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WEBER, KELSEN, HABERMAS E O PROBLEMA DA LEGITIMIDADE

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WEBER, KELSEN, HABERMAS E O PROBLEMA DA LEGITIMIDADE 
José Renato Gaziero Cella 
Introdução 
 O presente trabalho, que trata de formulações sociológicas de Estado, não 
tem e nem poderia ter a pretensão de abarcar todo o assunto, o que tornou necessária a opção 
dos tópicos abordados. Neste sentido, dentro de uma discussão contemporânea acerca do 
assunto, em especial no que tange ao problema da legitimidade do poder estatal, será abordado 
como os pensadores Weber, Kelsen e Habermas enfrentaram essa questão à luz do Direito. 
 
1. Designações básicas para a compreensão dos pensamentos de Weber e Habermas 
 Max Weber definiu o poder como a possibilidade de impor a própria vontade a 
comportamento alheio, partindo do modelo teleológico da ação: um sujeito individual (ou um 
grupo, que pode ser considerado como um indivíduo) se propõe um objetivo e escolhe os meios 
apropriados para realizá-lo. O sucesso da ação consiste em provocar no mundo um estado de 
coisas que corresponda ao objetivo proposto. Na medida em que tal sucesso depende do 
comportamento de outro sujeito, deve ter o ator à sua disposição meios que induzem no outro o 
comportamento desejado. É essa capacidade de disposição sobre meios que permitem 
influenciar a vontade de outrem que Max Weber chama de poder. 
 Numa visão mais moderna, Hannah Arendt e posteriormente Habermas 
apropriou-se deste conceito, reservando para tal caso o conceito de violência. Por que o sujeito 
de ações instrumentais, interessado exclusivamente no êxito de sua ação, deve dispor de meios 
graças aos quais pode forçar um sujeito com capacidade decisória, seja pela ameaça de 
sanções, seja pela persuasão, seja por uma manipulação hábil das alternativas de ação? 
Segundo Arendt o “poder significa aquela probabilidade de realizar a própria vontade, dentro de 
uma relação social, mesmo em face de resistência”. 
 Weber analisa o poder como potencial para a realização de fins, ao nível da 
teoria da ação. O modelo teleológico da ação do qual Weber considera atores orientados para o 
próprio sucesso e não para o entendimento em que os participantes os vêem como 
funcionalmente necessários ao próprio sucesso. Segundo Habermas, tal entendimento, 
buscando de forma unilateral sob a reserva da instrumentalização para o próprio êxito, não pode 
ser levado a sério: não preenche as condições de um consenso alcançado de forma não-
coercitiva. 
 Em suma, Hannah Arendt e Habermas concebem o poder como faculdade de 
alcançar um acordo quanto à ação comum, no contexto da comunicação livre da violência. 
Habermas e Arendt partem também de outro modelo de ação — o comunicativo. Segundo 
Arendt “o poder resulta da capacidade humana, não somente de agir ou de fazer algo, como de 
unir-se a outros e atuar em concordância “com eles”. O fenômeno fundamental do poder não 
consiste na instrumentalização de uma vontade alheia para os próprios fins, mas na formação de 
uma vontade comum, numa comunicação orientada para o entendimento recíproco. 
 Para Habermas o “poder” significaria, então, o assentimento dos participantes 
mobilizados para fins coletivos e, portanto, sua disposição de apoiar e liderança política; a 
“violência” significaria a faculdade de dispor sobre os recursos e meios de coação, graças aos 
quais uma liderança política toma decisões obrigatórias e as executa, a fim de realizar objetivos 
coletivos. 
