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03 Kettl 1998

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A revolugdo global: reforma
da administrageo do setor priblico
Doruaro F. K errr *
A reforma no mundo
Desde os primeiros anos 80, ve-se crescer em todo o mundo uma on-
da global de reforma do setor prjblico. Praticamente todos os governos tdm
empreendido esforgos para modernizar e agilizar a administraqdo priblica.
Em todos os paises, os governos t6m sido abertamente pressionados a re
duzir o tamanho do Estado. Em nenhum outro momento da hist6ria o mo-
vimento em favor da reforma da administrag6o priblica avangou tanto e tao
depressa.
Embora a id6la de reforma do Estado tenha surgido em todo o mundo,
muito pouco se sabe sobre suas causas. Os governos, de fato, t6m-se proposto
um conjunto heterogdneo de metas variadas e muitas vezes contradit6rias,
mas, ainda assim, certos temas afloram repetidamente. Os reformadores pro
metem agilizar a administraEeo. T6m lutado muito para dotar os selviqos pti-
blicos de maior efic5cia, de maior eficidncia e para reduzir custos. A grande
maioria comprometeu-se com a id6ia de reduzir o tamanho do Estado.l
O que chama a atenEao € que o movimento favorSvel i redug6o do
Estado tornou-se virtualmente universal, por maiores que sejam alguns deles.
Estados que tdm grandes aparelhos de administrag6o pitblica, como a Su6-
cia, deram inicio a reformas praticamente ao mesmo tempo que Estados nos
quais o setor governamental 6 muito menor, como o Reino Unido. Da Cor6ia
ao Brasil, de Portugal A Nova ZelAndia, a refotma do setor governamental
tomou se um fen6meno vetdadeiramente universal. Em todo o mundo, os
* Professor de administraQdo piblica e ciCncias politicas da Universidade de Wisconsin, Madison,
e prole:*or vrsrtanre da Brookings Institul on.
I Um levanramenro muiro ritilfoi produzido pelo United States General Accounting Omce (1995).
76 + Reronvn Do EsrADo E ADMTNTsTRACAo PuBtlcA GERENctAL
cidadeos e seus representantes eleitos parecem simplesmente ter chegado a
concluseo de que o governo de seu pais, seja qual for o seu tamanho re-
lativo, 6 grande demais e precisa ser reduzido, de que a administlaEao pf-
blica 6 muito cara e deve ser modificada para oferecer maior efici6ncia e
maior eficdcia. E provdvel que a hist6ria registre este como o primeiro efeito
verdadeiro da era da informaEdo: intelectuais e funcion5rios do Estado ser-
vindo-se uns das id6ias dos outros para difundir a necessidade de reduzir as
dimensoes da administr ag6o priblica.
Dois dilemas
Apesar do interesse universal que desperta a id6ia de reforma, hd nes-
ta dois dilemas. Um 6 o impulso para organizar govemos que funcionem me-
lhor e custem menos. Tdticas de culto prazo para cortar gastos tem feito
com que, a longo prazo, seja ainda mais dificil se obter melhores resultados.
O outro dilema 6 decidir o que o governci deve fazer. Muitas reformas t6m-
se concentrado na identificaEao das partes do Estado que podem ser redu-
zidas. Esse tipo de proposta, conudo, ndo define nem o nitcleo essencial do
Estado que se quer ter. nem o que lazer para que ele luncione. E impossivel
encontrar as melhores soluqoes para a reforma do setor pfiblico sem antes
entender a fundo os problemas.
Funciona melhorlcusta menos. Um 6timo exemplo do primeiro dilema 6
o esforgo que os Estados Unidos t6m feito para "reinventar" a administraqao
pfblica. Quando ainda candidato d presid6ncia, Bill Clinton ficou fascinado
por um best-seller, Reinuenting gouernment.2 Depois de eleito, em 1993, Clin-
ton incumbiu o vice-presidente Al Gore de conduzir um estudo de seis meses
sobre o que fazer para melhorar o govemo americano. Gore entregoulhe um
relat6rio no qual examinava, em varredura, toda a administraqao pfiblica nor-
te-americana (Gore, 1993). Embora alguns tenham criticado o relat6rio de
Gore, a campanha pela reinvengao do governo ptoduziu muitos resultados -mais, em alguns casos, do que espelava o governo Clinton.3
O esforEo norte-americano chama a atengao, entretanto, para duas
impofiantes questoes que os reformadores tem tido de enftentar em todo o
mundo. Em primeiro lugaq os imperativos da polltica frequentemente fazem
com que os reformadores procurem obter "vit6rias" transparentes e rdpidas.
Nenhuma reforma comega por vontade pr6pria; por tr5s de cada reforma
2 Ver Osborne .., Gaebler, 1992.I Ver Kerrl I Diluljo, 1995a, sobrctudo o cap. 2. Ver tambem Kettl I Diluiio, 1995b.
DoNALD F. Kert + 77
sempre hA um poderoso imperativo polftico a empurr6la para adiante. A
partir do momento em que as autoridades anunciam um plano de reformas
comega a se formar e a crescer uma forte pressao por resultados. E impor-
tante que se obtenham alguns sucessos a curto prazo, para que se solidifique
o apoio politico que ser6 muito necessario mais adiante, quando surgirem os
desafios maiores. Nos Estados Unidos, como em outros paises, o govemo
Clinton comegou por duas medidas que tiveram muito sucesso: cortes no or-
Eamento e reduqSo do nlimero de burocratas.
Em segundo lugaq embola resultados claros sejam vitais para promo-
ver a reforma, a preocupaqAo em bons e r6pidos resultados medianre cortes
orEamenterios tem frequentemente impedido melhorias de desempenho
mais significativas a longo prazo. Reformas autenticas no setor pfblico exi'
gem esforqo concentrado e duradouro. Nos Estados Unidos, por6m, o in-
teresse em obter resultados r6pidos dirigiu a reforma para o corte do n6
mero de funcion6rios do Estado - os mesmos funcionSrios prlblicos dosquais o governo teria de depender se quisesse obter resultados a longo pra-
zo. O entusiasmo pela reforma da administraqao pfblica evapora'se rapi-
damente quando ningu6m vd vantagens no que est6 sendo feito' mas tAticas
que rapidamente produzam vantagens visiveis podem fazer com que, a lon
go prazo, seja ainda mais dificil obter resultados duradouros.
Os reformadores da administragao priblica tem tentado criar um Es-
tado mais barato e mais eficiente. Na pr6tica, por6m' 6 dificil para os re-
formadores contemplar, ao mesmo tempo' economias de curto ptazo e bons
resultados futuros; dedicar-se a mudangas radicais e imediatas e ao processo
continuo de reforma; implementar decisOes extremamente duras e t5ticas
que visem a motivar os funciondrios Parc se ter uma reforma efetiuo e du
radoura 6 prectso encontrar meconismos que conciliem inleresses politicos im
perati)os de curlo prazo e metas de longo prazo.
O papel do gouerno. O segundo dilema diz respeito ao que cabe ao go-
verno fazer Os reformadores t6m-se esforEado para fazer o maior numero
possivel de cortes; o Estado tem sido definido a partir do que sobra, depois
de todos os cortes. No Reino Unido e na Nova ZelAndia, isso levou a um pro-
cesso de p vatizaqao de empresas estatais que durou anos.4 Nos Estados
Unidos, cujo setor p blico eta muito menor, o processo foi muito menos or-
denado: jogou-se ao mar, para fora do barco do Estado, tudo quanto, A pri-
meira vista, nao tivesse utilidade imediata Foi um logo predominantemente
4 Sobre a experiencia neozelandesa, ver Boston e! alii, 1991i e Boston (ed.), 1995. Sobre o Reino
Unjdo, ver Campbell I Wilson, 1995
78 + Rrronva Do EsraDo E ADMINtsTRA(Ao pLJBLtca GERENa AL
negativo. Em alguns paises p6de-se definir, com melhor estrat6gia, o que o
Estado podia e o que nao podia dispensar, mas v6rias nagoes acompanha-
ram o profundo pragmatismo dos norte-americanos. A maioria das naEOes
se preocupou em "aparar" os contornos da administragao priblica valendo_
se para tanro de indmeros mecanismos:
o limitaqao das djmensoes do setor priblico;
o privatizaEao;
a comercializaqao ou corporatizaEao de 6rgaos priblicos;
o descentralizagao para govemos subnacionais;
o desconcentraqao no govemo central:
o uso de mecanismos tipicos de mercado;
D novas atribuigoes aos 6rgaos da administraqao central;
o outras iniciativas de reestruturageo ou "racionaiizaE6o" (OECD, I995:13).
Nao h6 ddvidas de que essas abordagens serviram de combustivel para
reformas extraordindrias,mas seus limites estao se tornando visiveis. Na Nova
ZelAndia, que comeQou antes e foi mais longe, houve comentdrios, dos pr6-
prios funciondrios priblicos, de que o setor pfblico estaria sendo reduzido de-
mais- Reduzir o setor priblico, na melhor das hip6teses, 6 uma resposta apenas
parcial. Mais cedo ou mais tarde, todo reformador 6 obrigado a responder d
pergunta da qual, no inicio da reforma, todos fogem. Faqam o que flzerem, no
momento de reduzir o setor pdblico, os reformadores t6m de decidir o que o
govemo farS com o que sobrar Quais as funq6es essenciais e irredutiveis do
Estado? Em algum momento do proceso, a reforma deve dar uma guinada e
passar de uma teoria negativa a uma teoria positiva de governo. Este nao 6
um aspecto opcional ou negoci6vel. O rinico problema, de fato, 6 saber quan-
to tempo as autoddades demorarao para chegar a uma nova teoria positiva de
govemo e se a encararao com entusiasmo ou se, ao contrdrio, tfopegarao nela
como se fosse um grande refugo que sobrou das fases iniciais do debate.
AmbiE6o desmedida
Os dois dilemas nao t6m conseguido deter o impeto dos reformado
res, nem tornado mais iento o ritmo do que jd pode ser visto como uma re-
voluqao global. Os reformadores pressionam para que se faQam reformas
ambiciosas e muitas vezes precipitadas. Nas p6ginas a seguir, discurirei a re,
DoNALD F. Krrrt + 79
voluqao global: as id6ias centrais que a inspiraram, as mudanqas nos pro-
cessos de govemo que levaram a ela e as mudangas que introduziu na es-
trutura organizacional do setor piblico. Todas essas reforrnas levam i maior
e mais importante questao: a busca de meios que assegurem a res publica,
o uso do Estado para promover o interesse p6blico.s Para concluir, exami-
narei questoes vitais, mas ainda sem resposta, que frequentemente tem com-
prometido o sucesso a longo prazo das reformas.
ld6ias
A id6ia de reformar o setor govemamental n5o 6 nova. De fato, se h6
algo mais antigo que a pr6pria id6ia de govemo 6 a id6ia de aprimor5Jo.
