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Brasília-DF. Ensino E PEsquisa Elaboração Deborah Farah Sobrinho Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção ................................................................................................................................. 4 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA .................................................................... 5 introdução.................................................................................................................................... 7 unidAdE ÚniCA EpistEmologia, tEoria E mEtodologia, conhEcimEnto ciEntífico E rEalidadE social ............. 9 CAPítulo 1 EpistEmologia, tEoria E mEtodologia, conhEcimEnto ciEntífico E rEalidadE social .................................................................................................................. 9 CAPítulo 2 objEtividadE E subjEtividadE .............................................................................................. 24 CAPítulo 3 principais corrEntEs tEórico-mEtodológicas pEsquisa. o positivismo, dialética, os EnfoquEs comprEEnsivos, o Estrutural-funcionalismo, o Estruturalismo ............... 29 CAPítulo 4 a pEsquisa Empírica: construção dE instrumEntos. técnicas dE colEta E análisE dE dados: a EnquEtE, a EntrEvista, a biografia, a história dE vida, a obsErvação participantE, intErprEtação E métodos narrativos .............................. 42 rEfErênCiAS .................................................................................................................................. 49 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para refl exão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao fi nal, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fi m de que o aluno faça uma pausa e refl ita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifi que seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As refl exões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, fi lmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. 6 Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fi xação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fi xação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verifi car a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certifi cação. Para (não) fi nalizar Texto integrador, ao fi nal do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 introdução Inicialmente, apresentaremos informações relativas à Epistemologia, também conhecida como Teoria do Conhecimento, a qual se propõe a estudar todos os aspectos que circundam a referida seara, sua estruturação, critérios de validade e métodos utilizados na sua obtenção. A Teoria e a Metodologia também terão seus conceitos esclarecidos e serão diferenciadas, ao mesmo tempo, será demonstrada a relação existente entre estes elementos integradores da pesquisa. Reflexões são construídas em torno do conhecimento científico e realidade social, demonstrando como cada um se desenvolve e em que ponto estes se interligam e se relacionam, assim, como as consequências e efeitos que um pode gerar sobre o outro. Será demonstrada a importância do estudo das correntes teórico-metodológicas, sendo explicitadas as características específicas de cada uma e seus precursores. Abordaremos, ainda, a questão da pesquisa empírica, explicando como ocorre a construção de instrumentos das investigações científicas, deixando assente como a pesquisa se desenvolve a partir deste momento. Outro assunto que será objeto de estudo serão as técnicas de coleta de dados, sendo especificada cada uma em concreto, como também, a análise e interpretação de dados será objeto de aprendizagem na presente disciplina. objetivos » Levantar aspectos relevantes acerca da epistemologia, teoria e metodologia, conhecimento científico e realidade social. » Analisar os temas referentes à objetividade e subjetividade. » Conhecer noções sobre as principais correntes teórico-metodológicas. » Reflexões preliminares sobre o positivismo, dialética, os enfoques compreensivos, o estrutural-funcionalismo, o estruturalismo. 8 9 unidAdE ÚniCA EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl CAPítulo 1 Epistemologia, teoria e metodologia, conhecimento científico e realidade social Epistemologia Epistemologia é um termo de origem grega e que seria a junção de “conhecimento”; e “teoria”. Trata-se de um ramo filosófico que aborda e discute a denominada “teoria do conhecimento”. A discussão na teoria do conhecimento busca se afastar do senso comum, que muitas vezes se apresenta como um conhecimento falso, pois não é construído de forma adequada tornando-se dotado de inconsistências, demonstrando ainda que é circundado de visões parciais, havendo íntima relação com a subjetividade. O conhecimento ou a episteme advinda da construção da teoria do conhecimento se importaria com a verdade e não percepções dotadas de parcialidade.Esta nomenclatura foi pensada primeiramente por filósofos alemães e o conhecimento diz respeito à relação entre o “conhecedor” e o “objeto de conhecimento” e como alguns elementos deste processo podem ser citados a consciência, a intuição e a descoberta. A consciência se reflete na vontade de estabelecer a relação com determinado objeto e a intuição que pode se desenvolver por meio de sentidos individuais ou por meio da apreensão intelectual. O conhecimento de viés discursivo se forma por meio de um processo que envolve a elaboração de definições classificados em etapas a partir de juízos e ideias formuladas que ensejam a chegada a uma conclusão. 10 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl A busca pela verdade acompanha todo o processo de conhecimento, entretanto, há que se alertar que a verdade não corresponde em certas circunstâncias à realidade, afinal o conteúdo de um não significa automaticamente o do outro. A noção de realidade, da existência real de um objeto não perpassa por um juízo de valor e sim por uma constatação, já a afirmativa sobre algo ser verdadeiro ou falso baseia-se em uma análise de valor. figura 1. círculo da verdade. fonte: <http://nepo.com.br/2013/09/24/o-detalhamento-do-processamento-da-producao-da-verdade/> Nas concepções contemporâneas, a verdade é um dos elementos fundamentais para deferir força aos argumentos apresentados, assim, a existência de contradições seria inapropriada neste processo, a ênfase recai sobre a lógica. Algumas correntes teóricas debatem a questão do conhecimento e sua validade, as três dotadas de maior visibilidade seriam o dogmatismo, o ceticismo e o pragmatismo. Observem os quadros explicativos a seguir: figura 2. fonte: <http://filosofia-conhecimento.webnode.pt/o-racionalismo-dogmatico-de-descartes/dogmatismo/> 11 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA figura 3. teoria do conhecimento. fonte: <http://slideplayer.com.br/slide/1221014/> Após compreender o conceito de epistemologia e observar que o conhecimento é a sua estrutura basilar pode ser esta definida como “função ou ato psíquico que tem por efeito tornar um objeto presente aos sentidos ou à inteligência”1 (LALANDRE, 1999, p. 172), ou como afirma outro doutrinador, significaria “(...) trazer para o sujeito algo que se põe como objeto, não toda a realidade em si mesmo, mas a sua representação ou imagem, tal como o sujeito a constrói, e na medida das “formas de apreensão” do sujeito correspondente às peculiaridades objetivas.2 (REALE, 1962, p. 48) Ainda visando explicar de que forma poderia ser adquirido o conhecimento é possível citar duas correntes - os racionalistas e os empiristas – com seus adeptos mais famosos como se pode vislumbrar a seguir. figura 4. fonte: <http://eniac.fmrp.usp.br:8080/servlet/sbreadresourceservlet?rid=1127869043000_1072340522_1610&partname=htmltext> 1 LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 2 REALE, M. Filosofia do direito. São Paulo:Saraiva, 1962. 12 UNIDADE ÚNICA │ EpIstEmologIA, tEorIA E mEtoDologIA, CoNhECImENto CIENtífICo E rEAlIDADE soCIAl teoria e metodologia As teorias buscam sempre fornecer respostas às perguntas realizadas ou questões suscitadas pela filosofia. É relevante não só compreender a importância das teorias, mas que elas se relacionam aderindo a outras ou contrapondo-se. figura 5. fonte: <http://nepo.com.br/wp-content/uploads/2012/03/tripe_projetos.jpg> O que são, e como as teorias científicas se relacionam e representam a verdade do mundo? Como um termo teórico conduz seu significado e como está relacionado com a observação? Qual a estrutura e o conteúdo de conceitos como: causalidade, explicação, confirmação, teoria, experimento, modelo, redução e probabilidade? Quais regras, se existirem, governam a mudança teórica na ciência? Qual é a função dos experimentos? Qual o papel que os valores, epistêmico e pragmático jogam nas decisões científicas e como eles se relacionam com fatores e gêneros sociais e culturais? (PSILLOS; CURD, 2008, p. XVIII. Ênfase nossa. Tradução Livre).3 figura 6. Conceitos Relações Definições TEORIA Proposições FENÔMENO FENÔMENO = apectos da realidade que podem ser percebidos ou vivenciados. fonte: <http://www.ebah.com.br/content/abaaabd9gab/teorias-enfermagem> 3 PSILLOS, S; CURD, M. Introduction. IN: The Routledge Companion To Philosophy Of Science, Cap. 1. New York: Routledge Philosophy Companions, 2008 13 EpistEmologia, tEoria E mEtodologia, conhEcimEnto ciEntífico E rEalidadE social │ UnidadE Única figura 7. recorte do modelo de avaliação de teoria de meleis. fonte: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0080-62342004000300005&script=sci_arttext> No que tange a constituição da ciência é importante esclarecer que: A estrutura formal de uma ciência, precisamente compreende estes quatro níveis: o epistemológico, o teórico, o metodológico e o técnico. Cada um deles tem uma autonomia relativa no sistema científico, embora sejam níveis somente se aceitamos a totalidade.