possui experiências sensoriais vestibulares e táteis através do envolvimento constante do líquido amniótico e das paredes do útero. Ao nascimento, o bebê apresenta a necessidade de ser envolvido, abraçado, acariciado. Neste processo de maternagem, a qualidade e a quantidade serão fundamentais para o estado afetivo do bebê e a constituição de sua personalidade. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 31 Mães inseguras, inquietas e ansiosas podem transmitir este estado de tensão para seus bebês prejudicando seu sono, alimentação e humor. Mães calmas tendem a passar para o bebê a segurança que necessitam para (de alguma forma) entenderem que terão suas necessidades básicas satisfeitas. Todos já tiveram experiências (ou conhecem alguém que as teve) de uma mãe nervosa chorando por conta de seu bebê que não parava de chorar e alguém mais calmo (pai, avô ou avó) acolhe a criança, ela acalma e finaliza o choro. O estado de ânimo de quem cuida afeta o estado de ânimo do bebê. Neste ponto está a importânciado vínculo mãe-bebê. Este vínculo é construído desde a formação do feto. A intimidade entre a mãe e seu feto é tão grande e fundamental que ao nascimento, como já foi mencionado anteriormente, a criança tem a preferência pela voz materna. Este vínculo faz com que a mãe consiga entender as necessidades de seu filho, quando ele está com fome, com dor ou necessita de amor e carinho para sentir-se seguro. A ligação da mãe (não necessariamente a mãe biológica, mas quem cuida) com o seu bebê é fundante da subjetividade e da identidade da criança. É através das trocas sensoriais, afetivas, da manipulação do corpo do bebê pela mãe que ele (o bebê) inicia o processo de construção da consciência corporal e de si, pois, inicialmente, ele experimenta o mundo de forma muito vinculada ao corpo da mãe, e ela possui a função de viabilizar (puxar) pelo desenvolvimento de seu bebê. Ao nascimento, o bebê não sabe quem é, onde está, o que fazer, que faz parte de uma família. Ele não tem memória conceitual. Entretanto, nasce com uma série de recursos que são fundamentais para o seu crescimento e desenvolvimento. O recém- nascido apresenta uma série de reflexos primitivos, uma emocionalidade básica e os órgãos sensoriais que são a porta de entrada do meio externo para dentro do corpo. Os reflexos primitivos são movimentos involuntários emitidos diante de determinados estímulos. Podem ser considerados como o equipamento básico do organismo para a sobrevivência e a partir dos quais os outros comportamentos ou movimentos serão aprendidos. Tais reflexos são herança filogenética da espécie humana e possuem vinculação com a possibilidade adequada de desenvolvimento e adaptação, além da possibilidade de verificação de algum problema neurológico ou de outra ordem. Alguns exemplos são: 1) sucção: ato de sugar que é iniciado ao colocar algo na boca ou se a bochecha ou lábios forem estimulados; fundamental para a PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 32 alimentação; 2) marcha automática: quando o bebê é colocado de pé e apoiado em uma superfície, ele inicia o movimento da marcha; indica a existência de lesão (ou não) neurológica ou medular; 3) moro: extensão dos braços para fora e para dentro em resposta a algum ruído ou estímulo que o assuste; 4) Babinski: distensão dos dedos do pé quando a sola é acariciada do calcanhar para os dedos; 5) preensão palmar e plantar: quando algo é colocado em sua mão, ou seu pé é tocado perto dos dedos, os dedos se fecham para segurar. Figura 4 – Os reflexos primitivos Fonte: http://olharfisio.blogspot.com.br/2016/05/reflexos-primitivos.html Figura 5 – O reflexo do Moro Fonte: http://eusoumaisfisio.blogspot.com.br/2014/05/reflexos-primitivos.html Apesar de uma composição inicial de movimentos desorganizados e sem controle, correspondente aos reflexos, aos poucos o bebê começa a dominar seu corpo PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 33 e inicia a emissão de movimentos organizados