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Ampliando Os Direitos Da Personalidade

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Ampliando os direitos da personalidade 
 
 
Maria Celina Bodin de Moraes* 
 
 
La vita rischia di essere sottratta 
all’autonomia della persona. 
– Stefano Rodotà 
 
 
 
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Dos direitos da personalidade à 
cláusula geral de tutela da pessoa; 3. Transformações do corpo e 
autonomia privada; 4. Proteção ao nome, à imagem e direito à 
identidade pessoal; 5. Privacidade como autodeterminação; 6. 
Conclusão. 
 
1. Introdução 
Sempre foi muito firme a opinião de que o direito de propriedade 
representava o verdadeiro e único elemento de unificação das diversas matérias 
que compõem o direito civil. Assim foi, possivelmente desde tempos imemoriais, 
até que, no final do séc. XIX, se percebeu a necessidade concreta de garantir 
proteção a uma esfera de privacidade das pessoas 1 e, a partir daí, seguiram-lhe, ao 
longo do séc. XX, os demais direitos da personalidade. 
Variadas são as razões apontadas para esta circunstância histórica, mas a 
primeira, embora controversa, é a mais interessante: teria sido a completa 
ausência, nas sociedades ocidentais pelo menos até fins do séc. XVIII, da noção 
de vida privada, a qual somente veio a ter origem a partir de determinada 
concepção de civilização. 2 Ao longo dos séculos anteriores, “todo privado era 
público” e só os grupos tinham o privilégio de ter direitos. 3 O Código Napoleão 
expressou a monumental revolução de que é fruto ao reconhecer direitos 
 
* Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ e Professora Associada do 
Departamento de Direito da PUC-Rio. 
1 WARREN, Samuel D. e BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. In: Harvard Law Review, 
vol. IV, n. 5, 1890. Segundo Stefano Rodotà: “Già a metà dell'Ottocento uno scrittore, Robert 
Kerr, descriveva la società dell'Inghilterra vittoriana parlando di un ‘diritto ad essere lasciato 
solo’, quarant'anni prima del saggio famoso di Warren e Brandeis; e analizzava il significato 
della privacy, individuando la sua caratteristica essenziale nel ‘rispetto reciproco e l'intimità’”. 
(A vida na sociedade de vigilância. Privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, no prelo). 
2 Assim BEIGNER, Bernard. Les droits de la personnalité. Paris: PUF, 1992, p. 58, com base nos 
relatos de Arthur Young. No mesmo sentido, ELIAS, Norbert. O processo civilizador. vol. I, 
passim. Manifesta outra opinião SENNETT, Richard. O declínio do homem público. As tiranias da 
intimidade. São Paulo: Cia das Letras, 1988. 
3 Segundo LEITE DE CAMPOS, Diogo. Nós. Estudos sobre o direito das pessoas. Coimbra: 
Almedina, 2004, p. 115 e ss.: “O direito à privacidade (cada cidadão – um castelo), que está na 
base dos direitos da personalidade, seria o mais impensável dos direitos (p. 117). 
 2 
subjetivos aos indivíduos (agora então “sujeitos de direito”), garantindo a 
proteção do Estado à burguesia vitoriosa, através da plena jurisdicização das 
trocas (cujo instrumento é o contrato, isto é, o direito a um bem) e das 
titularidades (propriedade entendida como o direito sobre um bem). 
Duzentos anos depois, dentre as garantias oferecidas ao sujeito, reconhece-
se a prevalência, sobre o patrimônio, da proteção da personalidade humana, seja 
no que diz respeito à sua identidade e integridade, seja no que se refere à sua 
intimidade e vida privada. Tais bens, de fato, passaram a constituir os pontos 
cardeais de nosso sistema jurídico, o qual, porém, tem sido sistematicamente 
bombardeado e desafiado – assim como vem ocorrendo em todos os cantos do 
mundo – por inovações científicas e tecnológicas de grande magnitude e de 
consequências aparentemente imprevisíveis, incontroláveis e inevitáveis. 
A relevância dos chamados direitos da personalidade, no momento atual, 
decorre também de outros fatores sociais. De um lado, provém da explosão 
qualitativa e quantitativa de meios de comunicação de massa invasores, 
progressivamente direcionados a desconsiderar vidas particulares; de outro lado, 
do fato de que numerosas relações sociais, antes entendidas como parte de 
sistemas extrajurídicos, foram sendo crescentemente jurisdicizadas. 
Possivelmente, este aumento exponencial da regulamentação jurídica deveu-se, ao 
minguamento de instâncias sociais outrora tidas como incontestáveis e que 
serviam, utilmente, a mediar os conflitos, tais como a religião, a família, a 
política, as corporações, os usos e etc.. 
 Outro elemento, menos evidente, configura-se no fato de que, a partir do 
incremento das técnicas de engenharia genética, se instalou um ambiente de luta 
pelo “biopoder”, 4 engendrado da uma biopolítica e do consequente 
desenvolvimento de uma nova disciplina, o biodireito, 5 que mal começa a 
despontar, e já se vê às voltas com problemas da mais alta indagação. Neste 
sentido, uma apriorística decisão diz respeito à proteção dos bens jurídicos em 
jogo: o corpo e a informação devem ser tratados como bens a serem tutelados 
através de direitos da personalidade ou através do direito de propriedade? 
Nos Estados Unidos, onde a propriedade privada sempre exerceu um papel 
cultural central, a construção da ‘privacy’ foi feita através da circunscrição de um 
 
4 A elaboração partiu de FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade I. A vontade de saber. Rio 
de Janeiro: Graal, 1993 e foi recentemente retomada por AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O 
poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2004. Foucault situa a ‘biopolítica’ no 
quadro de uma ação mais ampla que denomina de ‘biopoder’: “Sua tese fundamental supõe que, 
no regime da soberania, o súdito deve sua vida e sua morte à vontade do soberano: ‘é porque o 
soberano pode matar que ele exerce seu direito sobre a vida’, (p. 287). Nestas condições o poder é 
um mecanismo de retirada e de extorsão, ou seja, um poder negativo sobre a vida. Diferentemente, 
na época clássica, o poder deixou de basear-se predominantemente na retirada e na apropriação, 
para funcionar na base da incitação e da vigilância. Ele começou a produzir, intensificar e ordenar 
forças mais do que limitá-las ou destruí-las. Esse é o ponto no qual se pode situar a clássica 
passagem do poder ao biopoder tal como proposta por Foucault: “de fazer morrer e deixar viver 
[soberania]” o poder passa “a fazer viver e deixar morrer [biopoder/biopolítica]”. (ARÁN, Márcia e 
PEIXOTO JÚNIOR, Carlos Augusto. Vulnerabilidade e vida nua: bioética e biopolítica na atualidade. 
In: Revista de Saúde Pública, vol. 41, n. 5, São Paulo, out. 2007) 
5 Para a definição do termo, v. MARTINS-COSTA, Judith. Bioética e dignidade da pessoa humana: 
rumo à construção de um biodireito. In: Revista Trimestral de Direito Civil, n. 3, 2000, p. 64. 
 3 
território, de uma esfera de intimidade da pessoa, do mesmo modo como se faz 
com um pedaço de terra, usando a lógica do tresspass, da violação-proteção de 
uma propriedade (espaço) particular.6 Isto também deve valer para o corpo e para 
as informações pessoais, ainda a serem devidamente regulados? Alan WESTIN 
passou a defender que o melhor meio de tutelar a privacidade é considerar a 
informação como propriedade da pessoa de modo que possa, se desejar, negociá-
la no mercado. 7 
No Brasil, como se sabe, a Constituição veda todo tipo de comercialização 
relativamente a órgãos, tecidos e substâncias humanas (art. 199, § 4º). Já quanto à 
informação ou sua “privacidade”, isto é, a extensão da titularidade e da 
possibilidade de controle efetivo sobre os próprios dados pessoais, especialmente 
dos chamados dados sensíveis 8 a única proteção atualmente disponível é o habeas 
data (art. 5º, LXXII; L. 9507/97), instrumento claramente insuficiente, destinado 
tão somente à retificação dos dados e não à disposição sobre os mesmos. 
Quanto à proteção dos direitos da personalidade, é fato que a partir damudança de perspectiva constitucional, passando a estar o ordenamento a serviço 
da pessoa humana, conforme a determinação do art. 1º, III, da Constituição, 
consolidou-se definitivamente a prevalência das relações não patrimoniais 
(pessoais e familiares) face às relações patrimoniais (contratuais e proprietárias). 
Conseqüência desta opção constitucional foi o substancial aumento das restrições 
estruturais impostas à vontade individual pelo Código de 2002, através, por 
exemplo, das noções de abuso do direito, dos princípios da boa-fé, da confiança e 
da função social do contrato e da propriedade, solidificando a já existente 
compressão da autonomia privada patrimonial. 
Entretanto, no que se refere às relações extrapatrimoniais, o Código Civil, 
à luz de interpretação constitucionalizada, possivelmente regrediu. Com efeito, 
debate-se atualmente se, em virtude do mesmo princípio fundamental da proteção 
da dignidade humana, não derivaria, logicamente, uma expansão da autonomia 
privada no que se refere às escolhas da vida privada de cada pessoa humana? Ou 
seja, a privacidade garantida pela Constituição a uma pessoa digna, plenamente 
capaz, não deveria significar, pelo menos em linha de princípio, mais amplo poder 
de escolha sobre os seus bens mais importantes? 
O Código Civil de 2002, porém, em dispositivo redigido, como a seguir 
veremos, vinte e cinco anos antes da consagração constitucional da dignidade 
humana, nega de forma incisiva esta possibilidade. O art. 11 diz: “Com exceção 
dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e 
irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária”. 
Sua literalidade, inaceitável nos dias atuais, vem sendo temperada pela 
doutrina civilista que periodicamente tem se reunido nas Jornadas de Direito 
Civil, promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça 
 