Mas a revoluqao global pela reforma da administrag6o priblica 6 diferente em
dois aspectos. Primeiro, essa revoluE5o se alastrou rapidamente por todo o
mundo. Embora se tenham creditado aos paises do Westminster (sobretudo
Nova ZelAndia, Austr6lia e Reino Unido) os m6ritos de terem comeEado an-
tes e ido mais longe, o movimento em prol da reforma 6 caracterisdcamente
global: nos paises desenvolvidos e em desenvolvimento, a necessidade ur-
gente de reduzir o tamanho do Estado e de melhorar seu desempenho cres-
ce e se espraia como uma onda. Por toda a parte, os formadores de opini6o
encarregam-se de difundir as id6ias da reforma. Os reformadores do Estado,
por sua vez, copiam rapidamente as id6ias que lhes parecem interessantes.
Contudo, os motivos que levaram o movimento pr6-reformas a ter uma aco-
hida tAo favorSvel e a se difundir tanto e em tao pouco tempo continuam
a constituir uma pergunta importante e sem resposta; e as pesquisas para des-
vendar esse enigma retardaram os esforEos para modificar o funcionalismo
priblico. Mas a realidade dessa transformaEao global 6 incontest6vel.
Em segundo lugar, a revoluqdo partiu de um novo conceito, batizado
de managerialism: a estrutura de govemo existente j6 nao atende As neces-
sidades dos governos. De modo especial, foi a tradicional hierarquia buro'
crStica, com seus procedimentos baseados em regras e a rigidez que estas re-
gras geram, que passou a ser vista como superada e inittii. Os cidadaos
reclamavam da burocracia eslatal autorit6da que n6o funcionava; da infle-
xibilidade que ningu6m conseguia alterar; dos programas e organizagOes que
se superpunham e impossibilitavam a coordenagao; dos organismos pribli-
cos, que pareciam mais interessados em promover seus pr6prios neg6cios do
sAdotando uma perspectiva ainda pouco erplorada, a relorma do setor pliblico brasileiro tem
se centrado nesta questao. Ver Brasil. PrcsidCncia da Repiblica, 1995.
80 + Rrronvn Do EsrADo E ADMrNrsrRAqAo P!Btrca GERENcTaL
que em seruir aos cidadaos. Mesmo as teorias mais bem estruturadas e de-
senvolvidas de autoridade e hierarquia que serviram de pedra de toque para
os governos modernos por bem mais de um s6culo foram sumariamente ar-
rasadas peios reformadores. O plano era substituir a autoridade e a rigidez
pela flexibilidade; a atenqao d estrutura, pela melhoria do processo. Mais do
que tudo, por6m, os reformadores basearam sua revoluE6o na erosao da
teoria da hierarquia burocr6tica baseada na autoridade que por tanto tempo
havia dominado a gestao pfblica.
Trata se de uma revoluqSo de id6ias e de uma revoluq6o de politica
piblica. No Amago da revoluq6o das id6ias, por6m, h6 um conflito profundo
quanto ao rumo que a luta deva tomar A chave da reforma governamental
estar6 em varrer todo e qualquer obst6culo antiquado e irracional e abrir ca-
minho para administradores priblicos esforgados e bem-intencionados? Ou
devem se reformar as condigoes de trabalho atuais dos administradores p[-
blicos para obrig6los a deixar o relativo conforto dos monop6lios esratais e
enflentar a concorr6ncia, com o que acabardo por desenvolver seus talentos
e chegar6o a melhores resultados?
Meios de chegar A flexibilidade
H5 um consenso quase unAnime em tomo da id6ia de que os adminis-
radores piblicos precisam de maior flexibilidade para trabalhar, e de que o
grande obstdculo A introduq6o dessa flexibilidade sao os padroes vigentes de
hierarquia e autoridade. As autoridades pfblicas, contudo, tem escolhido
abordagens muito diversas para dar inicio aos seus programas de flexibilizaQao
Em alguns paises, particularmente na Austr5lia e na Su6cia, os refor-
madores do Estado pregaram a necessidade de "deixar o gerente gerenciar".
A filosofia subjacente, neste caso, garantia que os administradores priblicos
profissionais sabiam exatamente o que fazer, mas que havia regras, proce-
dimentos e estruturas que os impediam. Para o analista Peter M. Senge' as
politicas e as pr6ticas de govemo criam sua pr6pria realidade, o que levaria
os administradores priblicos a adotarem posturas reativas, presas a procedi
mentos operacionais padrao e limitadas em vis5o. Para promover organiza-
q6es adapteveis e governos que funcionem melhor, dever-se-ia fazer com
que o administrador priblico pudesse se concentrar nos problemas que tdm
de ser resolvidos e, entao, darlhe flexibilidade para resolv6-los.6 Deixem o
6 Senge, 1990, esp. p. 231. Sobre a criaeeo de organizae6es de ensino, ver Kettl, 1994:19-40
Para uma anelise mais ampla, ver Barzelay with Armaiani, 1992.
DoNALD F. KErrL + 8l
gerente gerenciar e avaliem com atenQeo os resultados, diziam os reforma-
dores, e a flexibilidade poderd subsrituir a rigidez. Tratava-se, como disse Phi-
lip Howard em seu estudo sobre regulaQ6o nos Estados Unidos, de um re-
tomo ao bom senso.T
No Amago da abordagem "deixem o gerente gerenciar" este o inte-
resse do usuario: o foco da atividade das organizagoes governamentais deve
ser atender as necessidades dos cidadSos, n6o A convenidncia dos burocra-
tas. Em todo o mundo, os cidadaos reclamam de filas intermin6veis, de aten-
dimento descortds, de regras arbitrSrias, da papelada, de questionSrios in-
vasivos e at6, ocasionalmente, de ter de subornar um funciondrio para
receber seligos aos quais tem pleno direito. Nos moldes existentes, a bu-
rocracia muitas vezes confere autoridade ao administrador para exercitar um
poder discricion6rio e impede que bons funcion6rios cumpram suas funq6es
do modo que gostariam e poderiam fazer
O interesse pelo usu5rio dos servigos leva os administradores a se preo-
cuparem em oferecer seruiQos, e nao em gerir programas; em atender aos
cidadaos e n6o as necessidades da burocracia. E o lado "funcionar melhor"
do dilema "funcionar melhor/custar menos". Na Austr6lia, as autoddades
concentraram-se muito mais em oferecer "qualidade tal como o usudrio a
define". As autoridades governamentaiscomeqaram avaliando a opini6o dos
cidadaos sobre seus contatos com os 6rgaos pfblicos: o tempo gasto, a aces-
sibilidade, a confiabilidade, a rapidez dos resultados e o custo. De julho de
1991 a julho de 1992, por exemplo, 72% dos cidadSos pesquisados respon-
deram que haviam sido "bem" e "muito bem" tratados nos contatos com 6r-
gaos pfblicos. A agdncia respons6vel pela arrecadaq6o de impostos, por
exemplo, estabeleceu metas a serem atingidas quanto d exatidao das infor-
mag6es fornecidas, ao tempo gasto para se obter uma resposta, i acessibi-
lidade dos funcion5rios e A relevAncia da estrutura de apoio.8 Nos Estados
Unidos, a administrag6o Clinton empenhou-se em definir padroes de aten-
dimento ao ptiblico para 214 6rgeos do governo federal.g Uma das divis6es
regionais da Administrag6o Federal de Seguridade Social foi recentemente
considerada a melhor no quesito "qualidade dos servigos oferecidos", tendo
obtido resultados melhores que os de v6rias empresas privadas reconhecidas
pela boa qualidade de seu atendimento ao usu6rio (Bishop, 1995:1, 3-4). Se-
gundo o relat6rio do govemo Clinton:
7 Howard, 1994. Ver tamb6m Australia. Public Seryice Commission, 1995.
8 Ausrralia. Task Force on Managemenr Improvement, 1992387, 396-7, 4to.
9 Ver president Clinton [, vice-prcsident Gore, 1995.
82 + Rrronr'aa Do EsTADo I ADMtNtsTRACAo P0ELlcA GEBENcIaL
"Temos de nos reorganizar para servir bem aos usu6rios; nos organizar
para exercer controle de cima para baixo. Temos de treinar os funcion6rios
para que oferegam resultados aos usu6rios e consumidores; os funcion6rios
foram treinados para seguir o que o vice-presidente Gore chama de 'regras
de entorpecimento mental'. Temos de criar sistemas que visem d satisfaqSo
do usuSrio e do consumidor; at6 agora, nossos sistemas visaram d satisfaqao
do chefe, de algumas autoridades e de algumas comiss6es administrativas"
(Clinton I Gore, 1995:3-4).
A filosofia do "deixem o administrador administrar" baseia-se na
id6ia de substituir a necessidade de controlar por uma filosofia de "me-
lhoria contfnua", a qual, por sua vez, 6 um dos frutos do movimento li-
derado por W Edwards Deming, a "gesteo da qualidade total" 10 Diz De-
ming que a chave para um verdadeiro aprimoramento da qualidade dos
seruigos 6 trabalhar sempre para oferecer o melhor, organizar de baixo para
cima e n5o de cima para baixo, e estabelecer um sistema de cooperaEao en-
te os funcion5rios das diferentes agdncias governamentais.
Outros paises, contudo, seguiram caminhos bastante diferentes Em
naq6es como a Nova ZelAndia e o Reino Unido, as autoridades administra-
tivas optaram pela frlosofia do "faga o administrador administrar". Nesse ca-
so, nao bastaria "deixar" o administrador administrar; muitos 6rgdos e agdn-
cias estatais s6o monop6lios e, afastados da competigao de mercado, ndo
haveria estimulo algum para que os administradores procurassem adminis-
fiar melhor O itnico modo de garantir que ocorram de fato melhoras no de-
sempenho da administragdo priblica seria alterar os incentivos dados aos ad-
ministradores e exp6-los ds forgas do mercado.
No Reino Unido, por exemplo, o govemo Thatcher desencadeou uma
reforma batizada de "Pr6ximos Passos". As autoridades da administrag6o na-
cional definiriam as politicas gerais, mas dois terEos dos servigos p(blicos de-
veriam ser realocados em agdncias. As ag6ncias seriam regidas por contra'
tos, nos quais se especificaria o que lhes cabia fazer e os padroes pelos quais
seu desempenho seria avaliado. Os acordos sobre desempenho e metas a se-
rem alcanEadas serviram de base para uma mudanEa radical no sistema
Whitehall. Cada ag6ncia passou a poder se concentrar muito mais direta'
mente na melhoria do senrEo que devia prestar a usu6rios ou consumido-
res.11 O govemo Major desde entao tem procurado privatizar o maior n6-
mero possivel dessas "agdncias Pr5ximos Passos"
lo Ver Demrng, lqSb: e Aguayo, laco.
rr Ver Campbell I Wilson, 1995:45-7. Ver tambem Kemp, 1990.
