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Pedro Página 2 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E Transtornos do Espectro Autista: Estudos Introdutórios Diretos Autorais reservados à UNÍNTESE Pedro Stieler Coordenador Geral Maria Doralina Alves Taís Guareschi Texto Ano de publicação: 2016 EXPEDIENTE Uníntese | UnínteseVirtual Pedro Stieler Diretor Maria Bernardete Bechler Vice Diretora Wilton Dourado Teixeira Gestor Acadêmico Roberto de Oliveira Gestor Administrativo-Financeiro Carmem Regina dos Santos Ferrreira Gestora Comercial e de Marketing Página 3 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E Marcia Doralina Alves1 Taís Guareschi 2 Nesta temática apresentaremos um panorama sobre a forma como foram sendo nomeados e concebidos os Transtornos do Espectro Autista nas últimas décadas. Para isso buscaremos, inicialmente, em classificações oficiais e na política 1 Psicóloga e Educadora Especial. Mestre em Educação pela UFSM/RS e Doutora em Educação pela Unisinos/RS. Professora dos cursos extensão e pós-graduação da Uníntese. 2 Educadora Especial. Mestre em Educação pela UFSM/RS e doutoranda em Educação pela mesma Instituição. Professora dos cursos extensão e pós-graduação da Uníntese. Transtornos do Espectro Autista: Estudos Introdutórios Página 4 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E educacional a forma como são definidos esses transtornos. É importante compreendermos de onde surge a terminologia usada no campo da Educação e a quais quadros psicopatológicos ela se refere. Atualmente, com a publicação da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), pela Associação Americana de Psiquiatria, há somente uma denominação: transtorno do espectro autista, que está descrito dentre os Transtornos do Neurodesenvolvimento. Esse termo é proveniente do discurso médico psiquiátrico e é utilizado para possibilitar a conversa entre os diferentes profissionais, com o objetivo de universalizar os diagnósticos. No entanto, vale lembrar que a terminologia transtornos globais do desenvolvimento e suas categorias seguem sendo utilizadas em políticas da Educação Especial, bem como para o preenchimento das matrículas dos alunos no Censo Escolar. Página 5 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E 1. 1 | O autismo na educação especial Atualmente o debate sobre a inclusão escolar de alunos com transtorno do espectro autista tem ocupado lugar de destaque no campo da Educação Especial. Ao observarmos o número significativo de publicações, formações continuadas, cursos e palestras constatamos que a escolarização desses estudantes, que se apresentam de forma tão singular no universo escolar, tem sido um desafio para os profissionais da educação. No intuito de contribuirmos nessa discussão é importante iniciar por uma incursão no modo como esses alunos foram inscritos, designados e descritos em documentos da Educação Especial desde o ano de 1994. É relevante olhar para o que Página 6 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E esses documentos enunciam, uma vez que possuem ampla circulação e seu discurso reverbera nas escolas. Ademais, é necessário compreender as designações e descrições acerca do autismo nas últimas décadas, bem como teorias/concepções que o campo da Educação tomou como referência para nomear esses alunos. No campo educacional a temática do autismo mereceu maior atenção após a promulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, em janeiro de 2008. Nesse documento delimitou-se como público- alvo a ser atendido pela modalidade de ensino da Educação Especial: alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento, com Deficiência e com Altas Habilidades/Superdotação (BRASIL, 2008b). Dentre os alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento estavam situados os alunos com autismo, síndrome de Asperger, transtornos desintegrativo da infância e síndrome de Rett (BRASIL, 2009b). A partir da publicação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva os dispositivos legais que se seguiram e outros documentos orientadores do Ministério da Educação – MEC passaram a tratar especificamente dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, entre eles o autismo, que, até então, não figuravam nos textos legais e nas demais publicações de forma clara. Página 7 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E Para discorrer sobre as formas como o transtorno do espectro autista foi referido nos últimos anos no campo da Educação Especial começaremos com a apreciação da Política Nacional de