6 RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância. Privacidade hoje. Rio de Janeiro: 
Renovar, 2008, no prelo. 
7 WESTIN, Alan F. Privacy and Freedom. New York: Atheneum Publishers, 1967 
8 Dados sensíveis são os dados pessoais que dizem respeito à saúde, opiniões políticas ou 
religiosas, hábitos sexuais etc. aptos a gerar situações de discriminação e desigualdade. 
 4 
Federal e coordenadas pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr.. Assim, na I Jornada, 
realizada em 2002, foi aprovado o Enunciado n. 4: “O exercício dos direitos da 
personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente 
nem geral”. Em 2004, na III Jornada, acentuou-se a distância em relação à 
interpretação literal do dispositivo, com a aprovação do Enunciado n. 139: “Os 
direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente 
previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, 
contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes”.9 
 
2. Dos direitos da personalidade à cláusula geral de tutela da pessoa 
O capítulo referente aos direitos da personalidade foi amplamente 
noticiado como uma das grandes novidades do Código Civil de 2002, motivo para 
louvores e prova de sua atualidade. A constatação de que se trata, neste ponto, de 
mera repetição de dispositivos redigidos em 1963 por Orlando Gomes,10 não é, 
contudo, a principal crítica a esta propaganda enganosa. Seu problema mais grave 
é fazer crer que o vasto movimento mundial que, ao longo do último quartel do 
século XX, se dedicou a orientar o Direito no sentido de uma integral e irrestrita 
proteção da pessoa humana em sua dignidade limita-se, para o civilista, a um rol 
de tímidas enunciações do legislador ordinário, reduzidas em número e presas à 
categoria dos direitos subjetivos. 
Como já foi salientado em doutrina, a tutela da personalidade, para ser 
eficaz, não pode ser fracionada em diversas fattispecie fechadas, como se fossem 
hipóteses autônomas não comunicáveis entre si. 11 Tal tutela deve ser concebida 
de forma unitária, dado o seu fundamento que é a unidade do valor da dignidade 
da pessoa. É facilmente constatável que a personalidade humana não se realiza 
através de um esquema fixo de situação jurídica subjetiva – o direito subjetivo –, 
mas sim por meio de uma complexidade de situações subjetivas, que podem se 
apresentar ora como poder jurídico, ora como direito potestativo ou como 
autoridade parental, interesse legítimo, faculdade, estado – enfim, qualquer 
acontecimento ou circunstância (rectius, situação) juridicamente relevante.12 
O direito subjetivo, concebido para titularizar as relações patrimoniais, não 
se adapta perfeitamente à categoria do “ser”, âmbito das relações 
 
9 Os enunciados aprovados nas diversas Jornadas de Direito Civil estão reunidos na internet, 
disponíveis em www.jf.gov.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1296, acesso em 
20.11.2007. 
10 Com o objetivo de constarem de Anteprojeto de Código Civil, em seguida revisto por Comissão 
que incluiu, além do autor, Caio Mário da Silva Pereira e Orosimbo Nonato (Revisão de 
Anteprojeto, 1964). Ambos os documentos, tanto o anteprojeto como sua revisão, compõem o vol. 
2 de publicação do Senado Federal intitulada Código Civil. Anteprojetos, Brasília: Senado Federal, 
1989. De 1963 em diante, em relação ao capítulo dos direitos da personalidade, a única 
modificação significativa foi a inclusão do atual art. 21 do CCb, acrescido em 1983 ao Projeto da 
Câmara dos Deputados 634/75, enviado em 15.06.1984 ao Senado Federal (SF-Projeto de Lei da 
Câmara n. 118/1984). O Senado manteve a redação aprovada pela Câmara. 
11 Para a crítica, v. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao direito civil-
constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 153 e ss. 
12 Assim, PERLINGIERI, Pietro. Perfis, cit., p. 155. 
 5 
extrapatrimoniais, onde não existe dualidade entre sujeito e objeto, porque ambos 
representam a pessoa humana.13 Esta problemática transposição vem ocorrendo 
mediante a atribuição de uma série de características excepcionais aos direitos 
subjetivos comuns – necessariedade, vitaliciedade, extrapatrimonialidade, 
inalienabilidade, indisponibilidade, inexpropriabilidade, intransmissibilidade, 
irrenunciabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade –, mas que, mesmo 
assim, não estão aptas a garantir uma valoração apropriada do merecimento de 
tutela dos interesses em jogo, especialmente por continuarem a revestir, no âmbito 
civilista, uma ótica de proteção essencialmente repressivo-ressarcitória.14 
Limitando-se a este perfil, estão contidas no disposto no art. 12 do Código 
de 2002 as medidas judiciais previstas no CPC, nos arts. 287, 273 e 796, 
respectivamente obrigação de fazer, antecipação de tutela e medidas cautelares 
tais como busca e apreensão. No entanto, graças à legislação especial pós-88, é 
possível reconhecer, aqui e ali, a intervenção do legislador em sua tarefa de 
atuação promocional, e a expressa abertura ao juiz para exercer o papel de dar 
eficácia ao acesso à justiça, através de instrumentos diferenciados e mais 
eficientes. Assim, por exemplo, ocorre no Estatuto da Criança e do Adolescente, 
na averiguação oficiosa da paternidade, no Estatuto do Idoso, na lei Maria da 
Penha etc. 
A propósito dos direitos da personalidade, um de seus aspectos mais 
interessantes, e problemáticos, consiste no fato de que se evidenciam sempre 
novas instâncias concernentes à personalidade do sujeito, não previstas nem 
previsíveis pelo legislador, de modo que estes interesses precisam ser tidos como 
uma categoria aberta. De fato, à uma identificação taxativa dos direitos da 
personalidade opõe-se a consideração de que a pessoa humana – e, portanto, sua 
personalidade – configura-se como um valor unitário, daí decorrendo o 
reconhecimento pelo ordenamento jurídicode uma cláusula geral a consagrar a 
proteção integral da sua personalidade, isto é, a pessoa globalmente considerada. 
O conceito é, então, elástico, abrangendo um número ilimitado de hipóteses; e 
somente encontra os limites postos na tutela do interesse de outras personalidades. 
Nessa medida, bem fez o legislador civil português ao optar pela cláusula geral de 
tutela, reconhecendo que a proteção dos direitos da personalidade, para ser eficaz, 
deve ser a mais ampla possível. O art. 70º, 1, do Código Civil português de 1966 
declara: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de 
ofensa à sua personalidade física ou moral”. 
No direito brasileiro, a previsão do inciso III do art. 1º da Constituição, ao 
considerar a dignidade humana como valor sobre o qual se funda a República, 
representa uma verdadeira cláusula geral de tutela de todos os direitos que da 
personalidade irradiam. Assim, em nosso ordenamento, o princípio da dignidade 
da pessoa humana atua como uma cláusula geral de tutela e promoção da 
 
