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Rosangela Ribeiro Ética e Bem Estar Animal 04 Sumário CApítulo 3 – Disciplina ÉtICA E BEM-EStAR ANIMAl .............................................................. 06 3.1 Bem-estar dos Animais de Companhia .................................................................................. 06 3.2 Diferentes princípios éticos em relação ao tratamento dado aos animais ..................... 09 3.2.1 utilitarismo ......................................................................................................................... 09 3.3 A importância da legislação em bem-estar animal ............................................................ 15 3.3.1 o que é legislação? ........................................................................................................ 15 3.3.2 por que a legislação é importante para o bem-estar animal? .............................. 17 3.3.3 As principais leis relacionadas ao bem-estar animal no Brasil .............................. 18 3.4 os médicos veterinários e sua importância na promoção do bem-estar animal .......... 21 3.4.1 Códigos de ética do profissional veterinário e o bem-estar animal ..................... 22 3.5 Eutanásia e cuidados paliativos .............................................................................................. 23 3.5.1 Eutanásia ........................................................................................................................... 23 3.5.2 Cuidados paliativos na promoção do bem-estar animal ......................................... 28 06 Introdução Conforme estudamos, sabemos que o bem-estar animal está relacionado a como os animais vivenciam suas vidas em termos de seu estado físico, mental, dos seus sentimentos e dos seus comportamentos naturais. É através da ciência do bem-estar animal que tentamos entender esses três aspectos tão úteis para a avalição do bem-estar e para a implementação de boas práticas que visem sua garantia. Sabemos que a nossa convivência com os animais é influenciada por nossos valores – como achamos que devemos tratar os animais e o que achamos que é importante para eles. A ciência até nos ajuda a entender algumas dessas questões, mas são nossas experiências prévias e nossas influências morais e éticas que nos regem em nosso tratamento aos animais. Podemos dizer que entender o bem-estar animal requer o conhecimento científico, a ciência. Todavia, decidir como aplicar esses conhecimentos científicos envolve a ética. Dessa forma, torna-se imprescindível entender as principais influências éticas que permeiam as decisões individuais e as decisões de diferentes grupos sociais, sejam eles profissionais, membros do governo, produtores, tutores, pesquisadores, professores, etc., em relação aos animais. Quando pensamos a respeito das muitas decisões que tomamos no dia a dia, vemos que muitas delas têm dimensões morais, ou seja, são nada mais nada menos que aplicações éticas. 3.1 Bem-estar dos Animais de Companhia A maioria dessas decisões tem componentes que vão além dos interesses pessoais e envolvem uma preocupação com o outro. E perante a essas preocupações, todos nós possuímos visões sobre quais ações são “corretas” e quais são “erradas”. Essas visões sobre o que é certo e o que é errado são nossos “valores morais”. E os nossos valores morais (nossa ética pessoal) são influenciados por normas sociais, pela ética profissional e, obviamente, se tivermos estudado ética – por teorias éticas já bem estabelecidas. • Normas sociais (ou ética social) são regras que surgiram para possibilitar que vivamos juntos. A ética social está sempre em evolução conforme o tempo, e pode mudar conforme as descobertas científicas avançam, ou quando surgem novas preocupações na sociedade. por exemplo, nas ultimas décadas, o consenso de que os animais são sencientes, e que sofrem como os humanos, vem crescendo e, portanto, novas legislações vieram ao encontro dessa demanda social de evitar o sofrimento desses seres. Capítulo3Disciplina ÉtICA E BEM-EStAR ANIMAl 07 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities • A ética profissional tem a ver com a forma como nossa conduta profissional é influenciada pelas diretrizes e pelos códigos de ética profissionais de nossa profissão. Essas diretrizes variam de país para país. Os códigos de ética profissionais mudam de país para país e podem evoluir com a ética social, ou mesmo influenciar essa conduta. Cirurgias estéticas em cães e gatos, como, por exemplo, conchectomia, caudectomia e onicectomia não são mais permitidas no Brasil desde 2013, mas em algumas partes do mundo, ainda são amplamente aceitas pelos proprietários/tutores e são demandas comuns nas clínicas veterinárias. • Nossa ética pessoal também é bastante importante em nossas decisões e é construída ao longo de nossa vida a partir de nossas experiências pessoais. por exemplo, você pode ter sido criado em uma fazenda pequena e ter tido uma boa experiência com a rotina e o manejo dos animais nesse sistema, fazendo com que sua experiência pessoal lhe leve a escolher por um sistema parecido ao que você cresceu. Essas experiências e os sentimentos associados podem resultar em mudança comportamental – portanto, a ética pessoal pode levar você a interceder por mudanças nas formas de criação. • Se você tem mais experiência ou estudo no ramo da ética conceitual ou aplicada, muitas vezes pode acabar adotando e se posicionando em relação a uma teoria ética específica – como, por exemplo, a teoria utilitarista ou a teoria do direto animal; mas temos que ter em mente que nenhuma teoria ética é absoluta. todos esses ramos da ética compõem o estudo da lógica por trás de nossos valores morais – as razões pelas quais devemos nos relacionar com os outros (homens, animais, meio ambiente, etc.) de certas formas. E, desta maneira, a ética animal seria o estudo de como devemos nos relacionar com os animais, embasando, assim, nossas decisões acerca deles. o estudo da ciência do bem-estar animal, na maioria das vezes, recai sobre o pressuposto de que temos obrigações morais em relação aos animais; e a forma como esse entendimento se dá varia muito de época e local. Mas houve no passado e ainda existem pensadores que acham que os animais não requerem nossa consideração moral. Alguns filósofos famosos, como o alemão Immanuel Kant (1724 - 1804) e o francês René Descartes (1596 - 1650), achavam, diferentemente de nós, que os animais não tinham status moral, pois não possuíam consciência suficiente para refletir sobre sua experiência. Outros achavam que os animais não podiam ter status moral, pois não possuíam alma. por exemplo, Descartes, negava que os animais poderiam sofrer. para ele, os gritos de um animal eram simplesmente “automações de uma máquina”, porém Kant, diferentemente, não negou que os animais poderiam sofrer, mas argumentou que seu sofrimento não importava, pois não eram racionais, percebidos por eles mesmos. Alguns filósofos modernos, como Peter Carruther (1992) e Jan Naveson (1983), seguem essa mesma linha de posicionamento dos pensadores do passado, e se posicionam que pelo fato dos animais não possuírem linguagem, consciência e poder de reflexão - eles não podem fazer parte de acordos mútuos e não podem retribuir qualquer consideração moral dada a eles. Mas Narveon apresenta uma nova visão quando fala que apesar de os animais não demandarem consideração moral, é importante tratá-los bem, porque é importante nos comportarmos bem e agirmos gentilmente com todos, caso contrário, causamos prejuízos a nosso próprio caráter moral. Essa visão é bem parecida com o argumento de algumas religiões, como Hinduísmo e Budismo, onde maltratar os animais é errado, pois traz consequências para nós, talvez mesmo em outras vidasfuturas. 