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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE Bruno Aurélio Silveira, Jenifãn Larissa da Cruz Souza e Tales Bocker ENSAIO FILOSÓFICO : A METAMORFOSE DE FRANZ KAFKA Concepções de Literatura Guarapuava, Pr 2018 Introdução A presente análise procura trazer noções sobre o que é literatura, a partir da relação dos conceitos abordados no capítulo Introdução: o que é literatura?, Da obra Teoria da literatura: uma introdução de Terry Eagleton (EAGLETON, [ca. 2000]) e a obra literária A Metamorfose de Franz Kafka. Sendo a obra de Eagleton uma abordagem sobre o que é literatura no viés formalista, procuramos aplicar seus conceitos na literatura de Kafka, tratando a linguagem da obra, o contexto social em que as personagens se encontram e a narrativa usada para figurar a metamorfose, considerando “o que é escrever”, “por que, para quem escrever” e “o que é ser escritor”. Em sequência, uma abordagem de Sartre, afim de definir a escrita e seu público a partir da literatura, bem como sua condição e maneira. Esperamos que a partir deste ensaio, o leitor possa assumir novas concepções sobre literatura com base no âmbito dos teóricos aqui citados, levando em consideração a comparação e a natureza epistemológica presente em obras filosóficas, literárias e científicas. Ensaio filosófico: A metamorfose de Franz Kafka Na obra A Metamorfose de Franz Kafka (1988), Gregor Samsa encontra-se submisso à forma de um inseto. A modificação, sem explicação, faz com que Gregor se tome de reações e preocupações sobre si, tendo a obrigação de se envolver em um ato de rendição a sua atual condição até o momento final de seu aniquilamento. A obra, conta com uma estrutura formalista, como veremos posteriormente, não deixando de lado, o compromisso do autor com a realidade da época. Kafka traz consigo o realismo de uma sociedade preenchida pelo trabalho, onde a personagem encontra-se sem condições humanas, talvez vítima de alienação, como supõe Karl Marx (1988): “atinge-se tal grau de alienação que o trabalhador perde sua condição de sujeito para o objeto que produz”. De modo geral, Kafka expõe de maneira simbólica os dramas da sociedade moderna. O realismo encontrado na obra caracteriza o formalismo, como afirma Adorno (apud MERQUIOR, 1969, p. 80) em que “O realista moderno não tem alternativa senão ser um formalista”. E para tal, nessa perspectiva Kafka torna-se totalmente realista, levando em consideração tamanha descrição de detalhes. Gregor olhou pela janela e o céu pesado – ouvia-se o pingar da chuva no parapeito – trouxe-lhe uma grande. E se eu dormisse mais um bocadinho e esquecesse toda esta idiotice?, pensou, mas era impossível, pois estava habituado a dormir sobre o lado direito e não conseguia agora pôr-se nessa posição. De cada vez que fazia um esforço violento para se voltar acabava sempre por regressar à posição inicial, de barriga para o ar. Tentou pelo menos um cento de vezes, fechando os olhos para não ver o agitar convulso das patas e só desistiu quando começou a sentir de lado uma dor estranha e penetrante, como nunca experimentara antes. Neste âmbito, a literatura se sobressairá dependente do emprego dado a linguagem peculiar. Em outras palavras, “A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana” (EAGLETON, [ca. 2000], p.2). A linguagem literária é sugerida pelos formalistas, como um conjunto de desvios da norma, e é necessário identificar a forma da qual o discurso se afasta, uma vez que o uso da linguagem parte de uma variedade perante classe, região, gênero, situação, etc. Com tais afirmações expostas, Eagleton parte para a ideia de que a literatura é um discurso “não-pragmático”; ou seja, não tem uma finalidade prática imediata, assim presta-se apenas ao estado geral de coisas, (EAGLETON, [ca. 2000]). Em grande parte daquilo que é classificado como literatura, o valor verídico e a relevância prática do que é dito é considerado importante para efeito geral. Contudo, mesmo em se considerando que o discurso, ‘não-pragmático’ é parte do que se entende por ‘literatura’, segue-se dessa ‘definição’ o fato de a literatura não poder ser, de fato, definida ‘objetivamente’. A definição de literatura fica dependendo da maneira pela qual alguém resolve ler, e não da natureza daquilo que é lido, (EAGLETON, [ca. 2000], p. 11). A exemplo desta