DoNALD F. KrrrL + 8]
Na Nova ZelAndia, promoveu-se uma transformaQao ainda mais ra-
dical no setor priblico. Os fundondrios mais graduados da administragao prl-
blica foram contratados mediante contratos de desempenho para adminis-
trar 6rgaos cujo trabalho 6 definido por acordos de compra-de-servigos. E
provSvel que nenhum outro pais no planeta tenha sido mais agressivo do
que a Nova Zel6ndia na venda de empresas estatais ao setor pdvado e na
sujeiqao do restante de sua administragao ptblica ) concorrdncia de mer-
cado. As funqoes das agCncias pfblicas obedecem a metas muito claras de
desempenho. Os administradores mais graduados s6o remunerados de acor-
do com o desempenho e os que nao adngem as metas propostas podem ser
demitidos. Em resumo, 6 o mercado - e o desempenho da ag6ncia, deacordo com os padrOes de mercado - que determina o sucesso de cadaag6ncia.l2
As reformas, particularmente nesses dois paises, seguiram rigorosa-
mente a teoria econdmica: o Estado, por ser monopolista, 6 inerentemente
ineficiente; tende a crescer e a "inchar"; e pol isso tem mau desempenho.
Os que criticam o governo costumam argumentar que nao hii inefici6ncia,
m6 gestao e desperdicio s6 na administraEdo priblica; que o mesmo acon-
tece em qualquer monop6lio, priblico ou privado; e que s6 a livre concor-
r6ncia 6 capaz de corrigir esses vicios.ll
A Nova ZelAndia e o Reino Unido fizeram conscientemente o que pre-
gam essas teorias, ao se decidirem por uma agressiva privatizaqao de em'
presas pliblicas. Terceirizaram (ou delegaram a outlos) muitas das atividades
que eram mantidas sob controle do Estado.l4 PLocuraram passar do conftole
de produEao (a atividade dos 6rgdos priblicos) para a aferiqao dos resultados
dessa atividade. Criaram novos mecanismos para testal no mercado, os plo
glamas geridos pela administlagao prlblica, entre os quais a exig6ncia de que
os administradores pdblicos entrassem na competiqSo de mercado para os
pr6prios cargos que ocupavam. E introduziram sistemas muito mais amplos
de controle dos gastos p(rblicos. Todos esses sistemas, combinados, tinham
principalmente como foco modificar o sistema de incentivos para "fazer os
gerentes p6blicos gerenciar".
Muitos paises introduziram tamb6m, nos dois tipos de abordagem, a
rcengenharia de neg6cios, pala agilizar e aprimorar os programas governa-
12 Vel Scon, Bushnell I Sallee, 1990.
ll Para uma amostra desse tipo de argumento, ver Niskanen, 1971i Savas, 1982; e Blais 8 Dion,
1991.
l4 Os Estados Unidos tem, provavelmente, se voltado ainda mais agressivamente para a ter'
cefizasao de bens e servigos governamentars.
84 , R.'opM. Do Fsr.Do, ADVr\r. oa,ao o.B r'^ 'rPE\'^
mentais.15 Para a reengenhafia 6 preciso proceder a uma reavaliageo pro
funda do que uma dada organizaqdo est6 fazendo e de como tem tentado
faz6-lo. O primeiro passo 6 fazer com que os administradoles passem a con-
siderar as caracteristicas dos usu5rios ou dos consumidotes e dos concor-
rentes, e entendam que 6 preciso mudar A seguir, faz-se o redesenho radical
dos procedimentos de trabalho com vistas a assegurar que usuSrios ou con
sumidores encontrem o que procuram. Muito frequentemente, esse processo
6 complementado por mudangas profundas na estrutura organizacional (co-
mo a eliminaqdo dos escaloes administrativos intermedi6rios e a criaqao de
organizagoes menos verticalizadas) e por investimentos em novas tecnolo-
gias de informaqao. Diferentemente da administraqao priblica tradicional,
que tendia a se concenffar na estrururo organizacional, a reengenharia con'
centra se no processo; tudo o mais 6 secund6rio no que diz respeito a, efe-
tivamente, "fazer o servigo". Na administraEao priblica, por6m, simplesmente
definir o que seja "serviqo" j6 6 um desafio constante e mutAvel.
Co nflitos estrategi cos
Comparados enue si, os processos de "deixar o administrador admi
nistrar", de "fazer o administrador administrar" e o da reengenhariade ne-
g6cios incluem id6ias extremamente riteis. Na verdade, um dos aspectos
mais fascinantes desses processos de reforma 6 precisamente o quanto foram
influenciados pelas id6ias. As reformas t6m sido como que o casamento de
uma profunda reflex6o te6rica com um profundo pragmatismo.
Muitas nag6es do mundo, ademais, tdm usado com 6xito apenas par'
tes de cada uma dessas abordagens. Seria um erro, por6m, supor que essas
abordagens constituam um menu de opq6es intercambi6veis. No fundo' s6o
diferentes quanto aos fundamentos. Por6m, como no dilema "funciona me'
lhoVcusta menos", a filosofia b5sica que inspira cada uma dessas abordagens
impoe frequentemente uma t6tica francamente hostil a outras abordagens.
"Deixar o administrador administrar", no fundo, 6 uma filosofia de transfe-
rdncia do poder Visa a neutralizar qualquer restriEao que possa ser feita d
flexibilidade do administrador "Fazer o administrador administrar", por ou-
tro lado, visa a modificar as restriQoes que pesam sobre o administrador O
administrador deve ser livre para resolver problemas administrativos Con'
15 Para um dos principais documentos dessa tend€ncia, ver Hammer I Champy 1993. Depois
de publicar seu livro, Champy reconsiderou velias de suas afirmaqoes. Vet tambem Champll
1995.
DoNALD F. KrrrL + 85
tudo, pense ele o que pensar sobre o melhor modo de servir ao ptiblico, tem
de cumprir objetivos que lhe sao impostos de fora e enflentar uma dura con-
corr6ncia de mercado. A reengenharia de neg6cios, por fim, tende a rejeitar
o segmento de aprimoramento continuo que existe na filosofia do "deixar o
administrador administrar" e prega a necessidade de mudanqas mais dra-
m6ticas e fundamentais- A rigor, fundamenta'se na exist6ncia de uma feroz
luta "de mercado" (como faz a filosofia do "fazer o administrador adminis'
trar") para impor a necessidade da reforma. E insiste, al6m disso, em esta-
belecer mais um supernivel de controle, orientado pelo mercado, aos 6rgaos
da administraqao p6blica.
Esses conflitos esfat6gicos estabelecem um invent5rio muito 6til de
possiveis abordagens ao problema da reforma do setor pribiico. Permitem
que se classifiquem algumas fontes possiveis de conflito, tanto na concepgeo
da abordagem quanto na produqao de resultados. E mostram por que de-
terminado conflito 6, ou pode vir a ser, relevante. Particularmente, no que
diz lespeito ds seguintes quest6es fundamentaisl
o Enfase. As reformas administrativas tradicionais concentravam-se na rees-
truturaQao organizacional, Muilas reformas mais recentes do setor ptiblico,
ao contredo, t6m procurado modificar procedimentos. Onde estarS o ponto
de equilibrio?
t Responsabilizaqdo (accountabiliA). A administragao tradicional construiu
para esse fim, nos escaloes superiores, um sistema baseado na autoridade.
As reformas mais rccentes do setor pdblico tem adotado mecanismos basea
dos no mercado. Como conciliar as metas de efici6ncia impostas pelo mer
cado com a necessidade das autoridades eleitas de cobrar responsabilidade
legal por resultados dqueles a quem delegam poderes?
o Resulrado;lnal. A administraqao tradicional tendia a julgar os administra-
dores com base no processo: se os administradores faziam o que mandava
a lei, do modo como a lei exigia que o fizessem, dizia'se que a administrag6o
pribiica "era boa". As reformas mais tecentes do setor pdblico tem dado
maior atenqao i efici€ncia. Como conciliar a preocupaqeo tradicional dis-
pensada ao processo com a exigdncia de desempenho eficiente?
o O papel dos funciondrios pnblicos. A administrag6o tradicional recorria a
funcion5rios priblicos para executar as tarefas do Estado. As reformas mais
recentes do setor pdblico nao partem do pressuposto de que as tradicionais
tarefas do Estado tenham necessariamente que ser executadas pela admi-
nistraqao priblica - ou, no caso de os serviEos precisarem ser pagos pelo Es'tado, nao 6 necess5rio que os seruigos sejam prestados por funcion6rios pti-
86 + Rrroavr Do EsTADo E ADMrNrsrRAeAo PusLrcA GFRENcTaL
blicos. Como modificar o sistema de recursos humanos da administragao
pfblica para que se adapte )s novas caracteristicas do serviqo ptiblico?
o O papel dos cid.adoos. A administraqao tradicional tendia a tratar os ci-
dad6os como clientes presumia-se que os funcionSrios pfiblicos conhe-
ciam melhor as necessidades dos cidaddos, e que os cidadaos eram recipi-
end6rios passivos dos serviqos ptiblicos. As reformas recentes do setor
priblico t6m tendido a ver os cidadaos como consumidores. Mas, como essa
definiqao raramente 6 clara, quem 6 "o consumidor"? E que responsabili-
dades os cidad6os precisam assumir para que esse sistema funcione bem -
e como os movimentos "de conscientizaEao do consumidor" afetam os ser
viEos pfblicos aos quais o cidadao tem pleno direito legal?
a O n1cleo da Estado. A adminisnagdo piblica tradicional tendia a definir
"seruiQos ptblicos" como algo que s6 o Estado podia - ou devia fazer.As reformas recentes do setor pfblico j5 nao impoem limites conceituais
muito claros. H6 um ntlcleo mlnimo de Estado a ser presetvado, no qual neo
se possa fazer nenhum "corte"? E como delimitar este nfcleo?
Um exame da estrutura e dos processos da administragao ptiblica e
um reexame da natureza dares publica, ou do interesse p6blico, langam uma
nova luz soble essas complicadas quesloes.