08 Mesmo no século XVII alguns filósofos não compartilhavam da ideia de que os animais não mereciam nossa consideração moral, por não terem alma, ou por não terem consciência. O exemplo mais notório desse pensamento contrário a Descartes foi o filósofo inglês Jeremy Bentham (1748–1832), que pela primeira vez, em 1789, discorreu que os animais deveriam ser protegidos pela lei, fazendo analogias ao direito dos seres diferentes, como explica em sua famosa citação: “The day may come when the rest of animal creation may acquire those rights which never could have been with holden from them but by the hand of tyranny. The French have already discovered that the blackness of the skin is no reason why a human being should be abandoned without redress to the caprice of a tormentor. It may one day come to be recognized that the number of legs, the villosity of the skin, or the termination of the os sacrum are reasons equally insufficient for abandoning a sensitive being to the same fate. What else is it that should trace the insuperable line? Is it the faculty of reason, or perhaps the faculty of discourse? But a full-grown horse or dog is beyond comparison a more rational, as well as a more conversable animal, than an infant of a day or a week or even a month old. But suppose they were otherwise, what would it avail? The question is not, Can they reason? nor Can they talk? but, Can they suffer? pode chegar o dia em que o resto da criação animal possa adquirir aqueles direitos que nunca poderiam ter sido retidos deles, mas pela mão da tirania. os franceses já descobriram que a negritude da pele não é motivo para que um ser humano seja abandonado sem a reparação do capricho de um atormentador. pode um dia vir a ser reconhecido que o número de pernas, a vilosidade da pele, ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. o que mais é que deve traçar a linha insuperável? É a faculdade da razão, ou talvez a faculdade do discurso? Mas um cavalo ou cachorro adulto é, sem comparação, um animal mais racional, assim como mais conversável, do que uma criança de um dia, uma semana ou até um mês de idade. Mas suponha que fossem de outra forma, o que isso valeria? A questão não é, se eles podem raciocinar? Nem se eles podem falar? Mas sim se eles podem sofrer! – Jeremy Bentham, The Principles of Morals and Legislation. Assim, Bentham traz e discute a seguinte questão: para ser digno de preocupação moral, os animais deveriam ter a capacidade de falar, de raciocinar, de argumentar? Então, seguindo esse mesmo pressuposto, da mesma forma, bebês e pessoas com alguma deficiência mental também não poderiam ser protegidos? Fazendo essa importante analogia, Bentham apresenta pela primeira vez a discussão na qual o que importa é a “capacidade deles de sofrer” como nós; traz pela primeira vez o conceito de “senciência”, mesmo que não tenha ainda cunhado o termo como o conhecemos atualmente. Esse tipo de base ética também pode ser denominado “consequencialista”, porque é a “consequência” de nossas ações que importa – nesse caso, a habilidade de causar sofrimento e, seu oposto lógico, a habilidade de causar prazer. A ética consequencialista acredita que o que determina o valor moral de nossas ações são as suas consequências e não as nossas intenções ou o nosso caráter. A ciência do bem-estar animal iniciou embasada na ética de que os animais podem sofrer de dor ou de experiências negativas. E, atualmente, uma série de estudos trouxe evidências científicas sobre essa capacidade, como, por exemplo, a similaridade dos circuitos emocionais no cérebro humano e de outros animais; o papel das drogas analgésicas em cirurgias rotineiras; a estrutura do caminho da dor, etc. As pesquisas mais atuais também começam a analisar a capacidade dos animais de vivenciar emoções positivas similares às emoções humanas como prazer, alegria, etc., e sua importância para eles. Como veterinários, podemos facilmente nos identificar com o argumento de que “os animais merecem consideração moral, porque podem sofrer devido a ações humanas”. Entretanto, o 09 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities reconhecimento moral do sofrimento leva ao problema de como melhor calcular o sofrimento e o prazer causados a diferentes grupos de animais, que podem ser afetados pelas nossas ações. podemos evitar esse problema argumentando que os animais merecem consideração moral não somente por causa do sofrimento que nossas ações podem causar, da consequência, mas também porque eles têm valor: que os animais têm um “valor intrínseco” e temos obrigações diante disso. 3.2 Diferentes princípios éticos em relação ao tratamento dado aos animais partindo do pressuposto que temos obrigações morais em relação aos animais, pelo simples fato de que eles sentem e sofrem como nós, existem algumas teorias éticas que tentam responder e embasar nossas obrigações morais em relação a eles, e as principais teorias como o utIlItARISMo, o DIREIto dos ANIMAIS e a ÉtICA CENtRADA No AGENtE serão discutidas a seguir: 3.2.1 utilitarismo A teoria ética conhecida como “utilitarismo” enfatiza as consequências das ações. Em particular, somos obrigados a maximizar a “utilidade”, o que significa maximizar a felicidade ou o prazer em comparação à dor, ao sofrimento, ou seja, todas as nossas ações devem objetivar atingir o “maior bem” para o “maior número” de indivíduos. Jeremy Bentham pode ser considerado o pai da ética UTILITARISTA; ele acreditava que seres que podiam sofrer deveriam ser incluídos no círculo de preocupação moral baseado nesse princípio. O utilitarismo parece ser simples e flexível, porém pode ser confuso e suscitar dilemas éticos quando exige a quebra de certas regras morais para alcançar a melhor consequência. E como fazemos os cálculos exatos do maior bem para o maior número de indivíduos, também não é claro, especialmente quando o custo-benefício é relativo a cada indivíduo. Seria como alguns argumentam: uma lógica onde os fins justificam os meios. por exemplo, uma forma utilitarista de análise de custo-benefício é comumente utilizada por pessoas que discutem se vale a pena, ou se é justificável, a utilização de animais para a experimentação. Se precisarmos que 100 coelhos sofram moderadamente para ter uma chance de 10% de produzirmos uma vacina contra uma doença moderada em seres humanos, como fazemos esse cálculo? os custos e os benefícios são contrabalanceados quando alguns indivíduos arcam com todos os custos e outros ganham todos os benefícios? No exemplo dado, os custos (sofrimento dos coelhos) são conhecidos, mas os benefícios (possível alívio de doenças humanas) são incertos. Qual dessas consequências tem maior valor? Existe também o utIlItARISMo preferencial, onde se considera o valor das consequências além de simplesmente prazer e dor. Argumenta que devemos maximizar a satisfação das preferências. Se os animais têm preferências, estas devem ser inclusas nos nossos cálculos. O mais famoso defensor atual dessa visão é o filósofo australiano Peter Singer. Seus pensamentos formaram a base para os conceitos expressos no seu livro Libertação animal, resumidos a seguir. 10 os animais são seres sencientes e podem ter preferências, mas isso não inclui consciência do futuro suficiente para ter o desejo de continuar vivendo. Portanto, para Singer, é aceitável matar animais para alimentação se as seguintes condições forem cumpridas: • Se os animais têm acesso a uma boa vida (uma que possa satisfazer suas preferências); • Se os animais são substituídos por outros animais que não teriam nascido, e que tiveram a chance de usufruir de uma boa vida; • Se os animais morrem sem dor ou sofrimento. Baseado nessavisão, e apesar de Singer não ser contra a morte de animais para consumo, ele argumenta que, se a pecuária industrial moderna ainda não permite que os animais tenham uma boa vida e que a maioria das criações não satisfaz suas preferências, portanto, não deveríamos comer produtos de origem animal. para os utilitaristas, a discussão não se baseia somente no conceito de certo ou errado, mas sim de conceitos como pior e melhor. Filósofo Peter Singer. Fonte: petersinger.info. outro conceito muito importante dentro da ética utIlItARIStA, trazido pelo Singer em seu mais famoso livro Libertação Animal, foi o conceito da “igual consideração de interesses”, que argumenta que devemos dar pesos iguais a interesses similares moralmente relevantes, ou seja, se bater com uma vara de ferro pontiaguda fere uma cabra tanto quanto machucaria um ser humano, devemos evitar causar esse tipo de dor tanto em cabras quanto em seres humanos. para Singer, os seres humanos não têm um status moral mais alto que as outras espécies, portanto não merecem maior consideração simplesmente por pertencerem a espécie humana. NÃo DEIXE DE VER... Se tiver interesse em conhecer mais sobre as ideias desse famoso e controverso filósofo, assista ao Programa Café Filosófico – CPFL – através deste link: https://youtu.be/lrzEKcBdHoU. Neste programa Peter Singer nos leva a uma reflexão sobre as práticas de produção dos ali- mentos, e de como nossos hábitos alimentares influenciam o meio ambiente e o nosso bem-estar. E, dessa forma, adentramos em um segundo conceito muito famoso e que foi bastante desenvolvido por Singer, o conceito do “especismo”. A partir da primeira conceituação de Richard Ryder, que já em 1973 definia o especismo como a “discriminação contra ou a exploração de certa espécie animal por seres humanos, baseado na suposição de superioridade da espécie humana”. o especismo é análogo a outros tipos de racismo, pois dá preferência a determinadas espécies ou seres em detrimento a outros. 