(...) A aceitação da totalidade científica nos quatro níveis antes indicados conduz a aceitação da noção de processo de produção do conhecimento e, por outra parte, conduzirá a concepção da realidade como realidade concreta constituída por múltiplos sistemas dotados de especificidade.4 (LADRÓN de GUEVARA, 1979, p.103) Há certo equívoco quando se propõe que a “Teoria” e a “Metodologia” seriam equivalentes ou se corresponderiam dentro do cenário da pesquisa ou ensino. A teoria teria um viés mais abstrato, de formulações e já a metodologia teria um aspecto mais concreto permeado por técnicas, o problema se insere pois tal diferenciação é melhor percebida no âmbito das ciências exatas e não nas humanas tendo em vista que estes aspectos inerentes a cada uma não é tão demarcado, definido. A teoria visa obter ou formular compreensões sobre algumas situações ou fenômenos, se incumbe da formulação de definições e conceitos para apresentar uma percepção acerca da realidade observada. Cabe ainda asseverar que as teorias criam generalizações ainda que recaiam sobre um objeto específico, já no caso da metodologia relaciona-se a ideia de como utilizar os dados, a forma de retirar destes o que se deseja e por qual meio este processo ocorreria dentro da seara do assunto em estudo. 4 LADRON DE GUEVARA, Lauriano, Lógica de la Investigación Social y Problema de Dise±o, in ROA SUAREZ, Hernando, La Investigación Científica en Colombia, Hoy, Bogotá: Guadalupe, 1979, 95-104. 14 UNIDADE ÚNICA │ EpIstEmologIA, tEorIA E mEtoDologIA, CoNhECImENto CIENtífICo E rEAlIDADE soCIAl Ainda tratando do método e da metodologia, cabe explicitar o posicionamento de Minayo e Minayo-Gómez (2003, p.118) que pode nos fazer refletir: 1. Não há nenhum método melhor do que o outro, o método, “caminho do pensamento”, ou seja, o bom método será sempre aquele capaz de conduzir o investigador a alcançar as respostas para suas perguntas, ou dizendo de outra forma, a desenvolver seu objeto, explicá-lo ou compreendê-lo, dependendo de sua proposta (adequação do método ao problema de pesquisa). 2. Os números (uma das formas explicativas da realidade) são uma linguagem, assim como as categorias empíricas na abordagem qualitativa o são e cada abordagem pode ter seu espaço específico e adequado. 3. Entendendo que a questão central da cientificidade de cada uma delas é de outra ordem [...] a qualidade, tanto quantitativa quanto qualitativa depende da pertinência, relevância e uso adequado de todos os instrumentos.5 4. Realizam atividades concretas visando à solução almejada para determinadacircunstância, é uma atuação mais ativa que a praticada na teoria, sendo esta a forma de demonstração de um pensamento e a metodologia o modo de realizar este mais concretamente. O obscurantismo abraça a ideia de que, a menos que os resultados sejam fáceis e os métodos infalíveis, devemos parar com qualquer investigação racional – e talvez aceitar autoridade religiosa e a tradição em seu lugar. Este tipo de visão é uma profecia que se autorrealiza. Se pararmos de tentar buscar a verdade sobre algo, porque os resultados não são fáceis e os métodos são desconhecidos, nunca iremos criar métodos capazes de produzir resultados. Cientistas foram vítimas deste tipo de atitude no século XVII, quando poucas pessoas acreditavam que medição cuidadosa, experimentação e modelação matemática poderiam acarretar resultados sólidos sobre a realidade. Se tivessem parado ali, não teríamos a ciência moderna em lugar algum. Se os Filósofos tivessem interrompido as discussões entre si sobre a natureza dos átomos, ou se realmente são átomos (no século V a. C.), provavelmente nunca desenvolveriam métodos adequados para evidenciar se existem os átomos. É equivocado afirmar que devemos propor métodos confiáveis de investigação antes que possamos formular questões relevantes. Perguntas difíceis e enigmáticas são as que conduzem à criação de novos métodos de investigação. Interrompa a formulação de tais questões e você interrompe a criação desses métodos de pesquisa. (MURCHO, 2006, pp. 53-54)6 5 MINAYO, M. C. S.; MINAYO-GOMÉZ, C. Difíceis e possíveis relações entre métodos quantitativos e qualitativos nos estudos de problemas de saúde. In: GOLDENBERG, P.; MARSIGLIA, R. M. G.; GOMES, M. H. A. (Orgs.). O clássico e o novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. pp.117-42. 6 MURCHO, D. Does science need philosophy? Revista Eletrônica Informação e Cognição, Marília, v. 5, n. 2, 2006. Disponível em: <http://www.portalppgci.marilia.unesp.br/reic/include/getdoc.php?id=182&article=49&mode=pdf%3E> 15 EpistEmologia, tEoria E mEtodologia, conhEcimEnto ciEntífico E rEalidadE social │ UnidadE Única Os cientistas têm, às vezes, que conceber métodos novos de investigação porque enfrentam problemas que os fazem repensar os fundamentos da teoria. Uma familiaridade apropriada com a Filosofia pode lhes conceder certa vantagem porque este é precisamente o que nós fazemos na filosofia: insistimos em pensar racionalmente mesmo quando não há nenhum método conhecido à disposição para pensar racionalmente sobre um dado problema particular. Ao agirmos assim, nós inspiramos cientistas a pensar de forma original e criativa e criar novos métodos racionais de investigação. Nós mapeamos o território possível, por assim dizer, antes que qualquer um possa realmente vir a ele e verificar. Muitos dos resultados científicos atuais eram enigmas filosóficos séculos atrás e é difícil crer que toda a ciência realmente inovadora possa ser feita se nos recusarmos a encarar os enigmas filosóficos baseando-nos no fato de que esses enigmas não são científicos, que não são problemas bem-comportados. (MURCHO, 2006, p. 54)7 figura 8. fonte: <http://www.ebah.com.br/content/abaaabqlqal/metodologia-pesquisa-cientifica?part=2> Ludke (1992, p. 37) trata da questão do método e da metodologia e ressalta que é preciso buscar o que este denomina de um “caminho feliz”: Inspirando-me na raiz grega do termo método, que evoca caminho, e atentando para a evolução da própria concepção de metodologia, que hoje se preocupa muito mais com o percurso que levará o pesquisador à construção do conhecimento do seu objeto de estudo, do que com as regras que ele deverá seguir, gostaria de compartilhar com os colegas as lições de um caminho feliz.8 7 MURCHO, D. Does science need philosophy? Revista Eletrônica Informação e Cognição, Marília, v. 5, n. 2, 2006. Disponível em: <http://www.portalppgci.marilia.unesp.br/reic/include/getdoc.php?id=182&article=49&mode=pdf%3E> 8 LUDKE, M. Aprendendo o caminho da pesquisa. In: FAZENDA, I. (Org.) Novos enfoques da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1992. 16 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl Conhecimento científico e realidade social Neste ínterim, é relevante obter um melhor entendimento acerca do conhecimento científi co e de sua interação com a realidade social que o cerca, se interagem e de que forma isto ocorre. figura 9. o sistema ciência-sociedade. fonte: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s1413-24782007000300007&script=sci_arttext> figura 10. método científico (esboço). fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/teoria> 17 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA O conhecimento é indispensável ao indivíduo e a sua formação coletiva, e assim, a relação entre ambos existe, sendo dotada de complexidades, em que um é dependente e formador do outro: todo conhecimento torna-se, devido à necessária vinculação do meio ao indivíduo que pertence ao próprio meio, um autoconhecimento. Essa interação faz-se cogente pela gênese unívoca entre os muitos integrantes do mundo da vida, sem olvidar que o homem é um desses integrantes. [...] Ocorre, deste modo, um acoplamento estrutural entre o sistema nervoso do observador e o meio, proporcionando, assim, uma mútua transformação/adaptação. O ser é modificado pelo meio ao qual o próprio ser pertence e modifica. (2007, p. 97)9 O que diferencia o conhecimento científico das concepções do senso comum seria a forma como o conhecimento é constituído. figura 11. fonte: <http://mpcdrielerodrigues.blogspot.com.br/> 9 TRINDADE, André. Os direitos fundamentais em uma perspectiva autopoiética. Porto Alegre: Livraria dos Advogados. 2007. 