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ASPECTOS ERGONÔMICOS NO PROJETO DE PRODUTOS DE MODA Maria Celeste de Fátima Sanches, M.Sc Departamento de Design / UEL - Universidade Estadual de Londrina Rodovia Celso Garcia Cid (PR 445), Km 380 Campus Universitário - Caixa Postal 6001 86051-990 - Londrina, Paraná e-mail: tsanches@sercomtel.com.br Palavras-chave: ergonomia, design de moda, vestuário. As pesquisas sobre a concepção de produtos de vestuário/moda sob os fundamentos do design ainda são escassas, sobretudo quando se trata de identificar parâmetros de usabilidade. Neste sentido, o estudo das contribuições da ergonomia nesta área é essencial para um pensamento projetual mais abrangente, evitando que tal processo não fique restrito apenas aos requisitos estilísticos. Keywords: ergonomics, fashion design, clothing. Research on fashion products developed under design fundaments are still rare, and even more so in cases whenever its focus is to identify the usabillity parameters. Likewise, the contribuition of ergonimics studies in this field is fundamental to a widder projectual thinking, avoiding the process to be only restricted to stylish aspects of design." 1. INTRODUÇÃO Analisar questões relacionadas à Moda não é tarefa fácil, considerando a abrangência da significação deste termo. Neste sentido, antes de qualquer argumentação sobre design de moda é oportuno esclarecer algumas questões semânticas. A moda, como fenômeno social, delineia-se através das “mudanças sociológicas, psicológicas e estéticas, intrínsecas à arquitetura, às artes visuais, à música, à religião, à política, à literatura, à perspectiva filosófica, à decoração e ao vestuário” (RECH, 2002, p. 29). Entretanto, tendo em vista que reflexões sobre usabilidade requerem um contexto mais específico, no presente trabalho, o sentido atribuído ao termo é o de variável das modificações sazonais do vestuário. Tal conotação, certamente, desperta reflexões sobre os desafios de mercado e da produção industrial integrados em produtos que, além de vestir e proteger o corpo, oferecem inúmeras sensações de bem-estar sócio-psicológico. Assim, se a concepção destes produtos envolve a articulação de fatores sociais, antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos, em coerência às necessidades e desejos de um Mercado Consumidor, é pertinente afirmar que tal processo se encaixa à conduta criativa de resolução de problemas do design. Considerando tais aspectos, o presente artigo se dedica a refletir sobre os fatores ergonômicos envolvidos no projeto de vestuário, visto que, devido ao seu grande apelo simbólico, pouco se fala sobre questões de conforto no processo de uso destes produtos. 2. ASPECTOS ERGONÔMICOS NA CONCEPÇÃO DE PRODUTOS DE VESTUÁRIO/MODA Falar de intervenção ergonômica na concepção de produtos com grande articulação das qualidades estéticas, como os produtos de moda, é uma meta complexa, uma vez que a manipulação dos fatores estéticos nestes objetos é extremamente exaltada. Mas é necessário ter cautela quando se trata de moda nas esferas do design, ou melhor, quando se trata de qualquer produto de vestuário. Tais explorações, dos elementos perceptivos e simbólicos, de acordo com MONTEMEZZO & SANTOS (2002), são fundamentais no processo de comunicação com o usuário final, pois a carga sígnica da vestimenta tem papel importante na articulação das relações do indivíduo com seu ambiente social; por isso o apelo estilístico é sempre tão comentado nesta área. Contudo, nos produtos eficazes, além deste poder comunicativo, estão estabelecidas outras vinculações de satisfação com o usuário, tendo em vista que os produtos de vestuário estarão interferindo o tempo todo no seu bem-estar geral. Assim sendo, se as atividades humanas forem consideradas de maneira global, enfocando o homem e suas relações com o meio material e imaterial, nos quais se articulam inúmeras formas de interação, seria ingênuo projetar vestuário/moda como mero ornamento, desconsiderando a sua participação neste contínuo e recíproco movimento de transformação. Ressalta-se que, neste tipo de produto, a interação com o corpo do usuário é contínua e direta e por isso, os vínculos estabelecidos são extremamente significativos, tanto no âmbito físico como na esfera social. Por isso, o