11 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities o princípio é relativo à injustiça de tratar os animais diferentemente de nós simplesmente porque eles têm características biológicas diferentes. Novamente, se eles são capazes de experiências similares às nossas, isso deve ser respeitado quando tomamos decisões sobre como tratá-los. A consequência do especismo é que os interesses dos animais não humanos são sempre postos em segundo plano quando em confronto com os interesses de seres humanos, mesmo que os interesses do animal sejam mais básicos (p. ex., o interesse do animal em viver, em comparação com o interesse do ser humano em se alimentar de sua carne ou de vestir sua pele). Dessa forma, Richard Ryder explica que o que deveria orientar nossa atitude em relação aos animais não humanos não é a diferença entre as espécies, mas sim a característica semelhante que todos compartilham, que é a capacidade de sentir, a chamada “senciência”. portanto, não devemos desconsiderar os interesses e as necessidades básicas dos animais não humanos simplesmente por eles pertencerem a outra espécie. peter Singer, da mesma forma, julga que é especista não levar em conta igualmente os interesses de todos os seres sencientes (isto é, capazes de experimentar prazer e dor), pertencidos pela consequência de uma ação. NÃo DEIXE DE VER... Why animal sentience matters – World Animal Protection https://vimeo.com/44925786 Animais Seres Sencientes– World Animal Protection Brasil https://www.youtube.com/watch?v=rF1wXCVMDE0 pARA SABER MAIS... Se você quer conhecer melhor as ideias e as proposições do filósofo Peter Singer, recomenda- mos a leitura de seu famoso livro Libertação Animal. 12 NÃo DEIXE DE lER Desde a primeira edição, em 1975, essa obra inovadora vem conscientizando milhões de pes- soas sobre o “especismo” – nosso sistemático descaso em relação aos interesses dos animais não humanos – e inspirando, em todo o mundo, movimentos pela mudança de nossas atitudes em relação aos animais e pelo fim da crueldade que lhes infligimos. Ou visite o site do filósofo através da web page: http://www.petersinger.info/. todavia, a abordagem dos DIREITOS dos ANIMAIS difere fundamentalmente do UTILITARISMO, que afirma que os animais podem ser utilizados desde que não se cause sofrimento ou que tenha consequências adversas para nós. Assim, os animais têm valor somente por causa de sua utilidade para nós. Seu valor é “extrínseco”, ou seja, fora deles. Em oposição a esse pensamento, podemos afirmar que os animais têm um valor “intrínseco”, que os animais importam para eles mesmos, independentemente dos efeitos em outros. E as razões que fundamentam esse raciocínio são: • os animais têm interesse em viver – eles buscam e lutam para sobreviver, ou seja, sua vida importa para eles. Eles podem fazer escolhas e direcionar suas vidas; • os animais têm potenciais a cumprir; • os animais são sencientes, vivenciam estados mentais positivos, negativos e podem sofrer. A existência dessas qualidades intrínsecas significa que temos obrigações com eles e, ao contrário da lógica do utilitarismo, não devemos causar sofrimento aos animais simplesmente por conta das consequências que isso pode gerar ou com o propósito de beneficiar outros. Essa teoria é “deontológica”, ou seja, as decisões são baseadas em obrigações ao invés de consequências. A filosofia dos direitos foi primeiramente enfatizada por Kant, em relação aos humanos, nessa época ele não incluiu os animais nessa obrigação moral, utilizando-se do argumento de que os animais não são racionais. 13 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities A teoria dos DIREITOS dos ANIMAIS foi bastante desenvolvida, nos tempos atuais, pelo filósofo americano Tom Regan (1938-2017). Ele argumentava que os animais são “sujeitos de uma vida”. Isto é, eles são mais do que simplesmente seres vivos – são conscientes, têm crenças, desejos, memória, vida emocional e diversas outras habilidades mentais. tudo isso fornece um valor inerente a eles, de onde deriva seus direitos. o direito mais fundamental é o seu direito de ter seu valor intrínseco respeitado. para Regan, esse valor intrínseco deve ser respeitado e, portanto, não devemos utilizar os animais como recursos para os seres humanos, independente dos benefícios que tragam. Essa abordagem, também chamada de “abolicionista”, não permite qualquer uso dos animais, incluindo o uso para alimentação, vestimenta, experimentação, entretenimento ou para itens de luxo, como pele. utilizar a tEoRIA DoS DIREItoS para tomar decisões não requer a avaliação das diferentes consequências. Somente precisamos considerar se as decisões respeitam e preservam a dignidade individual do animal. Em contraste, nas filosofias UTILITARISTAS, os indivíduos são considerados como parte de um grupo e o objetivo é maximizar o bem para a maioria de indivíduos. Assim podemos dizer que teoria dos DIREItoS DoS ANIMAIS protege o indivíduo, não importando o grupo à qual pertence, ou quantos outros podem ou não ser beneficiados. Filósofo Tom Regan (1938-2017). Fonte: wikipedia. Essa visão dos animais é considerada, por muitos, radical e é conflitante com a maior parte das práticas de utilização de animais comuns ao redor do mundo. por exemplo, a grande maioria das pessoas ainda aceita que podemos matar os animais para nossas finalidades, como, por exemplo, para produção de alimento, vestimenta, etc. Mas também, por outro lado, grande parte da sociedade, apesar de consumir animais, acredita que eles têm o direito de ser protegidos do sofrimento. Muitas das legislações nacionais e europeias sobre bem-estar animal tendem a oferecer essa proteção contra o sofrimento e isso está se tornando um direito legal.Apesar da corrente filosófica do “DIREITO dos ANIMAIS” estar em ampla ascensão em várias regiões do mundo, ainda existem muitos argumentos contra a teoria desenvolvida por Regan, dentre elas: • Não é possível respeitar sempre os direitos de todos, incluindo os seres humanos. • para Regan, é aceitável matar animais em legítima defesa (o que é um interesse humano), mas não podemos utilizá-los em pesquisas biomédicas para descobrir medicações que irão salvar vidas (outro interesse humano). É contraditório permitir matar animais para salvar a vida de uma pessoa em um contexto, mas não em outro. • outros argumentos contra a hipótese dos Direitos dos Animais é que ela ignora o valor inerente único que os seres humanos têm como agentes morais e que, sendo assim, precisam cumprir com as responsabilidades que advêm com os direitos. os animais não podem cumprir com as responsabilidades, então não podem respeitar os direitos dos outros animais. portanto, o conceito dos direitos animais é falho na opinião de alguns estudiosos. 14 Existem outros teóricos que defendem a chamada ÉtICA CENtRADA No AGENtE ou MoRAlIDADE CENtRADA No AGENtE (do inglês - the agente-centred view), onde discorrem que temos deveres e responsabilidades em relação aos animais, pois somos agentes morais. por essa ética, também conhecida por alguns como Ética do cuidado ou Ética das virtudes, o que está errado em causar sofrimento aos animais não é o fato de eles terem direitos (Teoria do Direito dos Animais) ou esse sofrimento ser maior que os benefícios gerados (Teoria Utilitarista), mas sim pelo fato disso mostrar uma fraqueza de caráter, uma falta de cuidado do agente. A capacidade de cuidar é uma de nossas mais importantes virtudes, assim como o respeito, a compaixão, etc. A ética das virtudes fala que são essas virtudes que devem conduzir o nosso tratamento aos animais. podemos dizer que atualmente a principal teoria que rege a maioria das legislações e práticas de criação e manejo dos animais bem-estaristas se baseia em argumentos utIlItARIStAS quando afirma que é totalmente aceitável usarmos animais não humanos para fins humanos, contanto que tratemos esses animais “humanitariamente” e não lhes causemos sofrimento “desnecessário”. E a corrente oposta que tem crescido nos últimos anos, a corrente dos abolicionistas e/ou veganos, afirma que nós (humanos) não temos justificativa moral para utilizar os animais não humanos para nossos fins, por mais “humanitariamente” que os tratemos. porém, muitas pessoas e sociedades acabam carregando uma mistura dessas visões em suas considerações morais em relação aos animais, ou seja, combinam visões utilitárias com visões acerca que os animais têm direitos e que também acreditam que faz parte do nosso caráter virtuoso tratá-los bem. pARA SABER MAIS... Recomendamos ler os principais livros dos autores que tratam da questão dos direitos dos ani- mais: Introdução aos Direitos Animais - Gary L. Francione – 2013. Jaulas vazias: encarando o desafio dos direitos dos animais - tom Regan – 2006 15 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities 3.3 A importância da legislação em bem- estar animal Neste tópico discutiremos os aspectos legais relacionados à legislação em bem-estar animal, o papel do médico veterinário e os aspectos relacionados à ética profissional. 