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PODER CONSTITUINTE: conceito, titularidade, espécies e os casos julgados pelo STF 1 Agenilson J. C. dos Santos 2 Gabriela C. B. Freire 2 Jhonny C. Bacelar 2 Ronaldo N. Ramos 2 Thiago K. C. dos Santos 2 1 – CONCEITO O poder constituinte representa a vontade do povo em estabelecer as balizas jurídicas de uma determinada comunidade jurídica. Como se cuida de um poder estrutural de disciplina, ele configura uma autoridade anterior e superior ao próprio ordenamento jurídico, porquanto preexiste à ordenação e é o responsável por conferir às normas jurídicas seu fundamento de validade. Do ponto de vista sociológico, quando tomado na sua acepção de “elemento ordenador e estruturante de uma sociedade”, pode-se afirmar que o poder constituinte sempre existiu, pois é induvidoso que até mesmo comunidades primitivas possuíam alguma forma de organização política. Sob uma perspectiva subjetiva, o Poder Constituinte Originário é exercido quando o povo é titular do seu poder, conforme preleciona o Art. 1˚ da Constituição Federal de 1988 (visão de Rosseau): TÍTULO I Dos Princípios Fundamentais Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Para Emmanuel Joseph Sieyès, o titular do poder é a Nação. Doravante, quando o Poder Constituinte não é exercido pelos seus titulares de Direito, sendo exercido por entes estranhos, como a Igreja, Militares, Grupos econômicos e etc. o poder passa a ser ilegítimo. 1 Trabalho apresentado a disciplina Teoria da Constituição, ministrada pela Prof a . Dra. Eliana Maria de Souza Franco Teixeira referente ao Seminário válido como a 1ª Avaliação. 2 Discentes do curso de bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará com números de matrícula 201806140289, 201806140147, 201806140113, 201806140279 e 201806140111 André Ramos Tavares afirma que “o poder constituinte é o supremo fornecedor das diretrizes normativas que constarão desse documento supremo” (2013, p. 127). Pensamento semelhante possui Paulo Bonavides, quando diz que o poder constituinte “se reduz formalmente a uma ação constituinte, capaz de criar ou modificar a ordem constitucional ou de produzir as instituições fundamentais de uma determinada sociedade” (2014, p. 162). De acordo com Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2012, p.44): O reconhecimento de um poder capaz de estabelecer as regras constitucionais, diverso do de estabelecer regras segundo a Constituição, é, desde que se pretenda serem aquelas superiores a estas, uma exigência lógica. A superioridade daquelas que se impõe aos próprios órgãos do Estado, deriva de terem uma origem distinta, provindo de um poder que é fonte de todos os demais, pois é o que constitui o Estado, estabelecendo seus poderes, atribuindo-lhes e limitando-lhes a competência: o Poder Constituinte. O Poder Constituinte Derivado é aquele já estabelecido na própria Constituição pelo poder Originário, que é posto com o objetivo de validar a sua modificação quando for preciso e ele pode ser Reformador, Revisor ou Decorrente, como veremos mais adiante. A teorização sobre o poder constituinte é recente. Ela exsurge juntamente com a evolução do constitucionalismo, notadamente por meio da obra de Emmanuel Joseph Sieyès, ainda nos idos da Revolução Francesa. Com isso, pôde-se iniciar um debate tormentoso sobre qual a natureza do poder constituinte – se Jusnaturalista ou Juspositivista -, bem assim sobre a sua titularidade, que é o que veremos adiante. 2 – TITULARIDADE A titularidade do poder constituinte consiste em verificar quem é o detentor do poder, de modo a ter a aptidão para elaborar as balizas jurídico-normativas do modelo estatal, abrangendo o conteúdo (valores da comunidade) e a estrutura planejada (organização). Nesse sentido, doutrinariamente, existem duas correntes básicas sobre a titularidade do poder constituinte: de um lado, há os que defendem a titularidade pertencente à nação; de outro, os que advogam a prevalência do povo. Os defensores da nação como titular do poder constituinte remontam ao tempo da Revolução Francesa (1789). Naquele tempo, o abade Emmanuel Joseph Sieyès defendeu que a titularidade do poder constituinte pertencia à nação, entendida, na sociedade estamental- feudal da época, como o “terceiro estado”, isto é, todos os não integrantes do clero e da nobreza. A teorização