Prévia do material em texto
AT 1 FUNDAMENTOS DO DIREITO EMPRESARIAL 2 3 S U M Á R IO 2 3 UNIDADE 1 - Introdução 5 UNIDADE 2 - Evolução da atividade e do direito empresarial 8 2.1 O Direito Comercial brasileiro 10 2.2 A divisão do Direito Comercial 12 2.3 Do Direito Comercial ao Direito Empresarial 14 UNIDADE 3 - Os atos de comércio e a teoria da empresa 15 3.1 A divisão dos atos de comércio 20 3.2 A Teoria da Empresa 23 UNIDADE 4 - Aplicações e características do direito empresarial 23 4.1 São características marcantes no e do Direito Empresarial e que o distinguem de outros ramos, em especial do direito civil: 26 UNIDADE 5 - A atividade empresarial, o estabelecimento e o empresário 26 5.1 A atividade empresarial 26 5.2 O empresário 28 5.3 O estabelecimento empresarial 35 5.4 A boa imagem dos dirigentes – o elemento pessoal 35 5.5 Noção de propriedade intelectual 41 UNIDADE 6 - Condições para exercer a atividade 42 6.1 Preposto do empresário – arts. 1.169 a 1.178 CC) 43 6.2 Não podem ser empresários 44 REFERÊNCIAS 2 3 UNIDADE 1 - Introdução 3 Por definição, fundamento é a razão ou argumento em que se funda uma tese, um ponto de vista, uma base de apoio, ori- gem, princípio (FERREIRA, 2004). Trans- portando o conceito para o Direito, pode- ríamos dizer que são as razões pelas quais existe a atividade econômica, ou seja, é a sua finalidade. A norma fundamental (no caso a Cons- tituição Federal) é aquela que inaugura o sistema e regula o todo. É a razão de ser e o princípio antecedente da proposição consequente, o princípio seria o ponto de partida. Compreender a atividade comercial e os seus fundamentos são os dois pontos de partida importantes para quem pretende estudar de forma séria e ampla o direito empresarial. O direito geralmente funciona como um mecanismo institucionalizado para pres- crever obrigações, cuja finalidade é de pacificamente possibilitar a convivência social. Nesse sentido, a atividade econô- mica é uma das atividades sociais mais im- portantes, uma vez que tem por objetivo satisfazer as necessidades humanas, ou melhor, cuidar da própria sobrevivência humana (DEL MASSO, 2010). O Direito empresarial cuida mais especificamente dos seguintes temas: Obrigações de constituição, escri- turação e levantamento de informações financeiras do empresário; Estabelecimento empresarial; Propriedade intelectual; Regime jurídico de proteção da con- corrência; Sociedades empresariais; Regime jurídico do mercado de ca- pitais; Títulos de crédito; Tributações; Contratos empresariais; e, Recuperação judicial e extrajudicial de empresas e falência. Assim sendo, para compreendermos a organização da atividade econômica e as mudanças que ocorrem cotidianamente nas práticas econômicas, veremos ao lon- go desta apostila, a evolução da atividade e do direito empresarial, conceitos e defi- nições básicas, as aplicações e caracterís- ticas do direito empresarial; a própria ati- vidade, o empresário, o estabelecimento empresarial e as condições para exercer a atividade. Em linhas gerais, o Direito Empresarial ou Direito de Empresa, é um ramo do direi- to privado, anteriormente fazendo parte do Direito Comercial como um Direito Mer- cantil e atualmente faz parte da codifica- ção do Novo Código Civil Brasileiro. Tra- ta-se o Direito Empresarial ou Direito de Empresa como um conjunto de princípios e normas concernentes à estrutura e ati- vidades das empresas. Pela primeira vez numa codificação civil brasileira, passa-se a disciplinar as regras básicas da atividade negocial, do conceito de empresário ao de sociedade (OLIVEIRA, 2004). 4 54 Ressaltamos em primeiro lugar que em- bora a escrita acadêmica tenha como pre- missa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clás- sicos, não se tratando, portanto, de uma redação original. Ao final do módulo, além da lista de re- ferências básicas, encontram-se muitas outras que foram ora utilizadas, ora so- mente consultadas e que podem servir para sanar lacunas que por ventura surgi- rem ao longo dos estudos. 4 5 UNIDADE 2 - Evolução da atividade e do direito empresarial 5 O caminho percorrido pelo Direito Co- mercial e, por conseguinte, pelo Direito Empresarial até o advento do Código Civil de 2002 nos faz voltar a alguns séculos no tempo, mais precisamente na Idade Média e estudar um pouco os aspectos que le- vam à sua evolução histórica. Segundo vários estudiosos, inclusive ADILSON DE SIQUEIRA LIMA (2004), o sur- gimento do direito comercial relaciona-se à ascensão da classe burguesa, originan- do-se da necessidade dos comerciantes da Idade Média de possuírem um conjunto de normas para disciplinar a atividade pro- fissional por eles desenvolvida. Reunidos em corporações de ofício, os comerciantes criaram o direito comercial com base nos usos e costumes comerciais difundidos pelos povos que se dedicaram à atividade comercial, dentre os quais se destacam os gregos e os fenícios. Esses povos antigos trouxeram importantes contribuições na área do comércio marítimo, permitindo o surgimento de importantes institutos ju- rídicos incorporados pelo direito comer- cial no decorrer de sua evolução histórica. Mas o que é comércio? Etimologicamente, o termo “comércio” vem do latim, commercium, que quer dizer “tráfico de mercadorias”. Tal significado é facilmente resgatado na definição desse termo, que vem a ser a troca voluntária de produtos e serviços por outros produtos ou por valores, ou mesmo de valores en- tre si, estando implícito o ato de negociar, vender, revender, comprar algo, em sínte- se, são todas as relações de negócios. Por analogia, teremos então que o comércio é uma relação social que é singular ao ho- mem (MEDEIROS, 2011). LUCIANA MARIA DE MEDEIROS (2011) ressalta com propriedade que o ato de co- mercializar precisa refletir o desejo de al- guém em adquirir algo e a conveniência de outrem em cedê-lo ou vendê-lo. De todo modo, não é possível identifi- car a existência de comércio formalmente instituído nos tempos primitivos pelo fato de, nessa época, os produtos se desti- narem apenas à subsistência; isto é, não ocorria a troca de excedentes, o que se deu gradativamente. FRAN MARTINS (1991, p. 01) explica que no início da civilização, os grupos so- ciais procuravam bastar-se a si mesmos, produzindo material de que tinham neces- sidade ou se utilizando daquilo do que po- deriam obter facilmente da natureza para a sua sobrevivência – alimentos, armas rudimentares, utensílios. O natural cresci- mento das populações, com o passar dos tempos, logo mostrou a impossibilidade desse sistema, viável apenas nos peque- nos aglomerados humanos [...] Passou-se, então, à troca dos bens desnecessários, excedentes ou supérfluos para certos grupos, mas necessários a outros [...]. Ine- gavelmente, a troca melhorou bastante a situação de vida de vários agrupamentos humanos. Nessa época remota, as mercadorias que se barganhavam eram, na verdade, o que se produzia em excesso, tornando-se mais intensa essa atividade à medida que foi sendo necessário diversificar os ma- 6 7 teriais de que se dispunha, uma vez que a produção para consumo próprio já não era suficiente e as riquezas passaram a ser produzidas com fins de permuta. Os grupos, nômades e geralmente de uma mesma família, isolados uns dos ou- tros, eram autossuficientes; ao inicia- rem um processo de aproximação,iniciou também a primeira forma de comércio – a troca. Com as trocas, as riquezas foram sendo melhor aproveitadas e cada grupo podia se dedicar a produzir aquilo para o que fosse mais apto (MEDEIROS, 2011). Avançando na história, chegamos à Grécia onde o comércio acontecia à base de costumes, mas é aí que surgem os pri- meiros contratos e o uso da lei escrita, os quais orientavam a comercialização marí- tima. Em Roma, o comércio era praticado pelos estrangeiros, disciplinados pelo jus gentium, uma vez que a aristocracia não via com apreço tal atividade, tida como desonrosa. Paulatinamente, o homem promoveu uma série de evoluções que facilitaram o fluxo de mercadorias e as atividades co- merciais, então foram criadas moedas, bancos, bolsas de valores e diversos ou- tros institutos. No entanto, nessas civili- zações clássicas não havia uma legislação comercial especial, o que se inicia a partir da Idade Média. RICARDO NEGRÃO (1999, p. 28-29) nos conta que o comércio medieval estava li- gado ao comércio itinerante: o comercian- te levava mercadorias de uma cidade para outra através de estradas, em caravanas, sempre em direção a feiras que ocorriam e tornavam famosas as cidades europeias [...] Em sua evolução, as feiras se espe- cializam, surgem os mercados (feiras co- bertas) [...] As lojas, cuja função é a ven- da constante, num mesmo local, surgem quase que simultaneamente às feiras [...] Os mascates completam o quadro de dis- tribuição de mercadorias. É nessa época que se pode falar do sur- gimento de um direito organizado para o comércio vigente, afinal já existia um con- siderável sistema comercial em funciona- mento, distante do sistema de trocas dos povos antigos. Então, diante da fragmen- tação social provocada pelo sistema feu- dal, tornou-se necessária a formação de associações, as chamadas corporações de ofício, nascedouro do Direito Comercial, que era baseado nos costumes e tradi- ções dos comerciantes de então (MAR- TINS, 1991; NEGRÃO, 1999; MEDEIROS, 2011). Com o fim da Idade Média e a partir do surgimento dos Estados Nacionais, essas normas passam a ser fruto da emanação estatal, adquirindo um caráter nacional. Após a Revolução Francesa e com o