13 PERLINGIERI, Pietro. Perfis, cit., p. 155. 
14 Como explica TEPEDINO, Gustavo: “A tutela da pessoa humana, além de superar a perspectiva 
setorial (direito público e direito privado), não se satisfaz com as técnicas ressarcitória e repressiva 
(binômio lesão-sanção), exigindo, ao reverso, instrumentos de proteção do homem” (A tutela da 
personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In: Temas de Direito Civil. 3. ed. 
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, pp. 48-49). 
 6 
personalidade em suas mais diversas manifestações que, portanto, não pode ser 
limitada em sua aplicação pelo legislador ordinário.15 
A concepção revela seu proveito de forma ainda mais incisiva quando se 
tem que enfrentar os difíceis conflitos nos quais há a colisão de interesses 
relativos à proteção da personalidade. Não parece possível solucionar em termos 
de titularidade ou não de direitos subjetivos os recorrentes conflitos envolvendo a 
proteção da personalidade, especialmente quando, do outro lado, é também uma 
expressão da dignidade de outra pessoa que está em jogo. 
Nos casos de colisão – como entre os direitos à informação, de um lado, e 
à imagem, honra ou privacidade, de outro – o melhor caminho é reconhecer nos 
chamados direitos da personalidade expressões da irrestrita proteção jurídica à 
pessoa humana e, portanto, atribuir-lhes a natureza de princípios de inspiração 
constitucional. Assim, tais litígios deverão ser examinados através do já 
amplamente aceito mecanismo da ponderação 16 com o objetivo de verificar, no 
caso concreto, onde se realiza mais plenamente a dignidade da pessoa humana, 
conforme a determinação constitucional. 
Como consequência, qualquer reflexão acerca dos direitos da 
personalidade deve ter como ponto de partida o fato de que: “Os direitos da 
personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são 
expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. 
III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de 
colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a 
técnica da ponderação”.17 
3. Transformações do corpo e autonomia privada 
A integridade psicofísica é um dos aspectos da dignidade humana mais 
tradicionalmente protegidos, a abranger desde a vedação à tortura e lesões 
corporais no âmbito penal até o direito ao fornecimento de medicamentos no 
âmbito administrativo. Nas relações privadas, todavia, embora sua manifestação 
como defesa contra lesões exteriores também seja bastante relevante, são mais 
controversas e merecedoras de análise as questões envolvendo os limites ou os 
parâmetros para a disposição sobre o próprio corpo. 
A questão ganhou novo fôlego em decorrência de um processo no qual o 
corpo foi, na expressão de Rodotà, multiplicado, desterritorializado e 
desmaterializado: primeiro perdeu sua unidade, que foi decomposta em órgãos, 
células, gametas, vindo cada uma dessas porções a ter outra utilidade que não a 
estabelecida pela natureza; depois perdeu sua materialidade, através da instituição 
 
15 TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade, cit., p. 50. 
16 Alexy define os princípios como “normas que ordenam a realização de algo na maior medida 
possível, relativamente às possibilidades jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte, 
mandados de otimização que se caracterizam por poder ser cumpridos em diversos graus”, por 
meio de uma ponderação, a qual corresponde à seguinte medida de proporcionalidade: “Quanto 
mais alto for o grau de descumprimento de um princípio, tanto maior deverá ser a importância do 
outro” (ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón. In: Doxa, n. 5, 1988, p. 143-
147). 
17 Este é o teor do Enunciado n. 274, aprovado na IV Jornada de Direito Civil (2006). 
 7 
de um “corpo eletrônico” que vem se tornando, a passos cada vez mais largos, a 
senha, imprescindível nas relações eletrônicas: impressões digitais, DNA, 
geometria da mão, da orelha, da íris, da retina, dos traços faciais, voz, assinatura, 
uso do teclado, e até mesmo o modo de andar marcam a individualidade de cada 
um, podendo, portanto, servir à sua identificação.18 
Realmente, as principais perplexidades em torno do tema dizem respeito 
ao extraordinário desenvolvimento da biotecnologia e a suas consequências sobre 
a esfera psicofísica do ser humano, em especial a proteção ao material genético e 
reprodutivo.19 De fato, as hipóteses em que a proteção da liberdade da pessoa 
entra em confronto com a sua integridade psicofísica têm se avolumado. A partir 
dos tão debatidos casos de transfusão de sangue a pacientes testemunhas de Jeová 
e de alimentação forçada de sujeitos em greve de fome, novas demandas, ainda 
mais desconcertantes, se juntaram a estas, colocando em discussão os termos da 
tutela ao direito ao próprio corpo. 
A situação mais extrema, dentre essas hipóteses, parece ser a dos que 
sofrem de apotemnofilia (BIID para body integrity identity disorder), vulgarmente 
conhecidos como “amputados por escolha” (amputees by choice ou wannabes), 
pessoas que, embora não estejam fisicamente doentes, desejam, às vezes 
ferozmente, ter um de seus membros amputado. 20 Esta condição tornou-se visível 
a partir de sua divulgação na internet e hoje há diversas listas de discussão, uma 
delas intitulada justamente amputees-by-choice, a qual tem se preocupado em 
oferecer, segundo se diz, algum alívio aos portadores desta disfunção, os quais 
passam a se sentir menos solitários e menos excepcionais.21 
O Código Civil indica, no art. 13, três critérios para regular os atos de 
disposição do próprio corpo: a diminuição permanente à integridade física, os 
bons costumes e, a autorizar o ato, a exigência médica ou finalidade terapêutica.22 
 
18 Assim, RODOTÀ, Stefano. Transformações do corpo. In: Revista Trimestral de Direito Civil, n. 
19, jul.-set. de 2004, p. 93). 
19 V., por todos, os diversos artigos reunidos na obra editada por KOLB, Robert W. The Ethics of 
Genetic Commerce. Oxford: Blackwell Pub., 2007. 
20 Ilustrativa desta rara condição é a história de Karl, um químico americano, que após estudos 
aprofundados de termodinâmica, foi capaz de avaliar as condições ideais para que suas pernas, 
mergulhadas em gelo seco por seis horas, não tivessem mais salvação: v. What Drives People to 
Want to Be Amputees? no site ABC News, disponível em http://abcnews.go.com/Primetime/ 
Health/ story?id=1806125, acesso em 20.10.2007. Atualmente, o fenômeno está sendo estudado 
especialmente pelo Dr. Michel B. First, um dos editores da DSM-IV e da DSM-IV-TR, que 
cunhou o termo BIID e dele agora começa a diferenciar hipóteses: AID – “AmputeeIdentity 
Disorder”seria apenas um dos casos de BIID. O Dr. First considera, ao menos conceitualmente, 
BIID/AID como uma condição análoga ao transexualismo (GID/Gender Identity Disorder). 
21 ELLIOT, Carl. A new way to be mad. In: The Atlantic Monthly, dez. 2000, disponível na 
internet em The Atlantic.com (ora em http://www.theatlantic.com/doc/prem/200012/madness), 
acesso em 20.10.2007. Para tentar entender o ponto de vista do doente, v. http://www.amputee-
online.com/amputee/ wannabee.html. No Brasil, v. o pioneiro artigo de KONDER, Carlos Nelson. O 
consentimento no biodireito: os casos dos transexuais e dos wannabes. In: Revista Trimestral de 
Direito Civil, n. 15, jul.-set. de 2003, pp. 41-72. 
22 Código Civil, art. 13: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio 
corpo quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons 
costumes”. Já na I Jornada de Direito Civil (2002) o Enunciado n. 6 explicitava: “A expressão 
‘exigência médica’ contida no art. 13 refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar 
psíquico do disponente”. 
 8 
Independentemente do critério relativo aos bons costumes – de interpretação 
complexa em uma sociedade que tem por princípio o pluralismo –, o caso dos 
amputees caracterizaria uma diminuição permanente, mas sem seu enquadramento 
como exigência médica, 23 o que ocorre na situação vivenciada por pessoas 
transexuais. 
Neste último caso, no entanto, o problema não passa pela já consolidada 
autorização para a cirurgia de modificação do sexo, admitida em nosso 
ordenamento através de resolução do Conselho Federal de Medicina,24 mas pelas 
consequências jurídicas da cirurgia, impossibilitada a obtenção de alteração cabal 
no registro civil, no que se refere ao sexo que ali vem indicado.25 Sob o 
argumento da proteção à veracidade do registro e da proteção à segurança jurídica, 
nossa jurisprudência superior se firmou no sentido de não autorizar a retificação 
do registro, mas tão-somente admitir a averbação, com a necessária referência à 
situação anterior e à causa da alteração. 26 
Sobre o tema, foi sustentado que a solução que menos prejuízos traz à 
pessoa humana é a que concebe o sexo não como um atributo instantaneamente 
adquirido na concepção, segundo a visão biomédica, mas, a partir do 
reconhecimento da imprescindibilidade da esfera psíquica, como um aspecto que 
vai aos poucos se formando, em processo que ocorre até o início da vida adulta.27 
Se nestes casos já se revela incompatível com a proteção integral à 
dignidade humana a tutela da integridade física em termos absolutos, em outros 
casos a falta de ponderação é ainda mais grave em virtude da desconsideração de 
outros interesses constitucionalmente protegidos que no caso podem se mostrar 
mais relevantes do que a incolumidade física. 
 