O processo
Apesar de a revoluq60 da reforma do setol priblico estar varrendo o
mundo, 6 ainda dificil avaliar os resultados ou prescrever as reformas que le
vaLdo aos melhores resultados. A dificuldade deve'se, em pafie, ao fato de
que muitas vezes a opg6o entusidstica pelas relormas n6o incluia qualquer
preocupaqdo com a aferiqdo dos resultados. Em parte explica-se essa difi-
culdade, tamb6m, porque id6ias que sao fascinantes no papel podem aca-
bar, na pr6tica, por trazer A tona problemas novos, graves e at6 entao ocul-
tos, porque colidem violentamente com pt5ticas vigentes.
Em nenhum caso isso 6 mais verdadeiro do que nas refotmas de pro-
cessos que sao o nilcleo da "nova gestao pilblica" Essas reformas colidem'
sutil mas diretamente. com o conhecimento convencional vigente na admi-
nistraqeo pftblica, segundo o qual o que mais importa 6 a estrutura organi-
zacional; corrija os deieitos esttuturais, que os resultados aparecem. O pro-
blema 6 que praticamente j5 nao existe organizag6o p(blica que consiga
gerir e controlar diretamente os programas pelos quais 6 respons6vel. Sao t6o
extensas as superposiqoes e as inteldepend6ncias de politicas e programas
DoNALD F. ferrL + 87
pliblicos que a base de uma administraqeo eficaz passou a ser a coardenagao
de unidades que, eventualmente, visam a objetivos totalmente divergentes.
Essas unidades podem ser agencias do pr6prio Estado ou organizaedes pri-
vadas sem fins lucradvos que rabalham como parceiras do Estado. Isolada-
mente, portanto, nenhuma das estrururas organizacionais existentes consegue
resolver grandes problemas. Para preencher os vazios que surgiram, imple-
mentaram-se v6rias reformas baseadas em processos.
AdministragSo baseada no desempenho
As tenddncias favor6veis A gestao piblica "testadas no mercado" ba-
seiam-se tamb6m na possibilidade de avaliar o desempenho do aparelho de
Estado. Quando se criam incentivos d eficidncia, devem-se criar tamb6m
meios de avaliar diferentes alternativas. Determinado programa funciona
bem? Hd alternativas melhores? A resposta a essas questoes fundamentais
depende basicamente de que se possa aferir resultados e adotar o crit6rio
de avaliag6o para orientar as decis6es de politica pfblica. Os servigos ao
consumidor, sobretudo, dependem de que se possa oferecer infomageo su-
ficiente para que os cidadaos-consumidores fagam escolhas inteligentes. A
avaliaEao do desempenho, portanto, 6 a pedra fundamental de muitas re-
fomas.
Desde meados da d6cada de 80, os govemos da Nova ZelAndia e do
Reino Unido v6m redefinindo drasticamente suasmetas de desempenho e
procedendo a avaliaEoes de resultados. O modelo australiano 6 ligeiramente
diferente e se concentta na avaliaqao de programas. Na Su6cia, as autori-
dades optaram por relat6rios anuais auditados. Os franceses instituiram "cen-
tros de responsabilidade", nos quais estabelecem quem 6 responsdvel por
qu6. Outros governos tentaram ainda outras abordagens, mas em todos os
casos o esforgo para avaliar os resultados e usar esses dados para servir de
orientagdo is decisoes politico-administrativas tem sido vital ) revolug6o glo-
bal da administragao pdblica.
A avaliaE6o do desempenho, em sua modalidade tipica, depende de
os gestores setoriais tomarem uma s6rie de passos:
o Missao. Qual a miss6o da ag6ncia? Em uma democracia, a missdo de uma
agdncia de servigo p(rblico nasce da pr6pria democracia: dos setores que de-
finem as politicas de governo e das leis que as estabelecem, A missSo 6 a
pr6pria roison d'drre da agdncia. Um serviqo de sarlde ter6 a missdo de pre-
venir doengas e de ajudar a curar os doentes; um servigo de transporte po-
der6 tornar mais f5cil o triifego de bens em diregao ao mercado ou de tra-
88 + Rtronva Do EsTADo E ADM N srRAqAo PuBt ca GERENcTAL
balhadores em direEao aos seus locais de trabalho. A missao de uma ag6ncia
de serviqos 6 parte um constructo legai, definido em lei, e parte um cons'
tmcto cultural, que define as norrnas e procedimentos b6sicos a serem ob
servados na pr6pria ag6ncia.16
o Metos. Como a missao da agdncia se traduz em metas? As metas fluem di-
retamente da missao e, como a missao, as metas originam-se no que de
termina a lei e no modo pelo qual os formuladores de politicas a interpre-
tam. No trabalho da prevengao de doengas, por exemplo, uma agdncia de
seruigos priblicos de sadde pode se dedicar A vacinaqao da populag6o para
imuniz6-la contra doenqas contagiosas. Uma agdncia de transportes pode
trabalhar para criar um sistema de vias expressas de alta velocidade.
t Objetiuos. Como as grandes metas das ag6ncias de serwiqo pirblico tradu-
zem-se em objetivos especificos para os gestores de programas individuais?
Dito de outro modo, como os gestores das agdncias de servigo pfblico se
movem do geral para o pafiicular, das metas amplas e vagas, definidas em
lei, para os regulamentos especificos que orientam a ag6o dos administra'
dores dos escal6es intermedi6rios, at6 o usudrio ou consumidor final do ser
viqo. Este 6 um ptocesso interno ) ag6ncia, O gestol'de uma ag6ncia de ser-
vigo priblico de saride pode se organizar para vacinar toda a popuiag6o em
idade pr6-escolar. O gestor de uma ag6ncia de transpones p(blicos pode se
dedicar d construE6o de uma via expressa que ligue as cinco maiores cidades
de sua regiao.
a Aferigao da produgao. Como o gestor pode medir o progresso posirivo na
diregSo de seus objetivos? E indispensdvel que sejam definidos indicadores
especificos, claros e facilmente mensurSveis para que seja possivel aferir a
produEao. Administradores de ag6ncias de safrde pirblica, por exemplo, po-
dem aferir o total e estabelecer a pelcentagem de crianqas imunizadas. Ad
ministradores de ag6ncias de transporte podem aferir o n(tmero de quil6
metros realmente construidos de uma estrada. Ao se aferir a produQao estS'
se aferindo, quase sempre, a atividade e o volume de servigos produzidos.
o Aferigao dos resultodos. Que esp6cie de avango os programas trazem para
a solug6o dos probiemas, razao pela qual os programas foram criados? Para
aferir a e{1c6cia dos programas, o administrador compara resultados e metas.
Os administradores de agencias de safide p6blica podem, por exemplo, exa-
minar eventuais resultados da imunizaqdo sobre a safde geral das criangas.
6 Ver Wtlson, Io89, especialmerle o cdp. b.
DoNALD F. KrrrL + 89
Os administradores de agencias de transporte piblico podem estudar os re-
sultados da existdncia das novas esffadas sobre o tr6fego de bens para o mer-
cado ou sobre o desempenho profissional dos trabaihadores que sdo usu6-
rios da nova estrada.
Em resumo, as avaliag6es de desempenho procuram determinar a efi-
ci6ncia com que uma agencia de serviQos p[lblicos traduz, em termos de re-
sultados, o investimento (em especial, dinheiro advindo de impostos e tra-
balho de funcion6rios) feito para que a ag6ncia pfblica exista; procuram
determinar tamb6m quanto os resultados concorrem para que se alcancem
as metas do programa. Pode-se dizer que o compromisso com a id6ia de
avaliar resultados 6 a base essencial do movimento giobal de reforma do se-
tor ptibhco.
As nag6es mais avanEadas ndo vacilam em admitir que ainda h6 muitos
problemas a resolver Outras nem sequer comeEaram. At6 o presente, a expe
ridncia acumulada permite que se identifiquem alguns problemas criticos.
O que se deue medir: os resultados ou a produgdo? O dilema 6 simples
e direto. Por um lado, o que mais interessa saber quanto ao desempenho das
agdncias pdblicas 6 se elas resolvem os problemas em raz6o dos quais foram
criadas. Criam-se ag6ncias da policia para propiciar seguranqa aos cidadSos;
ag6ncias priblicas de satide, para melhorar a saride da populaq6o. Essas
ag6ncias, afinal, s6 serao bem sucedidas se os cidadaos se sentirem seguros,
se melhorarem suas condigdes de safde. Nesse sentido, a l6gica da aferiEAo
de desempenho leva, inexoravelmente, A aferiqao dos resultados. Para que
se alcancem essas grandes metas, contudo, concorrem v6rios fatores sobre
os quais as pr6prias ag6ncias nao t6m controle. A criminalidade 6 resultado
tamb6m de fatores sociais que continuam a produzir efeitos, por mais que a
policia trabalhe. H6 atitudes e hiibitos na populagao que, por mais adequa-
das que sejam as propostas das ag6ncias de sadde, podem influir no resul-
tado final. Acompanhando esse raciocinio, conclui-se que o que se deve ava-
Iiar 6 a produqio: s6 interessam as vari5veis que possam ser controladas
pelas ag6ncias, e deixam-se para os cientistas sociais as avaliaqOes de resul-
tados, mais complexas.
Os administradores pdbiicos, naturalmente, se preocupam com a pos-
sibilidade de serem julgados e punidos - por resultados sobre os quaisndo t6m controle. Ministros, representantes eleitos e cidad6os querem ver re-
solvidos os problemas e raramente t6m paci6ncia para discutir a complexi-
dade das causas e das soluEoes dos problemas priblicos.
De certo modo, este 6 um falso problema, por duas razoes. Primeira,
porque a avaliagao de produqdo 6 a chave de todos os sistemas de avaliagdo
90 + Reronlrr Do Esraoo E ADMtNtsTRACAo piBLrcA GERENctaL
de desempenho de todas as ag6ncias priblicas. Segunda, o processo 6 mui-
tissimo complexo. Os australianos, por exemplo, admitem que trabalham nis-
so he l0 anos e que ainda nio chegaram a nada de satisfat6rio. Estabelecer
um conjunto relevante de avaliagoes de resultados 6 projeto para d6cadas
de trabalho, nao para meses, mas qualquer avanQo, por menor que seja, 6
uma conquista importante. Parece que o mais razoavel 6 comegar pelas ava-
liagoes de produqdo e dar tempo ao sistema para que amadureEa.
As nagoes tem encontrado respostas diferentes para o mesmo quebra-
cabeqa. Os funciondrios piblicos neozelandeses s6o bastante explicitos ao
afirmarem que o sistema deve se limitar a avaliar a produgao. Com isso, di-
zem eles, mant6m-se o sistema com os p6s firmes no chdo e se criam con-
diqOes para analisar com clareza quem faz o qu6. O governo britAnico tam,
b6m defende a avaliagSo da produgdo. No Canadii e na AustrSlia, por6m,
as autoridades tem-se empenhado em ampliar os horizontes e praticam al-
gumas avaliaq6es de resultado, embora a avaliag6o de produqdo continue a
ser a base do sistema.