sur- gimento do liberalismo econômico, o in- tervencionismo estatal nas atividades econômicas, que aceleram seu processo evolucionista, diminui consideravelmen- te. Na França, são editados o Código Civil e o Código Comercial para dar conta das novas circunstâncias sociais e comerciais, os quais irão influenciar codificações pos- teriores. ADILSON DE SIQUEIRA LIMA (2004) contribui com o pensamento de RICARDO NEGRÃO (1999) e também vai de encon- tro com o exposto por LUCIANA MARIA DE MEDEIROS (2011) ao afirmar que o direi- to comercial aparece na Idade Média com um caráter eminentemente subjetivista, 6 7 já que foi elaborado pelos comerciantes, reunidos nas corporações para disciplinar suas atividades profissionais, caracteri- zando-se, no início, como um direito cor- porativista e fechado, restrito aos comer- ciantes matriculados nas corporações de mercadores. Criado para disciplinar a atividade pro- fissional dos comerciantes, o direito co- mercial nasce como um direito especial, autônomo em relação ao direito civil, que lhe permitiu alcançar autonomia jurídica, possuindo uma extensão própria, além de princípios e métodos característicos que contribuíram para a sua consolidação como disciplina jurídica autônoma. No entanto, o prestígio e a importância das corporações começaram a enfraque- cer com o mercantilismo, que fortaleceu o Estado, afastando das corporações de mercadores a elaboração das normas co- merciais e sua respectiva aplicação pelos cônsules, que eram os juízes eleitos pelos comerciantes nas corporações para deci- dir os conflitos de natureza comercial. As primeiras codificações das normas comer- ciais surgiram na França, com as Ordena- ções Francesas. A primeira Ordenação, de 1673, tratava do comércio terrestre e ficou conhecida como Código Savary. Em 1681, surgiu a Ordenação da Marinha, que disciplinava o comércio marítimo (LIMA, 2004). As Ordenações Francesas tiveram vi- gência por um longo tempo e o Código Savary foi a base para a elaboração do Código de Comércio Napoleônico de 1807, responsável pela objetivação do direito comercial, afastando-o do aspecto subje- tivo da figura do comerciante matriculado na corporação. Com o Código Comercial francês de 1807, o direito comercial pas- sou a ser baseado na prática de atos de comércio enumerados na lei segundo cri- térios históricos, deixando de ser aplicado somente aos comerciantes matriculados nas corporações. De acordo com a teoria francesa dos atos do comércio, a matéria comercial deixa de ser baseada na figura do comer- ciante da Idade Média e passa a ser de- finida pela prática dos atos de comércio enumerados na lei. Assim, para se quali- ficar como comerciante e submeter-se ao direito comercial, deixou de ser necessá- rio à pessoa que se dedica à exploração de uma atividade econômica pertencer a uma corporação, bastando a prática habi- tual de atos do comércio. Essa objetivação do direito comercial atendia aos princípios difundidos pela Revolução Francesa, em 1789. Na enumeração realizada nos artigos 632 e 633 do Código Francês, o legisla- dor considerou de natureza comercial os atos que eram tradicionalmente realiza- dos pelos comerciantes na sua atividade, não sendo possível identificar nessa enu- meração legal qualquer critério científico para definir quando um ato é ou não de comércio. Ao enumerar os atos de comér- cio, o legislador baseou-se em fatores his- tóricos, sendo esse o grande problema da teoria francesa, que se mostrou bastante limitada diante da rápida evolução das ati- vidades econômicas, tornando-se uma te- oria ultrapassada por não identificar com precisão a matéria comercial, já que não foi possível a identificação de um elemen- to de ligação entre os atos de comércio 1- Será definido e discutido em profundidade mais adiante. 1 8 9 previstos na lei (LIMA, 2004). A enumeração legal dos atos de comér- cio apresenta natureza exemplificativa e, sabendo-se que novas atividades econô- micas surgiriam, coube à doutrina elaborar uma fórmula para se definir a comerciali- dade das relações jurídicas. Em consonân- cia com o desenvolvimento das atividades econômicas e de acordo com a tendência de crescimento do direito comercial, sur- giu na Itália uma teoria que substituiu a te- oria francesa, superou os seus defeitos e ampliou o campo de abrangência do direi- to comercial. Essa teoria, denominada de teoria jurídica da empresa, caracteriza-se por não dividir as atividades econômicas em dois grandes regimes, como fazia a te- oria francesa, e foi inserida no Código Civil italiano de 1.942, que ficou conhecido por ter realizado a unificação legislativa do di- reito privado na Itália (LIMA, 2004). 2.1 O Direito Comercial brasileiro O Direito Comercial brasileiro tem ori- gem em 1808 com a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil e a abertura dos portos às nações amigas. Da sua origem até o surgimento do Código Comercial Bra- sileiro, quem disciplinava as atividades co- merciais no país eram as leis portuguesas e os Códigos Comerciais da Espanha e da França, já que entre as leis portuguesas existia uma lei (lei da Boa Razão) preven- do que, no caso de lacuna da lei portugue- sa, deveriam ser aplicadas, para dirimir os conflitos de natureza comercial, as leis das nações cristãs, iluminadas e polidas. Por essa razão, nessa primeira fase do di- reito comercial brasileiro, a disciplina legal das atividades comerciais mostrava-se bastante confusa (TADDEI, 2002; FREIRE JUNIOR; MAGALHÃES, 2011). Em 1834, uma comissãode comercian- tes apresentou ao Congresso Nacional um projeto de Código Comercial que, após uma tramitação de mais de 15 anos, origi- nou o primeiro Código Brasileiro, o Códi- go Comercial (Lei 556 de 25 de junho de 1850), que foi baseado nos Códigos de Comércio de Portugal, da França e da Es- panha. O Código Comercial brasileiro ado- ta a teoria francesa dos atos de comércio, podendo-se, entretanto, identificar tra- ços do período subjetivo na lei de 1850, em razão do art. 4º prever que somente os comerciantes matriculados em alguns dos Tribunais de Comércio do Império poderão gozar dos privilégios previstos no Código Comercial (TADDEI, 2002). Cumpre ressaltar que, embora o Código Comercial brasileiro seja baseado na teo- ria dos atos de comércio, em nenhum dos seus artigos ele apresenta a enumeração dos atos de comércio, como faz o Código Comercial francês de 1807, nos artigos 632 a 633. Essa ausência da enumeração dos atos de comércio no Código Comercial foi proposital, justificando-se pelos pro- blemas que a enumeração causava na Eu- ropa, onde eram conhecidas grandes di- vergências doutrinárias e jurisprudenciais referentes à caracterização da natureza comercial ou civil de determinadas ativi- dades econômicas em razão da enumera- ção legal dos atos de comércio. Temendo que essas divergências e dis- putas judiciais se repetissem no país, o legislador brasileiro preferiu, após gran- des discussões na fase de elaboração do Código Comercial, não inserir a enumera- ção dos atos de comércio na Lei nº 556, de 1850. Entretanto, não foi possível ao legislador brasileiro escusar-se de apre- 8 9 sentar uma enumeração legal dos atos de comércio no país, que foi realizada no Regulamento nº 737, de 1850, especifica- mente nos artigos 19 e 20. O Regulamen- to nº 737 tratava do processo comercial e a enumeração dos atos de comércio ba- seou-se no Código de Comércio francês (CARVALHO DE MENDONÇA, 2000; TAD- DEI; 2002). Até 1875, a enumeração dos atos de co- mércio constante no Regulamento nº 737 era utilizada para delimitar o conteúdo da matéria comercial para o fim jurisdicional e para qualificar a pessoa como comer- ciante no país. Em 1875, os Tribunais de Comércio foram extintos e, com a unifica- ção do processo, deixou de ser necessário para o fim jurisdicional diferenciar a ativi- dade comercial da atividade civil. Assim, sob o aspecto processual, a teo- ria dos atos de comércio perdeu a sua im- portância no Brasil, mas continuou a ser necessária para diferenciar o comercian- te do não comerciante, já que a lei prevê um tratamento diferenciado para aquele que desenvolve uma atividade econômi- ca de natureza comercial, sendo o prin- cipal exemplo dessa diferenciação a Lei de Falência (Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945), pela qual somente se podem beneficiar da concordata e subme- ter-se à falência aqueles que exercem ati- vidade econômica de natureza comercial. O Regulamento nº 737, de 1850, foi re- vogado em 1939 pelo Código de Proces- so Civil e, desde então, deixou de existir no país um diploma legal que apresente a enumeração dos atos de comércio, di- ficultando a definição da comercialidade das relações jurídicas no Brasil a ponto de não existir, até o surgimento do novo Có- digo Civil (2002), um critério seguro para se definir o conteúdo da matéria comer- cial. Essa dificuldade justifica-se por vá- rios motivos. A teoria dos atos de comér- cio, por sua própria natureza, não permite a criação de um critério científico para se definir a natureza comercial de um ato, surgindo um grande problema quando de- terminado ato não se encontra enumera- do na relação da lei. No Brasil, esse problema intensifica-se porque, desde 1939, não existe nem mes- mo na legislação vigente a enumeração dos atos de comércio. Se não bastasse, nas últimas décadas, várias leis brasileiras de natureza comercial passaram a apre- sentar fortes traços da teoria da empresa, e a doutrina nacional passou a se dedicar ao estudo dessa teoria italiana, presti- giando-a em