3.3.1 o que é legislação? Legislação pode ser definida como “um conjunto de leis acerca de determinada matéria ou a totalidade das leis de um Estado, ou de determinado ramo do direito” (Dicionário, Aurélio, 2015). Existem ramos específicos da legislação, assim como aquele relacionado ao bem-estar animal, que normalmente refletem as preocupações éticas de uma sociedade acerca de um tema e que mudam e evoluem de acordo com as diferentes demandas sociais e evolução científica. Nem toda lei relacionada ao bem-estar animal é denominada “Lei ou código de Bem-Estar Animal” ou “Lei de Proteção Animal”. A proteção de alguns ou de todos os animais pode estar oculta em leis que foram aprovadas por uma razão muito diferente. É certo dizer que todo país no mundo tem leis que impactam os animais, mas isso não significa que todas as leis relacionadas aos animais são positivas em relação à proteção de seu bem-estar. Algumas leis podem ser prejudiciais ao bem-estar animal, ou seja, o conteúdo dependerá do propósito da legislação. As leis relacionadas aos animais podem ser leis de: • Proteção à conservação das espécies: apesar da proteção de espécies ser boa para espécies em particular, a legislação pode não especificar nada em relação ao bem-estar animal. Uma afirmação de “não matar” ou preservar nem sempre reconhece a senciência do animal. Sem esse reconhecimento, a punição pela violação é normalmente mínima – parecida com a punição por destruição de propriedade – então não fornece um impedimento forte. • Proibição de atividades: tradicionalmente, leis sobre animais são proibitivas – decretam o que não fazer. Proibir ações específicas relacionadas aos animais, como rinhas (p. ex., rinha de galos, rinhas de cães, rodeios, touradas, etc.), caça, uso de animais em circos, etc., são normalmente positivas para o bem-estar animal. • Proibição de crueldade: proíbe a crueldade ou pune a ocorrência de certos atos (bater, chutar, queimar, arrastar, abandonar, manter acorrentado, etc.), a ação normalmente tem que causar “sofrimento desnecessário” para ser uma violação. Entretanto, esse tipo de legislação é limitado a atos proibidos considerados “cruéis”, e existe a necessidade de provar que o sofrimento foi causado ao animal. Isso pode causar confusão, pois a tolerância pessoal à crueldade difere entre as pessoas, e, comumente, o animal tem que passar por dor ou diestresse extremo antes de se considerar que ele “sofreu”. • Controle de métodos de produção, manejo, transporte e abate: por exemplo, estabelecer padrões na criação para carne ou leite, etc. São normalmente padrões mínimos que proíbem as piores condições consideradas por muitos como crueldade – por exemplo, gaiolas em bateria na produção de ovos, gaiolas de gestação na suinocultura, etc. o problema com essas leis é que muitas pessoas irão trabalhar para apenas atingir esses padrões exigidos 16 que na maioria das vezes são mínimos e não tentarão melhorar o nível de bem-estar animal, implementando práticas de fato positivas em relação aos animais. • Melhora do bem-estar animal: essas leis tendem a ser prescritivas (isto é, estabelecem o que uma pessoa deve fazer) e requerem uma ação positiva para um animal em particular, normalmente especificando padrões mínimos de cuidados. Os melhores tipos de legislação animal estabelecem um dever de cuidado aos que são responsáveis por um animal, para garantir seu bem-estar. leis dessa natureza estabelecem ações positivas que devem ser tomadas para melhorar ou estabelecer padrões gerais para o bem-estar. Essas tendem a ser mais efetivas em relação à melhoria do bem-estar animal. • Melhora da saúde pública: isso é um exemplo onde a inclusão dos animais na legislação pode, na verdade, ser prejudicial para seu bem-estar. Esse tipo de legislação não é delineado para melhorar a situação dos animais, então pode permitir o manejo de populações com o intuito de garantir a saúde pública e muitas vezes permite o controle populacional utilizando-se de métodos cruéis como captura e sacrifício em massa. Apesar de ser uma legislação sobre animais, não foi aprovada com o intuito de ajudá-los. Grupos de bem-estar animal, às vezes, fazem campanhas pela rejeição desse tipo de legislação, pois essa pode permitir a morte desumana de certas espécies, com ausência de punição por uso incorreto. • Melhora da saúde animal: algumas leis relativas à saúde animal são aprovadas para prevenir a disseminação de doenças. Apesar dasregras serem relativas aos animais, como, por exemplo, vacinar todo um rebanho, seu propósito é, normalmente, beneficiar os seres humanos – freando doenças que atingem os animais que são criados ou consumidos pelas pessoas. Como a proteção das pessoas é essencial, o bem-estar dos animais relevantes pode não ser reconhecido ou não ser prevalente. Muitas vezes a proteção legal dada a um animal não depende simplesmente de sua espécie, mas depende de seu status e das circunstâncias. por exemplo, algumas atividades consideradas prejudiciais podem ser realizadas em um coelho em laboratório, mas seria ilegal realizá-las em um coelho de estimação. É comum existirem exceções para certos animais, principalmente os criados para a produção de alimentos e os utilizados em laboratório, mesmo em legislações amplas. por exemplo, no Reino unido, um coelho é protegido por diferentes legislações, dependendo se for um animal de estimação, de produção, de zoológico, de experimentação ou se for considerado uma espécie invasora (uma praga). Apesar de fazer sentido reconhecer que as necessidades de bem-estar de um coelho são as mesmas para qualquer membro da espécie, cada coelho em cada situação recebe proteções diferentes. Coelho de estimação. Coelho em laboratório. Fonte: wikipedia .org. Coelho selvagem – consider- ado em muitos locais como praga, espécie invasora. 17 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities Nas figuras acima, nós temos representados animais de uma mesma espécie, em diferentes situações e com diferentes tipos de proteção legislativa dentro do mesmo país. 3.3.2 por que a legislação é importante para o bem-estar animal? Nas últimas décadas, vem sendo notado um aumento de pessoas preocupadas com os animais, como estes são criados, como são transportados, abatidos e até mesmo como são utilizados em pesquisa, entretenimento, alimentação e companhia e isso, ao longo dos anos, traduziu-se em um aumento significativo do número de documentos jurídicos relacionados à proteção e aos direitos dos animais. Vimos ao longo desta unidade que existem diferentes pontos de vista em relação aos animais, baseados em diferentes enfoques éticos que podem levar a diferentes anseios e intepretações em relação ao tratamento dado aos animais. por essa razão, torna-se necessário um ordenamento jurídico amparado na ciência do bem-estar animal, nos anseios da sociedade e em uma ampla discussão ética e que uniformize as condutas. Dependendo desses valores e do tipo de informação científica disponível e de diferentes anseios, especialistas (e governos, por sua vez) podem chegar a diferentes conclusões sobre o que a legislação de proteção animal deve permitir. por essa razão, diferentes países ou estados dentro de um mesmo país podem ter legislações bem distintas sobre o mesmo assunto relativo à proteção animal. Sabemos que as leis têm um importante papel educativo e regulador; e uma importância muito grande no apoio às práticas que garantam o bem-estar animal. Mas para que essas leis sejam efetivas, elas devem ter as seguintes características: • todos os animais sencientes devem ser protegidos pela lei. • A lei deve ser claramente escrita – listando as violações e como são violadas – para que seja facilmente entendida pelo público e pela indústria. • A lei deve ser prescritiva, compreensiva e coerente, listando o que deve ser fornecido para cada espécie (baseado em suas necessidades fisiológicas e comportamentais), conforme identificado em pesquisas científicas. • A lei deve ser atualizada facilmente de acordo com novos desenvolvimentos científicos. • A lei deve ter o maior status legal, tornando possível condenar quem a viola. • A fiscalização da lei deve ser de clara responsabilidade de um órgão com poderes suficientes e fundos adequados para exercer esse papel. • Idealmente, deve existir um elemento educacional para o público e para a indústria visando o entendimento da senciência animal, levando a um decréscimo no número de violações (a maior parte dos casos de baixo grau de bem-estar animal é devido à falta de educação da pessoa responsável; a partir da explicação sobre o bem-estar e as necessidades dos animais, as violações são facilmente corrigidas). • Deve ser construída com participação de diversos setores. • Deve ser entendida e aceita pela sociedade e pelos gestores públicos - claramente redigida. 