23 Recentemente, porém, BAYNE, Tim e LEVY, Neil. Amputees By Choice: Body Integrity Identity 
Disorder and the Ethics of Amputation. In: Journal of Applied Philosophy, vol. 22; n. 1, 2005, 
pp. 75-86, tendo em vista o grau normal de autonomia e racionalidade que apresentam os doentes, 
sustentam que, do ponto de vista ético, enquanto não houver outra possibilidade de cura, a cirurgia 
deve ser autorizada. 
24 Inicialmente pela Resolução 1472/1997, atualmente pela Resolução 1652/2002, ambas do CFM. 
25 Mas, cf. o Enunciado n. 276, aprovado na IV Jornada de Direito Civil (2006) que se refere 
expressamente à alteração do sexo: “O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio 
corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os 
procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a conseqüente alteração do 
prenome e do sexo no Registro Civil”. 
26 STJ, 3ª T., REsp. 678.933, Rel. Min. Carlos Alberto M. Direito, julg. 22.03.2007, publ. 
21.05.2007 em cuja ementa se lê: “Mudança de sexo. Averbação no registro civil. 1. O recorrido 
quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procurou alterar no seu registro civil a sua 
opção, cercada do necessário acompanhamento médico e de intervenção que lhe provocou a 
alteração da natureza gerada. Há uma modificação de fato que se não pode comparar com qualquer 
outra circunstância que não tenha a mesma origem. O reconhecimento se deu pela necessidade de 
ferimento do corpo, a tanto, como se sabe, equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse 
adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou para 
o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria 
preconceito, discriminação, opróbrio, desonra, indignidade com aquele que escolheu o seu 
caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito. 2. Recurso especial conhecido 
e provido”. 
27 RODOTA, Stefano. Présentation générale des problèmes liés au transsexualisme. In: 
Transsexualisme, médicine et droit, XXIII Coloque de Droit Européen, Pays Bas, Vrije 
Universiteit, 1993, p. 20. 
 9 
Assim, por exemplo, a hipótese da recusa à realização do exame de DNA 
em que o Supremo Tribunal Federal – por maioria de 6 a 4 – entendeu que a 
proteção à integridade física do suposto pai prevalecia sobre o melhor interesse da 
criança concretizado no seu direito à verdade real sobre sua origem genética.28 
Neste caso, já se teve a ocasião de expor que “o direito à integridade física 
configura verdadeiro direito subjetivo da personalidade, garantido 
constitucionalmente, cujo exercício, no entanto, se torna abusivo se servir de 
escusa para eximir a comprovação, acima de qualquer dúvida, de vínculo 
genético, a fundamentar adequadamente as responsabilidades decorrentes da 
relação de paternidade. A perícia compulsória, então, se, em princípio, repugna 
aqueles que, com razão, veem o corpo humano como bem jurídico intangível e 
inviolável, parece ser providência necessária e legítima, a ser adotada pelo juiz, 
quando tem por objetivo impedir que o exercício contrário à finalidade de sua 
tutela prejudique, como ocorre no caso do reconhecimento do estado de filiação, 
direito de terceiro, correspondente à dignidade de pessoa em desenvolvimento, 
interesse este que é, a um só tempo, público e individual”.29 
Ainda nesta linha, no tocante à doação de órgãos para depois da morte, o 
consentimento presumido foi afastado pela MP 1.718/98 que, depois de reeditada 
vinte e seis vezes, ganhou nova redação, fazendo prevalecer sempre a vontade dos 
familiares, independentemente de expressa declaração do falecido no sentido da 
doação (ou da não doação). Converteu-se, após mais cinco reedições, na L. 
10.211/01 e é o dispositivo vigente na lei de transplantes, 30 a não ser que se 
interprete ter sido ele revogado pelo art. 14 do Código Civil de 2002 – “É válida, 
com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no 
todo ou em parte, para depois da morte” – raciocínio mais consentâneo com os 
princípios da liberdade pessoal e da solidariedade e com a funcionalização da 
família aos interesses de cada um de seus membros, todos constitucionalmente 
assegurados.31 
 
28 “Investigação de paternidade. Exame DNA. Condução do réu ‘debaixo de vara’. Discrepa, a 
mais não poder, das garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade 
humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução 
específica da obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de 
paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, “debaixo de 
vara”, para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano 
jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência,no que voltadas ao 
deslinde das questões ligadas à prova dos fatos” (STF, Tribunal Pleno, HC 71.373-4, Rel. p/ o 
acórdão: Min. Marco Aurélio Mello, julg. 10.11.1994 – v.m.). 
29 BODIN DE MORAES, M. C. Recusa à realização do exame de DNA na investigação da 
paternidade e direitos da personalidade. In: Revista Forense, n. 343, jul.-set. de 1998, p. 168. 
30 Art. 4º da L. 9.434/97, com a redação dada pela L. 10.211/01: “A retirada de tecidos, órgãos e 
partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica dependerá da 
autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, 
até o segundo grau, inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à 
verificação da morte”. 
31 Neste sentido o Enunciado n. 277, aprovado na IV Jornada de Direito Civil (2006): “O art. 14 do 
Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo 
científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador 
de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei 
n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador”. 
 10 
A regra do art. 15, segundo a qual “Ninguém pode ser constrangido a 
submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”, 
tem gerado alguns mal-entendidos. 32 Antes do Código Civil, regulava o assunto o 
Código de Ética Médica, o qual vedava ao médico desrespeitar o direito do 
paciente de decidir livremente a que práticas terapêuticas se submeter, “salvo em 
caso de iminente perigo de vida”. A expressão atual “com risco de vida”, portanto, 
interpretada sistematicamente, altera a regra anterior, atribuindo agora ao 
paciente, desde que lúcido e consciente, a completa autodeterminação. Isto vale, 
evidentemente, para cirurgias e tratamentos programados; em situações de 
emergência, em que há risco de vida do paciente, o médico procederá ao 
tratamento, não apenas pelo consentimento presumido implícito, mas pela 
ausência, neste caso, de qualquer forma de “constrangimento”. 
São apenas circunstanciais as duas grandes questões que a vida social 
propõe hoje, não apenas aos operadores do direito, no que se refere aos direitos da 
personalidade: “quando” (em que circunstâncias?) e “quanto” (em que medida?), à 
luz do princípio maior da dignidade da pessoa humana, podemos dispor, com 
autonomia e informação, acerca de nós mesmos? Que limites deverão ser 
impostos à autodeterminação? 
Parece relevante assinalar que, ao proceder às necessárias ponderações, se 
deve atentar para a armadilha de uma tutela “paternalista”. Ordenamentos de tipo 
paternalista só são compatíveis com sociedades infantilizadas, tidas como 
irresponsáveis, ignorantes e inconsequentes, às quais em regra tudo deve ser 
proibido, ou regulado, podendo-se fazer apenas o que é expressamente permitido 
– princípio este que é próprio dos sistemas fascistas e, portanto, incompatível com 
sistemas democráticos. 33 Ao paternalismo, contido na máxima segundo a qual “as 
pessoas devem ser protegidas de si próprias”, deve ser oposta a presunção que 
vigora nas sociedades democráticas: a liberdade de escolha acerca do próprio 
destino não pode ser exceção. 
4. Proteção ao nome, à imagem e o direito à identidade pessoal 
Nome e imagem são dois aspectos fundamentais da personalidade que 
receberam destaque na tutela do Código, e cuja importância decorre não apenas do 
fato de atuarem como os sinais designativos que indicam a individualização da 
pessoa no meio social, mas também por constituírem manifestações intrínsecas da 
individualidade pessoal, dizendo respeito, portanto, ao seu interesse mais 
essencial. 
 