concepção, Eagleton (apud ELLIS, Jhon M.) [...] argumentou que a palavra ‘literatura’ funciona como a palavra ‘mato’: o mato, não é um tipo específico de planta, mas qualquer planta que, por uma razão ou outra, o jardineiro não quer no seu jardim. ‘Literatura’ talvez signifique exatamente o oposto: qualquer tipo de escrita que, por alguma razão, seja altamente valorizada, (EAGLETON, [ca. 2000], p. 11). A concepção de literatura torna-se, então, dependente do julgamento de valores determinado pelo leitor, assim nem tudo que é considerado “belo” ou bem escrito, precisamente será literatura. Entretanto Terry Eagleton ressalva: “Assim como uma obra pode ser considerada como filosofia num século, e como literatura no século seguinte, ou vice-versa, também pode variar o conceito do público sobre o tipo de escrita considerado como digno de valor” ([ca. 2000], p.15). Kafka explora o realismo, através da angústia do mundo moderno, utilizando- se da metáfora a efeito de verossimilhança presente no âmbito “obra-leitor”. A exemplo disto pode se pensar na comparação de uma pessoa com problemas psicológicos que está a desenvolver, de maneira drástica, anorexia, equiparando-se a uma metamorfose. Temos então uma possível concepção, de um possível leitor, com relação à Metamorfose, constituindo certo existencialismo2, simultaneamente ligados ao absurdo fantástico3. A verossimilhança da condição social humana presente no enredo de A Metamorfose de Kafka, especialmente nos primeiros momentos quando, ao acordar antes do trabalho, Gregor se vê metamorfoseado em um inseto horrendo, trata-se de uma alegoria ou, em nossa concepção, uma técnica narrativa, advinda de Terry Eagleton na qual, “[...] o personagem é apenas um artifício para se reunirem diferentes tipos de técnicas narrativas”, (EAGLETON,[ca. 2000], p.4), perante sua própria condição humana, enferma. Mesmo metamorfoseado em um inseto, em tal condição de enfermidade, Gregor não hesita a preocupação com o horário em que chegará ao trabalho, ou seja, possui verossimilhança concernente à condição social do proletariado na era capitalista. “[…] o trem seguinte saía às sete; para tomá-lo, era preciso uma pressa louca. O mostruário ainda não estava empacotado, e por último ele mesmo não se sentia nada disposto. Além disso, ainda que alcançasse o trem, nem por isso evitaria a cólera do patrão […]” (KAFKA, p.11), e não preocupou- se tanto com a sua forma: “embora se empenhasse em permanecer do lado direito, forçosamente voltava a cair de costas. Mil vezes tentou em vão esta operação; fechou os olhos para não ter de ver aquele rebuliço das pernas, que não cessou até que uma dor leve e pungente ao mesmo tempo, uma dor jamais sentida até aquele momento, começou a aguilhoar-lhe o lado”, (KAFKA, p.10). O ato de escrever, se relaciona diretamente a comunicação, a manifestação de ideias e conhecimento. Dessa maneira, podemos estabelecer meios sociais a partir de códigos. Sendo assim Kafka, utiliza da escrita, não apenas para comunicar- se, mas também com “ferramenta” autorreflexiva. Como não tinha uma relação estável com seu pai, comunicavam-se através cartas e acredita-se que este foi um motivo percussor à sua maneira de escrever. ‘Querido pai: Perguntaste-me certa vez por quemotivo eu afirmava que te temia. Como de hábito, não soube o que te responder, em parte exatamente pelo temor que me infundes, e em parte porque os pormenores que contribuem para o fundamento desse temor são em demasia para que os possa manter reunidos, nem mesmo pela metade, durante a palestra [...]’, (KAFKA, p. 73). A Metamorfose, é um exemplo nítido de seu existencialismo, basta ater-se aos elementos da narrativa que, comparada, a sua biografia, é infactível não realizar tal associação da projeção do autor na personagem. Em sua vida, Kafka “apesar da competência profissional – foi promovido por duas vezes – e da consideração que lhe dispensavam os colegas de trabalho, Kafka sempre sentiu o toque da insatisfação no emprego, pois ele o impedia de dedicar-se totalmente à atividade literária.” (lpm.com.br). Como complemento, citamos uma passagem, afim do efeito de verossimilhança: - Meu Deus! – pensou então. – Quão trabalhosa é a profissão que escolhi! Um dia sim, e outro também de viagem. A preocupação dos negócios é muito maior quando se trabalha fora do que quando se trabalha no próprio armazém, e não