18 • Deve ser eficiente (otimização de recursos - $ e pessoas). • Deve ser ética e cientificamente embasada, abrangente, precisa, avançada, eficaz e executável. • Deve ser adaptada às necessidades e desafios específicos do local. • Deve SEMpRE promover o bem-estar, prevenir a crueldade e minimizar o sofrimento de animais e pessoas. • Deve ATINGIR as três esferas de influência - pessoas, estado (executor) e as autoridades (fiscalizador). Destacamos também que da mesma forma que a legislação é importante no apoio à implementação das práticas de bem-estar, a ciência do bem-estar, por outro lado, torna-se imprescindível no amparo das decisões legais acerca do tema e o médico veterinário se torna crucial no processo de desenvolvimento da ciência do bem-animal e sua disseminação entre os atores (sociedade, legisladores, agentes de fiscalização, produtores, tutores, etc.). 3.3.3 As principais leis relacionadas ao bem-estar animal no Brasil As principais leis relacionadas à proteção dos animais e ao bem-estar animal surgiram nas últimas duas décadas, com o amparo de nossa Constituição Federal, de 1988, que já abordava em seu Art. 225 que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Mas, desde 1964, já contávamos com o Decreto-lei n° 24.645/1934, que estabelecia medidas de proteção aos animais e descrevia em seu Art. 1º - todos os animais existentes no país são tutelados do Estado. pela primeira vez, um ordenamento jurídico brasileiro versava e exemplificava casos considerados maus-tratos aos animais domésticos, além de descrever a penalidade ao infrator, como descrito em seu Art. 3º - Consideram maus-tratos: I. praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II. Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; III. obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo; IV. Golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em benefício exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou interesse da ciência; V. Abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; VI. Não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não; 19 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities VII. Abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação; VIII. trelar, no mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bovinos com equinos, com muares ou com asininos, sendo somente permitido o trabalho em conjunto a animais da mesma espécie; IX. Atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis, como sejam balancins, ganchos e lanças ou com arreios incompletos, incômodos ou em mau estado, ou com acréscimo de acessóriosque os molestem ou lhes perturbem o funcionamento do organismo; X. utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo que este último caso somente se aplica a localidades com ruas calçadas; XI. Açoitar, golpear ou castigar por qualquer forma a um animal caído sob o veículo, ou com ele, devendo o condutor desprendê-lo do tiro para levantar-se; XII. Descer ladeiras com veículos de tração animal sem utilização das respectivas travas, cujo uso é obrigatório; XIII. Deixar de revestir com o couro ou material com idêntica qualidade de proteção, as correntes atreladas aos animais de tiro; XIV. Conduzir veículo de tração animal, dirigido por condutor sentado, sem que o mesmo tenha boleia fixa e arreios apropriados, com tesouras, pontas de guia e retranca; XV. prender animais atrás dos veículos ou atados às caudas de outros; XVI. Fazer viajar um animal a pé, mais de 10 quilômetros, sem lhe dar descanso, ou trabalhar mais de 6 horas contínuas sem lhe dar água e alimento; XVII. Conservar animais embarcados por mais de 12 horas, sem água e alimento, devendo as empresas de transportes providenciar sobre as necessárias modificações no seu material, dentro de 12 meses a partir da publicação desta lei; XVIII. Conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés atados, ou de qualquer modo que lhes produza sofrimento; XIX. transportar animais em cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e números de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rede metálica ou idêntica, que impeça a saída de qualquer membro animal; XX. Encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível moverem-se livremente, ou deixá-los sem água e alimento por mais de 12 horas; XXI. Deixar sem ordenhar as vacas por mais de 24 horas, quando utilizadas na exploração do leite; XXII. ter animais encerrados juntamente com outros que os aterrorizem ou molestem; XXIII. ter animais destinados à venda em locais que não reúnam as condições de higiene e comodidades relativas; 20 XXIV. Expor, nos mercados e outros locais de venda, por mais de 12 horas, aves em gaiolas, sem que se faça nestas a devida limpeza e renovação de água e alimento; XXV. Engordar aves mecanicamente; XXVI. Despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos à alimentação de outros; XXVII. Ministrar ensino a animais com maus-tratos físicos; XXVIII. Exercitar tiro ao alvo sobre patos ou qualquer animal selvagem ou sobre pombos, nas sociedades, clubes de caça, inscritos no Serviço de Caça e pesca; XXIX. Realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado; XXX. Arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculos e exibi-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias; XXXI. transportar, negociar ou caçar, em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores, e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizações para fins científicos, consignadas em lei anterior. Mas a principal lei hoje em vigor é a Lei de Crimes Ambientais, a Lei Federal 9605/1998 que “Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências” e em seu Artigo 32 discorre: ARt 32. praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. outras iniciativas são importantes quando pensamos em ordenamento jurídico relacionado ao bem-estar animal. Em 2011, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) criou, através da poRtARIA nº 524/2011, a Comissão Técnica Permanente de Bem Estar Animal – CTEBEA, que tem como objetivos principais: Coordenar ações referentes a BEA, nos animais de produção e interesse econômico, em toda a cadeia produtiva; Desenvolver e propor “standards” e recomendações técnicas de boas práticas relativas ao BEA; Estimular e promover eventos relacionados aos assuntos da CtBEA; promover treinamentos para os vários atores envolvidos na cadeia de produção animal; Articular entre representantes da cadeia de produção animal e pesquisas; propor publicação e divulgação de material técnico sobre o tema BEA; Encorajar e propor acordos, convênios e termos de cooperação, com entidades públicas e privadas para fomento de ações ligadas ao bem-estar. Em 2008 já tinha sido criada a Instrução Normativa nº 56/2008 que “Estabelece recomendações de boas práticas em BEA em sistemas produtivos e no transporte de animais”. outra instrução normativa importante, relacionada ao bem-estar dos animais de produção, é a Instrução Normativa nº 03/2000: que estabeleceu as normas para o abate humanitário. 