francesa de Sieyès configurou uma ruptura com o pensamento da época, especialmente no que diz respeito à ideia de legitimidade nobiliárquica de poder constituinte por meio da realeza. Com isso, exsurge a ideia de um poder constituinte alicerçado na vontade da nação. Essa ideia inspirou o surgimento posterior da corrente que defende que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo. O grande diferencial dessa proposição é vincular a titularidade não a um elemento sociológico (nação), mas sim a um conceito de cariz essencialmente jurídico (povo). Logicamente, o conceito de “povo”, em termos constitucionais, também é objeto de funda divergência, havendo os que o identificam com o corpo eleitoral apto a participar do escrutínio; em sentido diverso, há os que defendem que povo deve ser entendido como um conceito pluralístico, abrangente de todos os segmentos da sociedade em suas mais diversas manifestações plurais nos planos cultural, social, econômico e político. O fato é que, modernamente, o pensamento prevalecente é aquele que identifica poder constituinte como o “poder do povo”. 3 – ESPÉCIES No plano doutrinal, a teorização sobre o poder constituinte aponta várias modalidades ou espécies. Tais modalidades estão atreladas a critérios variados, pelo que ele pode ser classificado em pelo menos dois grandes grupos. 3.1 – Poder Constituinte Originário Poder constituinte originário é o que cria uma Constituição. Não há necessidade que seja a primeira Constituição de um Estado, pois pode ser uma nova Constituição que substitua a anterior. Poder constituinte originário reveste-se de quatro características: inicial, autônomo, incondicionado e ilimitado. É um poder inicial, porque inaugura, cria a ordem constitucional do Estado, servindo como o ponto de partida para o início dessa ordem constitucional. É um poder autônomo, porque não é subordinado à ordem jurídica anterior, sendo, pois, independente. Trata-se de um poder político com ampla liberdade para dispor sobre as matérias. Distingue-se de uma simples reforma constitucional. Na reforma, as matérias são previamente delimitadas, ao passo que o poder constituinte originário não recebe uma missão de aprovar ou não determinadas matérias, ele tem ampla liberdade de gerenciamento das matérias que pretende dispor. É um poder incondicionado à medida que não se sujeita às condições de exercício estabelecidas anteriormente por outro poder. É o próprio poder constituinte originário que define as regras procedimentais para o seu exercício, como, por exemplo, o sistema de aprovação do projeto da Constituição, o quórum de deliberação, etc, podendo, inclusive permitir o ingresso de dispositivos constitucionaisque não seguiram essas normas procedimentais. De fato, diversos dispositivos da Constituição brasileira de 1.988 não foram sequer votados pela Assembleia Constituinte que, no entanto, os promulgou e, portanto, chancelou a suposta irregularidade formal, convalidando-os. Por ser incondicionado, apenas o poder constituinte, e não o STF, é que poderia questionar a violação dessas irregularidades procedimentais. É, por fim, um poder ilimitado, pois pode inserir o que quiser na Constituição, tendo ampla liberdade para deliberar sobre qualquer assunto. De acordo com Sieyès, o poder constituinte originário é um poder permanente, que a qualquer tempo pode ser exercido para a elaboração de uma nova Constituição. Em decorrência disso, uma parcela da doutrina considera que os instrumentos da democracia direta, O poder constituinte pode ser classificado como “poder constituinte histórico ou fundacional” ou “poder constituinte revolucionário ou pós-fundacional”. O primeiro diz respeito ao poder responsável pela elaboração da primeira constituição de uma dada comunidade política. O segundo já se reporta às manifestações de ruptura na ordem institucional vigente, a culminar com a elaboração de uma nova constituição. Atualmente, contudo, parte da doutrina tem-se debruçado sobre uma visão oposto à tradicional concepção positivista. Segundo esse pensamento, não se pode admitir que o poder constituinte originário atue livremente na determinação de conteúdo a serem plasmados no texto constitucional. É preciso, pois, limitá-lo materialmente, sob pena de ser considerado ilegítimo. Acorde com esse pensamento doutrinário, tais limitações materiais seriam de pelo menos três ordens: limitações transcendentes (são aquelas que advêm de imperativos éticos, cujo exemplo mais marcante são os direitos humanos), limitações imanentes (são aquelas relacionadas à conformação material, a evidenciar que a identidade do texto magno com os parâmetros históricos revelados pelos textos anteriores) e limitações heterônomas (são aquelas oriundas de outros ordenamentos jurídicos, notadamente no que se refere às normas de direito internacional, que veiculam obrigações a serem observadas no plano do direito interno). 