18 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl O conhecimento científico é produzido pela investigação científica, por meio de seus métodos. Resultante do aprimoramento do senso comum, o conhecimento científico tem sua origem nos seus procedimentos de verificação baseados na metodologia científica. É um conhecimento objetivo, metódico, passível de demonstração e comprovação. O método científico permite a elaboração conceitual da realidade que se deseja verdadeira e impessoal, passível de ser submetida a testes de falseabilidade. Contudo, o conhecimento científico apresenta um caráter provisório, uma vez que pode ser continuamente testado, enriquecido e reformulado. Para que tal possa acontecer, deve ser de domínio público.10 Fonseca (2002, p. 11) Assim, pode-se assentar que “A realidade é interpretada não mediante a redução a algo diverso de si mesma, mas explicando-a com base na própria realidade, mediante o desenvolvimento e a ilustração das suas fases, dos momentos do seu movimento” (KOSIK, 1976, p.29).11 Leia trechos abaixo do texto “Epistemologia e metodologia, notas sobre a Cooperação para o Desenvolvimento”, do autor Eduardo Sarmento da Coleção Documentos de Trabalho no 83, no qual apresenta aspectos relevantes acerca da epistemologia como sua origem, paradigma e problemas, após a leitura, apresente sua percepção sobre o objeto de estudo. Epistemologia e metodologia, notas sobre a cooperação para o desenvolvimento O nascimento da sociologia do conhecimento o termo “sociologia do conhecimento” surgiu na década de 1920, na Alemanha com Max Scheler num determinado contexto filosófico (o autor era filósofo) e numa determinada situação da história alemã. Este fato fez com que inicialmente os outros sociólogos europeus encarassem na altura esta disciplina como uma especialidade periférica. A agravar este fato, alguns autores consideravamque a sociologia do conhecimento padecia de uma constelação de problemas, o que lhe causava uma considerável fraqueza teórica (BERGER, 1966). Apesar de historicamente terem sido apresentadas inúmeras definições é geralmente aceite que a sociologia do conhecimento centra a sua atenção nas relações entre o pensamento humano e o contexto social no qual ela surge. No entanto, as dificuldades teóricas são semelhantes às que surgiram quando outros fatores (históricos, psicológicos, biológicos etc.) foram propostos com o valor de determinantes do pensamento humano (BERGER, 1966). Os acontecimentos intelectuais imediatos da sociologia provêm de três criações do pensamento alemão do século XIX: o pensamento marxista, o nietzscheano e 10 FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. Apostila. 11 KOSIK, Karel, Dialética do Concreto, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. 19 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA o historicista. A partir da “invenção” de Scheler da sociologia do conhecimento assistiu-se a um enorme debate sobre a validade, âmbito e aplicabilidade desta nova disciplina que transpôs fronteiras e chegou a Karl Mannheim, o que é o mesmo que dizer, ao mundo de língua inglesa. Com este autor, a sociologia do conhecimento tornou-se verdadeiramente um método positivo de estudo das várias facetas do pensamento humano. Depois deste breve enquadramento, é útil estruturar de uma forma mais ou menos aleatória algumas perspectivas diferentes e que ajudarão a melhor delimitar e compreender o conceito de epistemologia. De acordo com Piaget (1967), a epistemologia consiste na constituição dos conhecimentos legítimos, isto é, no estudo da passagem de uma etapa com menos conhecimentos para outra com mais conhecimentos. Piaget defendeu que a epistemologia deve ser encarada não só como uma filosofia da ciência, mas também como uma mudança de paradigmas em que se utilizará uma abordagem hermenêutica do sentido e não apenas o método indutivo, dedutivo ou dialético (POPPER, 1977). Para Fichant (1969), a epistemologia é entendida como a teoria da produção específica dos conceitos e da formação das teorias de cada ciência. Balibar (1974) definiu epistemologia como o estudo das condições de possibilidades de produção dos conhecimentos científicos. Bartley (1990) propõe uma concepção de epistemologia que pode ser encarada como um complemento do conhecimento. Na sua acepção, a epistemologia estará mais preocupada com o conteúdo das ideias, com a sua força potencial e, no fundo, com o estudo do crescimento do conhecimento, enquanto que a sociologia do conhecimento – que muitas vezes pretende ser a cadeira teórica da história intelectual – está mais interessada com a aceitação das ideias e com a descrição das estruturações sociais correntes do que com o poder atual. De acordo com Dancy (1995), a epistemologia é o estudo do direito às crenças que as pessoas têm. Isto genericamente pressupõe que o ponto de partida seja as denominadas “posturas cognitivas” que poderão assumir diversas dimensões. Assim, tanto devem incluir as crenças quanto ao conhecimento (o que pensamos ser) como as atitudes relativamente às várias estratégias e métodos que se podem utilizar para adquirir novas crenças e abandonar as antigas. Neste contexto, a epistemologia é algo normativo, na medida em que trata de saber se se agiu corretamente ao formar as crenças que temos ou ao manter determinadas posturas (de forma responsável ou irresponsável). A investigação nesta área não deve obviamente limitar-se à reflexão sobre as crenças e as estratégias iniciais. Deve questionar a existência de outras que seriam convenientes ter e se não existem outras que deveríamos ter. Por sua vez, Cetina (1999) focaliza a sua atenção no que designou de culturas epistémicas e que podem ser genericamente entendidas como “culturas que criam e garantem conhecimento”. 20 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl Neste sentido, pode-se então concluir que a epistemologia pode ser estruturada a partir de três principais modos de delineamento do seu estatuto disciplinar, a saber (POMBO, s/d): 1. Epistemologia enquanto ramo da filosofia – no prolongamento da reflexão gnoseológica e metodológica, a epistemologia pode ser compreendida como uma reflexão filosófica sobre o conhecimento científico, constituindo pois uma área de excelência para a intervenção dos filósofos. 2. Epistemologia como atividade emergente da própria atividade científica – a epistemologia é aqui considerada como uma tarefa que só o cientista poderá concretizar, analisando e refletindo sobre a sua própria atividade científica, explicitando as suas regras de funcionamento, o seu modo próprio de conhecer. Neste contexto, o cientista como que ultrapassa o seu papel assumindo o papel de filósofo. 3. Epistemologia como disciplina autônoma – a epistemologia pode ser considerada como uma investigação meta científica, uma “ciência da ciência”, disciplina de segundo grau constituindo domínio de epistemólogos e apresentando o seu próprio objeto e o seu próprio método. Paradigma da sociologia do conhecimento Merton (1973) apresentou um novo conceito ligado ao que apelidou de paradigma da sociologia do conhecimento. Ele pode ser estruturado a partir de cinco linhas mestras. Em primeiro lugar, o autor refere que a base existente das produções mentais se pode localizar em duas áreas: I. as bases sociais; II. as bases culturais. Em segundo lugar, o autor afirma que as produções mentais que estão a ser sociologicamente analisadas provêm: I. das esferas morais, das crenças, das ideologias, das ideias, das normas sociais; II. analisam diversos aspectos. O terceiro paradigma prende-se com a forma de relacionamento entre as produções mentais e a base existencial. Podem assumir duas formas: I. relações casuais ou funcionais; II. relações simbólicas ou reais. 21 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA Em quarto lugar, aparece a tentativa de se perceber a razão de existir uma relação. Finalmente, o último ponto do paradigma tem que haver com a preocupação em se explicar quando é que existe uma convergência entre as relações da base existente e do conhecimento. Com base neste paradigma pode-se então estruturar os principais eixos de leituras: Marx, Scheler, Mannheim, Durkheim e Sorokin. Problemas da epistemologia perante a reflexão avançada na secção anterior e a variedade de possibilidades de análise e de autores envolvidos, facilmente se antecipa a possibilidade de existência de divergência de pontos de vista bem como da existência de constrangimentos que condicionarão o sentido de uma determinada teoria do conhecimento. Nesta secção, pretende-se analisar mais pormenorizadamente alguns dos principais problemas com que a epistemologia se depara. Podemos então tipificar alguns dos principais tipos de problemas: O problema da conflitualidade das Ciências Sociais. Um problema levantado pelas várias ciências sociais, ou em última instância no âmbito de uma mesma, decorre do fato de, por vezes, perante um determinado objeto real ser possível construir objetos científicos distintos (NUNES, 1980). É evidente que vários fatores concorrem para esta situação. Em primeiro lugar, podemos destacar através das palavras de Sedas Nunes (1980) o estado