21 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities Apesar de termos um arcabouço jurídico que legisla e regulamenta questões relacionadas ao direito dos animais e ao bem-estar animal e de que essa área tenha evoluído nas últimas décadas. Ainda há muitos desafios não só relacionados à fiscalização e ao cumprimento das leis e normas, mas também os desafios relacionados ao risco de retrocesso em relação a algumas práticas e de exploração animal, como utilização de animais em provas de entretenimento como rodeios, vaquejadas, etc. 3.4 os médicos veterinários e sua importância na promoção do bem-estar animal Como dissemos anteriormente, os veterinários têm um papel importantíssimo e a sociedade demanda atualmente uma atuação profissional que englobe capacidade crítica em questões de bem-estar animal (BEA) e amplo respaldo técnico no que tange à análise das condições de vida dos animais. Ao trabalharem diretamente com animais, esses profissionais são os principais responsáveis pelo seu bem-estar e exercem um papel preponderante no desenvolvimento dessa questão, não só através de suas próprias ações, mas também influenciando as autoridades, os legisladores e o público em geral. De acordo com as recomendações expressadas pela OIE (Organização Mundial de Saúde Animal, World Organisation for Animal Health), “os veterinários devem receber formação em bem-estar animal e ética, pois há necessidade de preencher a crescente demanda em cumprir as exigências éticas e legais, que cada vez mais incluem elementos em bem-estar animal”. Como veterinário, você pode ser a pessoa que mais tem chances de encontrar contravenções legais relativas ao bem-estar animal. Entretanto, você pode relutar em denunciar um cliente (p. ex., dono de uma granja de galinhas poedeiras ou um tutor de um cão) às autoridades, porque se sente responsável pelo cliente e porque pode ter medo de fazer com que ele perca o negócio, ou seja preso. Mas, por outro lado, seus outros clientes podem deixar de contratá-lo se considerarem que você não cumpriu com suas obrigações profissionais, ou que não tenha feito nada para impedir um caso de maus-tratos. Essas situações são bastante delicadas e demandam um senso crítico aguçado e muitas vezes rapidez na tomada de decisão. Em muitos casos, onde se está diante de uma situação onde o animal está sendo prejudicado, o ideal seria iniciar uma abordagem com o cliente ou tutor, informando a ele qual foi a contravenção, educando-o a não cometer mais o mesmo erro, explicando sobre os direitos em relação aos animais, e se isso não surtir efeito ou dependendo da gravidade do caso, seguir informando aos órgãosfiscalizadores locais para que eles tomem as providências cabíveis naquele caso. Sempre temos que ter em mente que, ao contrário dos seres humanos, os animais são incapazes de sair de uma situação de sofrimento ou de não atendimento de suas necessidades, portanto dependem das pessoas para se protegerem em uma situação de maus–tratos. Se você não puder educar o proprietário ou tutor a agir positivamente com o animal ou com outros animais que estão sob sua responsabilidade, a melhor coisa a fazer é denunciar o fato a um órgão fiscalizador e tentar colocar o animal em segurança. Como veterinário, você também pode agir como um perito, ou seja, ser envolvido em casos legais para fornecer uma opinião especializada (acusação ou defesa) onde existe uma suspeita de violação de uma lei de proteção animal. 22 Existem muitas outras formas também pelas quais os veterinários podem influenciam o bem- estar animal, como profissionais e como indivíduos, como, por exemplo: • Na contribuição aos estudos voltados ao bem-estar animal; • Na identificação e denúncia de casos de maus–tratos; • Na investigação e perícia de casos de maus-tratos; • Na implementação de boas práticas de manejo e criação de animais; • No manejo da dor em suas rotinas de trabalho, na promoção da medicina preventiva, com vacinas, esterilizações, etc.; • Nas suas decisões éticas sobre a melhor conduta frente ao animal; • Na comunicação e educação de proprietários/tutores, manejadores, produtores, etc.; • No aconselhamento a legisladores e órgãos reguladores; • No desenvolvimento de políticas em relação aos atos médicos veterinários; • Na participação ativa nos conselhos de classe para a formulação de guias, resoluções e na construção de um código de ética profissional que possa garantir o bem-estar dos animais. Em relação à nossa conduta profissional frente ao tema, existem inúmeras resoluções e um código de ética regulamentado pelo Conselho Federal de Med. Veterinária CFMV que nos norteiam e ajudam na nossa atuação em prol do bem-estar animal. 3.4.1 Códigos de ética do profissional veterinário e o bem-estar animal De acordo com a resolução nº 1138, de 16 de dezembro de 2016, que estabelece o novo Código de Ética do Médico Veterinário, e as atribuições do médico veterinário conferidas no CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, podemos destacar os artigos 3º e 4º que discorrem: Art. 3º Empenhar-se para melhorar as condições de bem-estar, saúde animal, humana, ambiental, e os padrões de serviços médicos veterinários. Art. 4º No exercício profissional, usar procedimentos humanitários preservando o bem-estar animal evitando sofrimento e dor. E o Art. 6º - São deveres do médico veterinário, podendo ser destacados os seguintes parágrafos: I. Aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício dos animais, do homem e do meio-ambiente; VIII. Denunciar pesquisas, testes, práticas de ensino ou quaisquer outras realizadas com animais sem a observância dos preceitos éticos e dos procedimentos adequados; 23 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities XIII. Realizar a eutanásia nos casos devidamente justificados, observando princípios básicos de saúde pública, legislação de proteção aos animais e normas do CFMV; Nesse caso, vemos que a profissão do médico veterinário possui um importante papel no cumprimento das normas que regem a proteção à saúde e bem-estar dos animais, exercendo também um papel preponderante como agente de denúncia e fiscalização. NÃo DEIXE DE lER Se você quiser ler o Código de Ética do Médico Veterinário e conhecer os seus direitos e de- veres profissionais, acesse: http://portal.cfmv.gov.br/pagina/index/id/62/secao/2. 3.5 Eutanásia e cuidados paliativos 3.5.1 Eutanásia o termo eutanásia deriva do grego “eu” (boa) + “thanatos” (morte), ou seja, significa literalmente “boa morte”. Para a medicina veterinária, significa "causar a morte humanitária de um animal em seu próprio benefício", como definiu Donald Bromm, em 2007. O nosso conselho federal de medicina veterinária CFMV definiu, em 2013, eutanásia como “a indução da cessação da vida animal, por meio de método tecnicamente aceitável e cientificamente comprovado, observando sempre os princípios éticos”. É muito importante não confundir “eutanásia” com outros termos como abate, que seria “causar a morte de animais para consumo humano” (oIE, 2009); Sacrifício emergencial ou sanitário, que seria “o sacrifício em massa de espécies produtivas para o controle de doenças”, como, por exemplo, para controle da influenza aviária ou febre aftosa; e Morte humanitária, onde se mata um animal por interesses externos a ele, mas se utiliza “um método que provoca perda de consciência rápida e irreversível, com o mínimo de dor e diestresse ao animal” (oIE, 2011). A eutanásia difere desses conceitos, pois é sempre considerada um “ato de misericórdia” em relação ao animal. pelo fato da eutanásia ser motivada pela compaixão em relação ao animal, e não por um benefício humano, é diferente de abate, do sacrifício sanitário, etc. E por que é importante falarmos desse tema quando estamos discutindo bem-estar animal e ética? porque a eutanásia pode ser uma das ferramentas de promoção de bem-estar, pois serve para evitar o sofrimento dos animais (ICAM, 2012) e, geralmente, em medicina veterinária ela acontece: • Quando um animal tem uma doença incurável, irreversível e está em um estado de sofrimento que não pode ser amenizado ou manejado; • Em casos de sofrimento extremo, que qualquer atraso na eutanásia pode ser considerado maus-tratos; 24 • Quando o animal tem um problema de saúde física ou comportamental sério sem nenhum prognóstico de recuperação. As decisões acerca da eutanásia podem ser consideradas um importante dilema dentro da nossa profissão, pois envolvem diferentes percepções acerca desse tema. pessoas de diferentes culturas e religiões trazem diferentes ensinamentos sobre o valor da vida animal e diferentes visões sobre se devemos ou não matar animais por qualquer razão. por exemplo, as religiões budistas e hinduístas advertem contra provocar a morte de qualquer espécie; no entanto, o islamismo, o cristianismo e o judaísmo não se opõem a matar animais, mas instruem que devemos sempre tratar os animais com consideração. outros, mesmo