 Com grande ironia, Weber e os teóricos críticos da primeira geração 
concluíram que a prisão em que o homem contemporâneo leva sua monótona existência, 
despojado de todo sentido cósmico e dignidade moral, submetido aos caprichos impessoais da 
burocracia, era nada menos do que a trágica realização de uma aspiração nascida nos tempos 
em que a razão ainda era considerada fiadora universal de um mundo de sujeitos autônomos. O 
que parece escandaloso nesse diagnóstico tem menos relação com sua rejeição liminar do 
“progresso cientifico” — quimera que de qualquer forma já deveríamos ter abandonado — do 
que com a condenação abrangente de tudo o que é racional. 
 Weber usa o conceito de racionalidade numa ampla variedade de contextos 
para se referir a certos aspectos da ação, decisão e visão do mundo sintetizadas. Como 
característica da ação, a racionalidade pode se referir tanto ao cálculo racional-propositado dos 
fins, com respeito a determinadas preferências (racionalidade da decisão) e meios eficientes 
(racionalidade instrumental) como à racionalidade do valor – “formulação de valores últimos 
governando a ação e a orientação consistentemente planejada dos pormenores do seu rumo até 
atingir esses valores”. 
 Algumas vezes, Weber justapõe o formalismo frio da pura racionalidade 
propositada, que envolve sempre um cálculo impessoal e em larga medida quantifícavel das 
conseqüências, e a obrigação substantiva, altamente pessoal e racional em termos de valor. 
 Contudo, quando Weber discute o potencial legitimizador das ações racionais 
pelo valor, distintas das ações afetivas (motivadas pela emoção) e tradicionais (motivadas pelo 
hábito), ele implica incisivamente que a racionalidade de valor consiste na dedução de máximas 
práticas dos princípios universais — e nessa medida formalizáveis ou processuais — de 
eqüidade e de justiça do tipo articulado, p. ex., no direito natural. Ou mesmo quando aborda “o 
número infinito das possíveis escalas de valor”, com respeito à “racionalidade dos objetivos 
substantivos”. Vale notar, naturalmente, que Weber nunca chegou ao ponto de igualar o direito 
natural ou ética dos objetivos últimos com formas de racionalidade puramente processuais – 
nem poderia fazê-lo, dada sua crença firme no status subjetivo dos compromissos com os 
valores, de modo geral. 
 A racionalidade só se torna uma característica da ação depois de incorporada 
às estruturas de personalidades, interpretações culturais e instituições sociais. 
 Racionalização é o termo utilizado por Weber para designar o processo pelo 
qual essa transformação é efetuada, ou seja, racionalização cultural denota um conjunto 
complexo de eventos abrangendo a progressiva fixação, diferenciação e formalização das 
esferas de atividade relacionadas com o valor, a mais fundamental das quais gravita em torno da 
tríade Kantiana da verdade (conhecimento), legalidade ou bem (direito e moralidade) e beleza 
(arte e gosto). 
 No ocidente a racionalização cultural era sinônimo da secularização da 
perspectiva judaico-cristã. Weber assinala o ”desencantamento” da natureza, que passou a ser 
vista como o contexto puramente objetivo da redenção da humanidade em função de divindade 
ética transcedente. Portanto o “desencantamento”, ou a secularização devem ser interpretados 
como a grande força libertória que preparou o caminho para a sociedade moderna, emancipada. 
Para Weber, o evento singular decisivo a preparar o caminho para a sociedade moderna foi sem 
dúvida a separação da ética e do direito - separação entre si e de ambos com relação ao 
costume religioso. 
 Na sociedade moderna - que para Weber quer dizer sociedade capitalista - a 
economia, o Estado e as famílias se encontram segregados em domínios relativamente 
autônomos, com seus próprios valores. Com a institucionalização da propriedade privada e o 
direito contratual, surge uma economia de mercado. O núcleo organizacional do Estado 
moderno, a administração burocrática, utiliza as mesmas técnicas que as empresas privadas 
para garantir seu monopólio do emprego da força na manutenção da lei e da ordem. 
 A teoria da racionalização, para Habermas, está na descentralização racional 
da consciência que permite aos atores adotar atitudes diferentes com respeito a diferentes 
domínios da realidade dando a Habermas os pontos de referêncianecessários para construir um 
modelo não-seletivo da racionalização social. 