onde já é possível verificar algumas intensões e vontades. Com relação à emocionalidade do bebê, inicialmente os sentimentos são de prazer ou desprazer (ou desconforto). Prazer ao ser alimentado, acariciado e envelopado pela mãe, de segurança de que suas necessidades básicas serão satisfeitas. E desprazer diante do desequilíbrio corporal em virtude de fome, sono, posição corporal, frio ou calor, dor e doenças. Esta relação entre prazer e desprazer será nomeada como as diversas emoções e a criança aprenderá o que ela está sentindo. Ao nascimento, a criança possui a composição orgânica para sentir as emoções, porém ela aprenderá o que é alegria, tristeza, raiva, repugnância, entre outras, a partir da relação estabelecida com as outras pessoas, principalmente sua mãe. A Teoria do Apego, de John Bowlby, discute a importância da vinculação materna para o crescimento e desenvolvimento saudável do bebê, inclusive o psicossocial. “O apego, vínculo emocional positivo que se desenvolve entre uma criança e determinado indivíduo, é a forma mais importante de desenvolvimento social que ocorre na primeira infância” (FELDMAN, 2015, p.344). A construção do apego é diretamente proporcional à responsividade com que as crianças são cuidadas. Estes primeiros laços são tão importantes que podem gerar impacto durante toda a vida da pessoa. Além disso, Bowlby acreditava que o apego aumenta as chances de sobrevivência da criança, devido à segurança emocional que proporciona (KLEINMAN, 2015). A segurança emocional da criança acontece quando a mãe (ou cuidador) se mostra disponível e atenciosa (o). Segundo Bowlby, o apego possui quatro características importantes: 1. Porto seguro: se uma criança se sentir assustada, ameaçada ou em perigo, o cuidador a conforta, apoia e acalma. 2. Base segura: o cuidador proporciona à criança uma base segura para que ela possa aprender, explorar o mundo e ordenar as coisas por si própria. 3. Manutenção da proximidade: embora a criança possa explorar o mundo, ela ainda tenta ficar perto do cuidador para se manter segura. 4. Angústia de separação: a criança fica irritada, infeliz e angustiada quando separada de seu cuidador (KLEINMAN, 2015, p. 145-146). A base fundamental para a construção do apego entre pais e filhos é o contato e o toque. “Os bebês humanos (...) ficam apegados a pais que são meigos e afetuosos; PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 34 que o embalam, alimentam e afagam” (MYERS, 2012, p.144). O período crítico para a formação do apego é dos 6 meses aos 2 anos de idade. Em uma situação de restrição de contato já realizado ou privação materna (ou com o cuidador), ou caso o apego não seja formado, as consequências podem ser desastrosas gerando até uma psicopatia por falta de afeto (ausência de remorso, incapacidade de construir relações afetivas, agressividade, impulsividade e raiva crônica). Entre os prejuízos acarretados pela falta de afeto e construção do apego, estão incluídos: inteligência diminuída, aumento da agressividade, depressão e delinquência (id. p. 146), insegurança, repetição do modelo parental com os próprios filhos (crianças abusadas podem tornar-se abusadores). Outro equipamento básico do corpo do neonato são os órgãos sensoriais, porta de entrada de estímulos que serão processados pelo cérebro e transformados em esquemas mentais. Inicialmente, os esquemas construídos são sensório-motores e aos poucos (e mediante as experiências que vivencia) estes esquemas tornam-se conceituais, ou seja, a organização do pensamento muda e vai complexificando ao longo da vida infantil. Com relação à visão no recém-nascido, sua acomodação visual fica a uma distância de aproximadamente 17 a 20 centímetros. Ele possui condutas visuais funcionais desde o nascimento, utilizando os olhos para investigar o ambiente, interagir com as pessoas e se comunicar. Sua preferência visual é por figuras arredondadas que parecem com o rosto humano, conseguindo distinguir configurações espaciais, além de apresentarem o início de uma noção de profundidade. No processo de interação e comunicação, imita movimentos e mímicas faciais, como sorriso e caretas. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 35 Figura 6 – Imitação realizada por bebês Fonte: http://slideplayer.com.br/slide/335525/ No que se refere à audição do bebê, ao nascimento ele apresenta mais responsividade à voz humana do que a outros tipos de sons e consegue distinguir sons familiares dos que não o são. Apresentam, inclusive, respostas motoras às falas dos adultos, que representam uma forma de comunicação primordial. Os atos motores dependerão da entonação e melodiada voz do locutor. Este fato ocorre porque o bebê possui memórias auditivas construídas nas últimas semanas de gestação. A capacidade inata do bebê para a percepção de propriedades sonoras das palavras, envolve uma pré-disposição genética (gênese inata) para a aquisição da linguagem. O desenvolvimento do primeiro trimestre pode ser verificado por meio das seguintes características: 1) Controle da cabeça (marco final deste período): interações sociais, seleção de estímulos, aumento da perspectiva do olhar; 2) Respostas sociais: sorriso e imitações intencionais; 3) O bebê não gosta de ficar sozinho; gosta que falem (prefere a fala com movimentação da cabeça do interlocutor) e brinquem com ele; 4) Fixa o olho no olho da mãe e segue-a com o olhar desde muito cedo nesse período; 5) Emite sons e repete, modifica, brinca com eles. Gosta que o adulto imite estes sons, permitindo que ele guie a brincadeira. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 36 De 4 a 6 meses, o bebê já consegue abrir a mão, agarrar e soltar os objetos, resistir quando tentam tirar dele um brinquedo e interagir mais com o interlocutor, buscando tocar seu rosto. O bebê ainda consegue de arrastar pelo chão, sustentar o tronco apoiando-se nos braços e vencendo, cada vez mais a gravidade. Ocorre a descoberta dos pés, que o bebê olha com fascinação e tende a colocá-los na boca. O pai entra em cena e ganha uma atenção destacada, ele aumenta o repertório de balbucios, sorri para o espelho (entretanto ainda não se reconhece no espelho), mas tenta agarrar a imagem. No final deste período o bebê deve se sentar, primeiramente com apoio e depois sem apoio. De 7 a 9 meses, o bebê consegue permanecer sentado e engatinha para explorar o ambiente, abrindo novas e ampliadas perspectivas relacionadas ao ambiente. Ao final do período, algumas crianças já conseguem levantar e andar. Com 8 meses ele começa a estranhar pessoas que não fazem parte de seu cotidiano e tem início a noção de permanência do objeto, fundamental para a construção da identidade. A noção de permanência do objeto significa que a criança entende que mesmo que o objeto não esteja visualmente aparente, ele ainda existe. Entre 10 e 12 meses, as principais conquistas estão vinculadas à linguagem e à marcha. Com relação à questão afetiva, evidencia-se a dialética entre a aquisição de mais autonomia e as necessidades fusionais da criança e a mãe, devido a sua imaturidade funcional. Figura 7 — Marcos do desenvolvimento motor, segundo a escala Denver II Habilidades 50% 90% Revirar-se 3,2 meses 5,4 meses Pegar o chocalho 3,3 meses 3,9 meses Sentar-se sem apoio 5,9 meses 6,8 meses Ficar em pé com apoio 7,2 meses 8,5 meses Agarrar com o indicador e com o polegar 8,2 meses 10,2 meses Ficar de pé de modo seguro 11,5 meses 13,7 meses Caminhar bem 12,3 meses 14,9 meses Construir torres de dois cubos 14,8 meses 20,6 meses Subir degraus 16,6 meses 21,6 meses Pular no mesmo lugar 23,8 meses 2,4 anos Copiar um círculo 3,4 anos 4 anos Fonte: PAPALIA, 2006, p. 178. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 37 3.5 – A Infância e a adolescência Na segunda infância, de 3 a 6 anos de idade, ocorrem grandes mudanças, físicas, cognitivas e sociais. Percebe-se um aumento da autonomia da criança. No desenvolvimento físico, o crescimento é constante, o corpo fica delgado e as proporções tornam-se cada vez mais semelhantes às de um adulto. Ocorre a preferência pelo uso de uma das mãos e as habilidades motoras finas e gerais aumentam (PAPALIA, 2006). Com relação ao desenvolvimento cognitivo, o pensamento é egocêntrico, mas a compreensão do ponto de vista das pessoas aumenta gradativamente. A imaturidade cognitiva leva a algumas ideias ilógicas e fantasiosas sobre o mundo, a memória e a linguagem se aperfeiçoam e a inteligência torna-se mais previsível. Quanto ao desenvolvimento psicossocial, o autoconceito e a compreensão das emoções se tornam mais complexos. Aumentam a independência, a iniciativa, o autocontrole e os cuidados consigo mesmo. Neste período, desenvolve-se a identidade de gênero e a família ainda é o foco da vida social, mas as outras crianças tornam-se mais importantes. Na terceira infância, considerado a etapa que vai de 6 a 11 anos, o desenvolvimento físico caracteriza-se pelo aumento da força e das habilidades atléticas, apesar de o crescimento diminuir. O desenvolvimento cognitivo aponta para uma redução do egocentrismo e o início do pensamento lógico e concreto, em que a criança aprende o conhecimento formal da linguagem e das operações matemáticas. Quanto ao desenvolvimento psicossocial, a personalidade aparece, pois o autoconceito torna-se mais complexo, influenciando a autoestima. Devido à inserção na escola, evidenciam-se, nesta fase, os problemas de aprendizagem e as crianças com necessidades educacionais especiais. Na adolescência, período que vai de 12 a 21 anos, o crescimento físico e outras mudanças são rápidas e profundas. Por conta das mudanças hormonais da puberdade, aparecem os caracteres sexuais secundários, como os pelos, a mudança da voz, os quadris arredondados das meninas, além da maturidade reprodutiva. A identidade e o autoconceito entram em crise e questões comportamentais como transtornos PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 38 alimentares, abuso de drogas, que trazem grandes riscos à saúde, costumam ter início neste período. No que se refere ao conhecimento cognitivo, desenvolve-se a capacidade de pensar em termos abstratos e utilizar o raciocínio científico. Apesar da organização formal do pensamento (pensamento abstrato), ideias e atitudes imaturas persistem em algumas situações e comportamentos. A educação se concentra na preparação para a faculdade ou para a vida profissional. O desenvolvimento psicossocial é muito importante nesta etapa, pois acarreta na transição da infância para a idade adulta. Algumas características específicas são: busca de identidade, incluindo a identidade sexual; forte tendência grupal; afastamento do núcleo familiar, apesar da existência de bom relacionamento com os pais (em geral); em alguns casos pode ocorrer comportamentos antissociais (KNOBEL; ABERASTURY, 1981). 3.6 — O adulto e a terceira idade Na etapa do jovem adulto, 20 a 40 anos, a condição física atinge o seu auge, depois diminui ligeiramente. Tal mudança será muito influenciada pelas escolhas e o estilo de vida que a pessoa levou ao longo dos anos. Uma alimentação saudável e exercícios físicos, possibilitam qualidade de vida por mais tempo e aumentam a longevidade. Com relação ao desenvolvimento cognitivo, as capacidades cognitivas e os julgamentos morais assumem maior complexidade e escolhas educacionais e profissionais são feitas. No desenvolvimento psicossocial, os traços e estilos de personalidade tornam-se relativamente estáveis, mas as mudanças na personalidade podem ser influenciadas pelas etapas e eventos da vida. Ocorre o momento de construção da família e da carreira. A meia-idade, 40 a 65 anos, é o momento em que as escolhas da pessoa tornam-se mais evidentes. Quanto ao desenvolvimento físico, pode ocorrer alguma deterioração das capacidades sensoriais, da saúde, do vigor e da destreza e para as mulheres chega a menopausa. O desenvolvimento cognitivo evidencia o auge da maioria das capacidades mentais, em que