desenvolvimento de tais produtos exige respeito e responsabilidade com o corpo humano, considerando-o sob um enfoque global e integrado, pois se a roupa se adapta ao corpo, proporcionando-lhe conforto, de certa forma, também ocorre o contrário; o corpo é revestido de cores, formas e texturas que o transformam, expressando e articulando relações sociais. A roupa veste o corpo recobrindo-lhe como uma segunda pele, o que lhe confere uma constituição anatômica muito diversa. A roupa constrói-se como linguagem, e, como tal, altera a estrutura física do corpo, imprimindo em sua plástica novos traços, novas linhas, novos volumes e novas cores. Essa caracterização que o traje traz ao corpo é o que faz com que os sujeitos executem performances para a aquisição desses elementos que vão revestir sua massa corpórea. (CASTILHO, 2004, p.88). Neste contexto, considera-se que [...] “A Ergonomia tem como centro focal de seus levantamentos, análises, pareceres, diagnósticos, recomendações, proposições e avaliações, o homem como ser integral”. (MORAES e MONT’ALVÃO, 1998, p.16), assim, ressalta-se MONTEMEZZO & SANTOS (2002) que, ao analisar o vestuário como produto de consumo de uso pessoal, o consideram como Interface Global Primária, no que se refere à relação homem-ambiente. Ou seja, ele faz parte do meio físico/material do homem, está presente na maior parte do tempo como uma extensão do seu corpo e interage com o organismo humano de maneira generalizada e direta, como uma segunda pele. Sob tais condições, pode intervir, positiva ou negativamente, na realização de qualquer ação humana, influenciando o relacionamento do homem com quaisquer ambientes. Sendo assim, do ponto de vista ergonômico, os produtos de moda não são considerados apenas como objetos/ornamentos, mas como canais ativos que interferem no desempenho das funções humanas. Desta forma, passam a fazer parte de sistemas homem - máquina – ambiente, nos quais o vestuário deve amplificar e/ou aperfeiçoar a capacidade de proteção e termoregulação da pele humana, mantendo as suas características de flexibilidade e adaptabilidade. Contudo, como já foi citado, o produto de moda, ao revestir o corpo, deflagra um importante emissor de mensagens ao ambiente, ressaltando a influência dos fatores intangíveis no desenvolvimento projetual, os quais estão intimamente ligados ao contexto sociocultural, exigindo do designer e da empresa um verdadeiro mergulho no universo do usuário/consumidor. Portanto, se considerarmos o desenvolvimento de produtos de moda, em paralelo aos pontos destacados por IIDA (2006) sobre a participação da ergonomia nas etapas de desenvolvimento de produtos, podemos estruturar a contribuição desta área, nos projetos de design de moda, conforme mostrado na Figura 1. Sob a luz destes conceitos, pode-se verificar que o projeto de produtos de vestuário/moda é bastante complexo, se for analisado o grau de velocidade e dinamismo que esta área exige, considerando que sua obsolescência é programada e está muito mais ligada ao nível estético-simbólico do que as questões técnicas e práticas do uso. Etapas/ Ações do desenvolvimento de produtos de Vestuário/moda Participação da ergonomia Planejamento Percepção do mercado e descoberta de oportunidades Análises / expectativas e histórico comercial da empresa/ análise da coleção anterior. Definição de estratégias de marketing, desenvolvimento, produção, distribuição e vendas. Definição do cronograma Analisar aspectos macroergonômicosna empresa Pesquisa e Especificações do projeto Síntese do Universo do consumidor (físico e psicológico). Pesquisa de conteúdo de moda (tendências socioculturais e estéticas) Pesquisa de Materiais e tecnologias disponíveis. Delimitação dos objetivos do projeto Examinar perfil do usuário Analisar os requisitos do produto Delimitação Conceitual Geração de conceitos e definição do Conceito Gerador Definição de princípios funcionais e de estilo (referências de linguagem visual do conjunto integrado de produtos/coleção) Analisar tarefas e atividades inerentes ao cotidiano do usuário Analisar interfaces Geração de alternativas Geração de alternativas de configuração formal e princípios de modelagem (esboços/desenhos e estudos de modelagem tridimensional). Definições de configuração, materiais e tecnologias Analisar propriedades