 Este modelo descreve os sistemas de ação racionalizável que não devem ser 
"subordinados a leis intrínsecas às ordens de vida heterogêneas" se a institucionalização das 
três esferas de valor visar prosseguir em direção ao equilíbrio saudável. Em contraste, há um 
modo de racionalização seletivo quando pelo menos um dos três elementos constitutivos da 
tradição cultural não é cultivado sistematicamente, ou quando pelo menos uma esfera de valor 
cultural é insuficientemente institucionalizada sem um efeito estruturador para o conjunto da 
sociedade, ou quando pelo menos uma esfera de vida prevalece a tal ponto que subordina 
outras ordens de vida sob sua forma estranha de racionalidade. 
 Considerações de natureza política desempenham papel decisivo no 
pensamento weberiano, mesmo em suas elaborações teóricas mais abstratas. O seu esquema 
analítico é reconstruível com base na íntima associação entre a categoria básica de sujeito 
agente e a idéia de soberania. 
 O tema de soberania é nuclear em Weber, de modo geral. Ela dá conteúdo à 
sua ênfase nas idéias complementares e decisivas de luta entre portadores de interesses e 
valores incompatíveis e de dominação, como uma relação estabilizadora de formas de 
sociabilidade num contexto de apropriação diferencial de recursos materiais e simbólicos 
escassos. Ela informa também a ênfase weberiana no agente, este não é visto como já dado 
mas como constituído (no plano substantivo) e construído (no plano metodológico, como objeto 
de análise). No que diz respeito à constituição efetiva do agente social, trata-se essencialmente 
de um processo específico de luta - agentes capazes de dar início a processos de ação. 
 Reaparece a idéia de soberania mencionada antes: analogamente ao que 
ocorre no plano internacional, no processo de efetivação do Estado Nacional (grande 
preocupação substantiva de Weber no contexto alemão) a sociedade, concebida pelo viés 
político, é a arena da constituição conflitiva e problemática de agentes sociais capazes de tomar 
e implementar decisões e de definir linhas de conduta. 
 Essa luta pela constituição de sujeitos vincula-se à dominação e 
condução de outros, mediante a apropriação diferencial de recursos materiais e simbólicos 
escassos e pela sua legitimação - é a capacidade de levar a bom termo um processo de 
formação de identidade, e de sustentá-la. 
 Em “Faticidade e Validade” Habermas esclarece como a tensão entre os fatos 
sociais e sua validade normativa se desenvolve no campo do direito e do poder, incluindo-se 
suas formas de institucionalização na sociedade e no Estado de direito. Na era do pensamento 
pós-metafísico, fatos históricos ou sociologicamente constituídos são constantemente 
repensados e reconstruídos normativamente com auxilio das constituições, das leis e das 
sentenças dos tribunais, que deste modo interferem na prática cotidiana. Ao lado da 
"normatividade" do Legislativo e do Judiciário, o poder executivo aplica (bem ou mal) as leis em 
vigor, estruturando a realidade social. 
 A normatividade da lei, internalizada pelos atores, gera expectativas sociais, 
que se traduzem em ações sociais. Essas, longe de serem espontâneas ou resultantes de 
processos comunicativos autênticos, resultam da legalidade do poder racional instituído. 
 A complicada dialética entre “faticidade” e “validade” subverteu a relação 
entre “legitimidade” e “legalidade”, claramente distinguido por Weber. 
 Para Weber, a “legitimidade” de uma ordem social podia alimentar-se de 
várias fontes (a afetividade, a tradição, o uso, o direito), fornecendo o fundamento indispensável 
para a “legalidade”. Esta, por sua vez, dependia da lei escrita, bem como de instituições 
competentes para implementá-la, através de quadros administrativos, policiais e militares. Em 
Weber há uma seqüência natural e lógica entre os antecedentes (legitimidade) e os 
conseqüentes (legalidade). 