de subdesenvolvimento científico patente nas ciências sociais que ainda perdura nos nossos dias. Por outro lado, o fato das sociedades serem estruturalmente diferentes condicionam as orientações teóricas das várias ciências. Outro ponto fundamental prende-se com a dialética daprodução teórica, na medida em que qualquer avanço que se verifique numa ciência ou numa teoria tem de partir do conteúdo e dos conceitos então disponíveis e pré-existentes. Em quarto lugar, deparamo-nos com algumas limitações teóricas da produção científica como consequência de num universo conceptual limitado, as rupturas que permitem o progresso das ciências sociais serem particularmente difíceis de atingir. Finalmente, existem as limitações teóricas da produção científica inerentes a uma qualquer classe social como acontece com o conceito apresentado por Goldmann (1971) de “máximo de consciência possível”. Segundo o autor, as construções sociais da realidade variam de acordo com as posições que as pessoas ocupam na estrutura social, o que se traduz no fato de uma determinada realidade (aparente) da sociedade poder ser subjetivamente diferente para cada grupo. De fato, é mais ou menos consensual que potencialmente existe uma identificação dos investigadores com os grupos melhores posicionados nas hierarquias do poder. Consequentemente, na sequência desta limitação Sedas Nunes (1980) salienta a necessidade de objetividade, enviezamento e desconhecimento na produção científica vinculada à “consciência” das classes dominantes. O problema da uniformidade no conflito sociológico. Podem-se apresentar três ordens de argumentos. Primeiro, os 22 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl relatórios elaborados sobre a sociologia nacional centralizam-se, como é expectável e natural, nos tipos de trabalho dominante em cada país. Este fato exige que quando se pretender comparar diferentes sociologias naturais, se tenha de considerar a forma como a organização social da vida intelectual afeta os resultados sociológicos de cada país. Segundo, tendo em atenção que as controvérsias existentes são de carácter público, este tipo de discussão pode acabar por tornar-se mais numa batalha de estatuto do que uma procura da verdade, o que se não for devidamente salvaguardado, pode conduzir ao aparecimento de estereótipos ou de conclusões especulativas. Desta forma, os investigadores de cada “facção” desenvolverão percepções seletivas sobre os trabalhos dos outros. Nestas controvérsias polarizadas, normalmente existe pouco espaço para a intervenção de uma terceira entidade independente que possa converter o conflito social em crítica intelectual. Finalmente, encontra-se a inconsistência do inquérito científico, pois é dificilmente perceptível, por exemplo, qual será uma ótima afetação de recursos neste campo (MERTON, 1973). O problema da autorregularão e do progresso. Quando se está integrado num processo de análise de fatos sociais, qualquer estruturação que se efetue pressupõe a tendência para incorporar no seu equilíbrio um processo oposto e complementar. Todavia, esta tendência para o equilíbrio pode deixar mais tarde ou mais cedo de constituir a resposta ótima para a necessidade de encontrar um equilíbrio significativo entre o sujeito coletivo e o seu meio ambiente. O problema da sociologia abstrata ou formal versus a sociologia concreta. Outro ponto de clivagem decorre da referência sobre os perigos da sociologia “meramente” formal. Para alguns, a sociologia formal é apenas um epíteto individual atribuída aos “defensores da ordem estabelecida” que expressamente secundarizam a mudança social e negam a existência de uniformidades na mudança social. Para outros, a sociologia concreta é encarada como tendo alguma utilidade, mas pagando o preço de abdicar da procura das regularidades sociais que presumivelmente ocorrerão em culturas das mais diferentes épocas (MERTON, 1973). o problema analítico Esta limitação relaciona-se com a tentativa de dar uma explicação ou definir o conceito, de forma mais precisa possível sobre, o que se deve entender por “conhecimento” de uma forma geral ou conseguir desmontar sincrónica e diacronicamente o objeto de estudo (WILLIAMS, 2001; DANCY, 1995). Os dados da experiência imediata estão por norma, descontextualizados, o que significa que estão separados da sua essência. Só através de um processo de estruturação de um novo equilíbrio poderão ser julgados quanto ao seu objetivo e à sua importância no conjunto. Assim sendo, o passo inicial de um trabalho, deve consistir na desmontagem do objeto do seu estudo, o que significa a 23 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA descoberta de uma totalidade que viabilize que se atinja o significado objetivo de uma parte significativa dos fatos empíricos que se pretende estudar bem como das suas transformações (GOLDMANN, 1984). o problema da demarcação Este problema pode ser dividido em dois subproblemas. Primeiro, o problema “externo”. Supondo-se que se sabe de algum modo o que é o conhecimento, pergunta- se se será possível determinar à partida as coisas que se podem esperar conhecer. Ou como se refere amiúde, será possível definir o âmbito e os limites do conhecimento humano? Será que há assuntos acerca dos quais podemos ter conhecimento, enquanto há outros acerca dos quais não podemos ter mais do que uma opinião (ou fé)? Será que há uma quantidade significativa de formas de discurso que ficam simultaneamente fora do domínio do “factual” ou do que “tem sentido”? Concluindo, o objetivo que se pretende atingir é conseguir delimitar uma fronteira que permita distinguir a província do conhecimento de outros domínios cognitivos. Em segundo lugar temos o problema “interno” que questiona a existência de fronteiras significativas no interior do domínio do conhecimento. Por exemplo, muitos filósofos têm defendido que há uma distinção fundamental entre o conhecimento a posteriori ou “empírico” e o conhecimento a priori ou “não empírico”. O conhecimento empírico depende (de uma forma ou de outra) da experiência ou observação, ao passo que o conhecimento a priori é independente da experiência, fornecendo a matemática o exemplo mais claro. Contudo, outros filósofos negam que se possa fazer tal distinção. Ainda no âmbito desta discussão, podemos reforçar o fato do pensamento dialético não conseguir dissociar o sujeito do objeto, o que significa que sem se cair na unilateralidade do idealismo que reduz o objeto do sujeito, ou do materialismo que reduz o sujeito ao estatuto de objeto, deve-se verificar que a dualidade sujeito - objeto só pode ser concebida e pensada de uma maneira válida desde que se consiga integrá-los numa estrutura de conjunto, caracterizada – e é nisto que reside a dificuldade de formulação de qualquer pensamento dialético - pelo fato de não poder constituir objeto de pensamento adequado nem objeto de ação (GOLDMANN, 1984). o problema do método Relaciona-se com o modo como obtém ou se procura o conhecimento. Neste âmbito, podem-se sistematizar três categorias de sub-problemas. A primeira categoria está associada ao problema da “unidade”. No fundo, pretende-se saber se existe apenas uma forma para adquirir conhecimento, ou há várias, dependendo do tipo de conhecimento em questão. 24 CAPítulo 2 objetividade e subjetividade Adentrando o tema da objetividade e subjetividade no âmbito da pesquisa, inúmeros questionamentos surgem como: o que significa uma e outra expressão?; Qual a relação entre estes?; São totalmente distantes e sem interação?; Seria possível uma pesquisa dotada dos dois elementos ou poderia esta ser dotada exclusivamente de cada um? Segundo Rorty, as expressões poderiam ser esclarecidas da seguinte forma: “Objetividade” (...) era uma propriedade de teorias que tendo sido exaustivamente discutidas, são escolhidas por consenso entre argumentantes racionais. Por contraste, uma consideração “subjetiva” éuma que foi, ou seria, ou deveria ser posta de lado por argumentantes racionais – uma que é vista como sendo, ou deveria ser vista 7 como sendo irrelevante ao assunto tema da teoria. Dizer que alguém está introduzindo considerações “subjetivas” numa discussão onde se deseja a objetividade é dizer, mais ou menos, que está introduzindo considerações que os outros consideram irrelevantes. (RORTY, 1994, p. 333)12 Há outra definição no que tange a objetividade que de certa forma reafirma o ressaltado pelo autor anterior, alia o conceito a questão da tradição crítica de dogmas aceitos como dominantes em certas circunstâncias de tempo e lugar: O que pode ser descrito como objetividade científica é baseado unicamente sobre uma tradição crítica que, a despeito da resistência, frequentemente torna possível criticar um dogma dominante. A fim de colocá-lo sob outro prisma, a objetividade da ciência não é uma matéria dos cientistas individuais, porém, mais propriamente, o resultado social de sua crítica recíproca, da divisão hostil-amistosa de trabalho entre cientistas, ou sua cooperação e também sua competição. Pois esta razão depende, em parte, de um número de circunstâncias sociais e políticas que fazem possível a crítica. (POPPER, 1978, p. 23)13 O foco, o elemento que sustenta a ideia da objetividade é justamente o afastamento do sujeito do objeto de estudo: A regra fundamental da objetividade científica é a separação entre sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento, separação que 12 RORTY, Richard. A Filosofia e o espelho da natureza. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. 13 POPPER, Karl. Lógica das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro; Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1978. 25 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA garante a objetividade porque garante a neutralidade do cientista, que pode, assim, tratar relações sociais (relações entre seres humanos) como coisas diretamente observáveis e transparentes para o olhar do sociólogo. Para o sociólogo cientista, o ideológico é um resto, uma sobra de ideias antigas, pré-científicas. Durkheim as considera pré-conceitos e pré-noções inteiramente subjetivas, individuais, ‘noções vulgares’ ou fantasmas que o pensador acolhe porque fazem parte de toda a tradição social em que está inserido (CHAUI, 2002, pp. 31-32).14 A objetividade é alcançada a partir da utilização de um método que é dotado de razão e justificativas, ou seja, teria um apoio mais sólido que as tentativas de construções do senso comum: O método da razão é, portanto, nesse domínio, exatamente o mesmo que nas ciências da natureza e no conhecimento psicológico. Consiste em partir de fatos solidamente estabelecidos pela observação, mas em não se ater, por certo, a esses simples fatos como tais: não basta que os fatos estejam “ao lado” uns dos outros, é preciso que eles se encaixem uns “nos” outros, que a simples coexistência se revele, quando tudo foi bem apurado, como dependência, e a forma de agregado converta-se em forma de sistema. 15(CASSIRER, 1994, p. 42) Weber defende uma posição diferenciada ao aduzir que as construções científicas acerca dos fenômenos sociais não seriam produzidas exclusivamente por elementos objetivos: Não existe uma análise científica totalmente ‘objetivada’ da vida cultural [...], ou dos ‘fenômenos sociais’, que seja independente de determinadas perspectivas especiais e parciais, graças às quais estas manifestações possam ser, explicita ou implicitamente, consciente ou inconscientemente, selecionadas, analisadas e organizadas na exposição, enquanto objeto de pesquisa (WEBER, 2001, p. 124).16 Há uma crítica que se constrói sobre o positivismo e a tentativa de transferência do método exclusivamente objetivo utilizado no âmbito das ciências exatas para os fatos ou fenômenos sociais objeto das ciências humanas: No entanto, podemos nos aperceber de que o positivismo só retoma por sua conta uma caricatura do método das ciências exatas sem ter acesso ipso facto a uma epistemologia exata das ciências do homem. E, 14 CHAUI, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2002. 15 CASSIRER, Ernest. O Pensamento da Era do Iluminismo. In: ____________. A Filosofia do Iluminismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1994. pp. 19 – 61. 16 WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento na ciência social e na ciência política. In: ________. Metodologia das Ciências Sociais. Parte 1. Tradução de Augustin Wernet. 4. ed. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2001. pp. 107-154. 26 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl de fato, trata-se de uma constante da historia das ideias que a critica do positivismo mecanicista sirva para afirmar o caráter subjetivo dos fatos sociais e sua irredutibilidade aos métodos rigorosos da ciência. Assim, percebendo que “os métodos que os cientistas ou pesquisadores fascinados pelas ciências da natureza tentaram, muitas vezes, aplicar à força às ciências do homem nem sempre foram necessariamente os que os cientistas seguiam, de fato, em seu próprio campo, mas antes os que eles acreditavam utilizar”, Hayek conclui daí imediatamente que os fatos sociais diferem “dos fatos das ciências físicas porque são crenças ou opiniões individuais” e, por consequência, “não devem ser definidos a partir do que poderíamos descobrir a seu respeito por meio dos métodos objetivos da ciência, mas a partir do que a pessoa que age pensa a seu respeito”. (BOURDIEU et al, 2000, p.16)17 Ainda reforçando a crítica ao positivismo e a tentativa de inserção de uma pura objetividade para análise de estruturas e transformações sociais, a pesquisa sobre a realidade social deve ser cuidadosa, pois aquela é dotada de tamanha dinamicidade, cambiando constantemente. a objetividade nas ciências da sociedade não pode consistir no estreito molde do modelo científico-natural e que, ao contrário do que pretende o positivismo em suas múltiplas variantes, todo conhecimento e interpretação da realidade social estão ligados, direta ou indiretamente, a uma das grandes visões sociais de mundo, a uma perspectiva global socialmente condicionada, isto é, o que Pierre Bourdieu denomina, numa expressão feliz, “as categorias de pensamento impensadas que delimitam o pensável e pré-determinam o pensamento”. E que, por conseguinte, a verdade objetiva sobre a sociedade é antes concebida como uma paisagem pintada por um artista e não como uma imagem de espelho independente do sujeito; e que, finalmente, tanto mais verdadeira será a paisagem, quanto mais elevado o observatório ou belvedere onde estará situado o pintor, permitindo-lhe uma vista mais ampla e de maior alcance do panorama irregular e acidentado da realidade social. (LÖWI, 1987, p.13)18 E a noção de subjetividade como pode ser explicada? A subjetividade é construída de forma distinta da objetividade, baseia-se no social e em valores que se forma ao longo de anos: 17 BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean Claude. A profissão de sociólogo – preliminares epistemológicas. Petrópolis: Vozes (2ª edição), 2000. 18 LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen – Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento. São Paulo, Editora Busca Vida (3ª edição), 1988. 27 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA O ponto fundamental é o seguinte: a subjetividade é instituída socialmente. Ela é uma criação da sociedade, da mesma forma que a língua, as regras de parentesco, os valores ou os métodos de trabalho.Toda sociedade, para sobreviver como tal necessita produzir modos de aculturação eficazes, isto é, capazes de transformar recém-nascidos em membros daquele grupo, aptos a funcionar segundo suas regras e eventualmente transgredi-las, e também aptos a, chegado o momento, transmitir à geração seguinte o que faz da sua sociedade aquela e nenhuma outra (MEZAN, 1997, p. 15)19 Popper demonstra a existência de duas formas de conhecimento: um seria um conhecimento subjetivo e o outro um conhecimento objetivo. O referido autor ainda realiza uma análise interessante ao afirmar que o conhecimento objetivo não é absoluto: “Não só nossas teorias nos controlam, como podemos controlar nossas teorias (e mesmo nossos padrões); existe aqui uma espécie de retrocarga. E se nos sujeitarmos a nossas teorias, fá-lo-emos então livremente, após deliberação; isto é, depois da discussão crítica de alternativas e depois de escolher livremente entre as teorias concorrentes, à luz daquela discussão crítica” (POPPER, 1975, p. 220).20 Desta forma, observamos as conceituações em torno da objetividade e subjetividade e analisamos algumas críticas em relação a sua aplicação, permitindo ser ressaltado que nas ciências humanas não se consegue trabalhar de forma absoluta e exclusiva com apenas um dos objetos de estudo, afastando totalmente os dois elementos, estes convivem e devem ser limitados ou aplicados de acordo com aqueles que realizam o estudo, justificando a oportuna utilização. LUDKE, Menga. Pesquisa em educação - Abordagens Qualitativas - 2ª Ed. 2013. DEMO, Pedro. Pesquisa participante - Saber pensar e intervir juntos - Vol. 8. 2004. ASTOR, Antônio Diehl.; TATIM, Denise Carvalho. Pesquisa em ciências sociais aplicadas: métodos e técnicas. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004. GAMBOA, Silvio Sánchez.; SANTOS FILHO, Jose Camilo dos. Pesquisa educacional - Quantidade-qualidade - Col. Questões da Nossa Época - Vol. 46 - 8ª Ed. 2013. DENCKER, Ada de Freitas Maneti. Pesquisa empírica em Ciências Humanas. 3ª Ed. 2012. RODRIGUES, Rui Martinho. Pesquisa acadêmica - como facilitar o processo de preparação de suas etapas. São Paulo: Atlas, 2007. 19 MEZAN, R. Subjetividades contemporâneas? Revista Subjetividades Contemporâneas, no 1, pp. 12- 17. São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae,1997 20 POPPER, K. R. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Belo Horizonte: Itatiaia. São Paulo: EDUSP, 1975. 28 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl GREZZANA, Jose Francisco; SILVA, Sidinei Pithan da. Pesquisa como princípio educativo - metodologia do ensino na educação superior. 2009. BUZZI, Rita Rausch.; SILVA, Neide de Melo Aguiar. Pesquisa em educação - pressupostos epistemológicos e dinâmicas de investigação. EDIFURB. Santa Catarina. 