detrimento da teoria france- sa, o que acabou refletindo em várias de- cisões dos Tribunais brasileiros (TADDEI, 2002). Todo esse contexto fez com que a de- finição da comercialidade das relações ju- rídicas no Brasil se transformasse em um grande problema. Nessa difícil tarefa em delimitar o conteúdo da matéria comer- cial, utilizaram-se como referência os atos de comércio enumerados no revogado Re- gulamento nº 737, de 1850, o disposto em lei como sendo matéria comercial (socie- dades anônimas, empresas de construção civil) e a jurisprudência, já que várias de- cisões envolvendo complexos casos pas- saram a definir a natureza comercial de certas atividades econômicas. Na delimitação do conteúdo da matéria comercial, pode-se identificar, em várias ocasiões, a adoção da teoria da empre- sa para definir como comercial a nature- 10 11 za de determinada atividade econômica, evidenciando a influência e o prestígio da teoria italiana no direito brasileiro. Nesse sentido, destacam-se decisões que consi- deram de natureza comercial, tais como: clínicas de serviços médicos; salões de cabeleireiros; empresas de publicidade; e, também, a atividade pecuária. Essas ati- vidades, pela teoria dos atos de comércio, estariam, em regra, afastadas do regime comercial e, consequentemente, não es- tariam submetidas à falência e não pode- riam obter concordata. As dificuldades encontradas na defi- nição da comercialidade das relações ju- rídicas e a adoção da teoria da empresa para caracterizar determinadas ativida- des econômicas como comerciais carac- terizam o período de transição do direito comercial brasileiro nos últimos 30 anos. Esse período transitório entre a Teoria dos Atos do Comércio, presente no Código Co- mercial e na Lei de Falência, e a Teoria da Empresa, prestigiada pela doutrina e pela jurisprudência e presente em importantes leis comerciais (por ex.: Lei nº 6404, de 15 de dezembro de 1976, Lei das Sociedades Anônimas; Lei nº 8.934, de 18 de novem- bro de 1994, Lei de Registro Público de Empresas; Lei nº 8.884, de 20 de julho de 1994, Lei de Defesa da Livre Concorrên- cia; Lei nº 9279, de 14 de maio de 1996, Lei da Propriedade Industrial; Lei nº 9841, de 05 de outubro de 1999, Novo Estatuto da Microempresa de Pequeno Porte), é fi- nalmente superado com o surgimento do novo Código Civil brasileiro (LIMA, 2004). 2.2 A divisão do Direito Co- mercial Como vimos até o momento, a teoria da empresa elaborada pelos italianos afas- ta o direito comercial da prática de atos de comércio para incluir no seu núcleo a empresa, ou seja, a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Com a teoria da empresa, deixa de ser importante o gêne- ro da atividade econômica desenvolvida, não importando se esta corresponde a uma atividade agrícola, imobiliária ou de prestação de serviços, mas que seja de- senvolvida de forma organizada, em que o empresário reúne capital, trabalho, maté- ria-prima e tecnologia para a produção e circulação de riquezas (LIMA, 2004). De acordo com a teoria da empresa, o direito comercial tem o seu campo de abrangência ampliado, alcançando ativi- dades econômicas até então consideradas civis em razão do seu gênero. A teoria da empresa, ao contrário da teoria francesa, não divide as atividades econômicas em dois grandes regimes (civil e comercial), mas, sim, prevê um regime amplo para as atividades econômicas, excluindo desse regime apenas as atividades de menor importância, que são, a princípio, as ativi- dades intelectuais, de natureza literária, artística ou científica. Segundo a teoria da empresa, a atividade agrícola também pode estar afastada do direito comercial, já quecabe ao seu titular a opção pelo re- gime comercial, que ocorre mediante o re- gistro da atividade econômica no Registro Público das Empresas, realizado no Brasil pelas Juntas Comerciais. LUCIANA MARIA DE MEDEIROS (2011) 10 11 explica de maneira clara que com os novos horizontes alcançados pelo mundo do co- mércio, com o capitalismo e sua revolução nos sistemas de produção, também essa forma de regulá-lo ficou obsoleta, o que faz surgir uma nova visão para o Direi- to Comercial. Nessa nova ótica, entra em cena a figura do empresário, o conceito de empresa, a distribuição de bens e de ser- viços em larga escala, e o Direito Comer- cial precisou ser o disciplinador, também, das empresas comerciais. Assim, tendo em vista as mudanças de contexto pelas quais passou o comércio e, consequente- mente, o Direito Comercial, sua evolução é dividida em fases históricas. RICARDO NEGRÃO (1999, p. 28-34) segue a divisão proposta por OSCAR BARRETO FILHO (1969) com o Direito Comercial dividido em quatro fases históricas: A primeira delas vai do século XII ao XVI e está assim caracterizada: existên- cia de um direito de classes, no caso a dos comerciantes, com regras estabelecidas por eles e para eles, sem a participação estatal, apenas podendo ser usadas por quem integrasse as corporações de ofí- cio. É a época do comércio itinerante, que evolui para feiras, mercados e lojas. Se- riam os serviços originados nessas feiras os responsáveis pelo surgimento de vá- rios institutos jurídicos, como o câmbio, os títulos de crédito, os bancos e as bolsas; surgindo, inclusive, os mercados finan- ceiros acionários. Ocorre a evolução das sociedades marítimas (um sócio em terra e outro na embarcação, negociando pelos mercados por onde passa), as quais viram a ser reguladas pelas Ordenações Filipinas em 1603. Ainda são identificadas nesse período as companhias (instituições fami- liares, mais tarde chamadas de sociedade por causa da solidariedade e da não limi- tação de responsabilidade perante tercei- ros) e as sociedades por ações, que são as últimas a surgir; A segunda fase, caracterizada pelo mercantilismo e pela colonização, está compreendida entre os séculos XVII e XVIII. Época em que se observa a evolu- ção das grandes sociedades. Aqui as nor- mas do Direito Comercial, como todas as outras, tem origem num poder soberano central – o rei. Na Europa, surgem as co- dificações, tanto para matéria de direito marítimo quanto para de direito terrestre; A terceira fase do Direito Comer- cial compreende o século XIX e é marca- da pelo liberalismo econômico. Aqui, com a promulgação do Código Napoleônico de 1806, surge o conceito objetivo de comer- ciante, que seria todo aquele que prati- casse atos de comércio profissionalmente e de forma habitual. O Direito Comercial deixa de ser dos comerciantes e passa a ser dos atos de comércio, isto é, perde o caráter subjetivo, pessoal, e adquire um caráter objetivo ligado às atividades tidas legalmente como comerciais. A Teoria dos Atos de Comércio será tratada de forma mais detalhada posteriormente; A quarta e última fase, que é a con- temporânea, caracteriza-se por uma nova visão do Direito Comercial que culmina com a terminologia do direito de empresa, ou empresarial, a qual foi adotada inicial- mente pelo Código Civil italiano de 1942 e integra o Livro II do Código Civil brasilei- ro de 2002. A Teoria da Empresa também será tratada em tópico específico. 12 13 Na visão de ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS (2009, p. 44), que apresenta uma divisão menos fragmentada, o Direito Co- mercial teria três períodos históricos, os quais são a seguir apresentados apenas para fins de comparação com a caracteri- zação anterior: Primeiro período – compreende a Idade Média e tem por contexto o mer- cantilismo, o ressurgimento das cidades, a aplicação dos usos e costumes mercantis e a codificação privada do Direito Comer- cial (pelos comerciantes, tendo assim um caráter subjetivista). Segundo período – abrange a Ida- de Moderna que, com a formação dos Estados Nacionais monárquicos e a con- sequente monopolização jurisdicional, objetiva o Direito Comercial, que deixa de ser da classe dos comerciantes e passa a valer para qualquer cidadão que exerça uma atividade comercial. Destaque para a Codificação Napoleônica com a bipartição do direito privado – civil e comercial – e para a teoria dos atos de comércio; Terceiro período – corresponde à Idade Contemporânea, tem como marco o Código Civil Italiano de 1942 e se ca- racteriza pela unificação formal do direi- to privado, pela prevalência da teoria da empresa no regime jurídico-empresarial e pelo papel da empresa como atividade econômica organizada. Como é possível observar, a opção por uma ou outra divisão não interfere no en- tendimento da evolução histórica da disci- plina comercial, pois as duas trazem infor- mações similares sobre o tema, diferindo apenas no corte temporal. O importante, como diz Medeiros (2011), é observar em ambas as divisões o reflexo imediato dos acontecimentos sociais e políticos de cada época no contexto de criação e utilização das regras que regulamentam as ativida- des mercantis. Isso demonstra que, assim como o co- mércio se desenvolveu conforme o ho- mem e suas relações, o direito que o rege tem acompanhado esse desenvolvimen- to, indo da inexistência de regras ou das regras direcionadas a um determinado grupo, para ser o regulador de todas as atividades mercantis, sejam elas comer- ciais ou empresariais (MEDEIROS, 2011). 