32 Assim, por exemplo: “Já o artigo 15 dispõe acerca de tratamento médico compulsório, salvo em 
situações que a intervenção gere risco de vida para o paciente. Esse artigo resta de todo autoritário 
e completamente anacrônico, em relação às teorias da Bioética, em especial no que tange o 
Consentimento Informado”. (STANCIOLI, Brunello Souza. Os direitos da personalidade no novo 
Código Civil brasileiro. In: Videtur, n. 27, disponível em http://www.hottopos.com/videtur27/ 
index.htm, acesso em 27.11.2007). 
33 “Os inquisidores que impunham caridosamente a salvação da alma foram substituídos por outros 
inquisidores que zelam pela saúde pública dos corpos, sobretudo quando sua reparação representa 
um custo para a previdência. A cruzada contra o cigarro, causa dos piores atentados contra a 
liberdade pessoal, é um exemplo deste puritanismo em nome da vida – entendida esta como 
duração produtiva” (SAVATER, Fernando. El valor de eligir. Barcelona: Ariel, 2003, p. 107). 
 11 
O nome, composto de prenome e sobrenome (art. 16), chega a se confundir 
com a própria personalidade de quem o porta e serve, em primeiro lugar, como 
proteção da esfera individual. 34 É o primeiro e mais imediato elemento 
característico da individualização de uma pessoa e ela tem, assim, a possibilidade 
de defendê-lo de usos que a exponham, de alguma maneira, a desprezo público, 
independentemente da prática de difamação (art. 17). A tutela alcança ainda o uso 
não autorizado, quando direcionado à propaganda comercial (art. 18), 35 bem 
como o pseudônimo (art. 19). 
Por outro lado, o nome serve também como sinal designativo da pessoa e 
desempenha o papel de tornar possível o cumprimento do dever de identificação 
social de modo que a pessoa tem, em virtude disso, o dever de usá-lo. 36 É, 
justamente neste âmbito, atuando como dever, que se encontram as principais 
problemáticas relativas ao nome. Tutelado como o sinal legal identificador da 
pessoa, em relação ao mundo exterior, na vida social e no comércio jurídico, se 
justifica o princípio de imutabilidade do prenome bem como a exigência de 
manutenção de sobrenome de família. No entanto, cada vez mais a jurisprudência 
vem flexibilizando o princípio da imutabilidade do prenome – que nunca foi 
absoluto 37 –, admitindo numerosas exceções casuísticas, com vistas à realização 
da personalidade da pessoa de cujo nome se trata. 38 
Outro aspecto de relevância é a imagem, cuja proteção se tornou muito 
mais difícil em virtude dos processos tecnológicos que generalizaram as formas 
requintadas de manipulação e divulgação. Aqui é possível observar um processo 
de ampliação dos bens jurídicos protegidos: para além da ‘imagem-retrato’, o 
aspecto fisionômico, a forma plástica do sujeito, hoje se protege também a 
‘imagem-atributo’, isto é o conjunto de características decorrente do 
comportamento do indivíduo, de modo a compor sua representação no meio 
social.39 As duas instâncias referidas são exemplificadas através da diferença que 
existe entre lesar a imagem de alguém, publicando-se sem autorização uma 
imagem fidedigna (a lesão aqui se daria sob o ponto de vista estático), e a 
publicação, sem autorização, da imagem deformada, fazendo, por exemplo, um 
comunista passar por fascista (e a lesão teria ocorrido sob o aspecto dinâmico). 40 
 
34 Sobre o tema, remete-se a BODIN DE MORAES, M. C. A tutela do nome da pessoa humana. In: 
Revista Forense, n. 364, nov./dez. de 2002, pp. 217-228. 
35 O Enunciado n. 278 da IV Jornada de Direito Civil (2006) interpreta extensivamente o 
dispositivo: “A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada 
pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá- la, constitui violação a 
direito da personalidade.” 
36 Assim, Harry WESTERMANN. Código Civil Alemão. Parte geral. Porto Alegre: Sergio Fabris 
Editor, 1991, p. 37. 
37 Assim, por exemplo, na adoção (ECA, art. 47, § 5º); na naturalização dos estrangeiros, para 
aportuguesá-lo (art. 115 da L. 6.815/90);para a inclusão de apelidos notórios (LRP, art. 58, 
alterado pela L. 9.708/98); para a proteção de testemunhas (LRP, art. 58, parágrafo único, inserido 
pela L. 9.807/99). 
38 V., para diversos exemplos, BODIN DE MORAES, M. C. A tutela do nome da pessoa humana, cit., 
pp. 224-227. 
39 Sobre o tema, v. PEREIRA DE SOUZA, C. A. Contornos atuais do direito à imagem. In: Revista 
Forense, n. 367, mai.-jun. de 2003, pp. 45-68. 
40 O exemplo é inspirado em LORENZETTI, Riccardo L. Fundamentos do Direito Privado. São 
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 485. 
 12 
Observe-se a distinção desta ampliação do direito à imagem com relação 
ao direito à honra: os fatos imputados, para a caracterização da lesão à identidade, 
não precisam ser negativos, basta que sejam incompatíveis com a representação 
construída pela própria pessoa em seu meio social. Neste sentido a controvérsia 
instaurada na jurisprudência nacional acerca da autonomia do direito à imagem 
frente ao direito à honra. Embora no Superior Tribunal de Justiça haja decisões 
que só reconhecem o dano moral quando há intuito de depreciar a vítima,41 no 
Supremo Tribunal Federal afirmou-se que “para a reparação do dano moral não se 
exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de 
regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa 
desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse 
desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, 
há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5º, X. II”. 42 
A noção de “imagem-atributo” pareceu à jurisprudência italiana que não 
deveria ficar contida no âmbito do direito à imagem porque representava muito 
mais do que a simples “imagem”. 43 Os Tribunais criaram então um direito da 
personalidade autônomo, a que chamaram de direito à identidade pessoal, o qual 
se distingue não apenas do direito à honra mas também do direito ao nome, do 
direito à imagem e do direito à privacidade. Enquanto o nome identifica o sujeito 
físico no plano da existência material e a imagem evoca os traços fisionômicos da 
pessoa, a identidade pessoal representa uma “fórmula sintética” para destacar a 
pessoa globalmente considerada, de seus elementos, características e 
manifestações, isto é, para expressar a concreta personalidade individual que veio 
se consolidando na vida social.44 
Este novo direito da personalidade consubstanciou-se em um “direito de 
ser si mesmo” (diritto ad essere se stesso), entendido como o respeito à imagem 
global da pessoa participante da vida em sociedade, com a aquisição de idéias e 
experiências pessoais, com as convicções ideológicas, religiosas, morais e sociais 
que distinguem a pessoa e, ao mesmo tempo, a qualificam.45 
O direito à identidade pessoal contemplaria duas instâncias: uma estática e 
outra dinâmica. A identidade estática compreende os direitos ao nome, à origem 
genética, à identificação biofísica e à imagem-retrato; a identidade dinâmica se 
refere à verdade biográfica, ao estilo individual e social, isto é, à imagem-atributo, 
 