Educação Especial, publicada em 1994. Esse documento estabelece “um conjunto de objetivos destinados a garantir o atendimento educacional do alunado portador de necessidades especiais, cujo direito à igualdade de oportunidades nem sempre é respeitado” (BRASIL, 1994, p. 7). Esse documento delimita como alunado da Educação Especial os alunos com deficiência (mental, visual, auditiva, física, múltipla), os alunos com condutas típicas (problemas de conduta) e alunos com altas habilidades (superdotados) (BRASIL, 1994). Nesse universo de alunos da Educação Especial, os estudantes com transtorno do espectro autista 2 | As condutas típicas 2. Página 8 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E figuraram na ampla categoria das “condutas típicas”, definidas pela Política Nacional de Educação Especial como sendo: Manifestações de comportamento típicas de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado (BRASIL, 1994, p. 12-13). Dessa forma, os sujeitos com condutas típicas eram definidos como alunos que possuíam dificuldades de adaptação ao ambiente, evidenciando comportamentos considerados inadequados, como por exemplo, agressividade, alheamento ou hiperatividade. Os estudantes que apresentavam esses comportamentos associados a dificuldades acentuadas de aprendizagem teriam direito ao atendimento da Educação Especial. No volume Dificuldades acentuadas de aprendizagem, relacionadas a condutas típicas, do Projeto Escola Viva, publicado em 2002, a autora elucida que as condutas típicas poderiam ser identificadasquando os comportamentos inadequados ou inconvenientes “[...] forem exibidos como padrão, por um continuado e extenso período de tempo [...]” (ARANHA, 2002, p. 9). Esses comportamentos podem ocasionar prejuízos para o próprio sujeito, para os outros ou nas relações sociais. Conforme as postulações de Aranha (2002) em alguns alunos observamos um padrão comportamental voltado para si próprios, como, por exemplo, automutilação, alheamento, recusa em falar ou manter contato visual. Também há estudantes cujos comportamentos impróprios são voltados para o ambiente exterior, como, por exemplo, agredir, gritar, roubar, mentir. A autora destaca o fato de que geralmente os alunos com condutas típicas não possuem comprometimento ou atraso intelectual, mas que seu desempenho escolar está relacionado Página 9 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E à intensidade e à frequência do padrão comportamental que apresentam. É possível notarmos como o termo condutas típicas era, de fato, bastante amplo. Entre as definições apontadas até o presente percebemos que algumas manifestações se apresentam no transtorno do espectro autista. Assim, ao analisarmos os comportamentos considerados inadequados, pertencentes às condutas típicas, e as manifestações do autismo encontraremos diversas características convergentes, embora a autora não cite o termo autismo. Como exemplo podemos citar o prejuízo no relacionamento social, a recusa em manter contato visual, a recusa em falar ou os gritos. Apesar de algumas dessas manifestações assemelharem-se nos dois quadros (condutas típicas e transtorno do espectro autista) não podemos tomá-las como padrão de comportamento, uma vez que nem todas as pessoas com autismo apresentarão as mesmas manifestações. Aranha (2002) cita as condutas típicas que eram usualmente descritas: distúrbios da atenção, hiperatividade, impulsividade, alheamento e agressividade física e/ou verbal. Dentre elas o alheamento parece referir-se claramente a manifestações do transtorno do espectro autista. Para a autora, no alheamento: Há crianças que se esquivam, ou mesmo se recusam terminantemente a manter contato com outras pessoas, ou com qualquer outro aspecto do ambiente sociocultural no qual se encontram inseridas. [...] em sua manifestação mais severa, encontram-se crianças que não fazem contato com a realidade, parecendo desenvolver e viver em um mundo só seu, à parte da realidade (ARANHA, 2002, p. 14). Facilmente identificamos nessa descrição signos do transtorno do espectro autista, além de representações bastante conhecidas como “viver em um mundo só seu”. No entanto, a categoria “condutas típicas” referia-se a um grande número de Página 10 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E comportamentos que podem estar presentes ou não no autismo e também em outras condições ou impasses vivenciados pelas crianças ou adolescentes. Esse fato dificultou o consenso em sua definição, segundo a própria autora, resultando em seu caráter inespecífico. Um termo tão genérico