2.3 Do Direito Comercial ao Direito Empresarial Inicialmente, o Direito Comercial foi criado para regular a atividade do co- mércio. Aparece na Idade Média com um caráter eminentemente subjetivista, já que fora elaborado pelos comerciantes, reunidos nas corporações de ofício, para disciplinar suas atividades profissionais. Porém, com o passar do tempo, as ativi- dades comerciais evoluíram e passaram a abranger a indústria e outras atividades que não eram primordialmente mercan- tis. Assim sendo, a disciplina jurídica que as regula também acompanha tal evolu- ção com exposto por ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS (2009, p. 49): [...] o Direito Comercial não cuida apenas do comércio, mas de toda e qualquer atividade econômica exer- cida com profissionalismo, intuito lucrativo e finalidade de produzir ou fazer circular bens ou serviços. Dito de outra forma: o Direito Comercial, hoje, cuida das relações empresa- riais, e por isso alguns têm sustenta- 12 13 do que, diante dessa nova realidade, melhor seria usar a expressão direito empresarial. Dessa forma, observa-se que a evolu- ção ocorreu na medida em que o centro do Direito Comercial não é mais o comercian- te, subjetivamente falando, nem o ato de comércio, sob a ótica objetiva, mas a em- presa. Isso fez com que o Direito Comer- cial evoluísse de regulador de comercian- tes para diretriz do exercício empresarial. Devido a tal mudança, observa-se com bastante frequência divergência quan- to à nomenclatura que se usa nos livros, manuais, cursos e disciplinas de entidades de nível superior: algumas vezes Direito Comercial; outras vezes Direito Empresa- rial. Muitos doutrinadores também apre- sentaram outras opções para nomear a disciplina jurídico-mercantil, como Direito dos Negócios, Direito das Empresas, Direi- to Econômico. No entanto, apesar de não haver uma uniformização em seu uso, por tradição, mantém-se o Direito Comercial. Fica claro, porém, que diante da vasti- dão de institutos e matérias que o Direito Comercial abarca, como, por exemplo, os títulos de crédito, as marcas e patentes, a falência e concordata, o direito societário, o direito marítimo, o direito aeronáutico e, até, o direitodo mercado de capitais e o bancário, independente do nome que a ele seja atribuído, não há como encará-lo de forma reducionista como outrora. Isso porque o termo “comércio” há muito não é entendido, simplesmente, como a ato de comprar e vender – a empresarialidade é um fato. Por fim, desde que não seja motivo de confusão para o entendimento das pesso- as, pouco importa a nomenclatura adota- da. O que importa saber é que existe um ramo jurídico específico para regular as relações econômicas. Se esse ramo con- tinuará sendo chamado de “Direito Co- mercial”, embora não mais exista a figura do “comerciante” ou dos “atos de comér- cio”, ou se será adotado um novo nome, in casu, “direito empresarial”, tendo em vis- ta a aceitabilidade do termo, só o tempo se encarregará de responder (MEDEIROS, 2011). 14 15 UNIDADE 3 - Os atos de comércio e a teoria da empresa O Direito Comercial é um conjunto de regras jurídicas que regulam as ativida- des das empresas e dos institutos afins concernentes, bem como os atos conside- rados comerciais, mesmo que esses atos não se relacionem com as atividades das empresas. Tem-se que as normas do direito co- mercial alcançam não apenas os empresá- rios, mas aqueles que, mesmo sem se re- vestirem dessa qualidade, praticam atos aos quais a lei atribui características tais que se tornam regidos pelo direito comer- cial. Ex.: a emissão de um cheque, feita por pessoa que não se reveste da quali- dade do comércio (empresário); da mesma forma uma letra de câmbio, nota promis- sória, garantia prestada por aval. Pode- mos ter uma situação com pessoas físicas e jurídicas, profissionais liberais, serviço público, associação, sendo regidas pelo direito comercial, sem necessidade de ser empresário. A Lei nº 556/1850 foi praticamente ab- -rogada, pelo novo Código Civil, não ha- vendo qualquer comprometimento, pois, como bem acentua FÁBIO ULHOA COELHO (2005), o direito comercial não é o Código Comercial, nem o direito civil resume-se no Código Civil, tanto é que se assim o fos- se, o direito administrativo não existiria por não ser codificado. Vimos também que o Direito Comercial como um direito profissional e corporati- vista desaparece quando são editados, na França, os códigos napoleônicos de Direi- to Civil e Comercial, respectivamente, em 1804 e 1808. Passa, então, a existir um sistema jurídico estatal para disciplinar as relações mercantis em lugar do antigo direito de classe, não mais norteado pela ótica dos comerciantes, mas sim, pelo es- pírito da burguesia comercial e industrial, valorizando a riqueza imobiliária; e, um Código Civil que atendia os interesses da burguesia fundiária, pois estava centrado no direito de propriedade (RAMOS, 2009, p. 37). Diante dessa divisão, cria-se a necessi- dade de se delimitar, através de critérios claros, a atuação do código comercial que surgiu como um regime jurídico especial para a regulamentação das atividades comerciais. Assim surge a teoria dos atos do comércio que, segundo FÁBIO ULHÔA COELHO (2007, p. 15), resume-se, rigoro- samente falando, a uma relação de ativi- dades econômicas, sem que entre elas se possa encontrar qualquer elemento inter- no de ligação. Os atos de comércio eram definidos pelo legislador, tendo como uma de suas funções a de atribuir a qualidade de co- merciante a quem os exercesse. Dessa forma, tem-se que eram expressos em lei quais atos eram de natureza mercantil e, automaticamente, quem os praticasse era qualificado como comerciante e esta- va sujeito às regras do Direito Comercial. Muda-se, assim, o foco da mercantilida- de: antes subjetivista, pois se aplicava o Direito Comercial apenas aos comercian- tes membros das corporações de ofício; agora objetiva – os atos de qualquer cida- dão, independente de ser filiado ou não a uma corporação, desde que tidos como 14 14 15 legalmente de comércio, seriam regidos pelo Direito Comercial. Assim, o objeto do Direito Comercial passa a ser a atividade comercial em si e não mais a pessoa que a executava, por isso falar-se em sua objeti- vação a partir de então. Com a codificação francesa de princí- pios do século XIX, o Direito Comercial abandonava o sistema subjetivo – segun- do o qual este direito se aplicava apenas a quem estivesse inscrito como comercian- te no correspondente registro –, adaptan- do o sistema objetivo: o Direito Comercial aplica-se a todos os atos de comércio, pra- ticados por quem quer que seja, ainda que ocasionalmente [...] (GALGANO, s. d. apud RAMOS, 2009). Essa objetivação reflete, na verdade, o princípio da igualdade entre os homens oriundo da Revolução Francesa, que se contrapunha ao favorecimento de uma classe em detrimento das demais, como ocorria com o sistema subjetivista dos atos de comércio. Por se resumir ao estabelecimento de uma relação de atividades econômicas, o sistema francês dos atos de comércio gerou indefinições quanto à natureza mercantil de algumas delas, principal- mente, porque quando de sua definição pelo legislador, apenas foi considerada a natureza comercial dos atos que já eram realizados pelos comerciantes da época; ou seja, não existiram critérios científicos para defini-los, mas sim, apenas fatores da tradição histórica. Também foi essa a razão de se ter deixado de fora atividades importantes como a prestação de serviço, a agricultura e a negociação imobiliária, uma vez que essas atividades não eram tradicionalmente desenvolvidas pelos co- merciantes (MEDEIROS, 2011). A inexistência de um critério científico na divisão das atividades econômicas em civis e comerciais e a exclusão de impor- tantes atividades do rol dos atos comer- ciais constituem os principais motivos para que a teoria dos atos de comércio perdesse prestígio e fosse substituída pelo sistema italiano da teoria da empre- sa. Vale destacar que tal substituição só ocorre há mais de um século, após terem sido editados os códigos napoleônicos, tempo mais que suficiente para servirem de inspiração para praticamente todas as codificações que a eles se seguiram, in- clusive o Código Comercial Brasileiro de 1850. É interessante antes de falarmos em maiores detalhes sobre a Teoria da Em- presa, apresentar algumas divisões pro- postas para os atos de comércio. 3.1 A divisão dos atos de co- mércio Da mesma forma que em nosso Código Comercial de 1850, a teoria francesa dos atos de comércio ressoou em diversas co- dificações, tais como na Bélgica (1811), Espanha (1829), Portugal (1833), Itália (1882), dentre tantas outras (LIPPERT, 2003, p. 51; COELHO, 2003, p. 15). A par- tir desse sistema, que apresentava o rol dos atos de comércio, foram observados grandes esforços por parte da doutrina em classificá-los e possibilitar a correta aplicação das normas sem que se caísse em imprecisões acerca da natureza mer- cantil de algumas atividades. Surgiram então dois critérios doutrinários de espe- cial relevância para que se realizasse tal distinção: o “descritivo” e o “enumerativo” 15 16 17 (LIPPERT, 2003, p. 53). O critério descritivo procura na Lei a in- dicação das características de um ato de comércio a fim de que as situações fáti- cas possam enquadrar-se nas hipóteses descritas e, assim, passem a ser regidas pelo direito comercial. Tal sistema foi es- pecialmente adotado pelos códigos espa- nhóis (1829 e 1885) e portugueses (1833 e 1888) (LIPPERT, 2003, p. 53). Por sua vez, o sistema enumerativo consiste no arrolamento dos atos consi- derados mercantis. Esse método acarre- tou profunda controvérsia, sobretudo na França, pois foi necessário indagar se a enumeração da Lei era efetivamente ta- xativa (numerus clausus), ou simplesmen- te exemplificativa. Diante desse critério enumerativo,a questão que se travou foi no sentido