3.2 Poder Constituinte Derivado O poder constituinte derivado é instituído pelo poder constituinte originário, portanto é subordinado e condicionado ao mesmo. O Poder Constituinte Derivado, portanto, não é incondicionado nem ilimitado, pois tem por fonte a Constituição originária e deve respeitar os limites estabelecidos pelo Poder Constituinte Originário. Portanto, caracteriza-se por ser: derivado (provém do poder originário); limitado (está abaixo do poder originário) e condicionado (só pode agir nas condições postas e pelas formas fixadas pelo poder originário). Subdivide-se em: reformador, decorrente e revisor. O reformador modifica as normas constitucionais por meio de emendas, respeitando as limitações impostas pelo poder constituinte originário (artigo 60 da constituição federal). O decorrente é o poder investido aos estados- membros para elaborar suas próprias constituições. Por fim o revisor, tem por finalidade adequar a constituição à realidade da sociedade, conforme o artigo 3º dos ADCT. As Limitações postas pelo poder originário ao instituído podem ser distribuídas em: limitação formal; limitação temporal; limitação circunstancial; limitação material. Há limitação formal, quando se impõe um pequeno rol de legitimados para a apresentação de proposta e um processo mais rigoroso para sua aprovação (Parágrafo 2º do art. 60 da CF/88). A limitação também pode ser temporal, vedando-se alterações durante certo tempo após a vigência da Constituição original. A Constituição do Império (1824), em seu art. 174, vedou a alteração de qualquer de seus artigos durante os quatros anos seguintes à sua vigência. A limitação circunstancial é aquela que proíbe emendas em circunstâncias que indiquem instabilidade institucional, ou seja, durante intervenção federal, estado de sítio e estado de defesa (art. 60, parágrafo 1º, da CF). Por fim, temos a limitação material (matérias imutáveis pelo poder derivado), pela qual nem sequer será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (ou mesmo alterar substancialmente) a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. 3.3 Poder Constituinte: outras espécies Somadas a essas duas formas tradicionais de poder constituinte, doutrinas contemporâneas acolhem a existência de mais duas espécies de poder constituinte, quais sejam: o poder difuso e o poder constituinte supranacional. O Poder constituinte difuso é manifestado mediante as chamadas mutações constitucionais, que podem ser concebidas como mudanças interpretativas no texto da Constituição, sem que haja uma alteração em sua estrutura formal. A norma expressa conservar-se com a mesma escrita, alterando apenas a sua acepção interpretativa. Já o poder constituinte supranacional é um poder de mando superior aos Estados, resultando da transferência de soberania operada pelas unidades estatais em benefício da organização comunitária, permitindo a orientação e regulação de certas matérias, sempre tendo em vista os anseios integracionistas. 4 - EXEMPLOS DE DECISÕES SOBRE O PODER CONSTITUINTE 4.1 Extinção de Tribunal de Contas dos municípios por meio de emenda constitucional estadual: Na ADIn 5.763, (Relator Ministro Marco Aurélio), o STF decidiu que é possível, para o ministro, a extinção de tribunal de contas responsável pela fiscalização dos municípios mediante a promulgação de emenda à constituição estadual. Na ação, a Atricon - Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil questionava emenda feita à Constituição do Estado do Ceará, aprovada em agosto de 2017, que extinguiu o TCM/CE. A entidade de classe argumentou na ação que a EC 92/17 conteria diversas inconstitucionalidades, entre elas o vício de iniciativa, uma vez que a extinção do TCM, transferindo suas competências para o TCE, foi feita sem que o projeto de emenda