de usabilidade na configuração formal e definição de materiais Desenvolvimento e pilotagem Avaliação e Detalhamento de configuração e coordenação das alternativas Desenvolvimento de ficha técnica, modelagem e protótipo. Correções/adequações de usabilidade Avaliações técnicas e comerciais apuradas Planejamento de risco e corte Correções/adequações Graduação da modelagem Confecção de Ficha técnica definitiva e Peça piloto Acompanhar o detalhamento e testar interface com o usuário Produção Aquisição de matéria prima e aviamentos Confecção de Mostruários Definição de embalagens e material de divulgação Orientação dos setores de produção e vendas Confecção Lançamento dos produtos Avaliar e adaptar interfaces com usuários Consumo Serviços pós-venda / feedback das expectativas e aceitação do usuário final Realizar estudos de campo junto aos usuários e consumidores Figura 1 – Participação da ergonomia no desenvolvimento de produtos de vestuário/moda Fonte: própria (2006) Entretanto, pela experiência profissional da presente autora, sabe-se que raramente as indústrias de confecção contratam um ergonomista, ficando sob a responsabilidade do designer a inserção de tal contribuição. Desta forma, estruturou-se, em um diagrama (Figura 2) as metas básicas de usabilidade para o desenvolvimento de produtos de vestuário/moda, as quais devem ser preocupações fundamentais na conduta projetual. Proporcionar ao usuário: Através de cuidados com: Segurança Matéria-prima, modelagem e aviamentos. (materiais que não provoquem ferimentos e danos ao ambiente) Liberdade de movimentos Matéria-prima, modelagem e antropometria. Conforto tátil Matéria-prima, modelagem e acabamentos. Conforto térmico Matéria-prima, modelagem e acabamentos Conforto visual Aspectos perceptivos/ estéticos/ composição visual C on fo rt o Bem-estar emocional Exploração de valores subjetivos/ carga sígnica Matéria-prima de fácil manutenção Funcionamento dos dispositivos diretos de interação (fechos, regulagens, elementos destacáveis, etc.) Dispositivos de informação sobre uso e manutenção Facilidade de manuseio e uso Função objetiva do produto Figura 2 - Preocupações com a ergonomia no consumo (processo de uso) Fonte: Montemezzo (2004) 3. CONCLUSÃO Ressalta-se que as considerações aqui explanadas são apenas os primeiros passos de uma longa e fértil trajetória de pesquisas, pois o pensamento ergonômico deve se estender em análises mais abrangentes, considerando todo o ciclo de vida dos produtos aqui citados, em uma abordagem que considere mais profundamente todos os sujeitos envolvidos no processo. Entretanto, analisar a relação de uso no nível do usuário/consumidor final situou aspectos que interferem tanto nas decisões iniciais do desenvolvimento, quanto na avaliação de sua produção, consumo e descarte, estimulando as iniciativas de experiências fundamentadas no estudo e aplicação de quesitos de usabilidade para produtos de moda. “AGRADECIMENTOS” Aos meus alunos que, com seus questionamentos críticos, dúvidas, entusiasmo pela informação e ousadia na experimentação, têm contribuído imensamente nesta pesquisa. Aos meus colegas do departamento que, com suas experiências diversificadas e dedicação, contribuem continuamente para o direcionamento de uma análise integrada e mais abrangente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTILHO, Kathia. Moda e linguagem. São Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, 2004, 207p. IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blücher, 2005. 614p. MONTEMEZZO, Maria Celeste F. S.; SANTOS, João Eduardo Guarnetti. O papel do vestuário na interação homem - ambiente. IN: P&D DESIGN, 5, 2002. Brasília. Anais... Rio de Janeiro: AEND-BR, 2002. MONTEMEZZO, Maria Celeste F. S. Diretrizes Metodológicas para o Projeto de Produtos de Moda no Âmbito Acadêmico - Dissertação de Mestrado. Defesa em 13 de outubro de 2003- UNESP, Bauru. MONTEMEZZO, Maria Celeste F. S. Funções Práticas e Estético-simbólicas do Produto de Moda. IN: P&D DESIGN, 6, 2004. São Paulo. Anais... Rio de Janeiro: AEND-BR, 2004. MORAES, Anamaria de. ; MONT’ALVÃO, Cláudia. Ergonomia: Conceitos e Aplicações. Rio de Janeiro: 2AB, 1998. RECH, Sandra Regina. Moda: por um fio de qualidade. Florianópolis: Udesc, 2002. 133p.
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