 Habermas dá um giro de 180º, uma espécie de normative turn, e argumentará 
que a ordem institucional legal (legalidade) cria, em sociedades modernas, a legitimidade da 
ordem, desde que atendidos certos critérios democráticos, a legitimidade depende da ordem 
legal, do direito discursivo e do poder democrático institucionalizado. Para que essa ordem tenha 
“validade” social e seja efetivamente “legítima” ela precisa ter elaborado as suas leis 
(constituição, legislação comum), as normas de sua aplicação (administração pública) e as 
formas de seu controle (judiciário), pelas vias argumentativas, que caracterizem os “discursos” 
teóricos, éticos e práticos. 
 Assim, a tensão entre “faticidade” e “validade” se complica porque Habermas 
não inverte simplesmente a relação entre “legitimidade” e “legalidade”, postulado por Weber. 
Habermas substitui esses conceitos mais complexos, ligados um ao outro por relações 
igualmente complicadas e nem sempre transparentes. 
 A “faticidade” de uma ordem social como o nazismo alemão, por exemplo, 
pode significar simultaneamente que esta ordem seja “legítima” (no sentido weberiano), por se 
tratar de uma ordem em que houve a adesão “afetiva” da maioria dos alemães ao regime de 
Hitler e sua submissão incondicional ao “Führer”. 
 Mas faticidade também significa, neste caso, “legalidade” da ordem social 
estabelecida com a do partido nazista na eleição de 1933, porque o regime nazista reformulou as 
leis da República de Weimar (por exemplo, a legislação anti-semita), baseando-se em um 
sistema jurídico, fixado em lei e garantido pelo governo, democraticamente eleito. Weber não 
teria argumentos “racionais” para contestar a ordem social nazista. 
 Em contrapartida, Habermas tem esses argumentos. A ordem social nazista 
pode até mesmo ter sido “factual” (legal e legítima), mas ela jamais seria “válida”. Pois válida 
somente pode ser uma ordem social cujas normas e leis foram elaboradas democraticamente, 
envolvendo todos os “atingidos” e interessados. Esta mesma ordem social ainda não seria 
considerada “válida”, porque suas normas e leis não podiam - do ponto de vista moral e racional 
- ser consideradas “justas” e corretas para todos e por todos. 
 Além disso, não foram elaboradas por vias argumentativas, criando uma nova 
normatividade, baseada na razão comunicativa. Tampouco, alemães e judeus residentes na 
Alemanha tiveram o direito de participar da elaboração das leis, como não lhes foi concedido o 
direito de escolher os temas que estavam em debate: p. ex., rejeitar a guerra ou exigir um 
tratado de paz depois de Stalingrado. Para assegurar a “validade” de uma ordem social tais 
critérios discursivos precisam ser atendidos, respeitados. 
 Em suma, “faticidade” refere-se a uma realidade social oriunda simultaneamente de 
duas fontes: (a) de processos históricos e sociais “espontâneos”, cuja normatividade pode ser 
atribuída ao sentimento comunitarista e à tradição; e (b) de práticas normativas, deduzidas da 
legislação vigente. Tal faticidade somente teria “validade”, ética e jurídica, se as normas e leis 
que a regem tivessem sido elaboradas segundo normas e critérios discursivos. 
 Habermas reconhece que ainda não existe hoje em dia nenhuma ordem 
social efetiva que tenha “validade”, no sentido discursivo que lhe atribui o autor. Ou seja, as 
sociedades democráticas vigentes, que sem dúvida têm “faticidade”, ainda não atendem a todos 
os critérios democráticos, a todos os princípios discursivos e racionais exigidos para constituir 
uma ordem normativa. 