quanto condutas típicas e sua concepção pode ter obstaculizado o trabalho pedagógico para alunos com autismo. Os autores do Documento Subsidiário à Política de Inclusão, publicado pela Secretaria de Educação Especial do MEC, no ano de 2005, tratam acerca da problemática de se utilizar uma expressão tão ampla quanto condutas típicas. Para Paulon, Freitas e Pinho (2005, p. 17) “sob este rótulo, encontramos comportamentos associados a quadros neurológicos, psicológicos e psiquiátricos complexos e persistentes”. Compartilhamos da ideia dos autores de que o uso do termo condutas típicas gera dois problemas fundamentais: a ênfase na conduta manifesta e a impossibilidade de identificar pontos importantes em cada um dos quadros. Se no trabalho pedagógico a ênfase recai sobre a conduta manifesta, ou seja, os comportamentos considerados inadequados a subjetividade do aluno pode ser esquecida. Assim, se acreditamos que o essencial é modificar os comportamentos impróprios poderemos por produzir uma educação automatizada e sem sentido para esses estudantes. Nessa perspectiva, corremos o risco de reduzir as práticas pedagógicas para os alunos com transtorno do espectro autista a adaptações de comportamentos na escola. O segundo problema sinalizado seria o fato de a terminologia condutas típicas abranger “[...] uma diversidade muito grande de leituras diagnósticas, impossibilitando que sejam discriminados alguns importantes pontos referentes a cada uma delas” (PAULON; FREITAS; PINHO, 2005, p. 17). Na verdade, esse termo possui um caráter inespecífico, abrangendo muitas possibilidades diagnósticas. Entendemos que há diferenças fundamentais em se trabalhar na escola com crianças consideradas hiperativas, por exemplo, e crianças com transtorno do espectro autista. Página 11 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E A partir da promulgação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008b) 3 a forma de nomeação desses alunos no campo da Educação Especial passa a ser Transtornos Globais do Desenvolvimento. A política atual de Educação Especial reafirma o direito de todos os alunos, independentemente de suas necessidades educacionais específicas, frequentarem o ensino regular e no contra turno o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Além disso, esse documento define claramente quais serão os alunos atendidos pela modalidade de ensino da Educação Especial, dentre eles estudantes com 3 Antes da promulgação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva já encontramos publicações da Secretaria de Educação Especial (SEESP) tratando acerca do autismo e não mais de condutas típicas. Temos como exemplo a publicação “Saberes e práticas da inclusão: dificuldades acentuadas de aprendizagem: autismo”, em 2004 (MELLO, 2004). 3 | Os transtornos globais do desenvolvimento Página 12 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E transtornos globais do desenvolvimento, descritos na política da seguinte forma: Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil (BRASIL, 2008b, p. 9). As terminologias e definições utilizadas na Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) basearam-se em referenciais do campo médico. Na verdade, utilizou-se como referência o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 4ª Edição - Texto Revisado, o DSM IV – TR, organizado pela Associação Americana de Psiquiatria - APA, e a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, a CID – 10, publicada pela Organização Mundial da Saúde. A própria terminologia Transtornos Globais do Desenvolvimento possui variações, podendo ser nomeada também por Transtornos Invasivos do Desenvolvimento.Isso porque os termos Transtornos Globais do Desenvolvimento (DSM-IV-TR) e Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (CID-10) são as traduções da expressão, em inglês, Pervasive Developmental Disorders. Assim, o termo Transtornos Globais do Desenvolvimento é uma classificação psiquiátrica do DSM- IV-TR. Nesse manual há a classificação e a descrição fenomenológica das doenças mentais através de concepções neurobiológicas, sendo que os Transtornos Globais do Desenvolvimento são descritos conforme segue: Os Transtornos Globais do Desenvolvimento caracterizam-se por um comprometimento grave e global em diversas áreas do desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, Página 13 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E habilidades de comunicação ou presença de estereotipias de comportamento, interesses e atividades (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2002, p. 