de identificar qual seria a margem para a am- pliação daqueles atos elencados no rol do texto legal. O debate relevou-se não ape- nas na França, mas também aqui no Brasil, pois nosso código comercial de 1850 e seu regulamento 737, do mesmo ano, ado- taram esse sistema, o qual permaneceu sendo aplicado até o advento do Código Civil de 2002 (COELHO, 2003, p. 22). De qualquer forma, vale lembrar que o movimento de codificação iniciado na França do século XIX foi extremamente calcado pela ideia da criação de um sis- tema fechado a quaisquer previsões que não aquelas expressamente positivadas no texto legal. O principal objetivo era impedir arbitrariedades, cuja prática até então era possibilitada à monarquia ab- solutista e, no caso do direito comercial, às corporações de mercadores (MONTES- QUIEU, 2000, p. 175). Sendo essa a origem do sistema fran- cês, sabe-se que foi apenas num segun- do momento que a Cour de Cassation e a doutrina adotaram posicionamento dife- rente, entendendo pela flexibilidade do catálogo dos atos mercantis e pela não taxatividade do Code de Commerce (DU- ARTE, 2004, p. 172). Nessa esteira, o direito comercial brasi- leiro, então profundamente influenciado pelo ordenamento francês, incorporou a teoria dos atos de comércio, porém dei- xou de elencar no seu corpo quais seriam os atos a serem reputados comerciais (CO- ELHO, 2003, p. 15). A fim de suprir tal lacuna, foi promulga- do o já mencionado Regulamento nº 737, em 25 de novembro de 1850, que tratava do processo comercial, discriminando-se os atos considerados como de mercancia, arrolando-os em seu artigo 19. Por esse art. 19, eram considerados atos mercantis os seguintes: a) compra e venda ou troca de bem mó- vel ou semovente, para sua revenda, por atacado ou a varejo, industrializado ou não, ou para alugar seu uso; b) as operações de câmbio, banco ou corretagem; c) as empresas de fábricas, de comis- sões, de depósito, de expedição, consig- nação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos; d) os seguros, fretamentos, riscos; e) quaisquer contratos relativos ao co- mércio marítimo e à armação e expedição de navios. 16 17 Acerca do tema, RUBENS REQUIÃO (2003, p. 40) entende que, no direito co- mercial brasileiro, a respeito da taxativi- dade da lista dos atos de comércio, esta foi meramente exemplificativa, permi- tindo ao intérprete, e sobretudo aos tri- bunais, estendê-los por analogia a outros atos não expressamente catalogados em seu texto. Igualmente, ressalta-se que o texto brasileiro, da mesma forma que o francês, incorreu na ausência de descrição ou defi- nição das características gerais inerentes aos atos de comércio. Entretanto, houve grandes e valorosos esforços por parte da doutrina para que se conseguisse suprir tal lacuna (RODRIGUES, 2007). Diante disso, observou-se na produção jurídica pátria especial destaque às ideias formuladas por JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA (2000, p. 527). Em brevís- sima síntese, sua proposta identificou os atos de mercantis como aqueles “negó- cios jurídicos referentes diretamente ao exercício normal da indústria mercantil” e, ainda, que “consistem propriamente na operação típica, fundamental (a compra e venda), ou naqueles outros atos que im- primem uma feição característica ao co- mércio (...)”. Tem-se, pois, que a mencionada “feição característica ao comércio” representou para o mencionado autor a interposição entre os produtores e consumidores para efetuar ou facilitar a troca de bens, isto é, a circulação das riquezas com o objeti- vo – ou ao menos a expectativa – de lu- cro (CARVALHO DE MENDONÇA, 2000, p. 499). Diante dessa construção, JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA (2000) adotou posicionamento a respeito do rol esta- belecido pelo artigo 19 do Regulamento 737/50 no sentido de que aquela previsão descrevia os atos mais importantes e, as- sim, fornecia a chave para a identificação do espírito do sistema e o conceito da ati- vidade comercial. Essa ideia foi afirmada nos seguintes termos: Como quer que seja, o vocábulo mer- cancia, empregado no art. 19 do Re- gulamento 737, dá-nos a chave do sistema estabelecido pelo Código. Neste artigo compendiam-se os atos mais importantes que constituem propriamente a arte do mercador, a profissão do comerciante, o trato de mercadejar, o exercício do comércio (CARVALHO DE MENDONÇA, 2000, p. 528). Por fim, o jurista estabeleceu a divi- são dos atos de comércio da seguinte forma: a) “por natureza”, aqueles que consti- tuem o exercício da indústria mercantil, praticados por comerciantes com habitu- alidade; b) “denominados comerciais por cone- xão”, aqueles que, embora quando apre- ciados isoladamente, constituiriam atos civis, devem perceber a atribuição de ca- ráter comercial por derivação porque vi- sam facilitar, promover ou realizar o exer- cício da indústria mercantil, e por serem praticados por comerciantes no exercício de sua profissão; c) “por força ou autoridade da Lei”, aqueles que indiferentemente de have- rem sido praticados por comerciante ou não, recebem caráter mercantil em razão 18 19 de determinação legal. Contudo, ainda que por muitas vezes repetidos, não terão o condão de atribuir ao agente a qualida- de de comerciante. Em crítica à teoria de JOSÉ XAVIER CAR- VALHO DE MENDONÇA, MÁRCIA MALL- MANN LIPPERT (2003, p. 70) manifes- tou-se no sentido de que, embora tenha representado grande contribuição, sua proposta caíra no casuísmo pelo fato de o autor não ter alcançado a conversão da intermediação, tanto do conceito geral quanto das espécies de atos, nos atos em si que foram por ele utilizados como ilus- trações. Na doutrina estrangeira, outro grande esforço para a delimitação dos atos mer- cantis foi observado na Itália, com a gran- de repercussão das ideias de ALFREDO ROCCO (2003). Segundo ele, a partir do agrupamento dos atos de comércio em grandes categorias, poderia ser identifi- cado um conceito unitário, o qual possi- bilitaria nova generalização e, assim, sua aplicação analógica. A proposta do autor italiano consistia na elaboração de um conceito científico para que se pudessem classificar quais- quer atos, invariavelmente e sem a de- pendência daquele rol previsto no texto legal. Identificou-se, portanto, com o cri- tério descritivo, anteriormente referido. A crítica estabelecida por Rocco à dou- trina dominante à época (2003) foi no sentido de que se movia dentro de um “ci- clo vicioso”, especialmente diante da ine- xistência de um conceito único de ato de comércio. No entanto, avançou afirman- do que: “esta conclusão pessimista está longe de poder considerar-se definitiva. É o resultado de análises muito superfi- ciais e insuficientemente feitas até agora das várias categorias de atos de comércio enumeradas na lei” (ROCCO, 2003, p. 198). Ademais, ALFREDO ROCCO (2003, p. 200) foi incisivo ao defender que seria muito natural a forçada declaração de ine- xistência de um princípio unitário regula- dor da classificação dos atos de mercan- cia, uma vez que a doutrina renunciava-se a priori a fixar esse critério para determi- nar a comercialidade dos atos enumera- dos pela Lei. Em outros termos, pode-se dizer que o destaque do jurista foi para o fato de que, diante daquele posicionamento doutri- nário hermético, não existia, nem sequer poderia existir, um conceito unitário de comércio. Diante disso, seu trabalho foi no sentido de conceber um juízo em con- trário (RODRIGUES, 2007). Ao final, em uma definição sintéti- ca para a proposta elaborada por AL- FREDO ROCCO, pode-se dizer que os atos de comércio foram divididos em: a) “intrinsecamente mercantis” (ou “atos de comércio constitutivos”),aqueles que representam, de um modo “inequívo- co e característico” uma interposição de pessoas na troca. Ou seja, seu elemento comum seria a interposição na efetivação da troca (afastando-se, inclusive, a neces- sidade de lucro, o que estenderia o con- ceito a entidades estatais ou outros orga- nismos de interesse da coletividade); e, b) “atos de comércio por conexão” (ou “atos acessórios”), aqueles que, mesmo sem a natureza mercantil, estavam rela- cionados e facilitavam a interposição na efetivação da troca. Eram todos aqueles 18 19 atos que “não tenham uma função carac- terística, só na medida em que se acham conexos com uma operação de interpo- sição”. Ou seja, relacionavam-se às ativi- dades intrinsecamente mercantis e, as- sim sendo, acabavam por também adotar esse caráter. Dessa classificação bipartite, o objeti- vo era construir um conceito unitário para os atos de comércio, que não dependesse da enumeração legal. Assim, pode-se con- cluir, de maneira sucinta, que, para Rocco, eram atos de comércio todos aqueles que realizam ou facilitam uma interposição na troca (RODRIGUES, 2007). A contribuição do jurista italiano foi muito valiosa, mas, assim como os esfor- ços anteriores, também não se mostrou suficiente para a identificação de um cri- tério verdadeiramente científico que fi- nalmente possibilitasse a desvinculação do texto legal. Sobre o tema, RUBENS REQUIÃO (2003, p. 38) destaca que muito embora tenhamos considera- do altamente elucidativa a teoria de Rocco, tem ela a estreiteza, de resto confessada pelo autor, de ter sido elaborada sobre o direito positivo, isto é, sobre a enumeração que ofe- recia o código italiano de 1882. Com efeito, GABRIELA WALLAU RODRI- GUES (2007) nos lembra que o referido código de 1882 foi posteriormente revo- gado pelo Código Civil de 1942, eviden- ciando a necessidade de apuração de