41 “Civil. Recurso Especial. Ação indenizatória. Violação do direito de imagem. Uso indevido. 
Prova do dano. Aquele que usa a imagem de terceiro sem autorização, com intuito de auferir 
lucros e depreciar a vítima, está sujeito à reparação, bastando ao autor provar tão-somente o fato 
gerador da violação do direito à sua imagem. O uso indevido autoriza, por si só, a reparação em 
danos materiais, desde que abrangido no pedido deduzido pelo autor. Se ao uso indevido da 
imagem soma-se o intuito de depreciar a vítima, deve a reparação abranger não apenas os danos 
materiais, mas também os morais.” (STJ, 3ª T., REsp. 436.070, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 
4.11.2004, publ. RDR 31/428 – grifou-se). 
42 STF, 2ª T., RE 215.984, Rel. Min. Carlos Velloso, julg. 04.06.2002, publ. RTJ 183-03/1096. 
43 V., a respeito, PINO, Giorgio. Il diritto all’identità personale. Interpretazione costituzionale e 
creatività giurisprudenziale. Bologna: Il Mulino, 2003 e SESSAREGO, Carlos F. Derecho a la 
identidad personal. Buenos Aires: Astrea, 1992. 
44 Assim, PINO, G. Il diritto all’identità personale, cit., p. 188 e ss. Dentre os autores italianos 
que aprofundaram o tema v. DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità. Milano: Giuffrè, 1982 
e DOGLIOTTI, Massimo. Trattato di diritto privato (a cura di P. Rescigno). Torino: Utet, 1981.. 
45 LORENZETTI, R. L. Fundamentos, cit., p.483. 
 13 
àquilo que a diferencia e singulariza em sociedade. Neste último sentido, alguns 
autores falam de “direito à paternidade de seus próprios atos.” 46 
A propósito da identificação dinâmica, Harry WESTERMANN elabora o 
seguinte exemplo: Um jovem rapaz tenta aproximar-se de uma moça, 
particularmente atraente, muito conhecida na pequena cidade onde ambos vivem; 
ela, porém, o ignora solenemente. No decorrer de suas tentativas, ele a fotografou, 
ampliou o retrato, e o colocou em sua mesa de trabalho. Indagado por amigos 
sobre como chegou a obter a foto e que relações tem com a mocinha, ele sorri 
significativamente. Ela, evidentemente, gostaria de obrigar-lhe a destruir o retrato 
ou, pelo menos, a mantê-lo guardado. 47 
A identidade pessoal constitui, assim, “um bem em si mesmo, 
independentemente da condição pessoal e social, das virtudes e dos defeitos do 
sujeito, de modo que a cada um é reconhecido o direito a que sua individualidade 
seja preservada.” 48 Há ainda um aspecto fundamental do direito à identidade 
pessoal: a sua “intrínseca modificabilidade, isto é sua capacidade ou 
potencialidade de mudança. Diferentemente do nome, da imagem ou da 
privacidade, a identidade pessoal pode mudar e frequentemente muda com a 
evolução da pessoa. 
Tendo em vista a redação de seu art. 20, o Código Civil, neste ponto, 
constitui verdadeiro obstáculo a uma tutela da imagem condizente com a proteção 
integral da dignidade da pessoa humana. 49 Com efeito, além de sugerir, em sua 
parte final, a não autonomia da proteção à imagem, uma vez que a lesão só se 
concretizaria com a concomitante lesão à honra, ou se destinar a fins comerciais, 
pecando assim pelo excesso, o dispositivo peca ainda por omissão, ao afirmar que 
somente a “administração da justiça” ou a “manutenção da ordem pública” podem 
justificar a divulgação não-autorizada da imagem, desconsiderando outros 
interesses merecedores de tutela que podem se revelar, no caso concreto, mais 
relevantes.50 Aliás, decisões vêm sendo exaradas, inspiradas por este dispositivo 
 
46 V. LORENZETTI, R. L. Fundamentos, cit., p. 484: “Machado disse que uma pessoa faz caminho 
ao andar, deixando seu rastro. (...) É a forma que os demais nos olham pelo que temos feito na 
vida: somos um tipo especial de católicos, de profissionais, de trabalhadores; somos ecologistas, 
homens de paz, bons vizinhos, afiliados a um clube etc. Tudo isto nos identifica. Este aspecto é 
dinâmico porque é variável, e faz referência ao passado, aos fatos objetivos que a pessoa vai 
deixando, e pelos quais as outras pessoas a reconhecem”. 
47 WESTERMANN, Harry. Código Civil Alemão, cit., p. 36. 
48 Corte Costituzionale italiana, Sentenza n. 13, de 1994. 
49 “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da 
ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou 
a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da 
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se 
destinarem a fins comerciais”. 
50 Enunciado n. 279, da IV Jornada de Direito Civil (2006): “A proteção à imagem deve ser 
ponderada com outros interesses constitucionalmentetutelados, especialmente em face do direito 
de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta 
a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as 
características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que 
não restrinjam a divulgação de informações”. V., também, BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre 
liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação 
constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. In: Revista Trimestral de 
Direito Civil, n. 16, out.-dez. 2003, pp. 59-102. 
 14 
da legislação ordinária, mas que, ao menos aparentemente, são incompatíveis com 
a proteção a ser atribuída à pessoa. 51 
Mais consentâneo com o espírito do art. 20 parece ser a interpretação de 
que a liberdade de expressão deve ser exercida responsavelmente, para não 
ultrapassar os limites claros da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas. 
De qualquer forma, o controle da legalidade da conduta dos órgãos de imprensa 
não pode ser confundido com a “censura”, proibida expressamente nos termos do 
art. 220, § 2º da Constituição. O ato do juiz se configura como controle jurídico 
ou legal, com vistas à proteção da pessoa humana. 
5. Privacidade como autodeterminação 
De todos os aspectos da personalidade, certamente a privacidade é o que 
sofreu as transformações mais radicais. O tradicional conceito do “direito a ficar 
só”, elaborado por Warren e Brandeis, funda-se em uma criticável e anacrônica 
perspectiva do indivíduo murado, conduzindo a um isolamento protegido, a uma 
tutela negativa que se concretiza apenas na exclusão dos demais. 52 Nesta 
concepção, outrora dominante, o homem era visto como um ser hermeticamente 
fechado ao mundo exterior, isolado, solitário em seu interior: era o chamado homo 
clausus. 
Esta concepção, porém, foi abandonada em prol da compreensão a ela 
oposta, isto é, aquela segundo a qual o indivíduo existe enquanto em relação com 
outros (o sentido da alteridade) e com o mundo a ele externo. Hoje se sabe que o 
ser humano existe apenas como integrante de uma espécie que precisa de outro(s) 
para existir (rectius, coexistir). 53 Do ponto de vista da moderna sociologia, 
portanto, o indivíduo, como tal, não existe; coexiste, juntamente com os outros 
indivíduos. 54 E porque sua relação com os semelhantes passou a ser avaliada 
como constitutiva de sua existência, uma condição fundadora, não pôde ele mais 
 
51 STJ, 4ª T., Resp. 595.600, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. 18.03.2004, publ. RDR 31/442, 
em cuja ementa se lê: “Direito civil. Direito de imagem. Topless praticado em cenário público. 
Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma 
protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua 
imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua 
reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria 
exposição realizada. Recurso especial não conhecido”. (Grifou-se). Como se o público da pequena 
praia onde uma então ilustre desconhecida tomava sol devesse (ou pudesse) ser comparado ao 
contingente alcançado pelo jornal de maior circulação do estado que estampou, no dia seguinte, 
sem a sua autorização, uma fotografia de média dimensão, sob a alegação de tratar-se de “notícia”. 
52 LEWICKI, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: 
Renovar, 2003, p. 9. 
53 É a do chamado homo non clausus. O sociólogo alemão Norbert Elias foi um dos maiores 
defensores dessa última corrente, a qual o concebe o indivíduo como fundamentalmente em 
relação com um mundo que não é ele mesmo ou ela mesma, com outros objetos e em particular 
com outros homens.” (ELIAS, Norbert. Norbert Elias por ele mesmo (1990). Rio de Janeiro: 
Zahar, 2001, p. 97 e ss.). 
54 Artífices desta tese são, entre outros, Georg Simmel e Norbert Elias. Cf. L. WAIZBORT (org.). 
Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Edusp, 1999, p. 104: “Para eles, indivíduo e sociedade são 
conceitos complementares não apenas logicamente, mas também em sua realização. A pluralidade 
dos indivíduos produz, através de suas relações mútuas, o que se denomina unidade do todo, isto é, 
a sociedade; mas aquela pluralidade não seria imaginável sem esta unidade”. 
 15 
ser estimado, como havia feito o pensamento liberal-individualista, como uma 
pequena “totalidade”, uma micro célula autônoma, autossuficiente e 
autossubsistente. 
Segundo Stefano Rodotà, aqui há um ponto de chegada na longa evolução 
do conceito de privacidade: da originária definição – the right to be let alone – ao 
direito de determinar as modalidades de construção da própria esfera privada bem 
como de manter o controle sobre as próprias informações. Visto desta maneira, 
configura-se o direito à privacidade como um instrumento fundamental contra a 
discriminação, a favor da igualdade e da liberdade. 55 
De fato, nas sociedades de informação, como são as sociedades em que 
vivemos, pode-se dizer que “nós somos as nossas informações”, pois elas nos 
definem, nos classificam, nos etiquetam; portanto, a privacidade hoje se manifesta 
essencialmente em ter como controlar a circulação das informações e saber quem 
as usa significa adquirir, concretamente, um poder sobre si mesmo.56 Trata-se da 
concepção, qualitativamente diferente, da privacidade como “direito à 
autodeterminação informativa”, o qual concede a cada um de nós um real poder 
sobre nossas próprias informações, nossos próprios dados. 
No contexto atual, revelam-se especialmente assustadoras as medidas 
tomadas na linha do falacioso slogan “menos privacidade, mais segurança”. 
Rodotà recorda a metáfora do homem de vidro, de matriz nazista, em que se 
baseia a pretensão do Estado de conhecer tudo, até os aspectos mais íntimos da 
vida dos cidadãos, transformando automaticamente em “suspeito” aquele que 
quiser salvaguardar sua vida privada. Ao argumento de que “quem não tem nada a 
esconder, nada deve temer”, o autor não se cansa de admoestar que o emprego das 
tecnologias da informação coloca justamente o cidadão que nada tem a temer em 
uma situação de risco, de discriminação.57 
O caso de Truro, em Massachusetts, nos Estados Unidos, é emblemático 
dos problemas ínsitos a esta concepção. Em janeiro de 2005, em razão do 
assassinato de Christa Worthington, ocorrido três anos antes, setecentos e noventa 
homens foram chamados a ceder saliva (fragmentos de DNA) de modo a permitir 
a comparação com uma amostra encontrada na cena do crime. O porta-voz da 
Polícia de Truro afirmou que o programa era voluntário mas “particular atenção” 
seria dada àqueles que se recusassem a cooperar. “Nós estamos tentando achar 
 