Nao h6 drivida de que as avaliag6es de resultado sao vitais. O que os
cidad6os e os formuladores de politicas priblicas mais precisam saber 6 se os
programas funcionam ou neo. E o funcionamento dos programas nao de-
pende apenas do desempenho individual dos funcion5rios da burocracia,mas tamb6m - e quase sempre mais - da interconexdo entre as v5rias pe-
Eas dos complexos sistemas politicos. Se cabe ao Congresso efetivamente su-
pervisionar a politica nacional, 6 indispensi4vel que se conhega o funciona-
mento dessa interconexao. Eis ai um caso que deve seruir de estimulo para
que se desenvolvam boas avaliag6es de resultado.
Ao mesmo tempo, pordm, 6 preciso saber se os administradores ad-
ministram bem. Ainda que sejam raros os administradores ptiblicos que tdm
controle direto sobre os resultados dos programas que dirigem, os cidadeos
e os pr6prios administradores precisam saber qual a sua contribuigAo para
os resultados. Eis ai um caso que deve seruir de estimulo para que se de-
senvolvam boas avaliagoes de produgao.
E assim est6 construido o dilema: se nos concentramos no que o ad
ministrador ptiblico pode fazer sozinho, corremos o risco de perder a viseo
do todo. Um sistema estreito de avaliaqao de produQao, que se limite a con-
tar atividades, 6 apenas um pouco melhor que um sistema baseado no con-
trole dos investimentos, que se dedique a gastar dinheiro e consumir papel.
Ningu6m que esteja ligado A longa cadeia dos muitos programas federais em
curso tem o direito de fugir d discuss6o sobre a sua cont buiQao individual
para os resultados finais de um programa. Dedicar-se apenas d an6lise das
questoes de politica pode levar os funciondrios que participam da cadeia de
DoNATD F. Krrrr r 9I
implementag6o de programas a esquecer que sao tamb6m pessoalmente res-
ponsaveis pelo pr6prio trabalho. Se um sistema de avaliagao de desempe-
nho concentrar-se nos resultados, e nenhum dos administradores prlblicos ao
longo da cadeia de implementaEao de um programa puder ser responsabi-
lizado pessoalmente pelos resultados, nada mais f6cil para todos os envol-
vidos do que acusar o outro, sempre que surgirem problemas. Este, evidente
e precisamente, 6 o problema de muitas das pr6ticas vigentes em muitas das
instancias da administragao pr-iblica.
As avaliagoes de desempenho, portanto, precisam ocorrer em dois
planos diferentes: no da produQao, para poder modelar o comportamento
dos administradores e gestores; e no dos resultados, para que possam ser ela-
boradas politicas consistentes. Esses dois planos,6 claro, sao inter-relacio-
nados. A avaliaQao de resultados pode ajudar os administradores a apnmo-
rar suas estrat6gias; e a avaliaQao de produgao pode oferecer a chave para
a explicaqao de problemas que surjam nos resultados. Entretanto, seja qual
for o sistema de administraEao, se estiver baseado no desempenho, terd de
comeQar entendendo claramente que avaliaQdes de resultado e avaliagoes
de desempenho oferecem respostas difelentes para problemas diferentes;
que envolvem de modos diferentes o administrador; e que estimulam de for-
ma diferente o comportamento.
Distinguir entre aferiqdo de produqdo e aferig6o de resultados pode
parecer antiquado. Por6m, se ignorarmos essa distingao ou se errarrnos ao
determinarmos os planos aos quais se aplicarS uma ou outra medigSo (ou
seja, se aplicarmos medigoes erradas ao tipo enado de problema), acaba-
remos por minar todo o sistema e estaremos encolajando os jogadores a in'
ventar outros tipos de jogo.
N6o 6 preciso, por6m, fazer uma escolha do tipo "ou um ou outro".
Os problemas envolvidos na criaqao de um sistema de avaliaqao de desem-
penho sao, sem dfvida, substanciais. Para implantar um sistema desse tipo
6 preciso muito tempo; a rigor, a impiantag6o nunca acaba. Contudo, o
avanqo que se consegue ao trocar de ponto de vista - ao tirar o foco doinvesdmento e transferi-lo mesmo )s mais simples avaliagoes de produgao -6 tao grande que ndo devemos aceitar que as dificuldades nos impegam de
ver as vantagens que se podem obter com uma administragdo baseada no
desempenho. Pode-se comegar pelo primeiro passo l6gico: desenvolvendo
sistemas de aferiqbo de produqdo.
Que niuel da administragao deue ser aualiado? A l6gica da avaliaqdo
por desempenho leva os que definem as politicas pitblicas a avaliar o de-
sempenho das agdncias como um todo. De fato, os contratos por desem-
perrho assinados pelos altos funcion6rios da administragdo da Nova ZelAn-
92 + Rrronur Do EsTADo E ADM N srRAcAo puBL cA GEREN. A
dia determinam explicitamente que se avalie a efici6ncia do desempenho do
administrador que dirige cada agdncia prjblica. As ag6ncias "Pr6ximos Pas-
sos" britanicas desenvolveram objetivos e indicadores especificos para ava-
liar o sucesso de cada ag6ncia.17 Na pr6tica, por6m, h6 quatro diferentes ni-
veis a serem avaliados: a agencia, o programa, o grupo de trabalho e o
individuo.
A ag6ncia pode set naturalmente, o ponto a ser enfocado. Esta opqao
tem a vantagem adicional de a avaliagao podel levar em conta tambdm o
administador respons6vel pelo desempenho da ag6ncia. Freqdentemente,
por6m, interessa aos formuladores das politicas saber como estao funcio-
nando os programas que criaram. Em alguns paises, principalmente nos Es,
tados Unidos, a ag6ncia i qual ser6 at buido um determinado programa 6
sempre muito menos importante que a criaQeo do programa. Consequen-
temente, muitas agdncias p[rblicas acabam se transformando em pouco mais
que empresas holding de um grande nrimero de programas pra[icamente
sem relaEao uns com os outros. Nesse caso, o pfograma pode ser o ponto
de partida para a avaliaqao do desempenho.
Mesmo que o administrador pdblico possa saber se determinado pro,
grama est6 dando certo ou nao, h6 casos em que 6 extremamente dificil de-
terminar as causas dos resultados obtidos e os responsdveis por eles. Um
bom planejamento estrat6gico poderia traduzir metas muito amplas em res
ponsabilidades especificas, mas pode ser muito dilicil implementar no setor
priblico esse tipo de planejamento porque as metas mudam constantemente
e pressoes politicas externas podem comprometer a l6gica do plano.l8 Os
austraiianos comeEaram pela avaliaQeo do desempenho geral dos progra-
mas e depois, como parte de uma ampla reforma dos serviqos p(blicos, pas
saram a avaliar os grupos de trabalho de cada agdncia. Como a operaeeo
de organizagoes complexas exige cada vez mais que se considerem as equi
pes, ao avaliar o desempenho de seus grupos de trabalho os administradores
da cfpula do governo australiano puderam tamb6m avaliar a conexao entre
o comportamento dos gestores intermedi6rios e o resultado obtido. Na ver-
dade, o processo de avaliagAo faz parte de um sistema mais amplo de mo
tivaEao dos funcionarios. Como explica um relat6rio oficial: "a gestao por de
sempenho visa a aproximar entre si e a integrar os desempenhos individuais
e por equipe, para atingir os objetivos da organizagao".19
r7 Ver Greer 1994:68-7 S.
18 Um excelente guia sobre planejamento eslrat6gico no setor pfblico 6 Bryson, 1991.
re Ausrralia. Public Sewice Commission, 1995:3.
DoNALD F. KrrrL + QJ
Por fim, os ministros e administradores interessados em atribuir res-
ponsabilidades pelos resultados e em saber como os resultados foram obti-
dos argumentam que os sistemas de avaliaEao de desempenho devem, em
riltima instAncia, focalizar o desempenho individual. At6 certo ponro, 6 teoria
abstrata: se os incentivos baseados em desempenho no mercado foram cria-
dos para motivar um determinado comportamento individual, t6m de ser
reais para os individuos para os quais foram criados. Sob outro ponto de vis-
ta, 6 a realidade da pr6tica: o que interessa, seja do ponto de vista politico,
seja do ponto de vista gerencial, 6 determinar quem 6 o respons6vel pela pro-
duqao de quais resultados. Os planos de avaliaEao de desempenho individual
e os planos de pagamento por desempenho sempre foram muito populares,
embora seja sempre dificil cri6los e geri-los. Nos escaloes administrativos in-
feriores, pelas razoes que vimos explorando, continua a ser extremamente di-
fi'cil determinar e avaliar resultados. Mas especialmente na Nova ZelAndia e
no Reino Unidojii h6 contratos, para a cdpula da administragao pfiblica, que
visam a modelar o trabalho e os premios (Greer, 1994:77). A avaliag6o por
desempenho portanto tem sido aplicada, em avaliaEao de desempenho in-
dividual, apenas a altos funciondrios e, nas avaliaq6es por programa e por
equipe, aos funcion6rios intermedi6rios.
Os riscos. O objetivo biisico da administraqao por desempenho 6 avaliar
a efici6ncia do administrador quando converte objetivos politicos em resulta
dos pr6ticos. A incerteza comumente os protege de uma investigaqao mais de-
talhada. Os objetivos quase sempre seo vagos, 6 dificil definir os resultados e
o quanto o administrador contribuiu para que fossem obtidos. Nessas condi,
q0es, pode ser extremamente arriscado para os administradores ser muiro ex-
plicitos sobre o que querem fazer e sobre seus progressos.
O processo, al6m disso, exigiria que os setores encarregados fossem,
desde o inicio, muito claros ao definir as politicas p(blicas. Murto freq0en-
temente parece mais confort6vel estabelecer metas variadas, muitas vezes
conflitantes entre si e, aos poucos, ir escolhendo entre elas. Os administra-
dores podem determinar quais as metas vi6veis e quais as invi6veis. Ministros
e representantes eleitos podem intervir seletivamente no processo adminis-
trativo para forEar outros administradores a buscar algum equilibrio entre
metas conflitantes, mas que sejam do interesse do govemante. Quando os
ministros sao obrigados a fixar exclusivamente metas cujos resultados possam
ser avaliados pela administraEdo p(blica, eles perdem parte significativa da
agilidade que linham nos slslemas anteriores.