ou- tro critério que identificasse quais os atos comerciais, bem como os diferenciasse daqueles de natureza civil. Segundo FÁBIO ULHÔA COELHO (2003, p. 15), ao analisarmos os critérios elabora- dos pela doutrina até aquele período (iní- cio do século XX) e as posteriores críticas estabelecidas, resta destacada a impreci- são e demasiada instabilidade do sistema, o que não obteve sustentação em nosso ordenamento jurídico. Vislumbra-se, portanto, que, apesar dos grandiosos esforços legislativos e doutrinários para a apuração e definição dos atos considerados mercantis, não se conseguiu atingir um critério que condu- zisse a uma certeza calcada em cientifici- dade (LIPPERT, 2003, p. 70). Ainda, como derradeira tentativa de identificação de um critério para a defini- ção dos atos mercantis, surgiu a chamada “teoria da intermediação”. RUBENS RE- QUIÃO (2003) aufere crédito ao professor francês Gaston Lagarde como autor dessa ideia, destacando o seguinte: (...) o Prof. Gaston Lagarde indaga do critério de comercialidade, con- siderando que o intuito lucrativo é necessário, mas insuficiente para caracterizá-lo. O comerciante, por outro lado, é um intermediário entre produtor e consumidor, da mesma forma que o ato de comércio é um ato de interposição ou de circulação. (...) Mas é necessário compreender que esta interposição não reveste caráter comercial se não for lucra- tiva; (...) ‘Dois elementos’, finaliza o Prof. Lagarde, ‘– especulação e circu- lação – intervêm, portanto, um e ou- tro, na definição do ato de comércio.’ (REQUIÃO, 2003, p. 38). 20 21 Entretanto, tem-se, ao final, que todos esses critérios – modelo subjetivo, teoria dos atos de comércio (modelo objetivo) e da intermediação – sofreram críticas por demonstrarem, cada um em suas particu- laridades, diversas imprecisões científi- cas, tornando evidente a necessidade de elaboração de um novo sistema, menos dependente das permanentes constru- ções doutrinárias jurisprudenciais e que, ao mesmo tempo, pudesse acompanhar as evoluções sociais. 3.2 A Teoria da Empresa Os atos do comércio foram classifica- dos de forma enumerativa, na qual se re- lacionou as atividades consideradas mer- cantis pelo Código Napoleônico de 1807, e de forma descritiva, relação que exempli- ficava essas atividades. Porém, eles não eram determinados claramente, pois se prendiam as relações da vida civil, sendo difícil de ser caracterizados devidamente. Assim ocorreu uma transição radical. A Teoria dos Atos do Comércio foi substituí- da pela Teoria da Empresa, que é mais fácil de ser conceituada, devido ao enquadra- mento da atividade econômica organiza- da que independe de qualificação comer- cial ou civil. Essa teoria originou-se na legislação italiana de 1942, que fez desaparecer o Código Comercial como legislação sepa- rada, unificando o direito obrigacional no Código Civil (Livro II, “Do direito da Empre- sa”, CC/2002). Não definia a empresa, mas somente o empresário, fazendo com que os doutrinadores buscassem um conceito jurídico. Alberto Asquini (apud REQUIÃO, 2006, p. 54), jurista italiano, disse que não exis- te um conceito unitário de empresa, ocor- rendo uma falta de definição legislativa devido à diversidade das definições de empresa. Ele criou a Teoria Poliédrica da Empresa, afirmando que esta pode ser es- tudada por vários ângulos. Assim, desta- cou quatros perfis ou ideias baseando-se no sistema adotado pela lei italiana. O primeiro aspecto é o perfil subjetivo, que caracteriza aquele que exerce a em- presa, ou seja, o empresário. Este é uma pessoa física ou jurídica, que exerce em nome próprio uma atividade econômica organizada, com a finalidade de produzir, de forma profissional, para o mercado e não para o consumo pessoal. Esse aspec- to foi adotado pelo Código Civil Brasileiro de 2002 (artigo 966). O segundo é o perfil funcional, no qual a empresa surge como uma força em mo- vimento, que é a atividade empresarial di- rigida para uma determinada abrangência produtiva. Essa atividade é apta a produ- zir efeitos jurídicos. O terceiro aspecto é o perfil objetivo ou patrimonial, sendo a empresa vista como um patrimônio, um estabelecimento em- presarial, ou um complexo de bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, utili- zados pelo empresário para exercer sua atividade. O quarto e o último é o perfil corpora- tivo ou institucional, no qual a empresa é considerada um resultado da organização do pessoal, constituída pelo empresário e por seus colaboradores. Enquanto na Teoria dos Atos do Comér- cio, não importava o conceito subjetivo que determinava a qualidade do comer- 20 21 ciante, mas o conceito objetivo que visa- va descrever a atividade realizada pelo comerciante, na Teoria da Empresa não se considerava a atividade do comerciante que intermediava a produção e consumo, e nem os atos definidos como comerciais, mas a qualidade daquele que exerce a ati- vidade empresarial. Na fase objetiva, ocorre uma distinção entre os campos civil e comercial que se dá pela adoção de adjetivos qualificado- res: atos civis e atos comerciais, atividade civil e atividade comercial, e sociedades civis e sociedades comerciais. Já na subjetiva-moderna, não existe mais a relação dicotômica civil-comercial: a atividade será empresarial ou não em- presarial e as sociedades serão empresa- riais ou simples (não empresariais). Os atos do comércio possuem um con- ceito francês de comerciante, é um sis- tema de comercialidade, já o conceito da empresa é de origem italiana, é um sis- tema de empresarialidade. Neste último, são estabelecidas regras próprias à ati- vidade definida em lei como empresarial, e não mais àquele que pratica os atos de comércio com habitualidade e profissio- nalidade (HENTZ, 2003; NEGRÃO, 2005). Ao classificar pessoas físicas ou jurídi- cas como comerciantes,a Teoria dos Atos do Comércio enfocava a prática habitual dos atos reputados como comerciantes historicamente ou por força da lei. Já a Teoria da Empresa, considera a atividade empresária como o exercício profissional de uma atividade econômica, organizada, e que produza ou circule bens e serviços. Em síntese, com a Revolução Industrial e a consequente efervescência econômi- ca por ela trazida, a teoria francesa não conseguiu acompanhar a rápida evolução das atividades econômicas, o que a tor- nou ultrapassada por não mais identificar com precisão a matéria comercial. Como tal teoria não era mais suficiente para abarcar as inovações do campo mercan- til vivenciadas do século XIX para o XX, surge, em sua substituição, a teoria da empresa – uma fórmula para se definir a comercialidade das relações jurídicas (ME- DEIROS, 2011). A teoria da empresa foi inserida no Có- digo Civil italiano de 1942 que, diferente- mente do sistema francês, não dividiu as atividades econômicas em dois grandes regimes – civil e comercial, passando a disciplinar os dois num único diploma le- gal, uniformizando a legislação do direito privado para por fim à diferença de trata- mento entre eles existente. Conforme Coelho (2007, p. 15), apesar dessa teoria ser um modelo mais adequa- do ao capitalismo dominante, não ocorre a extinção da diferença de tratamento en- tre as atividades econômicas, ela apenas muda de foco, saindo do tipo de atividade e indo para o nível de importância econô- mica. Assim, o autor não concorda que ela tenha significado a unificação do direito privado, e sim, que ela seja o núcleo de um sistema novo de disciplina privada da ati- vidade econômica. Enquanto a teoria dos atos de comércio exclui da abrangência do Direito Comercial atividades de grande importância como a agricultura e a negociação imobiliária, que ficavam sob o regime do Direito Ci- vil, a teoria italiana deixa fora da jurisdi- ção comercial apenas algumas atividades de menor expressão econômica, como os 22 2322 profissionais liberais e pequenos comer- ciantes – para essas, é reservada uma dis- ciplina específica (MEDEIROS, 2011). A teoria da empresa elaborada pelos italianos não se preocupa com o gênero da atividade econômica. O que importa é o desenvolvimento da atividade econô- mica mediante a organização de capital, trabalho, tecnologia e matéria-prima, que resulte na criação e na circulação de ri- quezas. Com ela, o Direito Comercial passa a ser baseado e delimitado na atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, liber- tando-se da arbitrária divisão das ativi- dades econômicas segundo o seu gênero, como previa a teoria dos atos de comércio. Para a teoria da empresa, o Direito Co- mercial não se limita a regular apenas as relações jurídicas em que ocorra a prática de um determinado ato definido em lei como ato de comércio (mercancia). A teo- ria da empresa faz com que o Direito Co- mercial não se ocupe apenas com alguns atos, mas com uma forma específica de exercer uma atividade econômica: a for- ma empresarial. Conforme Ramos, [...] Fica superada, portanto, a difi- culdade existente na teoria francesa dos atos de comércio, de enquadrar certas atividades na disciplina jurí- dico-comercial [...] Para a teoria da empresa, qualquer atividade eco- nômica, desde que exercida profis- sionalmente e destinada a produzir ou fazer circular bens ou serviços, é considerada empresarial e pode sub- meter-se ao regime jurídico comer- cial (RAMOS, 2009, p. 43). Assim, o sistema italiano superou os defeitos da teoria francesa, ampliou o campo de abrangência do Direito Comer- cial e, a partir de meados do século XX, a tendência das legislações de direito priva- do é a de não mais fazer a divisão dos em- preendimentos em civil ou comercial, com regimes de regulação diferenciados, mas sim, discipliná-los através de um regime geral que deixa de fora apenas algumas atividades com mínima expressão econô- mica (MEDEIROS, 2011). 