98). A definição dos Transtornos Globais do Desenvolvimento apresentada pelo DSM-IV-TR engloba uma tríade de manifestações: alterações na interação social, alterações na comunicação e estereotipas de comportamentos e interesses. É possível observar que a forma como a Política Nacional de Educação Especial expõe a definição desses transtornos é baseada nessa descrição. Além dessa definição, o DSM-IV-TR apresenta as categorias que fazem parte dos Transtornos Globais do Desenvolvimento: Transtorno Autista4, Transtorno de Rett5, o Transtorno Desintegrativo da Infância6, o Transtorno de 4 Caracteriza-se por alterações das capacidades de comunicação e das interações sociais, bem como atividades e interesses restritos e estereotipados. 5 Apresenta um quadro comprovadamente genético que acomete principalmente crianças do sexo feminino. Caracteriza-se pela perda progressiva das funções neurológicas e motoras após um período de desenvolvimento aparentemente normal nos primeiros meses de vida. Asperger 7 e o Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação8 (incluindo o Autismo Atípico). Na CID-10, estão incluídas oito categorias nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: Autismo Infantil, Autismo Atípico, Síndrome de Rett, Outro Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno de hiperatividade associado a retardo mental e movimentos estereotipados, Síndrome de Asperger, Outros Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, não especificado (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1993). Analisando ambos os manuais podemos observar 6 Transtorno raro que surge após um período de desenvolvimento normal, sendo acompanhado de uma regressão das aquisições, especialmente da comunicação e linguagem. 7 Os sujeitos com essa síndrome são considerados autistas de alto nível, sendo que os signos (manifestações) autistas se apresentam de forma mais moderada, mais sutil. 8 Nesse transtorno há prejuízo severo e invasivo no desenvolvimento. Ele evidencia- se como um Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação quando são excluídas as hipóteses de Autismo Infantil, Síndrome de Asperger, Síndrome de Rett e Transtorno Desintegrativo da Infância. Página 14 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E algumas diferenças na classificação e nas terminologias utilizadas. Em relação às categorias dos transtornos globais do desenvolvimento a Política Nacional de Educação especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) elenca apenas três: autismo, síndrome do espectro do autismo e psicose infantil. As duas últimas categorias não constavam em nenhum dos manuais citados. Por sua vez a Resolução CNE/CEB Nº 4/2009, dispositivo normativo que se seguiu à promulgação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, traz a seguinte definição para os alunos com transtornos globais do desenvolvimento: (...) aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação (BRASIL, 2009b). A definição dos transtornos globais do desenvolvimento é alterada em relação à política, sendo acrescidas às manifestações as alterações no desenvolvimento neuropsicomotor e as estereotipias motoras. Em relação às categorias percebemos que são utilizados os cinco quadros descritos no DSM-IV-TR, apesar de diferenças pouco significativas na nomeação. Notamos, ainda, que o termo psicoses aparece em parênteses após a categoria transtorno desintegrativo da infância. Dessa forma, as políticas atuais de Educação Especial baseiam-se no DSM-IV-TR, para nomear e descrever os alunos com transtornos globais do desenvolvimento como seu público-alvo, embora com algumas diferenças na forma de nomeação. Página 15 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E A substituição do DSM-IV-TR por uma nova edição, o DSM-5, aconteceu em maio de 2013. Essa nova edição apresentou mudanças significativas em relação à nomenclatura. Assim, o manual psiquiátrico americano passou a utilizar a terminologia Transtorno do Espectro Autista e suprimiu as cinco categorias que figuravam entre os transtornos globais do desenvolvimento. A síndrome de Rett foi retirada e alocada nos transtornos para diagnóstico diferencial do Transtorno do Espectro Autista. Por sua vez, a síndrome de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação “desaparecem sob o grande guarda-chuva do espectro autístico” (SIBEMBERG, 4 | Os transtornos do espectro autista Página 16 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E 2015, p. 98). Portanto, no DSM-5, há somente uma denominação: Transtorno