Para resolver esses probiemas seria preciso satisfazer, no minimo, dois
requisitos: a cirpula da administragao p(rblica deveria estar sob uma lideranga
forte e efetiva, contando com a confianga do governo para definir objetivos,
94 + Rrronvn Do EsrADo E ADMTNTsTRAeAo PLlBLrca GERENcTaL
analisar resultados e manter coeso o conjunto dos funcion6rios intermedidrios
e inferiores; al6m disso, dever-se-iam estabelecer planos para recompensar a
excel6ncia no desempenho. Este segundo passo, em particular, exigtna muito
tempo e uma profunda reforma no sistema do serviqo pfblico.
Para que seruiriam as oualiagoes de desempenho? O novo sistema norte-
americano exige que as agdncias priblicas avaliem o desempenho dos pro-
gramas que desenvolvem; n6o diz o que os funcion6rios encarregados de pro-
por politicas priblicas devem fazet com essas avaliaEoes. Pode-se prever, con'
tudo, que o sistema evolua, como aconteceu na Austr6lia, na Gra'Bretanha e
na Nova ZelAndia. Os encarregados de propor politicas ptiblicas, informados
sobre os programas mais bem-sucedidos e sobre os que nao estejam dando
muito certo, usariam esses dados para tomar as grandes decis6es orqamen-
t6rias. A rigor, posto que a l6gica fundamental das avaliag6es de desempenho
6 fazer com que se entenda melhor a conexdo entre o investimento (inclusive
o orgamento) e os resultados, pode-se prever que aquela informagSo reflua
e venha a pesar na alocagao dos recursos pdblicos. O conhecimento, nesse
caso, seria muito ritrl As decisoes sobre gastos marginais, item no qual muitos
programas competem por pouco dinheiro (Beeton, 1987:89).
As avaliag6es de desempenho, por6m, podem ter muitas outras utili-
dades. Combinados com as simulaqoes de planejamento estrat6gico que in'
tegram os primeiros passos da avaliaqdo de desempenho, os crit6rios de de-
sempenho ajudam os administradores priblicos a descobrir o que podem fazer
para melhorar os resultados. Essencial nese processo n6o 6 apenas a aferiqao
dos resultados, mas a possibilidade de se detetminar quem 6 respons5vel por
que etapas do desempenho. E um proceso, pois, que ajuda a identificar pon-
tos fr6geis na cadeia de produg6o e sugere as interuenqoes a serem feitas para
reforg6-los. Para tanto, 6 preciso haver um sistema avangado e sofisticado de
avaliagao de desempenho, cujo potencial de rendimento m5ximo ultrapasse
em muito o mais avanqado dos sistemas atualmente em uso. A combinaqao
sugere que. com outros avanqos, virao mais frutos.
Perigos ocultos. Por mais promissora que seja a abordagem da admi-
nistraq6o pfbiica via mensuragao de desempenho, ela esconde alguns pe-
rigos.
o A fal1cia do Super-homem. Os casos de gerdncia por desempenho contados
nos manuais, associados as fant6sticas narativas de sucessos de outros paises
(quase todas enfatizando os lucros e esquecendo os custos), podem levar
analistas, administradores e seruidores priblicos eleitos a prometer mais do
que o processo pode oferecer. H6 eviddncias de sobra que mostram o quanto
se pode, genuinamente, esperar da administraq6o por desempenho. As evi-
DoNALo F. KerrL + 95
ddncias mostram, por6m, o quanto 6 dificil construir um bom processo de
avaliagSo, usar os resultados com eficidncia e realimentar o processo ao lon-
go do tempo. Uma administragao baseada no desempenho tem de comegar
com uma alta dose de mod6stia e ir sempre aumentando essa dose.
o A produgdo ndo int€ressd. Ao se verem obrigados a desenvolver crit6rios pa-
ra aferir desempenho, hii administradores que nao resistem A tentagdo de es-
tabelecer crit6rios tao baixos que, para os cumprir, basta um minimo ajuste na
rotina de produqao. H6 os que regridem aos velhos controles de investimento.
Hii administrador priblico que estabelece crit6rios para aferir a produgao que
s6 tCm sentido em sua agencia e sao indecifrdveis aos olhos de um observador
externo. Este, como todos os processos, 6 um jogo sujeito a trapaqas.
o A irreleudncia. Os adminisradores podem desenvolver excelentes crit6rios
para aferir desempenho e nao saber como integrar a informaqeo ds grandes
decis6es de sua ag6ncia. Se o administrador ve o processo de mensuragao
de desempenho como uma intervenqao neo-solicitada, que mais atrapalha
do que ajuda o "verdadeiro" trabalho da agencia, como uma exig6ncia que
precisa ser cumprida, mas cujos resultados podem ser ignorados, a avaliag6o
dar6 emprego a alguns consultores, mas com ceneza nao provocard impacto
significativo. Crit6rios de avaliaE6o de desempenho s6 beneficiam a admi-
nistragao se evoluem e passam a ser crit6rios para uma melhor administra-
qao de desempenho e se as avaliagoes de produgSo ou de resultados esteo
integradas aos sistemas informacionais bSsicos e As estrat6gias administrati-
vas das agdncias p6blicas.
o Exuberdncia. O contrdrio 6 igualmente perigoso. Entusiasmados ante a
perspectiva de melhorar o sistema operacional, alguns administradores ten-
dem a confiar demais nos ndmeros. Avaliaq6es de desempenho seruem pa-
ra indicar o que esta e o que nao est6 funcionando bem, mas nao explicam
por que. Pressionados, hd administradores que se sentem tentados a se es,
conder atr6s de ndmeros ou a usar os ndmeros para fugir das grandes de-
cis6es estrat6gicas. E perigosamente fdcil chegar a conclus6es que exrra-
polam as reais potencialidades do processo.
Aualiagao ou comunicagao? A mensuraE6o do desempenho nao 6 pro-
blema de avaliaESo: o que interessa 6 melhorar a qualidade da comunicaqao
no sistema polftico. E um instrumento que permite falar com maior clareza
sobre os resultados produzidos pelos programas governamentais e, al6m dis-
so, escolher melhor, no momento de decidir o que deve ser feito, quanto de-
ve ser gasto, e como executar melhor o trabalho. De fato, 6 mais 6til tra-
balhar na diregSo de uma administragdo baseada no desempenho do que
96 + Rrronva Do EsrADo E ADNl N sTRAaAo PLrBL cA cFRFN. A
em uma baseada na avaliaqao do desempenho. Essa troca de palavras re
forga a id6ia de que deve haver um objetivo maior ao qual as avaliaq6es de
desempenho tem de estar integradas para que surtam efeito. O processo de
desempenho rende mais quando os dados sao usados para melhorar a ad
ministraqao. Ai6m disso, usar o processo exclusivamente para aferir desem-
penho 6 praticamente o mesmo que entregar asdecis6es chave aos afe-
ridores.
A administragao baseada no desempenho pode contribuir para que
todas as pessoas envolvidas no processo pensem mais estraregicamente. Po-
de ajudar os administradores pfblicos a se concentrar no melhol modo de
fazer seu trabalho e de explicar aos governantes o que estao tentando fazer
para traduzir, em resultados, os objetivos da legislatura. Pode ajudar os go-
vernantes a anaiisar os muitos pedidos, que disputam recursos sempre es-
cassos, e a alocar os recursos aos projetos que podem gerar os melhores re
sultados. E, ainda mais importante, pode ajudar os cidaddos a entender
melhor o que lhes 6 oferecido em troca dos impostos que pagam.
Dito de modo mais simples, a administraq6o baseada no desempenho
6 assunto de comunicaEao politica e vale apenas na medida em que a fa
vorecer Apesal de todas as dificuldades, a mensuraqeo do desempenho pas-
sou a ser o item mais importante da revolug6o global da administraqao pit-
blica. A substituiq6o da autolidade tradicional por incentivos baseados no
mercado talvez tenha sido a id6ia inicial, mas o motor foi a mensurag6o do
desempenho. E este o mecanismo que mantdm em foco o mercado e os
compofiamentos de mercado e permite que os respons6veis pela elaboragao
das politicas p(rblicas conhegam melhor o que recebem em troca do di'
nheiro que gastam.
Servindo ao consumidor
O mecanismo chave para dar b administlagao poblica uma orientac6o
"de mercado" 6 ver o benefici6rio dos servigos priblicos como lreguds ou
consumidor Dada a grande dificuldade de se desenvolver sistemas sofisti-
cados de avaliaqao de resultados, viu'se que o nivel de satisfagao do con-
sumidor poderia servir, em alguns casos, como indicador substituto e dtil pa-
ra avaliar o desempenho do Estado (Beeton, 1987:89).
A l6gica 6 simples: como muitos programas oficiais constiluem mo
nop6lios, o cidad6o fica sem escolha quanto ao local ou ao modo de receber
os serviEos. Para os reformadores de todo o mundo, a pdvatizaqao per s€ neo
6 suficiente para dar efici€ncia aos seliqos. Ter de disputar o interesse do
consumidor, por6m, 6 o incentivo que faltava a todos os provedores, pribli
DoNALD F. Ktrtt + QJ
cos e privados, de seffigos. Com a privatizagao, os seruiqos pfblicos chegam
aos mercados privados * prossegue o mesmo argumento , a concorrdncia
6 maior, o consumidor passa a tel opqoes e aumenta a eficidncia dos ser_
vigos. Nos casos em que o Estado continue a administrar os servigos pribli,
cos, ter-se-6 um bom substituto da concorrdncia de mercado se os prove_
dores dos seryiqos passarem a dar maior peso is necessidades de cidad6os-
consumidores que as necessidades de burocratas-gerentes.
A cultura organizacional de instituiQ6es baseadas na autoridade prega
"obedidncia aos imperativos de uma cadeia de comando, e ds exig6ncias de
uma tarefa rigidamente controlada", nas palavras de James Champy, con-
sultor de administraEao, Em organizaq6es uansformadas, a "nova autoridade
est6 em nossos mercados e quase sempre assume a forma de nossos con-
sumidores" (Champy, 1995:75-6). Champy aqui escreve sobre organizaE6es
do setor privado; observe se que tanto nas organizaq6es piblicas quanto nas
organizagoes privadas, o foco central 6 seffir ao cliente.
He quem eventualmente discorde da id6ia de que os servigos pirblicos
devem enfocar o cidadao como consumidor ou cliente. O governo 6 go-
verno, dizem, nao 6 neg6cio; e 6 inadequado e perigoso usaq para a ad-
ministraEeo prlblica, modelos e metSforas do setor privado.2o Ningu6m po-
de, por6m, fazer qualquer objeqao a servidores piblicos que trabalham
pesado para ser mais responsdveis na prestaqeo de seus servigos. eue con-
tribuinte nao preferiria filas mais curtas, rostos mais amistosos e melhores ser-
viqos? Nos Estados Unidos, o Seruiqo Alfandegdrio procurou melhorar os
procedimentos para a liberagao de voiumes nas fronteiras. No Reino Unido,
a orientaQao para o consumidor pressiona cada vez mais para que se apri
more a adminisfaEao das ferrovias nacionais. Os australianos orgulham-se
do quanto conseguiram melhorar o atendimento priblico aos idosos a partir
da id6ia de que o contribuinte 6 um consumidor O governo sul-coreano est6
usando agressivamente o sen"'iEo ao consumidor para forgar a introdugao de
mudangas fundamentais na burocracia tradicional.