22 23 UNIDADE 4 - Aplicações e características do direito empresarial 23 O Direito Comercial regula as relações entre pessoas situadas numa posição jurí- dica equivalente, sempre que essas rela- ções derivam do comércio; por isso se diz que é um direito privado especial – porque se afasta das regras gerais do direito co- mum e estabelece um regime diferencia- do para uma classe específica de relações jurídicas. Diz o artigo 3º do Código Comercial que, se as questões sobre direitos e obriga- ções comerciais não puderem ser por ele resolvidas, cabe ao direito civil o papel de direito subsidiário. Se a interpretação das normas de Di- reito Comercial não levanta questões par- ticulares, a integração das lacunas leva a escolher entre o recurso à analogia e a aplicação do direito subsidiário. De acordo com a doutrina dominante, o intérprete deverá optar pela segunda hipótese. Assim, para definir o regime de uma relação jurídica de direito comercial haverá que: 1º. Verificar se a relação jurídica é ou não comercial, objetiva ou subjetivamen- te (aplicação das normas delimitadoras); 2º. Sendo comercial, aplica-se este ramo do direito; em caso de lacuna, recorre-se ao direito privado comum (direito civil). (http://direitoeconomia.com/2006/10/ direito-comercial-interpretacao-e-inte- gracao/ 4.1 São características mar- cantes no e do Direito Em- presarial e que o distin- guem de outros ramos, em especial do direito civil: a) Simplicidade ou informalismo – propõe adoção de fórmulas simples para solução de conflitos, diferentes do Código Civil, isto em virtude da celeridade nas re- lações empresariais. Ex.: Circulação de títulos de crédito me- diante endosso. b) Internacionalidade ou cosmopoli- tismo – esta regulamentação é feita por normas de alcance internacional. É cos- mopolita por apresentar cunho universal e tendência à internacionalização, que se intensifica com a globalização da econo- mia, portanto, recebendo influência de tratados e convenções internacionais. A superação de fronteiras nacionais no de- senvolvimento do comércio, a efetivação de contratos mercantis com pessoas do- miciliadas em países diferentes e a cria- ção de um mercado maior, sem se impor- tar com fronteiras, aumenta sua índole de cosmopolita, obrigando, inclusive, a uniformização de vários diplomas legais. Aliás, essa é a tendência. Ex.: Lei Unificada de Genebra, que dis- põe de letras de câmbio, notas promissó- rias e cheque; Convenção de Varsóvia para transporte aéreo, Convenção de Bruxelas para transporte marítimo, leis uniformes para regulamentar a letra de câmbio, nota promissória e cheque etc. 24 25 c) Elasticidade – constante estado de mudança, adaptando-se à evolução das relações de comércio. Ex.: Contrato de leasing e franchising. d) Onerosidade – tem o lucro como o fim perseguido pelos empresários, cuja atividade é sempre onerosa. Isto é, uma vez que a atividade econômica produz ri- queza, o lucro é a retribuição por todo es- forço empreendido na atividade empresa- rial. e) Individualismo – o lucro está vin- culado ao interesse individual. Ou seja, há uma busca do lucro, do resultado econô- mico. Essa característica ainda está inti- mamente ligada ao empresário. f) Fragmentariedade – não apresen- ta um sistema jurídico completo, mas um complexo de normas. g) Especialidade – uma vez que regu- lamenta relações jurídicas da empresa. h) Liberalismo – por ter como princí- pios norteadores a liberdade contratual, a livre iniciativa e a livre concorrência. i) Dinamismo – a evolução dessa área do direito segue o ritmo das necessidades empresariais, suas normas disciplinam os novos contratos mercantis que vão sur- gindo, alteram o regimede falência, insti- tuem as recuperações de empresas, entre outros pontos que têm sofrido inovação nos últimos anos. j) Massificação – em virtude do ad- vento de dois importantes contratos, o de adesão e o contrato-tipo, que vêm acen- tuando as operações empresariais de massa. Dadas as características acima e embo- ra tenhamos optado por discorrer sobre os princípios e fontes do Direito Empresarial em outro momento do curso, vale deixar claro dois princípios, para que percebam a importância desse ramo do Direito na nossa sociedade. Advogados e juízes muitas vezes par- tem para a solução de litígios sem a com- preensão completa dos conteúdos envol- vidos. Esquecem-se de que a função do direito de empresa não é a de simples- mente regular a forma de realização de assembleias sociais, ou de determinar os requisitos formais para o arquivamento de um documento frente à Junta Comer- cial. Muito mais importante do que esta função de regulação da atividade empre- sarial é a de estímulo ao desenvolvimento do empreendedorismo. Se hoje é evidente que o desenvol- vimento socioeconômico de uma nação depende de um ambiente de geração de empregos e de desenvolvimento tecno- lógico, parece claro que tais objetivos so- mente podem ser alcançados se o estado oferecer aos empreendedores um apara- to normativo que gere condições objeti- vas de viabilidade dos projetos empresa- riais. Dentro desta premissa, colhem-se na mais atual doutrina do direito de empresa dois princípios, de natureza funcional, que confirmam a autonomia material deste ramo do direito: o incentivo ao empreen- dedorismo e a máxima tutela ao crédito. O primeiro princípio parte de uma ques- tão óbvia, mas que parece de difícil assi- milação por parte de muitos aplicadores do direito: se o desenvolvimento socioe- conômico de um país depende inicialmen- 24 25 te da geração de empregos e do desen- volvimento tecnológico, é necessário que o empreendedor não seja tratado como um inimigo da nação, mas sim como um parceiro necessário em qualquer projeto voltado à melhoria das condições de vida da população de um país. No Brasil, muitas vezes, o empreende- dor é tratado como um fraudador presu- mido, responsável por todas as mazelas sociais e também aquele que arca com altos impostos. Dificuldades são a todo momento lançadas em seu caminho, e não removidas. E este quadro de evidente elevação de riscos e custos gera duas es- pécies de danos à sociedade: em primei- ro lugar, não há implantação do potencial empreendedorismo, com a consequente redução no nível de atividade econômica; em segundo, há uma elevação natural na política de preços, seja para que os mes- mos comportem os custos, seja para que a margem de ganho compense os riscos pessoais envolvidos. O segundo princípio que sempre deve ser considerado pelos aplicadores do di- reito empresarial é a máxima tutela ao crédito. O acesso ao crédito é fundamen- tal para o desenvolvimento de atividade empresarial, seja na forma de financia- mento para a instalação ou ampliação dos estabelecimentos, seja na forma de obtenção de prazos para pagamento aos fornecedores, fazendo com que o giro das mercadorias naturalmente incremente o volume de negócios. Em ambos os casos, deve-se partir da premissa simples de que o custo do cré- dito aumenta na proporção inversa da se- gurança concedida aos credores. Assim, quanto mais eficiente for o sistema jurí- dico de recuperação de créditos, menor será o custo geral do crédito oferecido no mercado, e mais volumosa será a disponi- bilização deste crédito. No caso brasileiro, a demora e os custos de acesso ao judiciário, somados a uma incompreensão dos preceitos do direi- to obrigacional e cambiário, geram uma desnecessária situação de insegurança aos credores, fazendo com que diminua a oferta geral de crédito e com que seus custos se elevem na mesma proporção. Há dois grandes problemas na aplica- ção destes princípios. O primeiro é de na- tureza ideológica, o que sempre dificulta as coisas. Muitos aplicadores do direito continuam acreditando que o mercado é um inimigo a ser combatido, e não um contexto que devem ser compreendido e bem regulado. Já o segundo problema de aplicação é de ordem lógica. Ocorre que o estímulo ao empreende- dorismo (que entre outras medidas pas- sa pela redução de seus riscos pessoais) acarreta a elevação dos riscos impostos aos credores. E o raciocínio inverso tam- bém é possível. Sempre que criamos um instrumento de proteção aos credores, elevamos os riscos pessoais dos empre- endedores, dificultando assim a viabilida- de econômica de seus projetos. Neste contexto, um bom sistema de direito empresarial deve buscar um equi- líbrio razoável entre o estímulo ao em- preendedorismo e a tutela aos credores (TOKARS, 2008). 26 27 UNIDADE 5 - A atividade empresarial, o estabelecimento e o empresário 26 5.1 A atividade empresarial A atividade empresarial pode ser en- tendida como a articulação para a circula- ção dos fatores de produção, capital, mão de obra, insumo e tecnologia (FORTES, 2003). Sob o ponto de vista econômico, a em- presa é considerada como uma combi- nação de fatores produtivos, elementos pessoais e reais, voltados para um resul- tado econômico, tomando ímpeto na ação organizadora do empresário. É a organiza- ção econômica destinada a produção ou venda de mercadorias ou serviços, tendo em geral como objetivo o lucro. Do ponto de vista jurídico é uma abstração, uma or- ganização jurídica. Assim, uma empresa pode ser carac- terizada de diversas modalidades a sa- ber: empresa aberta (com ações negocia- das em bolsa de valores), fechada, mista (ações com direito a voto pertencem em sua maioria ao poder público), estatal (controle acionário é detido direta ou indi- retamente pelo poder público) e Empresa pública (aquela cujo capital pertence in- teiramente ao poder público). 