do Espectro Autista, que está descrito dentre os Transtornos do Neurodesenvolvimento. Segundo o DSM - 5, a criança apresenta os sintomas do transtorno do espectro autista antes de um ano de idade, ou seja, ainda na primeira infância, quando começa apresentar falta de interesse nas relações com o outro. Diferentemente do DSM-IV-TR, que apresentava uma tríade de alterações nos transtornos globais do desenvolvimento, a nova versão do DSM traz uma díade de características do transtorno do espectro do autismo. Essa díade envolve prejuízos importantes e contínuos na comunicação social recíproca e na interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2014). A previsão dessa modificação em relação à nomeação da categoria dos transtornos globais do desenvolvimento no DSM- 5, edição que vinha sendo discutida já em 2012, produziu efeitos nos textos da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que “institui aPolítica Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista” (BRASIL, 2012b), e da Nota Técnica nº 24/2013/MEC/SECADI/DPEE, que orienta os sistemas de ensino para a implementação dessa lei (BRASIL, 2013b). Dessa forma, encontramos nos textos desses documentos a terminologia transtorno do espectro autista para nomear esses alunos. Página 17 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E Para finalizar este estudo apresentaremos as orientações dos Cadernos de Instruções do Censo Escolar – Educacenso, dos anos de 2007 a 2015, quanto às matriculas dos alunos com autismo. O censo escolar é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP e realizado todos os anos em todas as escolas de Educação Básica da rede pública e privada do País. Dentre os dados coletados estão a matrícula dos alunos na modalidade de ensino da Educação Especial. Os Cadernos de Instruções do Censo Escolar – Educacenso são disponibilizados às escolas para orientar o preenchimento. Em relação à Educação Especial, esses cadernos especificam quem são os estudantes que podem ser 5 | A educação especial no censo escolar Página 18 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E matriculados nessa modalidade de ensino e apresentam breves descrições de cada grupo de alunos. Esses cadernos foram disponibilizados a partir de 2007, ano em que o censo passou a ser coletado por meio do Sistema Educacenso (INEP, 2015). A apreciação desses documentos é importante para compreendermos o modo como os alunos com autismo foram designados e descritos nas orientações para o preenchimento do censo escolar. No ano de 2007, antes da promulgação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, dentre os estudantes que poderiam ser matriculados na modalidade de ensino da Educação Especial estavam os com transtornos invasivos do desenvolvimento. Na definição desses transtornos observamos que o termo utilizado é retirado da CID-10, no entanto a definição é praticamente a mesma do termo condutas típicas que consta no texto da Política Nacional de Educação Especial de 1994. Além disso, nenhuma categoria foi especificada nessa definição (BRASIL, 2007). No Caderno de Instruções do Censo Escolar – Educacenso de 2008 a terminologia Transtornos Globais do Desenvolvimento (DSM-IV-TR) passa a ser utilizada. No entanto, a definição segue a mesma do ano anterior e nenhuma categoria é ainda elencada (BRASIL, 2008a). Em 2009, a definição utilizada no caderno para os transtornos globais do desenvolvimento é a mesma da Resolução CNE/CEB Nº 4/2009. Pela primeira vez são relacionadas subcategorias: autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett e transtorno desintegrativo da infância (psicoses). Observamos que a quinta categoria que consta no DSM-IV-TR, o transtorno global do Desenvolvimento sem outra especificação, não se encontra entre os quadros descritos no Educacenso. No restante as categorias são as mesmas que aparecem na Resolução CNE/CEB Nº 4/2009 (BRASIL, 2009a). Por sua vez no ano de 2010 tanto a definição quanto as categorias seguem as mesmas. Porém, surge uma breve descrição de cada categoria (BRASIL, 2010). Página 19 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E No Censo Escolar realizado em 2011 são realizadas duas alterações de nomenclatura nas categorias listadas nos Transtornos Globais do Desenvolvimento. O autismo clássico passa a ser nomeado de autismo infantil e o termo psicose que constava entre parênteses depois da categoria transtorno desintegrativo da infância é retirado. As outras duas categorias, a Síndrome de Rett e a Síndrome de Asperger, seguem com a mesma nomenclatura. Em