não levando em conta suas crenças religiosas ou culturas, acreditam que o sofrimento é uma característica da vida e a prevenção do sofrimento pelo encurtamento da vida não é natural. Entretanto, em muitas partes do mundo, o consenso é que o sofrimento pode ficar tão severo e incurável que matar, de forma humanitária, é a única forma de aliviá-lo. Nessa linha de pensamento, a morte humanitária é justificada. Mas até mesmo a interpretação do que é “justificado” e “humanitário” pode ser subjetiva. Dessa maneira, a ciência, os códigos de ética médica e as resoluções acerca do tema podem nortear os veterinários em suas decisões e recomendações junto aos tutores, proprietários de granjas, etc. Várias instituições veterinárias ao redor do mundo fornecem diretrizes sobre a morte humanitária de animais. Alguns recursos úteis são: • Associação Americana de Médicos Veterinários (2014): https://www.avma.org/KB/ policies/pages/Euthanasia-Guidelines.aspx; • organização Mundial de Saúde Animal (oIE) – Código Sanitário de Animais terrestres (2017): www.oie.int/en/international-standard-setting/terrestrial-code/access-online/; • ICAM (Manejo de Animais de Companhia Internacional – 2007) – • Métodos de eutanásia em cães e gatos, comparações e recomendações: http://www.icam- coalition.org/downloads/ICAM-Euthanasia%20Guide-ebook.pdf. Mas a mais importante publicação nacionala respeito do tema no Brasil é a resolução nº 1000, publicada em 11 de maio de 2012, pelo CFMV, que dispõe sobre procedimentos e métodos de eutanásia em animais e dá outras providências. Nessa resolução, o CFMV indica no Art. 3º que a eutanásia pode ser indicada nas situações em que: I. o bem-estar do animal estiver comprometido de forma irreversível, sendo um meio de eliminar a dor ou o sofrimento dos animais, os quais não podem ser controlados por meio de analgésicos, de sedativos ou de outros tratamentos; II. o animal constituir ameaça à saúde pública; III. o animal constituir risco à fauna nativa ou ao meio ambiente; IV. O animal for objeto de atividades científicas, devidamente aprovadas por uma Comissão de Ética para o uso de Animais - CEuA; 25 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities V. o tratamento representar custos incompatíveis com a atividade produtiva a que o animal se destina ou com os recursos financeiros do proprietário. E o Art. 4º descreve quais são os princípios básicos norteadores dos métodos de eutanásia: I. Elevado grau de respeito aos animais; II. Ausência ou redução máxima de desconforto e dor nos animais; III. Busca da inconsciência imediata seguida de morte; IV. Ausência ou redução máxima do medo e da ansiedade; V. Segurança e irreversibilidade; VI. Ausência ou mínimo impacto ambiental; VII. Ausência ou redução máxima de risco aos presentes durante o procedimento; VIII. Ausência ou redução máxima de impactos emocional e psicológico negativos no operador e nos observadores. outro ponto bastante importante nessa resolução é o Art. 5º que versa - É obrigatória a participação do médico veterinário na supervisão e/ou execução da eutanásia animal em todas as circunstâncias em que ela se faça necessária. Em 2013, o CFMV, após a promulgação da Resolução Nº 1000 e com o intuito de “uniformizar os procedimentos relacionados à eutanásia, observando a diversidade das espécies envolvidas e a multiplicidade dos métodos aplicados, bem como vir a suprir a necessidade de seguir diretrizes e normas que garantam o atendimento aos princípios de bem-estar animal e respeito aos parâmetros éticos”, publicou o Guia Brasileiro de Boas Práticas para Eutanásia em Animais. NÃo DEIXE DE lER Se você quiser ler o Guia Brasileiro de Boas práticas para Eutanásia em Animais, acesse: http://portal.cfmv.gov.br/uploads/files/Guia%20de%20Boas%20Pr%C3%A1ticas%20 para%20Eutanasia.pdf.pdf. 26 Em relação às obrigações profissionais frente ao procedimento de eutanásia, o CFMV indica em seu guia que o médico veterinário deve sempre: 1. Garantir que os animais submetidos à eutanásia estejam em ambiente tranquilo e adequado, respeitando os princípios básicos norteadores desse método; 2. Atestar a morte do animal, observando a ausência dos parâmetros vitais; 3. Manter os prontuários com as técnicas e os métodos empregados sempre disponíveis para fiscalização pelos órgãos competentes; 4. Esclarecer ao proprietário ou responsável legal pelo animal, quando for o caso, sobre o ato da eutanásia; 5. Solicitar autorização, por escrito, do proprietário ou responsável legal pelo animal, para a realização do procedimento, quando for o caso; 6. permitir que o proprietário ou responsável legal pelo animal assista ao procedimento, sempre que o proprietário assim desejar, desde que não existam riscos inerentes. tanto a resolução nº 1000 quanto o Guia Brasileiro de Boas Práticas para Eutanásia em Animais indicam quais são os métodos aceitos e os não aceitos para cada espécie animal. VoCÊ SABIA... Em relação aos protocolos de eutanásia para cada espécie, existem diversos outros guias, indicados por conselhos e órgãos federais. podemos destacar a nova Diretriz da prática de Eutanásia do CoNCEA (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), criada através da Resolução Normativa nº 37, que aprova novas orientações para os procedimentos de eutanásia realizados em animais em atividades de ensino ou de pesquisa científica. Entre as importantes mudanças, podemos destacar que essa supervisão ressalta a obrigatoriedade do médico veterinário como Responsável técnico (Rt) nas instalações para a realização do pro- cedimento. Essa resolução pode ser acessada no link: http://www.mctic.gov.br/mctic/export/ sites/institucional/institucional/concea/arquivos/legislacao/resolucoes_normativas/Resolu- cao-Normativa-n-37-Diretriz-da-pratica-de-Eutanasia_site-concea.pdf. Em relação aos guias publicados pelos principais órgãos norteadores da atividade, podemos destacar que a escolha do método de eutanásia é extremamente importante para assegurarmos o bem-estar dos animais e para evitar qualquer tipo de sofrimento desnecessário. E esse deve sempre promover a perda da consciência de forma rápida, precedendo qualquer experiência emocional ou física desagradável, seguida de parada cardíaca e respiratória e perda da função cerebral. para isso, recomenda-se sempre o uso de anestésicos injetáveis - barbitúricos, propofol, etc. o uso isolado de anestesia dissociativa, com cloridrato de cetamina e cloridrato de xilazina, só é indicado para contenção química, uma vez que não causa anestesia geral. E indicam os requisitos necessários para os procedimentos de eutanásia, que são: • perda da consciência sem dor, estresse, ansiedade, sofrimento físico e mental; • tempo até inconsciência de até 30 segundos; • Segurança para os operadores; 27 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities • Irreversibilidade do método; e • Compatibilidade com a espécie, idade, estado de saúde, comportamento e condição do animal. A questão da eutanásia na medicina veterinária também levanta outra importante discussão ética em relação ao peso emocional que essa traz aos profissionais. Existem estudos demonstrando que o médico veterinário está cinco vezes mais presente nos momentos de eutanásia de seus pacientes do que outros profissionais da área da saúde (SHAW, 2007), e esse fato vem colaborando para inúmeros problemas nos profissionais envolvidos. Como descritos a seguir, por Stewart, em 1999: “A maioria veterinários e funcionários que trabalham em abrigos públicos, privados ou centro de controle de zoonoses e que lidam com ‘eutanásia’ de animais saudáveis desenvolvem stress, depressão, vícios, devido à extrema carga emocional envolvida e muitas vezes devido ao preconceito gerado entre colegas e sociedade em relação a esses profissionais.” outro ponto bastante discutido é sobre quem decide acerca da eutanásia de um animal, quem decide que o animal precisa ser eutanasiado? Apesar de o veterinário ter um papel importantíssimo no aconselhamento da tomada de decisão, de maneira geral, a decisão final de eutanasiar é normalmente tomada pelo proprietário/tutor de um animal de estimação. Muitos tutores têm conhecimento e bom senso sobre a condição de saúde e o grau de sofrimento do seu animal, visto em relação ao tratamento e prognóstico, mas ainda há muitos que apresentam uma obstinação terapêutica ou ficam em negação em relação à doença, ao sofrimento e ao prognóstico de seus animais. Nesse caso, a demora da decisão sobre a eutanásia pelo tutor pode prolongar o sofrimento desnecessário do