5.2 O empresário O Novo Código Civil – Lei nº 10.406/02 trouxe importante alteração quanto ao novo conceito de empresário, que vem substituir o antigo conceito de comercian- te, pessoa física ou sociedade mercantil. O comerciante, ora empresário, era visto como aquele que apenas praticava atos de intermediação com finalidade lucra- tiva, hoje é aquele que exerce atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços (OLIVEI- RA, 2004). A nova definição de empresário, art. 966, dispõe que se considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, não se qualificando como empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaborado- res, salvo se o exercício da profissão cons- tituir elemento de empresa. Essa definição de empresário vem em substituição à antiga figura do comercian- te e para sua compreensão leva-se em conta a evolução do comerciante a partir da função originária e histórica de inter- mediário, para abranger também as ativi- dades de produção. A Exposição de Motivos do novo Có- digo Civil traz traços do empresário definidos em três condições: 1. Exercício de atividade econômica e, por isso, destinada à criação de rique- za, pela produção de bens ou de serviços para a circulação, ou pela circulação dos bens ou serviços produzidos; 2. Atividade organizada, através da coordenação dos fatores da produção – trabalho, natureza e capital – em medida e proporções variáveis, conforme a natu- reza e objeto da empresa; 3. Exercício praticado de modo habi- 26 2727 tual e sistemático, ou seja, profissional- mente, o que implica dizer em nome pró- prio e com ânimo de lucro. A maior novidadedo código civil em re- lação ao código anterior foi a inserção no seu texto da regulamentação das rela- ções empresariais (Livro II da Parte Espe- cial). Esta matéria vinha sendo disciplina- da desde o ano de 1850 através do código comercial, com alterações posteriores. Pelo novo diploma legal, foram unificadas as obrigações civis e comerciais, não exis- tindo mais a figura do “empresário civil” e “empresário comercial” ou comerciante. Neste contexto, todos estes são conside- rados empresários ou exercem empresa, obedecendo portanto ao mesmo trata- mento jurídico (OLIVEIRA, 2004). O que qualifica o empresário, segundo TULLIO ASCARELLI (1962), é uma ativida- de econômica, ou seja, a natureza (o exer- cício) da atividade. Segundo ele, o con- ceito de atividade é entendido como uma série de atos coordenados, desenvolvidos no tempo, que visam o mesmo objetivo. Em se tratando de pessoa física, o que caracteriza a atividade é o efetivo cumpri- mento dos atos, quanto às pessoas jurí- dicas, basta o escopo (intenção) da ativi- dade, independentemente da realização ou não do ato. Preleciona também, o res- peitável autor, a questão da atividade derivada e autônoma, da qual deriva uma relação problemática entre empresários e trabalhadores. Estas são resolvidas no mundo moderno por uma série de institu- tos, tais como: a organização sindical dos trabalhadores, as contratações coletivas, direito de greve, etc. Assim sendo, o que qualifica o empre- sário, segundo TULLIO ASCARELLI (1962), atribuindo tal status a ele, é o exercício da atividade. A função do empresário é orga- nizar e dirigir o negócio, elaborar o plano geral de produção, fixar as quantidades e qualidades dos produtos a fabricar em razão de uma procura prevista, para isso, reúne ele os fatores de produção e os adapta e controla. Assume o risco geral da empresa, envolto essencialmente em cálculos do preço de custo e de venda, e, sendo o móvel de sua atividade o lucro, deverá suportar as perdas, ocasionadas pela má sorte da empresa, ou perceber os resultados de sua boa sorte. No código civil italiano de 1942, te- mos o Artigo 2082, Título II, Seção I, Do empresário: “É empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econô- mica organizada com o fim de produção ou de troca de bens e serviços”. Destarte o texto de ALBERTO ASQUINI (1996), pu- blicado originariamente na Rivista del Di- ritto Commerciale, apontou na empresa a figura do empresário, denotando o uso da expressão como sinônimo de empresário, e, por outro lado, também a identificava pelo perfil funcional ou dinâmico. Nessa ótica, GIUSEPPE FERRI (1971 apud OLIVEIRA, 2004) assevera que da noção de empresário fixada pelo Código se deduz a noção de empresa como ativi- dade organizada e profissional, o que tem sido bastante, até hoje, para sustentar-se o acerto do código e do comedimento do legislador que deixou espaço bastante para o desenvolvimento da teoria geral da empresa na doutrina. JORGE RUBEN FOLENA DE OLIVEIRA (1999) comenta que com o reconheci- mento da teoria da empresa, em que se dá 28 29 prioridade à organização dos fatores de pro- dução para a criação ou circulação de bens e serviços, perdeu sentido a distinção entre as sociedades comerciais e civis, porque, como esclarece JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA (1992), “a teoria da empresa pas- saria a informar esse novo critério diferen- ciador”. Deste modo, doravante, quando se verificar na legislação qualquer referência à expressão “comerciante” ou “sociedade co- mercial”, mister far-se-á interpretá-lo como “empresário” ou “sociedade empresarial”. Ademais, há de se considerar que hoje, algumas atividades empresariais de cunho eminentemente civil, já se encontram sujei- tas ao regime falimentar, como, por exem- plo, as já citadas sociedades anônimas, as empresas de construção (art. 1.º da Lei 4.068/62), as empresas concessionárias de serviços aéreos (art. 191 da Lei 7.565/68 – Código Brasileiro de Aeronáutica) e o in- corporador imobiliário (art. 43, III, da Lei 4.591/64). Enfim, com o advento do novo Código Ci- vil, confirmou-se a teoria introduzindo no ordenamento as definições de empresas e empresários. Art. 966 - O empresário é considera- do como “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para pro- dução ou circulação de bens ou serviços”. Capacidade - O art. 972 do CC, atin- ge o exercício da atividade de empresário àqueles que não estiverem em pleno gozo da capacidade civil, ou forem impedidos. O art. 5° do CC estipula 18 anos, no entan- to, havendo possibilidade do menor poder atingi-Ia antes mesmo do tempo (casamen- to, emprego público e federal e outros). Há outra possibilidade de impedimento para atividade empresarial, que são os impedi- dos, porém capazes civilmente, por razões circunstanciais como é o caso do falecido que não teve declaradas extintas as suas obrigações. Outro caso é a do leiloeiro e os serviços públicos, entretanto, se vierem a praticar atos típicos de empresários res- ponderão pelas obrigações contraídas. O empresário pode ser pessoa física (empre- sário individual) ou jurídica (sociedade em- presária); em ambos o casos, são requisitos: Profissionalismo – O titular do ne- gócio deverá fazê-lo habitualmente, não eventualmente, assumindo o ofício como profissão. Organização – Deve aparelhar-se a atividade de forma adequada para o desem- penho de sua profissão. Ex.: instalações, atendimentos. Atividade econômica – São aquelas que incorporam a produção de bens da mes- ma forma que os prestadores de serviços gerais. Produção – A fabricação de merca- dorias ou a prestação de serviços. Circulação – A intermediação de mercadorias ou de serviços. As implicações práticas, advindas desse conceito, poderão presenciar a sujeição à falência e recupe- ração judicial, como também poderão fazer provas com seus livros comerciais, etc. 5.3 O estabelecimento em- presarial O Estabelecimento Empresarial é o ins- trumento de que se utiliza o empresário para exercer suas atividades. Na teoria da empresa, ele se diferencia tanto do empre- 28 29 sário como da própria empresa. Corres- ponde ao negotium dos romanos; fonds de commerce na França e Bélgica; azienda na Itália; geschaft dos Alemães; o goo- dwill of a trade dos ingleses e americanos (OLIVEIRA, 2004). Devemos partir do estudo de CESARE VIVANTE (s.d. apud OLIVEIRA, 2004), so- bre o caráter jurídico do estabelecimento onde o estabelecimento comercial (em- presarial) constitui um organismo eco- nômico determinado principalmente pela função técnica, que pode ser comercial ou industrial, terrestre ou marítima, e toma designações diversas segundo o objeto do seu exercício: é uma loja, uma oficina, um banco, uma agência. A grande variedade de bens, que com- põem o estabelecimento, podem reunir- -se em dois grupos, o ativo e o passivo. Fazem parte do ativo: a) as coisas corpóreas, como os produ- tos da indústria, as máquinas, etc.; b) os direitos e, entre eles, principal- mente, o uso exclusivo das firmas, das marcas de fábrica, dos privilégios indus- triais, das denominações comerciais, os direitos de autor; c) os fornecimentos, isto é, a esperan- ça de lucros futuros, fundada nos dois grupos de coisas e de direitos preceden- tes e especialmente sobre o sortimento das mercadorias, sobre o nome, sobre a denominação, sobre a situação local, que serve de reclamo aos antigos e aos novos clientes. Constituem o passivo: as dívidas que têm uma natureza comercial. Todos estes bens, que concorrem para a formação do estabelecimento, acham-se naturalmen- te ligados num único organismo econô- mico; mas desta unidade econômica do estabelecimento não se pode concluir a sua unidade, a sua