relação à definição dos transtornos globais do desenvolvimento o texto segue o mesmo. No entanto, a descrição das categorias sofre algumas modificações (BRASIL, 2011). Nos Cadernos de Instruções do Censo Escolar de 2012 e 2013, as as diretrizes não sofrem alterações em relação ao ano de 2011 (BRASIL, 2012a, 2013a). No ano de 2014, o caderno continua apresentando a categoria transtornos globais do desenvolvimento como público- alvo da Educação Especial, com as quatro subcategorias definidas nos anos anteriores. Notamos apenas uma modificação em relação ao termo autismo infantil que passa a ser designado somente por autismo. O documento apresentou alterações na escrita das definições dos transtornos globais do desenvolvimento e das subcategorias elencadas, com exceção da síndrome de Rett. (BRASIL, 2014). Finalmente, no Caderno de Instruções do Censo Escolar de 2015 as categorias seguem as mesmas. Em relação às definições, constatamos apenas que a síndrome de Rett foi descrita de forma mais detalhada (BRASIL, 2015). Por meio da apreciação dos Cadernos de Instruções do Censo Escolar – Educacenso, verificamos as constantes modificações e construções quanto aos termos, às definições e às subcategorias descritas na categoria dos transtornos globais do desenvolvimento. Ressaltamos que, apesar da nova nomenclatura e classificação apresentadas pelo DSM-5 (transtorno do espectro autista) e da adoção dessa terminologia na Nota Técnica nº 24/2013/MEC/SECADI/DPEE, as categorias no Censo Escolar continuam sem alterações. Página 20 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E Essa incursão na história recente da temática do transtorno do espectro autista no campo da Educação Especial brasileira se fez necessária para que possamos visualizar os caminhos que esse conceito vem percorrendo até chegar à definição atual. Através da apreciação de documentos da Educação Especial que versam sobre os alunos com autismo, observamos constantes alterações nas designações desses sujeitos desde 1994. Inicialmente, as políticas públicas nacionais tratavam do autismo de forma pouco clara, utilizando a abrangente categoria das condutas típicas, o que trazia como consequência o 6 | Considerações finais Página 21 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E tangenciamento acerca do trabalho pedagógico com esses alunos. É interessante observar que ao falar de alunos com condutas típicas a ênfase recaía sobre as manifestações comportamentais. Assim, os alunos são agrupados por meio de um traço em comum: apresentam comportamentos inadequados, seja um comportamento agitado, de alheamento ou agressivo. Nesse sentido, acreditamos que as manifestações comportamentais inadequadas tornaram-se o foco do olhar desses documentos da Educação Especial sobre os alunos, o que produz efeitos no olhar do professor e, consequentemente, em sua prática. Em documentos mais recentes (BRASIL, 2008b, 2009b, 2012b, 2013b), percebemos, além de uma ênfase mais específica no autismo, uma continuidade de alterações nas terminologias, classificações e definições. É evidenciado, ainda, como o discurso médico psiquiátrico, dos manuais de classificação, é tomado como referência paradesignar e caracterizar o aluno com autismo. Neste estudo, procuramos examinar a forma como os sujeitos com transtorno do espectro autista foram nomeados e concebidos nos textos. É importante salientar, para finalizar, que os documentos analisados orientam e direcionam as produções de políticas nas instituições escolares, as práticas pedagógicas propostas e as normas e regras estabelecidas. Ademais, possuem uma ampla circulação nas escolas que recebem os alunos com autismo. Página 22 de 23 [ TGD/TEA – Transtornos do Espectro Autista ] U N ÍN T E S E , M.S.F. Projeto Escola ARANHA, M.S.F. Projeto Escola Viva - Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos com necessidades educacionais especiais: Reconhecendo os alunos que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem, relacionadas a condutas típicas. Brasília: MEC/SEESP, 2002, Série 2. ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM-IV-TR: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4.ed.rev. Porto Alegre: Artmed, 2002. ______. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento et al. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. BRASIL. Política Nacional de Educação Especial: livro 1. Brasília: MEC/SEESP, 1994. _______. Censo Escolar 2007- Educacenso: Caderno de Instruções. Brasília: MEC/INEP, 2007. _______. 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