animal, através do prolongamento de diestresse, desconforto e dor. os veterinários sabem o quão bem os animais respondem aos tratamentos e quanto podem tolerar as intervenções e os procedimentos terapêuticos ou paliativos. Normalmente, essa combinação do conhecimento do tutor e do veterinário faz com que seja relativamente fácil para os tutores tomarem uma decisão informada sobre se devem eutanasiar o animal. legalmente, na maioria das jurisdições, os animais são considerados bens e são propriedade e os veterinários não podem decidir oque fazer com um animal, ou seja, nesses casos somente o proprietário pode autorizar a eutanásia. Eticamente, é importante que o veterinário respeite a autonomia do tutor e não utilize a culpa ou a manipulação para influenciar a decisão do tutor sobre a eutanásia. Entretanto, é primordial que esse profissional aconselhe seu cliente na melhor tomada de decisão sempre levando em conta o bem-estar do animal, encorajando a eutanásia quando não existir nenhum tratamento possível, quando o animal estiver em grande sofrimento ou mesmo desencorajá-la quando há chances de recuperação. Quando os animais não possuem um tutor, por exemplo, animais abandonados recolhidos por um serviço de controle de zoonoses, a eutanásia somente deve ser indicada em casos previstos pela legislação local, levando em conta os preceitos éticos e legais e após terem sido utilizados todos os recursos possíveis para evitar o sofrimento do animal. Alguns estudiosos indicam matrizes éticas para auxiliar médicos veterinários e tutores na tomada decisão; como a matriz desenvolvida pela IFAW, encontrada na página 19, do Guia “The welfare basis for euthanasia of dogs and cats and policy development”, da ICAM - International Companion Animal Management Coalition. 28 3.5.2 Cuidados paliativos na promoção do bem-estar animal Com a crescente manutenção de animais de companhia, cada vez mais encontramos famílias com pelo menos um cão ou um gato. No Brasil, de acordo com o último levantamento publicado pelo IBGE, em 2015, 44,3% dos domicílios brasileiros possuía pelo menos um cão e 17,7%, pelo menos um gato. o mesmo estudo demonstrou, através de amostragens, que Brasil possuía um número de 52,2 milhões de cães e 22,1 milhões de gatos domiciliados. Ao mesmo tempo vemos uma crescente preocupação com a qualidade de vida desses animais, que já são considerados como entes familiares, quando esses apresentam doenças graves e terminais, uma grande parte dos tutores demonstra querer manter seus animais vivos até o momento final com a maior qualidade de vida possível, negando-se a abandoná-los à própria sorte ou a abreviarem suas vidas. Nesse momento, os veterinários são demandados a oferecerem alternativas viáveis e humanitárias à eutanásia, mesmo sabendo do mau prognóstico da doença. Esses cuidados são chamados de Cuidados paliativos e consistem em uma série de procedimentos que auxiliam a qualidade de vida quando não se pode curar uma enfermidade, seja por limitações da medicina ou por limitações financeiras do tutor. o conceito de Cuidados paliativos originou-se na medicina humana, sendo que desde 1990 a OMS o definiu como “os cuidados necessários para ajudar um paciente, uma pessoa, que tenha uma enfermidade grave ou uma enfermidade terminal a se sentir melhor. ou seja, são cuidados prestados não só físicos, como também emocionalmente, e até socialmente a uma pessoa que tenha uma doença grave ou está no final de sua vida, para que essa pessoa se sinta melhor com ela mesma e possa ter uma melhor qualidade de vida”. No entanto, na medicina veterinária, esse conceito é mais novo, e surgiu pela primeira vez na década de 1980, representando uma nova opção frente a situações comuns de animais senis ou com doença sem expectativa de cura, entretanto, ainda não se apresenta como única possibilidade a ser oferecida aos tutores de pacientes terminais. Diante da crescente demanda por esses novos conceitos, torna-se muito importante que o profissional veterinário conheça as indicações e as técnicas de cuidados paliativos, visto que muitas escolas e associações têm voltado seus estudos a novas terapêuticas para cura ou para as indicações de eutanásia, deixando de lado as discussões relacionadas a esses cuidados. A indicação veterinária para se colocar um paciente animal em cuidados paliativos ocorre comumente nas seguintes situações: Diagnóstico de doença terminal, onde não há chances de cura; Doença crônica e progressiva de difícil manejo terapêutico, estado geriátrico terminal; Falha na terapêutica curativa; Sinais clínicos graves de doença crônica que interferem com a rotina normal ou parâmetros de qualidade de vida; e Doenças progressivas com complicações. A associação internacional de cuidados paliativos para animais (The International Association for Animal Hospice and Palliative Care - IAAHPC) define Cuidados Paliativos como “manejo de pacientes de cuidados paliativos que progrediram de tal forma que a morte provavelmente ocorrerá dentro de um período de dias a semanas”. O objetivo dos “cuidados paliativos” é identificar e aliviar uma ampla gama de sofrimentos físicos e emocionais que podem ser experimentados pelos animais que apresentam doenças terminais como dor aguda, dor crônica, desconforto, fome, dificuldade de se alimentar, dificuldade 29 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities de respirar, dificuldade de se locomover, reações adversas à medicação, dificuldade de se autolimpar, ansiedade, tédio, isolamento, etc. os cuidados paliativos provêm assistência emocional, social e física, como descritas na pirâmide a seguir: Necessidade de Auto-Realização Necessidade de Auto-Estima Necessidade Sociais Necessidade de Segurança Necessidade Fisilógicas Os princípios dos cuidados no fim da vida, conhecidos em inglês como End of Life care (Eol), estão resumidos nesse quadro, publicado na página 345 do “End of life guideline”, pela IAAHPC, em 2016. Em relação às indicações de cuidados paliativos ou eutanásia, esta escolha deve sempre partir como uma indicação, recomendação do médico veterinário ao tutor. o prognóstico reservado e sem opção de tratamento ou de cuidados paliativos só deve ser indicado ao tutor quando se esgotam todas as opções da manutenção da vida com qualidade. Essa limitação pode ser da própria medicina, bem como do tutor, quando este se torna incapaz de promover os cuidados paliativos adequados. Diante dessa situação, a eutanásia pode ser sugerida pelo médico veterinário para evitar maior sofrimento e só deve ser indicada quando todas as possibilidades de prover uma qualidade de vida se exaurirem. 30 Síntese Diante dessa nova possiblidade dentro da medicina veterinária, os médicos veterinários têm por obrigação ética e profissional orientar os clientes sobre a disponibilidade dos cuidados paliativos como opção de tratamento no caso de prognóstico desfavorável. A obrigação do profissional que indica e maneja os cuidados paliativos está intimamente ligada com a garantia do bem-estar, mas vai além de cuidar da saúde física e emocional do seu paciente animal, e se estende também ao respeito pelos limites emocionais e financeiros dos tutores, procurando sempre manter uma total transparência em relação ao prognóstico, ao tratamento paliativo, se colocando à disposição para ajudar nos momentos críticos onde haja a necessidade de tomadas de decisões mais críticas. 31 Ética e Bem Estar Animal Laureate International Universities AMAZONAWS. The welfare basis for euthanasia of dogs and cats and policy develop- ment. Disponível em: <https://s3.amazonaws.com/ifaw-pantheon/sites/default/files/legacy/ ICAM%20Euthanasia%20protocol.pdf>. Acesso em: 03 jul. 2018. APPLEBY, M. C.; HUGHES, B. O. Animal Welfare, 1997. BRASIl. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. 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Disciplina ÉTICA E BEM-ESTAR ANIMAL 3.1 Bem-estar dos Animais de Companhia 3.2 Diferentes princípios éticos em relação ao tratamento dado aos animais 3.2.1 Utilitarismo 3.3 A importância da legislação em bem-estar animal 3.3.1 O que é legislação? 3.3.2 Por que a legislação é importante para o bem-estar animal? 3.3.3 As principais leis relacionadas ao bem-estar animal no Brasil 3.4 Os médicos veterinários e sua importância na promoção do bem-estar animal 3.4.1 Códigos de ética do profissional veterinário e o bem-estar animal 3.5 Eutanásia e cuidados paliativos 3.5.1 Eutanásia 3.5.2 Cuidados paliativos na promoção do bem-estar animal
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