 Esta ordem normativa alimenta-se, contudo, de elementos históricos e 
empíricos, na medida em que, por um lado, origina-se do "mundo vivido", do qual deduz seus 
princípios e, por outro,nele interfere, remodelando-o à base de seus elementos normativos, 
jurídicos. Por isso Habermas é até certo ponto otimista: acretida que as sociedades ocidentais 
(leia-se européias e norte-americanas) já se aproximam bastante da norma ideal. 
 Habermas no seu livro “Faticidade e Validade” introduz no último capitulo a 
questão feminina, como ela é tratada hoje nos EUA, como exemplo prático. A igualdade e a 
justiça entre os gêneros nos campos da educação, da profissionalização, no mercado de 
trabalho, no exercício da sexualidade, etc.; estão longe de ser realidades factuais. Mas graças a 
uma institucionalização crescente dos direitos humanos, de leis igualitárias para homens e 
mulheres, implementadas graças à luta cotidiana das mulheres, a realidade factual da 
discriminação vem se transformando em uma realidade factual da equiparação em todos os 
campos e arenas sociais. Esse fato novo está se transformando em realidade graças à 
existência de leis justas e igualitárias, discursivamente construídas. Produz-se, desta forma, uma 
“faticidade” nova, que corrige as distorções históricas e sociológicas seculares que 
desprivilegiavam as mulheres. 
 O mesmo estaria ocorrendo com os negros, os latino-americanos, os gays e 
outros grupos sociais outrora discriminados. Em todos esses casos, a legalidade discursiva 
estaria tornando possível a legitimidade das reivindicações das antigas minorias. 
 Entre os assuntos mais abordados por Habermas, estão as teorias 
sociológicas, teorias do direito, teorias lingüísticas, teorias do Estado (em particular do Estado de 
direito), sociologia política, sociologia da comunicação, a dialética do público e do privado, 
questões da formação do povo, o direito das minorias, a ação da sociedade civil, o poder do 
príncipe e o poder das massas, jurisprudência e jurisdição. 
 O que une todos esses assuntos, com vistas à reconstrução de uma teoria 
discursiva do direito, é a própria categoria do “direito” (Recht). Trata-se de uma força integradora 
que reunifica e harmoniza o “mundo vivido” com a esfera “sistêmica” da economia e da 
administração, impedindo que essa esfera ameace a integridade do mundo vivido, colonizando-
o. 
 Em sua função integradora, o direito regulamenta ainda os excessos da 
economia e do poder, instrumentalizando-se para ordenar o que os mecanismos de integração 
sistêmica já não conseguem mais controlar: a motivação e a disposição interna dos atores em 
contextos políticos, sociais e cotidianos. 
 Assim como o direito atua de forma ordenada nos subsistemas do poder e da 
economia das modernas sociedades, ele também regulamenta, equilibra e ordena as emoções e 
expectativas dos atores em contextos cotidianos do “mundo vivido”. As expectativas de ação e 
integração entre os atores passam a ser formas internalizadas de sistemas normativos e legais, 
introduzidos por vias argumentativas, e aos quais os atores aderem por convicção e 
convencimento. 
 Em suma, o direito assume um estatuto comparável ao do “Espírito” (Geist) 
na obra de Hegel. O direito ainda é a categoria que aproxima a “faticidade” da “validade”, como o 
autor procura demonstrar no caso da luta feminista norte-americana. O direito redefine e 
remodela histórica e normativamente a relação complicada entre “faticidade” e “validade”, entre 
os fatos e normas, aproximando essas duas categorias fundamentais. 
 Barbara Freitag, num artigo da “Folha de São Paulo”, “caderno mais!” de 
30.ABR.95 faz a seguinte crítica ao discurso teórico de Habermas: “A insistência de Habermas 
em manter a distinção e forma entre “valores” e “normas” nem sempre é convincente. Enquanto 
as normas, segundo o autor, devem ser submetidas a um procedimento discursivo para 
adquirirem sua validade, os “valores” ficam relegados ao campo do “mundo vivido”, no 
subsistema cultural, de onde não têm condições de se desprender para “validação universal”. Os 
valores pertencem ao campo dos particulares culturais. 