perícia e capacidades de resolução de problemas práticos são acentuadas. No trabalho, surge o ápice da carreira, trazendo sucesso e o êxito financeiro, entretanto, para outros podem ocorrer esgotamento total PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 39 ou mudança profissional.No que se refere ao desenvolvimento psicossocial, o senso de identidade continua se desenvolvendo e pode ocorrer uma transição de meia-idade estressante, tendo em vista que a dupla responsabilidade de cuidar dos filhos e dos pais idosos pode causar estresse. A terceira idade, de 65 anos em diante, traz várias mudanças que são o resultado das escolhas feitas ao longo da vida. O desenvolvimento físico da maioria das pessoas é saudável, embora a saúde e as capacidades físicas diminuam um pouco e o tempo de reação seja mais lento e afete alguns aspectos do funcionamento. No desenvolvimento cognitivo, percebe-se que a maioria das pessoas é mentalmente alerta, embora a inteligência e a memória possa se deteriorar em algumas áreas, a maioria das pessoas encontra uma forma de compensação. Quanto ao desenvolvimento psicossocial, a aposentadoria pode oferecer novas opções para a utilização do tempo e as pessoas precisam enfrentar as perdas pessoais e a morte iminente. Os relacionamentos com a família e com os amigos pode oferecer apoio importante e a busca de um significado na vida assume importância central (PAPALIA, 2006). PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 40 TEMA IV – A Teoria Psicanalítica e o desenvolvimento psicossexual Sigmund Freud, médico neurologista e psiquiatra, trouxe um marco fundamental para o entendimento do ser humano a partir da construção da Psicanálise, no século XX. Nascido em meados do século XIX, na Morávia, e falecido no início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, aos 83 anos, o psicanalista, junto a outros médicos de sua época, modificaram o entendimento sobre os transtornos mentais e o tratamento dos sofrimentos psíquicos e afetivos. Freud destronou a razão de seu lugar central para a compreensão do ser humano, e apontou para outra instância psíquica, o ID, como o princípio de toda a vida psíquica e afetiva, e dominante da consciência. Além da sua construção de um modelo psíquico que vigora até os dias atuais, Freud também lançou as bases para pensar o desenvolvimento humano pautado na sexualidade infantil. Segundo a Psicanálise, o desenvolvimento humano culmina na estruturação psíquica do ser humano. Esta estrutura psíquica ou estrutura de personalidade, composta pelo ID, EGO e SUPEREGO, será responsável pela forma como as pessoas entendem o mundo e se relacionam com ele. Com relação ao desenvolvimento, Freud o entende vinculado ao conceito de libido, que significa energia afetiva primordial. Este conceito remete a noção da sexualidade infantil, aspecto controverso da Teoria Freudiana, principalmente pela época em que foi pensado. Entretanto, a noção de sexualidade na psicanálise está para além da sexualidade genital adulta; significa que o organismo humano se desenvolve através da busca do prazer ou da homeostase (equilíbrio). Para a psicanálise, o corpo da criança é um corpo erógeno, ou seja, voltado para o prazer. Dessa forma, o desenvolvimento significa a organização da libido na parte do corpo que estará em evidência no momento e que, portanto, acarretará uma forma específica de relação com o objeto de desejo (ou amor). Esta forma de relação marcará o aparelho psíquico do sujeito de forma estruturante e poderá ser atualizada ao longo de toda a vida posterior do mesmo. Nesse sentido, o desenvolvimento humano em quatro fases: 1) fase oral, de 0 a 2 anos; 2) fase anal, de 2 a 3 anos; 3) fase fálica, de 3 a 6 anos; e 4) fase genital, PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 41 11/12 anos (puberdade) em diante. Entre a fase fálica e a fase genital, a criança atravessa o período de latência, em que a libido não está investida no corpo, mas fora do mesmo. É o momento da aprendizagem formal, descoberta de hobbies, formação dos grupos de amigos, entre outros. OBJETIVOS 1) Identificar noções básicas de psicanálise; 2) Explicar o aparelho psíquico, composto pelas instâncias ID, EGO e SUPEREGO; 3) Descrever o modelo de desenvolvimento psicossexual. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 42 4.1 – Conceitos Básicos de Psicanálise O início da Psicanálise está vinculado à histeria, transtorno psíquico que gerava um sintoma no corpo. Tanto que Freud, devido a seu interesse pela histeria vai estudar com outro médico francês que ganhou notoriedade desenvolvendo o tratamento de pessoas histéricas com a hipnose, Jean Charcot (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981). Para Charcot, “a histeria era uma incapacidade congênita de integração psíquica” (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p.12). Freud usa uma boa imagem parara representar a teoria de Charcot, comparando a histeria a uma mulher sobrecarregada de pacotes, que não lhe cabem nos braços. Um deles cai e, ao abaixar-se para apanhá- lo, outro se precipita. Ou seja, é como se o psiquismo, inatamente frágil, apresentasse uma defasagem na coordenação de suas funções. (ibid.) O nome histeria vem do grego Hyster, ou útero. Tal denominação surge devido a crença de que a histeria estaria vinculada à sexualidade. Seus sintomas apareciam em forma de cegueira, surdez, paralisia, entre outros, sem que houvesse qualquer questão neurológica evidenciada. Nesse sentido, o grupo de médicos que Freud pertencia, entendia que, por conta de algum evento traumático, as pessoas reprimiam na memória este conhecimento e, tal fator, desencadeava os sintomas corporais. Por causa deste processo de “esquecimento”1 do que havia gerado o sofrimento psíquico, iniciou-se a utilização da hipnose2 como método para se chegar ao evento traumático “escondido”, e consequentemente, possibilitar a liberação do sintoma corporal. A ideia era que se o paciente conseguisse lembrar do evento traumático e liberasse o afeto (ou as emoções) reprimidas juto com o trauma o paciente estaria “curado” dos sintomas. 1 Este “esquecimento” é denominado de repressão ou recalque na Psicanálise. 2 A hipnose pode ser entendida como a alteração do estado de consciência, em que o paciente fica mais suscetível à indução dos comandos do psicoterapeuta. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 43 O caso de Ana O. é emblemático para construção da teoria. A paciente iniciou com quadro de paralisia, movimentos oculares inquietos, tosse nervosa e hidrofobia e estados de absence que teve início com o falecimento do pai. Na terapêutica da paciente, foi aplicada a hipnose para que a mesma recordasse o que havia suscitado os sintomas. Os eventos eram relatados durante o estado hipnótico e desapareciam quando ela voltava ao estado normal de consciência (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981). Dessa forma, percebe-se a ocorrência de um evento traumático reprimido, que não faz parte da percepção consciente e que, ao ser recordado em estado alterado de consciência, e guiado por um especialista, permitia a vivência da emoção reprimida. Ou seja, a recordação consciente do trauma, com a correspondente descarga de emoções reprimidas, faz com que os sintomas desapareçam. Este método ficou conhecido como método catártico, e será abandoado posteriormente por Freud, da mesma forma que a hipnose, quando Freud assume como técnica a associação livre. Diante da evidência de que haviam conteúdos que eram esquecidos deliberadamente pelo aparelho psíquico para evitar o sofrimento e que tal processo não estava na ordem da razão ou consciência dos pacientes, Freud estabelece as noções de inconsciente e recalque ou repressão (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981). A teoria de origem da neurose, elaborada por Breuer, baseava-se nos estados de “absence”. Julgava ele que as histéricas
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