Tudo isso, 6 claro, pressup6e que se possa identificar claramente qL1€m
6 o consumidor Os criticos reclamam que a abordagem cidadao-consumi-
dor descompromete os administradores profissionais de qualquer responsa-
bilidade politica, jii que passam a poder levar em consideraqao o desejo do
cliente e, nao mais, exclusivamente, os principios politicos dos encarregados
de propor politicas ptiblicas. Para poder estabelecer alguma diferenga entre
essa preocupaqao que 6 legitima e a vantagem incontestdvel que hd
20 Ver, por exemplo, Frcderickon, 1992; Moe, 1993; Rosenbloom, 1993; e Moe, 1994_
98 + Reronvn DO EsTADo E ADM N sTRAcAo PuBL cA GERENctAL
em preferir uma administrag6o pfblica que considere antes as necessidades
do cidadao que as suas pr6prias necessidades, 6 preciso definiq com muito
mais cuidado, diferentes tipos de consumidores de servigos p(blicos.
H6, no mundo, quatro diferentes modos de ver o "consumidor ou cli-
ente" de servigos pdblicos. A cada um deles corresponde um modo espe
cifico de entender o que seja "administragao" e o que seja "politica"2l (ver
quadro t). Muitos reformadores servem'se do conceito de consumidor de
servigos pirbhcos, usam-no para fazer promessas aos cidaddos, utilizam-no
como argumento para forqar mudanqas burocr6ticas, mas nao conseguem li-
dar com os conflitos inerentes a essa estrat6gia.
Qu ad ro 1
Consumidor Perspectiva
Benefici6riosdeservilospiblicos Reatividade
Parceiros na ofe(a de seryr(os Lfrcdcra
ardad;os-confirournles Licien.'d
Fornruladores de polit cas Responsabiliza!;o
Primeiro, os consumidores podem ser vistos como "beneficidrios" dos
servigos. li nisso, ali6s, que se fundamenta toda a abordagem de "servigo",
nascida diretamente da filosofia do "deixar o administrador administrar" e do
conceito "funciona melhor". Em todos os aspectos, desde a reduqao de filas
at6 a montagem de programas priblicos para que atendam melhor is ne
cessidades do cidadao, a meta dessa abordagem 6 a "reatividade". li a abor-
dagem que os reformadores mais empregam e promovem. E tao sensata, de
fato, que por vezes parece nao haver outras alternativas. Na verdade, h5 tr6s
outros modos de abordar a quest6o cidadeo-consumidor; e cada um levanta
questoes diferentes.
No caso da segunda abordagem, os clientes s6o entendidos como "par-
ceiros" na provisdo de serviEos pdblicos. H6 muitos funcion6rios ptlblicos -muito mais do que supoem os encanegados de propor politicas piblicas -que nunca tem de enfrentar face a face o cidadao-consumidor porque tra-
2r A discussao deste ponto acompanha o [abalho je desenvoivido em Dilulio, Garvey I Kettl,
1991:49-54.
DoNAro F. LrrrL + 99
balham praticamente sempre cercados de outros funcion6rios pfblicos. Esse
quadro 6 particularnente verdadeiro no caso de governos nacionais e de fun-
cion6rios de sistemas federais, como nos Estados Unidos e na Austrdlia. Cabe
a eles coordenar, estabelecendo parcerias com outros seruidores pfblicos do
mesmo nivel e de outros niveis de governo, a fim de que os programas fun'
cionem melhor Os parceiros, nesse caso, sao ctentes intermedi6rios dos pro-
gramas governamentais; os programas s6 funcionam bem quando a constru-
gao das parcerias 6 pedeita. As parcerias criam regrds, processam formul6rios,
administram fundos, modelam politicas e coordenam os programas entre as
agencias. Nos programas de promoEao social de todo o mundo, por exemplo,
j5 6 comum uma esp6cie de one-stop shopping center no qual se refnem, nu-
ma s6 agencia de seffjgo pfrbhco, v6rios programas diferentes: de treinamen-
to e alocaqao de empregados, de pagamento de beneficios,de creches, de
servigos m6dicos, de educagao e de transportes. Essas superagOncias de ser-
viqos sao organizadas por administradores ptiblicos para facilitar a coordena-
Eeo entre os diferentes programas e o acesso do pfblico a eles.
Como no caso em que o consumidor 6 visto como destinat6rio do ser'
vigo priblico, a t6tica do one-stop shopping center de servigos p0blicos tam-
b6m se inspira na abordagem "deixe o administrador administrar". Ao con-
tr5rio dessa abordagem, por6m, esta visa a garantir a eficdcia melhorando a
coordenag6o entre os diferentes programas dirigidos aos mesmos cidadaos.
Outra diferenqa em reiaEao d anterior, que faz do cidaddo o alvo de seu tra'
balho, 6 que essa tAtica de sen'rqo prlblico tem como consumidores-alvo ou-
tras ag6ncias governamentais e outros administradores: ajuda-os a desen-
volver um trabalho melhor, a fim de servir melhor os cidad6os.22
Em terceiro lugar, como conffibuintes, os cidadaos buscam efcidncio. A
demanda dos cidadaos por governos "menores" e por reduqao de impostos
foi a pedra fundamental do movimento pela reforma da adminisrragdo pti-
blica e o combustivel para que as autoridades eleitas atacassem a burocracia
existente. Nao h6 em todo o planeta um ftnico contribuinte que ache que o
Estado lhe tire pouco, em impostos ou que o Estado n6o poderia trabalhar
melhor se arrecadasse menos. Em alguns paises, entre os quais os Estados
Unidos, algumas tentativas de reformar a administraEao ptiblica comeEaram
com propostas de cortes na affecadaEao. Evidentemente h6 aqui um para
doxo. Como destinat6rios dos servigos priblicos, os cidadaos sempre acham
que o Estado iaz pouco; como contribuintes, os cidadaos quase sempre acre'
22 Esta abordagem aprcxima-se de uma nova concepqSo da teoria organizacional, a netuJorh the
or). Para explorar mais a fundo este tema, ver Nohira I Eccles, 1992.
100 + Reronva Do EsrADo E ADLt N 5TRAcAo puBL cA GERFN. A
ditam que se deva reduzir os impostos, que se for preciso cortar programaspara compensar a queda na arrecadaqao as autoridades podiam comeqar
cortando programas desnecessdrios. ,.Desnecessdrio,,, no caso de programas
governamentais, 6 questao de ponto de vista: o que para um contribuinte 6desperdicio, para outro pode ser rotalmente indispens6vel.
Esse paradolo estd presente em vArias implicaEoes importantes. Em
bora o conceito de servir.ao cidadao-consumidor seja universalmente acei_
to, seus preceitos acabam mais cedo ou mais tarcle deixando a administraEaop(blica em becos sem saida. Em todas as partes os cidadaos querem pagar
muito menos e receber muito mais. A simples id6ia de ser tratado como cli
ente ou consumidor pode induzir o cidadao a crer que isso seja possivel. O
movimento pr6-efici6ncia leva os governantes a cortar progr.amas. A priva-
tizaqao tem sido vista como alternativa politica atraente. Nao obriga os go,
vernantes a selecionar programas passiveis de eliminaqao, firas apenas aidentificar os servigos que podem set prestados pelo setor privado. Desse
nodo, os cidadaos podem continuar a receber seruiqos pelos quais estao dis_
postos a pagar e os governantes livram-se da dificuldade de selecionar os
programas que devem ser cortados. Essa estrat6gia tem sido adotada em todo o mundo, de Portugal i Nova ZelAndia. Nos Estados Unidos onde,
ali5s, o setor p(blico 6 relativamente pequeno e portanto hd menor numero
de programas a privatizar -, a batalha que se trava h6 uma d6cada sobreo que fazer para "diminuir" o Estado tem mostrado quao dificil um choque
frontal pode ser
Por fim, como formuladores de politrcas pirblicas e supewisores do de_
sempenho da administragao p(blica, o que interessa aos governantes 6 a res
ponsabilizagao (accountabili4t). A teoria sobre o relacionamento democrAti,
co entre cidadaos, governanles e burocLatas 6 antiga e fundamental: os
cidadaos delegam o poder que t6m, ao eleger os governantes; esres que
seo administradores eleitos - prop6em politicas pLiblicas e delegam a res_ponsabilidade por sua implementaEao aos burocratas; e os burocratas tem
de prestar contas aos cidadaos, atrav6s dos governantes eleitos, de seu de_
sempenho na administraEeo daquelas politicas. Essa teoria, e a exper.iencia
de muitos anos, cria uma relaEao de cima para baixo (dos formuladores de
politicas pfblicas, atrav6s dos administradores, at6 os trabalhadores da ,,linha
de frente" ou dos guichds da administraEao ptibiica). A proposta do movi_
mento cidadao-consumidor, por sua vez, antecipa um tipo de relaEao de bai_
xo para cima (dos cidadaos, via trabalhadores "da linha de frente", at6 os for_
muladores de politicas priblicas).
Apesar do entusiasmo que a id6ia do cidadao-consumidol vem des_
pertando, a questeo de como fazer para que a burocracia seja responsabi_
DoNALD F. KErrL + 101
lizada ainda 6 um ponto de tensao. Nos plogramas centrados no cidadao-
consumidor estabelece-se um vinculo direto entre os cidadaos e a burocra-
cia. Com isso, os burocratas sao incentivados a exercer sua auto dade de
modo a servir melhor aos interesses dos cidadaos (e este 6 um argumento
de peso). Ao longo do processo, contudo, o movimento dos cidadaos-con-
sumidores pode acabar provocando uma invers6o no modelo tradicional;
por essa inversAo, o relacionamento tradicional, legal, pr5tico e politico en-
tl'e o governante e a burocracia acabaria subordinado ao cidadao-consu'
midor Essa subordinaq6o cria desafios relevantes que a abordagem do ci
dadao consumidor ainda nao equacionou. Ao inv6s de fazer com que os
burocratas olhem para cima, na cadeia de comando - em fltima instAncia,que consultem os governantes para orientar sua aEao, a teoria do cida'
dao consumidor faz com que os burocratas tenham de considerar o desejo
dos cidadaos a fim de modelar suas decisOes fundamentais. Por quais trans
formagoes terS de passar a burocracia - tradicionalmente habituada isaqoes controladas e comandadas de cima para baixo - antes que possa sertornada plenamente lespons6vel, como uma estruura diferente de poder
que se legitima, precisamente, de baixo para cima? O que cabe d burocracia
fazer nos casos em que haja conflito entre o que os cidadaos exigem e o que
os governantes esperam que seja feito? O que cabe ao governante fazet nos
casos em que os burocratas compfometidos com o cidadao consumidol de
diquem maior atenEao aos consumidores do que aos planos dos formula'
dores de politicas pirblicas? E como reagirao os governantes ao descobrirem
que a funEao tradicional que sempre lhes coube, de "solucionador de casos"
criados pelos burocratas e que em muitas democracias 6 um importante
ponto de contato com os eleitores - passou a ser desempenhada pot burocratas especialistas em equacionar problemas?