tivesse sido formulado por nenhuma das duas cortes de contas. Alegava ainda violação aos princípios federativo, da separação de Poderes e da autonomia dos Tribunais de Contas. A autora defendeu também a tese de que a EC 92 é resultado de desvio de poder, diante do suposto abuso no exercício da atividade legislativa pelos parlamentares, pois os deputados estaduais teriam legislado em causa própria ao tentar impedir a atuação da Corte de contas. Para o relator, ministro Marco Aurélio, não havia elementos probatórios suficientes para afirmar que houve desvio de poder de legislar da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, também afastou o alegado vício de iniciativa, pois a Constituição cearense prevê que as propostas de emendas constitucionais podem ser apresentadas por um terço dos membros da assembleia legislativa, pelo governador do estado ou por mais da metade das câmaras municipais. 4.2 Mandatos consecutivos de prefeito e inelegibilidade: No RE 1128439/RN (Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 23.10.2018): O STF decidiu que a vedação ao exercício de três mandatos consecutivos de prefeito pelo mesmo núcleo familiar aplica-se na hipótese em que tenha havido a convocação do segundo colocado nas eleições para o exercício de mandato-tampão. A Turma afirmou que o Poder Constituinte se revelou hostil a práticas ilegítimas que denotem o abuso de poder econômico ou que caracterizem o exercício distorcido do poder político-administrativo. 4.3 Cargo Público e Acumulação Remunerada:Na ADIN 281-MT (Relator Ministro Ilmar Galvão, 5.11.97): O STF decidiu que o art. 37, XVI, da CF — que veda a acumulação remunerada de cargos públicos à exceção dos que indica, quando houver compatibilidade de horários - é de observância compulsória pelo Poder Constituinte dos Estados, à vista do que diz o art. 11 do ADCT ("Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta.") 4.4 Tribunal de contas e autonomia municipal Na ADI 346/SP (Relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento em 2.8.2017): o STF decidiu que, embora a autonomia municipal seja princípio constitucional, ela é limitada pelo poder constituinte em inúmeros pontos, como, por exemplo, ao proibir os Municípios de criar suas Cortes de Contas. 6- CONCLUSÃO Concluímos que o estudo do Poder Constituinte é importante para uma melhor compreensão da prioridade dos ordenamentos jurídicos. Esse entendimento é essencial na medida em que observamos que a “força” que atua na motivação primordial do constituinte não se esgota com a finalização da edição do texto constitucional, pois há uma sustentação constituída na expressa vontade do povo. O Poder constituinte é conhecido no conteúdo de nossa Lei Maior como força adquirida do próprio povo, cabendo aos constituintes o dever de elaborar o texto que conduzirá a vida em sociedade. A organização do Estado e os valores maiores que lhe regram a atuação, são provenientes desse texto. A vontade da nação deve estar sempre em primeiro lugar, e é o que se entende no texto constitucional. É a vontade do povo que sustenta e dá legitimidade a nossa Constituição. A partir desse entendimento é que se pode fazer uma precisa e clara análise do dispositivo democrático em sua essência. E isso é o que tentamos apresentar neste trabalho. REFERÊNCIAS: AGRA, Walber de Moura - Curso de Direito Constitucional (2018) BARROS, Renata Furtado - Direito Constitucional (2016) BITENCOURT, Caroline Müller; RECK, Jariê Rodrigues - Direito Constitucional - Teoria, prática, peças e modelos processuais (2017) BULOS, Uadi Lammgo - Curso de Direito Constitucional (2014) LENZA, Pedro - Direito Constitucional Esquematizado (2016) MASSON, Nathália - Manual de Direito Constitucional (2015) MOTTA, Sylvio - Direito Constitucional - Teoria, jurisprudência e questões (2018) GREGÓRIO, César. Poder Constituinte. Disponível em: <https://cesarjrr.jusbrasil.com.br/artigos/533805984/poder-constituinte> Acesso em 25 de Outubro de 2018 Site Migalhas. STF: Emenda que extinguiu Tribunal de Contas dos municípios do CE é constitucional. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI268055,51045- STF+Emenda+que+extinguiu+Tribunal+de+Contas+dos+municipios+do+CE+e> Acesso em 25 de Outubro de 2018 PALAVRAS-CHAVE: Poder Constituinte. Direito. Titularidade.
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