2011. BRITO, Valéria.; MERENGUE, Devanir.; MONTEIRO, André. Pesquisa qualitativa e psicodrama. Ed Ágora, São Paulo. 2006. MOREIRA, Marco Antonio.; MASSONI, Neusa Teresinha. Epistemologias do século XX. UFRGS. 2005. DANCY, Jonathan. Epistemologia contemporânea. Edições 70. 1985. 29 CAPítulo 3 Principais correntes teórico-metodológicas pesquisa. o positivismo, dialética, os enfoques compreensivos, o estrutural-funcionalismo, o estruturalismo Correntes teórico-metodológicas pesquisa Inúmeras teorias guiam as pesquisas formando chamados paradigmas ou modelos. E a partir destas se identificam as técnicas a ser utilizadas e os métodos de aplicação dos aspectos traçados pela teoria. Os objetivos da pesquisa são alcançados a partir de técnicas e métodos consistentes escolhidos para tal, justamente neste momento que é possível visualizar a importância das teorias e correntes que são formuladas. O método não é algo constante, invariável, este se concretiza e se transforma a partir de seu pesquisador/investigador. E os métodos não se aplicam de forma isolada sempre deve ater sua atenção para as peculiaridades histórico-sociais do cenário da pesquisa e as construções teóricas. o Positivismo Quando tratamos do tema das correntes de pensamento com grande relevância para a filosofia e também para a seara do direito é o positivismo, que se subdividiu em jurídico e filosófico. O positivismo é uma corrente filosófica surgida na primeira metade do século XIX através de Auguste Comte (1798-1857). O positivismo se originou do “cientificismo”, isto é, da crença no poder exclusivo e absoluto da razão humana para conhecer a realidade e traduzi-la sob a forma de leis naturais. Essas leis seriam a base da regulamentação da vida do homem, da natureza como um todo e do próprio universo. Seu conhecimento pretendia substituir as explicações teológicas, filosóficas e de senso comum por meio das quais – até então – o homem explicava a realidade.21 (COSTA, 1997, pp. 46-47) 21 Cristina Costa, Sociologia: Introdução á ciência da sociedade, Editora Moderna , São Paulo, 1997, pp. 46 e 47. 30 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl O positivismo deve ser observado de forma abrangente, pois sua influência e aplicação teve grande disseminação em várias searas e possui aspectos peculiares, conforme se verifica abaixo: Uma filosofia das ciências, uma política e uma religião: a primeira é conhecida por querer substituir a explicação “teológica” por uma causalidade transcendente ou a explicação “metafísica” por um simples conceito (a papoula faz dormir porque tem uma “virtude dormitiva”) uma explicação positiva visa a instaurar uma ordem social adaptada à “idade industrial”, onde o poder espiritual distingue-se do político, onde a classe especulativa (sábios, artistas, filósofos) acha-se oposta à classe ativa (comerciantes, industriais, agricultores); finalmente, a religião positiva não tem por objeto um Deus transcendente e inacessível, mas é a religião da Humanidade22 (JULIA, 1964, p. 258). O positivismo possui bases semelhantes ao empirismo, apesar de se diferenciar na explicação dos fenômenos. Esta corrente também se subdivide em outras como no positivismo clássico, neopositivismo, empirismo lógico, dentre outras. (...) o positivismo compõe-se essencialmente de uma filosofia e de uma política que são necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base e a outra o fim de um mesmo sistema universal no qual a inteligência e a sociabilidade se acham intimamente combinadas (COMTE apud COSTA, 1959, p30).23 Moore apresenta alguns princípios ou características peculiares do positivismo (principalmente da vertente lógica), que seriam as seguintes: a. que os métodos da ciência são a única via para o conhecimento válido, e que os métodos da ciência partem do estabelecimento do significado de uma proposição sobre a natureza, por meio da especificação do método de sua verificação experimental; proposições que não podem ser verificadas experiencialmente simplesmente não têm significado para a ciência; b. que a ciência não é nada mais do que a reflexão conceitual sobre os conteúdos da experiência imediata de um cientista, e que afirmações científicas devem, portanto, ser interpretadas como proposições que reportam o que é dado na experiência imediata do cientista; 22 JULIA, D. (1964): Dicionário da Filosofia. Trad. José Américo da Motta Pessanha. Rio de Janeiro: Editora Larousse do Brasil. 23 COSTA, João Cruz. Augusto Comte e as origens do positivismo. Origens da filosofia e da política de Augusto Comte. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. 31 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA c. que reivindicações de conhecimento baseadas em elementos a priori, metafisicamente dados, devemse rejeitadas, visto que tais reivindicações não podem ser experiencialmente verificadas; d. que toda a ciência pode ser unificada sob a análise de como os cientistas operam sobre os conteúdos de sua experiência imediata, e como eles empregam definições fisicalistas (i.e., procedimentos intersubjetivamente verificáveis e leituras intersubjetivamente verificáveis de medidores, marcadores e contadores) em apoio a seus conceitos; e e. que a linguagem é um sistema sintático para estruturar o conhecimento, e que uma compreensão da expressão desse conhecimento exige, também, uma compreensão dos papéis da lógica e da sintaxe no que diz respeito à construção, substituição, transformação, redução e prova.24 (MOORE, 1985, p. 54) A dialética A dialética remota à Grécia antiga, e diz respeito ao diálogo. O precursor teria sido Zênon de Eléa ainda em 490-430 a.C., ou seja, não é uma corrente recente segundo o pensador Aristóteles. A concepção dialética na atualidade prima pela discussão da realidade e de suas contradições dentro da dinâmica de transformações que se apresenta de forma contínua. Esse termo, que deriva o seu nome do diálogo, não foi empregado, na história da filosofia com um significado unívoco, que possa determinar-se e esclarecer-se uma vez por todas; mas recebeu significados diferentes, diferentemente aparentados entre si e não redutíveis uns aos outros ou a um significado comum25 (1970, p. 252.). Segundo Hegel a dialética seria “a compreensão dos contrários em sua unidade ou do positivo no negativo”, e esta traria um maior entendimento acerca de um sistema de categorias dotado de maior totalidade de acepções que se formaria a partir de noções parciais surgidas e derivadas de outras, haveria a tese, a antítese e enfim a síntese. Triviños explicita que “talvez uma das ideias mais originais do materialismo dialético seja a de ter ressaltado, na teoria do conhecimento, a importância da prática social como critério da verdade”.26 (1987, p.51) 24 Moore, J. (1985). Some historical and conceptual relations among logical positivism, operationism, and behaviorism. The Behavior Analyst, 8, 53-63 25 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. SP: Mestre Jou, 1970. 26 FOULQUIÉ, Paul. A dialética. Trad. Luis A. Caeiro. 3. ed. Publicações EuropaAmérica. 1978 (coleção saber) 32 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl Assim, a dialética ainda de acordo com Hegel se desenvolveria ou revelaria o implícito ou conduziria a consertar certa ausência observada. Hegel afastou a história da metafísica, vislumbrando-a de forma dialética, resultando na tese do materialismo dialético, alguns consideravam tal noção demasiadamente idealista, por tal circunstância Marx e Engels realizaram à dialética hegeliana. Estes críticos salientavam que a história sim seria uma ciência real e as bases da economia que eram lançadas e suas explicações afastavam-se da verdadeira concepção que deveriam observar que era o contexto social e político. Mais adiante (1845) Marx lança o materialismo histórico dialético. Um bom exemplo é o de um educador brasileiro chamado Paulo Freire que em seus escritos ou na difusa de suas ideias sempre se utilizou da espitemologia dialética para analisar a sociedade de forma crítica ressaltando a existência comum de opressores e oprimidos no cerne da sociedade capitalista. Na contemporaneidade as teorias de viés criticista possuem grande valor ao denunciar as discrepâncias e mazelas sociais observadas, pesquisador não se esconderia mais da realidade social que o cerca como ora apregoado pelo positivismo, mas isto não significa que este perdeu-se da objetividade da pesquisa ou investigação, e sim apenas que este não é aquém daquilo que é fundamental para os resultados da pesquisa. o enfoque compreensivo O enfoque compreensivo com seu maior precursor e defensor que foi Max Weber seria uma nova forma de se pensar os fenômenos sociais, bem distinta da apregoada pelos positivistas e por Durkheim. Weber na busca de um melhor método para análise dos fenômenos sociais, este autor enfatizou a necessidade de se afastar; no que se refere ao método; os estudos que se realizariam nas ciências humanas, ou sociais, daqueles oriundos das ciências naturais. Este autor ressaltava que ciências como a sociologia e história possuíam objetos próprios, específicos e que por isto deveria seguir direções distintas das ciências naturais. Os acontecimentos nas Ciências humanas e sociais não podiam ser tratados como aqueles que ocorriam nas ciências exatas, naturais a partir de métodos explicativos que sempre trazem certezas absolutas em seus resultados ou conclusões. O método ideal para a sociologia seria uma abordagem, um enfoque compreensivo por meio do qual poderia levar a conclusões acerca das ações e relações que se formam e desenvolvem no cerne social. 