55 Sobre o tema, v. RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância. Privacidade hoje, cit, no 
prelo. A hipótese é explicada por Danilo Doneda: “Nesta mudança, a proteção da dignidade 
acompanha a consolidação da própria teoria dos direitos da personalidade e, em seus mais recentes 
desenvolvimentos, contribui para afastar uma leitura pela qual sua utilização em nome de um 
individualismo exacerbado alimentou o medo de que eles se tornassem o ‘direito dos egoísmos 
privados’. Algo paradoxal, a proteção da privacidade na sociedade da informação, tomada na sua 
forma de proteção de dados pessoais, avança sobre terrenos outrora não proponíveis e induz a 
pensá-la como um elemento que, antes de garantir o isolamento ou a tranquilidade, proporcione ao 
indivíduo os meios necessários para a construção e consolidação de uma esfera privada própria” 
(Danilo DONEDA. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Riode Janeiro: Renovar, 2006, 
pp. 23-24. 
56 RODOTÀ, Stefano. Nessuna censura sulla privacy. In: La Repubblica, 13.04.1997. 
57 RODOTÀ, Stefano. L’organizzazione del nuovo mondo. Disponível em http://magazine.enel.it/ 
boiler/arretrati/arretrati/boiler67/html/articoli/Focus-Rodota.asp, acesso em 20.10.2007. 
 16 
aquela pessoa que tem algo a esconder” explicou. 58 Cria-se assim o princípio 
antagonista ao da presunção de inocência e consolida-se a política “do cidadão 
transparente”: tudo o que é seu pode ser vasculhado. 
A estratégia americana da luta contra o terrorismo levada a cabo pelo 
governo Bush fez com que aquele país passasse a considerar indispensável exercer 
formas de controle total sobre os cidadãos, através da coleta de suas comunicações 
eletrônicas e de seus deslocamentos, em particular das viagens aéreas. O governo 
reagiu aos atentados de 11 de setembro de 2001 instituindo um projeto que 
denominou Total Information Awareness, posteriormente renomeado como 
Terrorism Information Awareness (TIA),59 não deixando margem a dúvidas 
acerca de seus objetivos: os Estados Unidos desejam exercer uma vigilância total 
sobre os dados de todos os cidadãos do mundo. 
O problema não é exclusivo do continente americano. Na França, o 
Conselho Nacional da Informática e das Liberdades (CNIL) revelou que há mais 
de 30 mil câmeras só em Paris. O caso francês, que causou protestos por parte do 
CNIL, não se compara com a situação da sociedade britânica – onde há uma 
câmera para cada 14 pessoas (4,2 milhões no total) –, a mais vigiada no mundo. 
Não obstante esta realidade, Stefano RODOTÀ não crê que a única reação 
possível seja a da aceitação acrítica, quase uma rendição, em direção a uma 
sociedade inevitavelmente transparente. 60 Muitos princípios em matéria de 
proteção de dados pessoais já estão consolidados na Europa. Além do princípio da 
dignidade humana, aplicam-se à proteção dos dados pessoais os princípios da 
finalidade, pertinência, proporcionalidade, simplificação, harmonização e 
necessidade. Uma trama tão urdida de princípios para a proteção dos dados 
pessoais atende à realidade de uma matéria que, por sua amplitude e por sua 
tendência à aplicação em todo tipo de relação humana, não pode ser confiada 
unicamente às formas disciplinares casuísticas. E a legislação por princípios, para 
que possa atingir seus propósitos, deve servir para a definição de um quadro geral, 
no interior do qual, a seguir, deverão ser postas e interpretadas as disposições 
específicas. 
Assim é que em Roma, na Itália, a Comissão de Proteção dos Dados 
Pessoais tomou uma série de decisões limitativas da ação das câmeras ao 
promulgar, em 2004, uma normativa geral relativa à videosorveglianza.61 Dentre 
as regras para a instalação desses aparelhos, consta que devem ser ativados 
somente quando outras medidas tenham se revelado insuficientes ou impossíveis 
(sistemas de alarme, outros controles físicos ou logísticos, medidas de limitação a 
entradas etc.). Além disso, a eventual conservação das imagens deve ser limitada 
no tempo, não podendo ultrapassar vinte e quatro horas, e os cidadãos devem 
 
58 New York Times, 07.01.2005. 
59 O congresso norte-americano cortou as verbas deste projeto em setembro de 2003. Sua menção, 
no entanto, continua relevante, visto que outros projetos de controle através do data mining 
permanecem em curso, patrocinados por agências governamentais do setor de inteligência e 
segurança. Sobre o tema, v. http://www.epic.org/privacy/profiling/tia, acesso em 10.08.2007. 
60 RODOTÀ, Stefano. Il secolo del Grande Fratello. In: La Repubblica, 20.01.1999. 
61 Provvedimento generale sulla videosorveglianza, datado de 29.04.2004. Disponível em 
http://www.garanteprivacy.it/garante/navig/jsp/index.jsp, acesso em 15.07.2007. 
 17 
sempre ser advertidos por escrito – com uma placa – quando uma área estiver 
posta sob televigilância. 
No Brasil, a ausência qualquer de regulamentação em defesa dos dados 
pessoais gera a real possibilidade de criação de um banco de dados centralizado, 
gigantesco, mantendo todos sob controle e vigilância; isso, aliás, é o que está em 
curso nos Estados Unidos, por determinação do Patriotic Act, com vistas à 
necessidade de prevenção contra o terrorismo. No entanto, espera-se que o 
respeito à dignidade humana, consagrado no art. 1º, III, de nossa Constituição, 
bem como a tradição civilista que nosso sistema encerra, aliados à chamada 
globalização através dos direitos, permita a nossa aproximação ao modelo 
europeu, através de uma legislação por princípios. 62 
As primeiras notícias, porém, não são alvissareiras. O temor advém da 
iminente instauração do “Sistema de Identificação Automática de Veículos” 
(SINIAV) 63 prevista na Resolução n. 212 de 2006 do Conselho Nacional de 
Trânsito que determina que todos os automóveis brasileiros deverão, em breve 
termo, portar uma “placa eletrônica” que os identificará, automaticamente, em 
todas as vias e rodovias de circulação do país. O sistema, também denominado de 
“Placa Eletrônica”, vem sendo apresentado como um instrumento fundamental de 
apoio à fiscalização e repressão ao furto e roubo de veículos e cargas, voltado para 
elaborar políticas de melhoria da gestão de tráfego e de outras ações direcionadas 
ao aumento da segurança pública. Nenhuma palavra sobre a tutela dos dados 
coletados ou sobre a proteção da privacidade dos proprietários. 
Como adverte a doutrina mais atenta, um sistema poderoso como o este 
somente pode ser cogitado se levados em conta os riscos potenciais ao cidadão 
pelo uso abusivo ou indevido de suas informações pessoais.64 Tal sistema, 
portanto, deveria vir acompanhado de previsões específicas sobre a utilização e 
segurança dos dados pessoais coletados, sob pena de representar uma concreta 
ameaça à privacidade e às garantias fundamentais dos cidadãos – chegando a 
suscitar dúvidas quanto à sua constitucionalidade, justamente no que tange à 
privacidade de todos: proprietários, condutores e passageiros.65 
6. Conclusão 
Cumpre, em conclusão à ideia de ampliação dos direitos da personalidade, 
ressaltar a expansão também de sua tutela: de fato, no que tange a direitos (ou, 
extensivamente, a situações jurídicas) extrapatrimoniais, a pessoa humana nunca 
esteve tão protegida. 
Isto se deve, em grande parte, à radical transformação da responsabilidade 
civil, na qual a plena reparação do dano moral consagrada com a Constituição de 
 