 Fica difícil compreender porque os procedimentos formais de argumentação 
(“discursos”) são possíveis em torno da questão da justiça, sem que o próprio “valor” da justiça e 
da igualdade de tratamento para todos possa ser submetido a uma "validação discursiva", a uma 
“universalização”, parecendo tão artificial e estéril quanto a distinção entre forma e conteúdo. 
 Uma análise e crítica semelhante recai na questão em que Habermas procura 
defender um “conceito processual de democracia” contra um “conceito empírico”, sem contudo 
tocar na questão do “valor da democracia” em seus últimos trabalhos, que mereceria uma 
análise discursiva, no sentido específico que Habermas dá a este conceito. A questão da 
democracia remete à questão da origem da norma. Seriam as normas um “produto” cultivado no 
chão do mundo vivido, das relações cotidianas, das práticas habituais, com o caráter de “regras 
nomotéticas” (como diria Weber)? Ou seriam elas o resultado de processos racionais 
(monológicos ou dialógicos) que emergirem da reflexão de um Rousseau, Kant ou da cabeça de 
especialistas contemporâneos em direito constitucional?" 
 Habermas situa a tensão entre “faticidade” e “validade”, ou entre fatos e 
normas, no contexto da linguagem e da ação comunicativa. Os dois conceitos coexistem sem 
atrito, enquanto nos movimentamos no “mundo vivido”, ou seja, enquanto as relações sociais e 
comunicativas que caracterizam nossa vivência cotidiana não forem problematizadas. 
 As diferentes implicações sociológicas e políticas que um e outro conceito 
podem ter somente vêm à tona quando os atores põem em questão “as pretensões de validade” 
implícitas em qualquer ato da fala, a saber: a veracidade (autenticidade) do locutor, a verdade 
das afirmações feitas e a correção das normas até agora seguidas. Quando um destes 
questionamentos “perturba” a ação comunicativa, suspendendo as relações comunicativas 
“habituais” até então aceitas sem questionamento, inaugura-se uma nova forma comunicativa, 
que Habermas chama de “discurso”. 
 Por vias discursivas, isto é, com base num diálogo empenhado na 
argumentação racional, convincente, visando o entendimento e isento de qualquer forma de 
violência interna e externa, a comunicação pode ser restabelecida no cotidiano desde que as 
“pretensões de validade” postas em questão tenham sido reafirmadas e revalidadas 
discursivamente. Em outras palavras: 1.) os locutores convencem seus parceiros da veracidade 
de sua fala, fazendo-a coincidir com suas ações; 2.) os argumentos verdadeiros passam a 
prevalecer, quando eles fundamentam, de forma plausível, as proposições enunciadas; e 3.) as 
normas são revalidadas, quando compreendidas, respeitadas e aceitas por todos os integrantes 
de uma situação dialógica. 
 
 
2. Crítica de Habermas ao conceito positivista de legalidade 
 Após as considerações preliminares acima, já é possível tecer alguns 
apontamentos sobre o tema da “legitimidade”, o qual sempre tem atraído a atenção de juristas, 
filósofos, sociólogos e cientistas políticos, o que, se por um lado denota as suas múltiplas 
facetas, por outro, exige uma definição mais precisa do objeto do presente estudo. 
 Aqui pretendo discorrer sobre a legitimidade do direito positivo moderno. A 
preocupação fundamental do trabalho é levantar algumas questões sobre o fundamento, nas 
sociedades modernas, da legitimidade de uma legalidade em constante mutação. 