33 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA E estas ações e relações estariam inseridas em grande subjetividade, permeadas de emoções e construções valorativas, demonstrando que as relações sociais não seriam objetos como os das ciências naturais, não seriam elementos objetivos. Justamente por tal característica acreditava na impossibilidade de se alcançar conclusões exatas, como as que poderiam ser encontradas nas ciências naturais como na química, por exemplo. A totalidade da compreensão sobre um fenômeno social não poderia ser algo esperado por um cientista ou pesquisador por melhor que este seja em seu trabalho ou análise, pois haveria vários ensejadores, motivos diversificados que movimentariam as ações e os sentidos também seriam múltiplos, assim, a realidade nunca poderia ser apreendida metodologicamente de forma total. Compreender significa, pois, em todos estes casos [compreensão direta empírica do significado de um dado ato, compreensão explicativa] compreensão interpretativa de: a) casos concretos individuais, como por exemplo, na análise histórica; b) casos médios, isto é, estimativas aproximadas, como na analise sociológica de massa; c) um tipo de construção cientificamente formulado de ocorrência frequente (WEBER, 2002, p. 16).27 Os acontecimentos sociais nunca seriam descritos com integralidade ou totalidade ainda que tivessem vários espectadores deste. Haveria detalhes que uma observaria outro não, outros que nenhum veria, assim, o cientista deveria ater-se e acostumar-se a ideias de apreensões parciais da realidade, que podem ir sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo por outros estudos. Weber discordava de Durkheim com a ideia de totalidade discutida por este quando aduzia que as leis sociais, todas estas, poderiam ser sistematizadas; também não seguia pelo viés positivista, pois não acreditava na ideia da neutralidade completa do cientista na pesquisa no âmbito social, ele defendia a neutralidade do pesquisador, porém não guardava falsas esperanças de que esta seria conquistada em sua completude. O cientista seria marcado por tradições, valores, concepções que o levariam a inclusive motivar a escolha do objeto de pesquisa. O autor defendia o afastamento destes elementos da pesquisa, porém não acreditava na retirada total de todos aqueles como outros autores insistiam. 27 WEBER, M. Conceitos básicos de sociologia. São Paulo: Centauro, 2002. 34 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl o Estrutural-funcionalismo e o estruturalismo Quase no encerramento da década de 50, teria ocorrido um corte epistemológico originada da obra de Marx, que teria deparado-se com o método estrutural-funcionalista que era o utilizado até o momento sob análise.A base metodológica do estrutural-funcionalismo era ressaltar a perspectiva ontológica, com enfoque histórico-estrutural, possibilitando melhor conhecimento da conjuntura social. Busca o entendimento da sociedade, porém sem contextualizá-la no espaço e tempo, sendo assim a sistemática isenta de conflituosidade e sim harmônica. Assim, salienta Mills (1965) que “eliminação mágica do conflito e a incrível realização da harmonia eliminam dessa teoria ‘sistemática’ e ‘geral’ a possibilidade de lidar com a mudança e a história”. 28 Neste interim, é fácil a compreensão que esta concepção abstraiar-se-ia dos antagonismos e conflitos inerentes as relações sociais, considerando estes externos a estas formas relacionais, tais concepções foram importantes para a denominada sociologia do desenvolvimento, onde eram definidos os parâmetros para se analisar o grau de desenvolvimento de uma sociedade. O processo descritivo tinha predominância nas investigações onde observava-se a configuração social e suas peculiaridades e posicionavam acerca da vantagem ou não de transformações em searas sociais específicas. O funcionalismo estudava o funcionamento das instituições que atuavam no âmbito da sociedade e com estas a afetavam, assim, analisavam as consequências que uma atuação inadequada poderia causar a coletividade. O estrutural-funcionalismo baseava-se na ideia de que a sociedade era dividida em diversas partes e que cada uma destas era possuidora de uma função relevante que devia ser cumprida adequadamente a fim de que a harmonia social pudesse ser mantida. Os focos desta corrente são o estudo funcional da sociedade e das instituições existentes nesta, e como ocorre a integração de todo o sistema. [...] o termo funcionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partir da década de 1970, passando a servir de rótulo para o trabalho de linguistas como Sandra Thompson, Paulo Hopper e Talmy Givón, que passaram a advogar uma linguística baseada no uso, cuja tendência principal é 28 MILLS, C.W. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. 35 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA observar a língua do ponto de vista do contexto linguístico e da situação extralinguística.29 (MARTELOTTA, 2003, p. 23) Passando a análise para a corrente do Estruturalismo, faz-se mister ressaltar como era visto inicialmente o desenvolvimento desta estruturação filosófica: O estruturalismo, ou o que quer que se designe por este nome, tem sido considerado como algo completamente novo e revolucionário para a altura; ora, isto, segundo penso, é duplamente falso. Em primeiro lugar, até no campo das humanidades o estruturalismo não tem nada de novo; pode-se seguir perfeitamente esta linha de pensamento desde a Renascença até ao século XIX e ao nosso tempo. Mas essa ideia também é errada por outro motivo: o que denominamos estruturalismo no campo da Linguística ou da Antropologia, ou em outras disciplinas, não é mais que uma pálida imitação do que as ciências naturais andaram a fazer desde sempre.30 O estruturalismo fora difundido para diversas áreas das ciências humanas e possuía vários defensores ardorosos, por isto há certa dificuldade em localizá-lo no âmbito puramente filosófico e os métodos utilizados concentravam–se em explicações acerca das estruturas. Paul Garvin define o estruturalismo de forma diferenciada: O estruturalismo não é uma teoria nem um método; é um ponto de vista epistemológico. Parte da observação de que todo conceito num dado sistema é determinado por todos os outros conceitos do mesmo sistema, e nada significa por si próprio. Só se torna inequívoco, quando integrado no sistema, na estrutura de que faz parte e onde tem um lugar definido. A obra científica do estruturalismo é, portanto, uma síntese da visão romântica — cuja base cognitiva é a dedução a partir de um sistema filosófico que classifica e avalia os fatos a posteriori, e a posição empírica do positivismo — que, ao contrário, constrói a sua filosofia a partir dos fatos que comprovou pela experiência. Para o estruturalista, há uma inter-relação entre os dados, ou fatos, e os pressupostos filosóficos, em vez de uma dependência unilateral. Daí se segue que não se trata de buscar u m método exclusivo, que seja o único correto, mas que, ao contrário, “o material novo importa em regra numa mudança de procedimento científico” (2). Da mesma sorte que nenhum conceito é inequívoco antes de integrado na sua estrutura particular, os fatos não são inequívocos em si mesmos. Por isso o estruturalista procura integrar os fatos nu m feixe 29 MARTELOTTA, M. E. ET AL. (orgs.) Lingüística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP & A, 2003. pp. 17 a 55. 30 LÉVI-STRAUSS, Claude. 1978. Mito e significado. Tradução António Marques Bessa, Lisboa, Edições 70.p.17 36 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl de relações que ponham em evidência a sua inequivocidade dentro de uma super ordenação e de uma subordinação. Numa palavra, a estrutura global é mais do que uma súmula mecânica das propriedades dos seus componentes, pois determina propriedades novas.31 Lévi-Strauss busca explicar a questão da estrutura social e das relações sociais, tecendo um interessante esclarecimento: O princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos em conformidade com esta. Assim aparece a diferença entre duas noções, tão vizinhas que foram confundidas muitas vezes: a de estrutura social e a de relações sociais. As relações sociais são a matéria-prima empregada para a construção dos modelos que tornam manifesta a própria estrutura social. Em nenhum caso esta poderia, pois, ser reduzida ao conjunto das relações sociais, observáveis numa sociedade dada. 32 Abaixo há um quadro explicativo onde são demonstradas algumas das mais importantes correntes filosóficas com suas principais características e autores relevantes que as defenderam: quadro 1. correntes epistemológicas e conceitos centrais. fonte: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s1413-23112013000100002&script=sci_arttext> 31 A Prague School Reader on Esthetics, Literary Structure and Style, se lected and translated from the original Czech by Paul Garvin. Washingto n D . C. 1964, p . VIII . 