62 Sobre a distinção entre os modelos, europeu e americano, v. DONEDA, Danilo. Da privacidade à 
proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 221-322. 
63 Disponível em: http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/RESOLUCAO_212.rtf, 
acesso em 21.09.2007. 
64 DONEDA, Danilo. A “placa eletrônica” e o monitoramento de automóveis na Sociedade da 
Vigilância. In: Revista Trimestral de Direito Civil, n.32, out-dez. de 2007, no prelo. 
65 DONEDA, Danilo. A “placa eletrônica”, cit. 
 18 
1988, aliada à generalização da responsabilidade objetiva e ao alargamento do 
nexo de causalidade, conduziu a uma explosão das hipóteses de indenização por 
lesão à pessoa. Este movimento, todavia, não veio acompanhado da correlata 
evolução doutrinária capaz de prover rigor científico a este novo paradigma de 
direito dos danos e assim garantir a necessária segurança jurídica. 
Assim, embora as intenções jurisprudenciais tenham sido sempre as 
melhores, a ausência de uma dogmática, tanto conceitual quanto procedimental, e 
da sua momentânea (em virtude da transição ao pós-positivismo) e aparente 
desnecessidade, de modo a garantir a racionalidade da decisão, provavelmente 
impedirá que a tutela se mantenha. A transformação permanente do ordenamento 
nacional em direção à tutela integral do seu valormaior, constitucionalmente 
garantido, isto é, a dignidade das pessoas humanas, corre sério risco. 
Para além desta preocupação, já diversas vezes e por muitos externada, 
cumpre mencionar uma outra, mais filosófica do que jurídica, mas igualmente 
importante. A partir da constatação de que a relação com os semelhantes é 
constitutiva de própria existência do sujeito e, portanto, o indivíduo, como tal, não 
existe; ele coexiste, juntamente com os outros indivíduos, passou-se a afirmar a 
necessidade de superação do paradigma da subjetividade, que à concepção do 
homem como uma pequena “totalidade”, uma “ilha”, uma micro célula autônoma, 
autossuficiente e autossubsistente. 66 Nessa nova perspectiva, as sociedades 
contemporâneas não mais seriam compreendidas – ou construídas – tendo como 
ponto de referência central o “indivíduo” ou “a pessoa”, mas, em seu lugar, o 
“espaço comum existente entre as pessoas”, isto é, “cada um” em relação ao 
Outro. A noção principal, portanto, passa a ser a da “intersubjetividade”.67 
Na ótica jurídica, isto é o que faz com que se possa sustentar que “a tutela 
dos direitos da personalidade não pode ser separada da consciência da unidade 
direito-dever, do senso de solidariedade e responsabilidade sobre os quais é 
construída qualquer sociedade moderna. Não será útil dilatar a tutela do dissenso, 
a qual pode comprometer a dignidade do consenso. Os direitos da personalidade 
não podem ser efetivados por meio do Estado; devem se transformar em 
patrimônio cultural de um povo, no conteúdo ético do ordenamento”.68 
Em crítica direta e frontal a esta posição, afirmou-se que “supor que as 
liberdades humanas só são protegidas na medida em que seu exercício atender a 
interesses coletivos equivale, no nosso entendimento, a recair num coletivisimo 
transpersonalista, que não leva a sério que é o Homem ‘a medida de todas as 
coisas’ (...). Num sistema constitucional antropocêntrico, fundado na dignidade da 
pessoa humana, não parece legítimo resolver possíveis tensões entre a liberdade 
 
66 Metaforicamente, do mesmo modo que uma norma, para ser jurídica, não pode existir sozinha, 
porque o que a torna jurídica é, exatamente, o fato de pertencer a um ordenamento jurídico e não o 
contrário, como demonstrou Kelsen. Para uma explicação da obra de Hans Kelsen, especialmente 
deste aspecto da teoria positivista v. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São 
Paulo-Brasília: UNB-Polis, 1989. 
67 Assim, por exemplo, em sentidos diferenciados, manifestaram-se Hannah Arendt, Michel 
Foucault, Paul Ricoeur, Jürgen Habermas, Agnes Heller, entre outros. 
68 PERLINGIERI, Pietro. Entrevista. In: Revista Trimestral de Direito Civil, n. 6, abr.-jun. 2001, p. 
294. 
 19 
existencial da pessoa e os interesses da coletividade sempre em favor dos 
segundos.” 69 
Evidentemente, é por todos ressaltado que se a noção não se esgota na 
espécie, pois cada ser humano é único, em sua completa individualidade, também 
ocorre que “a pessoa humana é um ser social e enraizado”70. Único e plural a um 
só tempo, parte da comunidade humana, mas possuidor de um destino singular, 
esta é a lei da pluralidade humana, referida pela própria Hannah Arendt: “Quem 
habita este planeta não é o Homem, mas os homens”.71 Todavia, embora seja a 
dimensão social constitutiva da própria identidade, ela se manifesta por meio do 
sujeito individual, através da elaboração que se desenvolve no processo de 
construção de sua personalidade. 
Neste sentido, o princípio da solidariedade – a impor deveres e direitos no 
contexto desta necessária interação social – constantemente se sopesa com o 
princípio da liberdade, voltado a garantir a prerrogativa da individualidade na 
construção da própria identidade. No equilíbrio dos demais – variável em cada 
caso – se encontra a dignidade da pessoa humana, que posto não prescinda da 
dimensão da interação, nela tampouco se exaure. 
Portanto, a solidariedade atende à garantia da interação como aspecto de 
constituição da identidade individual, única de cada sujeito; ao seu lado, a 
liberdade tutela a possibilidade de elaboração desta interação pelo próprio sujeito, 
efetivando as opções mais condizentes com sua identidade pessoal, formada e 
conformada socialmente. A propósito já se destacou que o princípio da liberdade 
pessoal se consubstancia, cada vez mais, numa perspectiva de privacidade, de 
intimidade, de exercício da vida privada. “Liberdade, significa hoje, poder 
realizar, sem interferências de qualquer gênero, as próprias escolhas individuais, 
exercendo-as como melhor convier”.72 
Como consequência direta da constitucionalização do direito civil, 
portanto, no âmbito patrimonial os institutos são tutelados em razão e nos limites 
da sua função social. Já no âmbito extrapatrimonial não se deve cogitar de 
direitos-deveres para com a sociedade porque não cabe esperar o exercício de 
função social com relação aos atributos existenciais-constitutivos da pessoa 
humana. 73 Isto é o mesmo que dizer que como o desenvolvimento da 
personalidade da pessoa humana não interessa ao campo do jurídico, mas apenas a 
si mesma, o ordenamento deverá tão-somente garantir-lhe o espaço onde 
desenvolver suas escolhas autônomas, salientando ainda que de toda liberdade 
decorre, direta e proporcionalmente, uma responsabilidade. 
Em síntese, a ampliação dos direitos da personalidade, no nível do Código 
de 2002, deve se atribuir ao art. 21, interpretando-se a “inviolabilidade da vida 
 
69 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 
2004, p. 215. 
70 Id., ibidem. 
71 ARENDT, Hannah. A condição humana. 9. ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Forense Universitária, 
1999, p. 188. Em sentido semelhante, Fernando Savater, ao mencionar a “sociedade boa”, aduz 
que “não há unidade de destino no universal, mas pluralidade universalizada de destinos 
particulares” (Ética como amor-próprio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 142). 
72 BODIN DE MORAES, M.C. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 107. 
73 No mesmo sentido SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. cit.,p. 215. 
 20 
privada” não como a tímida tutela do microcosmo da casa, mas como o espaço 
(inviolável) da liberdade de escolhas existenciais. Ou nas palavras sempre 
inspiradoras de Stefano Rodotà: “Do nexo cada vez mais intenso entre vida e 
liberdade decorre para a vida um sentido mais profundo e o direito encontra uma 
medida mais discreta. Coloca-se a serviço do mestiere di vivere, e assim pode ser 
instrumento de apreensão, lugar do homem e não do poder, instrumento humilde e 
disponível e não imposição insustentável”.74 
 
 
 
74 La vita e le regole, cit., p. 72.