falemos desta praga das viagens: cuidar das conexões dos trens; a comida ruim, irregular; relações que mudam sempre, que não duram nunca, que não chegam nunca a ser verdadeiramente cordiais, e nas quais o coração nunca pode ter participações. Ao diabo tudo isso!, (KAFKA, 2012, p, 10). Contudo, conclui-se que o autor usa da escrita, como já dito, a uma “ferramenta” de autorreflexão à qual permite projetar-se na personagem, exprimindo suas condições sociais e psicológicas. Também devemos nos ater ao ato que o autor se presta pois “[…] A escrita pois um ato linguístico, tal como a leitura, mas vai além desta, por envolver a habilidade de compor um texto (a pessoa tem de descobrir, dentro de sua capacidade linguística, as palavras adequadas para expressar sua intenção ou suas ideias, de maneira bem estruturada e explícita)”, (PINHIEIRO, 1994) Sartre em seu livro Que é a literatura define como princípio de qualquer escrita, e ao jovem que se dispõe a escrever, a questão “Você tem alguma coisa a dizer?” e coloca aposto que todo discurso e fala é uma ação, ação que revela o mundo e propõe sua condição de mudança fazendo apelos discursivos para as questões que o autor deseja ressaltar em conjunto com o estilo e palavras chaves adotadas para tal escrita. Tendo em vista que toda literatura é uma resposta a sua época toda escrita é uma ação política sem que haja contemplação inofensiva (literatura para descontração) é uma incitação a transformação, uma maneira de colocar o homem no seu tempo. A escrita deve ser pensada nos outros, para isso se define o grupo social e o tipo de leitor para que se faça jus à intenção do autor explorando as funções, a época e a comoção, prevendo as sensações que serão possíveis ao leitor, o autor define, pressupõe através da perspectiva o tipo de leitor para se referir, portanto a literatura de determinado tempo morre com o seu tempo. A literatura é pesada, um instrumento de poder e transformação social, (SARTRE, 1989). Conclusão A sociedade é construída pela escrita tanto quanto a escrita constrói a sociedade. O crítico literário Terry Eagleton afirma a literatura como uma questão do que as pessoas fazem com a escrita e aquilo que a escrita faz com as pessoas. A metamorfose de Franz Kafka, obra escrita em 1912 e publicada em 1915 nos momentos de tensão e angústia antecedendo a primeira guerra mundial, nos leva a estranhamentos e levanta algumas questões através de técnicas narrativas no uso do inseto horrendo, debilitado, enfermo, com ideologias diferentes aos padrões sociais e familiares. A condição e a fraqueza humana diante das pressões sociais, o incomodo das relações familiares diante a mudanças narrado na cena que o pai de Gregor atira maçãs no próprio filho pela raiva da situação – e a rejeição presente nesse ato, e depois concluída quando o pai encara a morte do filho como um alívio. Eagleton também nos diz que a literatura emprega a linguagem de forma peculiar e em algumas obras (como a metamorfose) é concebida como uma violência organizada contra a fala comum, a literatura transforma e intensifica a linguagem comum; assim a obra de Kafka nos provoca a pensar as mudanças e nos diz que modificar é muito perigoso, pois se você toma uma posição fora dos padrões sociais você é visto como estranho, é demitido, desprezado, excluído e escondido, trata diretamente os preconceitos com aparência e questões de como se adaptar aos padrões sociais ou ser considerado um inseto. Com base de que a figura do inseto é um discurso narrativo análogo à condição humana, concluímos que diante dos temas abordados, a literatura trata de conceber a transformação do homem situando-o em seu tempo. Referências: EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. O que é literatura: introdução. 6. ed. São Paulo: Martins fontes, [ca. 2000]. p. 01-21. KAFKA, Franz, A metamorfose: Um artista da fome: Carta ao pai. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. LPM.com.br. Disponível em: <https://goo.gl/mXSrFe>. Acesso em: 25 out, 2018. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Fetichismo e reificação. Sociologia. São Paulo: Ática, 1988. MERQUIOR, José Guilherme. Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969. PINHEIRO, Ângela Maria Vieira. Leitura e Escrita: Uma abordagem cognitiva. Campinas: Editorial Psy II, 1994.
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