32 LÉVI-STRAUSS, Claude. (1989). A noção de estrutura em etnologia. In. Antropologia estrutural. 3. ed. Tradução de Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. p. 316. 37 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA No que tange a corrente estrutural-funcionalista, é importante uma melhor compreensão de sua origem e de seu precursor, assim, proceda à sucinta leitura de trechos do texto “Estrutural-funcionalismo antropológico e comensalidade: breves considerações sobre a mudança social” do autor César Sabino e reflita criticamente. introdução A denominada “abordagem estrutural” constitui ainda parte significativa do perfil sociológico e antropológico contemporâneo. Inúmeras análises, direta ou indiretamente, adotam esta abordagem metodológica na investigação de objetos de pesquisa no campo da alimentação e das práticas corporais sem nem sempre deixarem explícitos paradigmas teóricos ou metodológicos. Porém, longe de formar uma “escola” em sentido estrito, esta vertente se fragmenta em várias tendências, com inúmeras e crescentes modulações e mesmo radicais contraposições, que podem assumir caráter mais empirista ou mais intelectualista. Grosso modo, é possível denominar as variações mais amplas desta abordagem de estrutural-funcionalistae estruturalista. A primeira, no caso da Antropologia Social, está diretamente relacionada ao nome de Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955) e é, na origem, marcadamente britânica; a segunda, ao nome do maior representante do estruturalismo francês: Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Porém, as duas tradições citadas se diferenciam, não apenas entre elas, mas também internamente em cada um dessas abordagens. Tentaremos abordar a seguir algumas especificidades da chamada escola estrutural-funcionalista, mais conhecida como Antropologia Social Britânica e, em alguns momentos, promover aproximações com questões relacionadas ao campo da Alimentação e Nutrição, de modo a motivar o leitor deste periódico à interdisciplinaridade. Pai fundador A principal influência teórica e metodológica relacionada ao estrutural-funcionalismo (como também ao estruturalismo francês) advém da obra de Émile Durkheim (1858-1917). Para o criador da escola sociológica francesa, a sociedade caracterizar-se-ia como fato sui generis, irredutível a qualquer outra instância explicativa que não àquela radicada no conjunto desses mesmos fatos – por ele conceituados fatos sociais. Em seu conjunto, fatos sociais seriam sinônimos do que o autor também denominou consciência coletiva ou mentalidade coletiva, instância difusa pelo grupamento social e radicada no inconsciente dos agentes sociais. Com efeito, essa instância de 38 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl caráter representacional apresentaria traços específicos que dela fariam uma realidade singular independente dos elementos pessoais, agentes ou indivíduos. Em outras palavras, a consciência coletiva poderia ser definida como: “conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade [que] forma um sistema determinado com vida própria“. Esse conjunto ou sistema seria independente dos seus elementos (os indivíduos ou “sujeitos”), formando o objeto específico e único de estudo da Sociologia. Necessário ressaltar que o conceito de consciência coletiva, nos estudos durkheimianos, compreende a dimensão da instância moral e a dimensão perceptiva, sugerindo que crenças e sentimentos pertencentes à mesma consciência coletiva seriam simultaneamente religiosos e cognitivos, ou seja, o próprio raciocínio, com suas especificidades classificatórias, seria assim condicionado pela ordem das estruturas sociais, sempre relacionadas a um à priori de aspecto positivo (sagrado) e negativo (profano). Destarte, o ser humano classificaria a realidade por ter sido classificado de antemão pelo sistema de normas, valores e crenças as quais dele seriam independentes e as quais formariam o conjunto de representações sociais (consciência coletiva) produtores das práticas do grupo ao qual ele pertenceria e ao qual deveria obrigatoriamente aderir. Vale salientar que os fatos sociais, portanto, caracterizar- se-iam por serem exteriores, extensivos e coercitivos aos agentes sociais. Além do estudo dos fatos sociais e de sua fundamental dimensão representacional, a sociologia durkheimiana deveria ainda prestar atenção à dimensão empírica da realidade social, comparando diferentes grupos em busca de regularidades comuns a maioria deles. Seguindo este projeto, o autor busca o estudo da morfologia social e das espécies sociais visando, sob a égide do organicismo de sua época, classificá-las. Diante disto, as sociedades humanas teriam evoluído de sistemas organizacionais mais simples – hordas e clãs – para sistemas mais complexos. Nos primeiros (simples) os indivíduos apresentar-se-iam justapostos e similares, sinalizando a força, a homogenenidade e a coesão da consciência coletiva em suas dimensões simbólicas, tornando rarefeito o processo de desintegração e adoecimento do organismo social – por ele denominado anomia. Sociedades simples apresentariam maior homeostase em relação às contemporâneas, buscando compreender a transformação de sociedades simples em sociedades complexas, Durkheim elabora as categorias de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica, reiterando que a passagem de um estado de solidariedade para outro constituiria mudança social. Em sociedades primitivas (simples) predominaria a solidariedade amecânica. Nestas, os indivíduos estariam identificados uns 39 EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl │ unidAdE ÚniCA com os outros por intermédio de laços religiosos e familiares, assim como, da tradição e dos costumes permanecendo, em geral, independentes e autônomos em relação à divisão do trabalho social, porém coesos socialmente, uma vez que a consciência coletiva apresentaria a função de exercer poder quase pleno de coerção sobre vontades individuais (posto não haver nesses sistemas sociais a concepção de sujeito livre, átomo indivisível ao qual as instituições deveriam legalmente servir) promovendo a integração da totalidade social. Por outro lado, nas sociedades complexas, a mesma coesão deveria ser produzida por intermédio da divisão do trabalho social, que tornaria os indivíduos cada vez mais interdependentes. Esta interdependência seria, nessas sociedades, a garantia maior de coesão, ao contrário da força exercida pelos costumes, tradições ou relações sociais estreitas, referentes às sociedades simples. Com efeito, a consciência coletiva em sociedades complexas, com crescente aumento da divisão social do trabalho, terminou se esgarçando, posto que ao se tornarem dependentes uns dos outros, devido às especializações das atividades, a mesma produziu autoinsulamento, autonomia pessoal e, portanto, o individualismo com todo seu respaldo filosófico cartesiano. O estudo de sociedades complexas levou Durkheim a elaborar as concepções de normalidade e patologia social. Ao estudar as formas de patologia social, como dissemos precedentemente, o autor utiliza o conceito de anomia que significaria ausência ou desintegração da ordem e das normas sociais. A anomia apresentar-se-ia mais comumente como patologia das sociedades complexas, pois estando as mesmas baseadas nas diferenciações individuais (na representação social de sujeito), seria necessário, para a efetiva coesão, que as tarefas executadas pelos indivíduos correspondessem aos seus desejos e aspirações. Como tal processo é passível de não ocorrer, os valores promotores da coesão social acabariam enfraquecidos e o sistema social tornar-se-ia ameaçado pela desintegração da consciência coletiva e estabelecendo-se o perigo de falência da sociedade. Claude Fischler, imbuído de certo pessimismo durkheimiano, criou a hipótese de que o surgimento dos fast-foods e dos restaurantes self-service são sintomas da anomia social contemporânea, representando regressão do gosto e desintegração das relações comensais de solidariedade. Segundo ele, há “um abastardamento de folclores culinários na era agroalimentar”. De acordo com suas perspectivas, em sociedades adoecidas como a moderna, o ato de comer só, rápido, sem cultivar o gosto e assim por diante, demonstra o adoecimento social radicado no modelo alimentar norte-americano. Destarte, denomina essas práticas contemporâneas de alimentação e nutrição (ou mesmo sua ausência) de gastro-anomia. 40 unidAdE ÚniCA │ EPiStEmologiA, tEoriA E mEtodologiA, ConhECimEnto CiEntífiCo E rEAlidAdE SoCiAl É possível perceber nos trabalhos durkheimianos a preocupação com duas realidades que constituiriam a sociedade: as estruturas subjetivas (as representações sociais ou coletivas, a consciência coletiva ou mentalidade coletiva) e as estruturas objetivas (a morfologia social