A corrupqao da burocracia complica ainda mais a questao. A teoria
do cidad6o-consumidor baseia se fundamentalmente na possibilidade de ou'
torgar A burocracia mais autoridade para resolver problemas. Em muitos pai-
ses, por6m, sobretudo nos paises em desenvolvimento, h6 muito que os altos
escaloes procuram restringir a autoridade conferida i burocracia, a fim de
minimizar a corrupQao. Na Cor6ia, por exemplo, o governo descobriu que
esta 6 uma decisdo extremamente dificil; optou por conceder maior au[o-
nomia d burocracia para que tomasse decisOes e, simultaneamente, procu-
rou criar novas regras (e limitar essa autonomia) na tentativa de inteIromper
uma longa tradigao de corrupqao burocrata.23 Muitas iniciativas orientadas
2l Ver Hahm 8 Plein, no prelo.
102 + Rrronrura Do EgraDo E ADMrNrsrRAqAo PuBLrca GIRENc aL
para o cidadao-consumidor entram em conflito direto com campanhas an-
ticorrupEao.
Nenhuma das dificuldades apontadas at6 aqui 6 argumento para que
se conclua que o conceito de cidad6o-consumidor 6 uma m6 id6ia. Na ver-
dade, como conceito, o cidadao-consumidor jd 6 fato consumado. Em todo
o mundo, os cidaddos tem deixado bem claro que deselam Estados me-
lhores, menos onerosos e mais respons6veis. Aid6ia de que a administraqao
pirblica deve se orientar para o cidaddo-consumidor 6 muito mais impor-
tante do que seus criticos admitem, mas, ao mesmo tempo,6 muito mais
dificil implement6Ja do que supoem muitos dos que a propoem e defen-
dem. ImplementdJa implica uma reforma ampla e necess6ria. Mas desen-
cadear, calibrar e manter essa reforma exige atenEao total e concentrada
nos rrade-offs, que, se neo forem cuidadosamente administrados, podem
comprometer tanto metas ambiciosas quanto o movimento mais amplo de
reforma.
Recursos humanos
Muitas naE6es que empreenderam grandes projetos de reforma in-
cluiram no pacote a rcforma do serviqo pfblico.2a As mudanEas abrangem
aferigoes de desempenho revoluciondrias e iniciativas do tipo "selvir ao con-
sumidor". Poucos funcionSrios pirblicos poderiam efetuar tais mudanqas sem
consider5vel treinamento e reformas nos sistemas de pessoal. Houve mu-
dangas de cultura organizacional, que incluiram o esdmulo aos funciondrios
para que passassem a enfocar o crdad6o como consumidor a ser seruido e
nao mais como "cliente" a ser atendido. Houve mudangas tecnicas, em que
se desenvolveram sistemas de avaliagdo de produqao e de resultados e se
adotou o planejamento estrat6gico como orientaq6o. Houve mudanqas fi-
nanceiras, que incluiram a implantaqao de sistemas de incentivos para pro-
mover o desempenho.
Seja como for, a adoEao de sistemas mais influenciados pelo mercado
j5 significaria uma grande "virada". Em muitos paises, contudo, as mudangas
foram introduzidas paralelamente a medidas que visavam ao enxugamento
do setor govemamental. Esse enxugamento ameaqou e em muitos casos sa-
crificou os empregos de muitos funcioniirios p[rblicos. As fortes demandas, de
cidad6os e govemantes, para que se cortassem "as gorduras" e os custos da
administraqdo priblica serviram de combustivel a muitos dos movimentos
z Na Amdrica Larina, ver por exemplo Arrjad et alii, 1994.
DoNALD F. KErrl + 103
pr6-reforma do setor pfrblico. Frequentemente, os funcion6rios pribiicos fo-
ram os primeiros alvos do movimento reducionista. O movimento "Reinven-
tando o govemo", do vice-presidente norte-americano Al Gore, estabeleceu
como meta a demissao de 252 mil funcion6rios (ntimero que o Congresso
elevou para 272.900), uma redugao de cerca de um oitavo do funcionalismo
norte-americano. O servigo pdblico no Reino Unido encolheu ainda mais
cerca de 30%- ao longo dos l5 anos das reformas Thatcher-Major. Em mui-
tos paises que promoveram reformas amplas, verificou-se alto nrrnouer entre
o funcionalismo civil. As reformas quase sempre acabaram com a estabili-
dade no emprego, introduziram novos beneficios financeiros e desafiaram os
administradores a administrar melhor Mudou a pr6pria natureza do trabalho
do Estado; e, no processo, muitas vezes o pr6p o animo dos funciondrios prl-
blicos foi abalado.
O modelo da Gra-BretanhaAlova ZelAndia imp6s mudanqas, aumentou
a flexibilidade, imp6s novas exigdncias de resultados e criou estimulos para
que fossem cumpridos e transferiu v6rios programas oficiais para o seror pri-
vado ou para novas ag€ncias de serviqos priblicos. Enfoques antigos baseados
em um fnico sistema administrativo para todo o serviqo pfblico deram lugar
a sistemas mais flexiveis, baseados na divisao administrativa por ag6ncias prl-
blicas, e as responsabilidades foram repassadas da agencia central de seffigo
prlblico para as agencias administrativas. O trabalho individualizado e os con-
tratos por desempenho substituiram os sistemas de trabalho baseados em re-
gras e procedimentos. A administraEdo, em todos os niveis do setor pfblico,
mudou radicalmente. Na Gre-Bretanha, alterou-se tamb6m o papel dos sin-
dicatos que representavam os funcion6rios priblicos, cujo foco abandonou a
concepgao da representaqSo sindical como um grande "guarda-chuva" e se
transferiu para os iocais de trabalho (Fairbrother, 1994).
O modelo australiano procedeu de modo bem diferente e prop6s, co-
mo pedra de toque de um amplo movimento de reformas, uma transfor-
maqao fundamental nos recursos humanos. A reforma do serviEo p[tblico foi
o centro da reforma administrativa implantada na Austr5lia e, para faz6Ja,
os australianos concentraram-se no "desenvolvimento do principal recurso
do serwiqo (priblico), seus funciondrios. O forte sentimento positivo e o com-
promisso que os servidores priblicos experimentam em relagio a um melhor
serviqo pirblico precisam ser destacados e usados como estimulo para que
se estabelega uma verdadeira cultura de aprimoramento contfnuo". Os sis-
temas procuram "enfocar o desempenho individual e valorizar o trabalho
feito, para assim auxiliar os funcionSrios a cumprir os objetivos e a melhorar
continuamente o desempenho de sua ag6ncia" (Australia, Public Service
Commission, 1995:1).
104 + Reronva Do EsTADo E ADMrN srRAcAo puBrcA GERENc A
At6 certo ponto, essa diferenga 6 tao biisica quanto a que existe entre
"fazer o administrador administrar" e "deixar o administrador adminisrrar".
Os australianos concentraram-se em desenvolver as habilidades de seus ad-
ministradores mediante o treinamento e o remodelamento do serviQo pfblico
para estimular um melhor desempenho. Em nivei mais profundo, a diferenEa
nasce da escala e do escopo da mudanQa proposta. Os australianos fizeram,
sem dirvida, um esforgo descomunal, mas, no Reino Unido e na Nova Ze-
lAndia, os governantes tentaram fazer uma redugao ainda mais fundamental
no tamanho do Estado e introduzir mudanqas muito mais radicais nos me,
canismos utilizados pelo Estado para administrar seus programas.
Embora a variedade de estrat6gias seja tao ampla quanto o nlmero
de paises empreendendo reformas, duas estrat6gias b5sicas resumem as op-
goes b6sicas. O modelo da Gra-Bretanha-Nova ZelAndia sugere mudanEa ra-
dical e r6pida, baseada em conffatos por desempenho individual e acom
panhada por consider6vel privatizaEao. O modelo australiano sugere
mudanqa gradual e continua, baseada em avaiiaqoes mais amplas do de-
sempenho de cada ag6ncia. As estrat6gias e tdticas dilerem bastante, mas
em nenhum dos dois casos o caminho 6 f6cil. Administlar problemas rela
tivos ao Animo com que os funcion5rios encafam as mudanqas, encontrar
empregados qualificados para postos com maior responsabilidade e mais cla-
ramente orientados para resultados, enfi'entar situaEoes de demanda maior
e menores recursos, e desenvolver a habilidade especifica para lidar com
mudanQas radicais sao habilidades cada vez mais necess5rias aos adminis-
tradores. Na medida em que os novos empregados, treinados no setor pl'i-
vado, sao admitidos para suprir a demanda por estas habilidades, h5 a di
ficuldade adicional de ter de ensinar a eles, habituados A l6gica estreita do
lucro, o senso do dever pirblico. A opqeo fundamental est5 em organizar a
estrntura na qual os funcion6rios usam suas habilidades.
Independentemente da estrat6gia escolhida para resolver problemas
de recursos humanos, 6 preciso enfi'entar o problema da motivagao - e en-tender que os incentivos monetdrios, em si, neo bastam para fornecel a ori-
entaEao de que os funcion5rios necessitam. Os melhores empregadores pri-
vados, em todo o mundo, encaram seus empregados como patrim6nio, nao
como custos. Vdem o pessoal como a mais importante ferramenta de que
dispoem pata cumpfir sua missao.25
25 Tyson, 198?r76i U.S. G€neral Accounting Offlce, 1995; Kettl I Dilulio 1995bi e Wyarr Com-
pany, 1995.
DoNALD F. KETTL + 105
Isto cria um verdadeiro dilema para os reformadores. por um lado, os
reformadores anseiam por um Estado menor e mais eficiente, impulsionado
por incentivos inspirados nas regras do mercado e administrado por profis-
sionais de consider6vel experi6ncia no setor privado. Por outro lado, a ad-
ministragao priblica nao 6 uma simples fungao de produgao. O administra-
dor priblico tem de ter senso priblico, tem de ser sensivel ao inreresse
priblico. Como adverte um

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