 Para levantar tais questões escolhi três autores que abordaram o tema em 
sua obras: Max Weber, Hans Kelsen e Jürgen Habermas. A escolha não é, de forma alguma, 
aleatória. Weber construiu um conceito positivista de legitimidade que permeia todas as 
discussões sobre o tema até os dias de hoje. Tanto é assim, que é com base nele que Kelsen 
examinaa legitimidade na sua Teoria Pura do Direito. Já Habermas representa o contraponto 
dessa teoria, abrindo a cela hermética em que Weber e Kelsen haviam trancado o sistema 
jurídico ao se utilizarem de um conceito positivista de legitimidade, para reafirmar a conexão 
entre direito, moral e política. 
 Tendo isso em vista, partirei de uma análise do conceito de legitimidade que 
Max Weber desenvolve na sua tipologia da dominação legítima e de sua aplicação no que diz 
respeito à “dominação legal-racional” (I), prosseguirei apontando sinteticamente a capa jurídica 
que Kelsen dá a este conceito (II), para, em seguida, analisar a crítica central que Habermas faz 
a ele na sua Teoria da Ação Comunicativa (III). Buscarei então descrever em largos traços e 
proposta de Habermas para uma leitura do fundamento de legitimidade do direito positivo 
moderno (IV), finalizando com breves apontamentos de algumas implicações que traz consigo 
esta releitura (V). 
 É preciso ainda deixar claro que não tenho a pretensão de realizar aqui uma 
análise detalhada do tema, o que demandaria profundas incursões dentro dos ramos da filosofia 
política, moral e jurídica. Pretendo tão somente esboçar algumas idéias dos autores acima 
elencados que permitam a discussão de certos problemas centrais deste tema já clássico, que 
diz respeito a concepções sociológicas de Estado. 
 
2.1 Max Weber e a dominação legal: construção da legitimidade positivista 
 Em sua obra “Economia e Sociedade”, Max Weber utiliza-se do conceito de 
legitimidade para diferenciar os tipos puros de dominação. Weber parte então da premissa de 
que, em função da classe de legitimidade em que funda uma determinada dominação, as suas 
características básicas, como o seu quadro administrativo e o seu próprio modo de exercício, 
alteram-se. Vê-se então que a legitimidade é tomada como um critério chave para diferenciar os 
tipos puros de dominação. 
 Entendendo por dominação a “probabilidade de obediência a um determinado 
mandato” (Weber, Max, 1997, pág. 171), Weber cunha o seguinte conceito de legitimidade: 
“probabilidade [de uma dominação] ser tratada praticamente como tal e mantida em uma 
proporção importante” (Weber, Max, 1979, pág. 128). Portanto, é pela crença na sua legitimidade 
que uma dominação se mantém independentemente do motivo especifico e subjetivo de cada 
um dos dominados para obedecer aos mandatos que lhe são impostos, é a crença genérica em 
sua legitimidade que repousa a estabilidade de uma dominação. 
 Weber, ao desenvolver a sua tipologia, identifica três possíveis fundamentos 
para a legitimidade da dominação política: a) fundamento racional que descansa na crença na 
legalidade; b) fundamento tradicional que repousa na crença na tradição; c) fundamento 
carismático que se baseia na crença em qualidades especiais de uma pessoa. 
 O fundamento racional identificado por Weber é de especial importância para 
este trabalho, pois é nele em que o autor acredita resistir a estabilidade da dominação legal 
característica de nosso tempo. Seria a crença na legalidad3e que levaria à submissão dos 
dominados a esta forma de dominação caracterizada pela positivação do direito e por um quadro 
administrativo predominantemente burocrático. 
 Com efeito, a idéia básica da dominação legal-racional é de que “qualquer 
direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à 
forma” (Weber Max, 1979, pág. 128). 
 Vemos aqui que Weber, ao fundar a legitimidade da dominação legal na 
crença na legalidade e, portanto, na possibilidade de criação e modificação do direito, está nos 
remetendo a um novo problema: o que é legal? Ora, esta questão de reconhecimento do que 
seja ou não legal torna-se chave para a legitimidade de fundamento racional. 
 Com isto Weber desloca o problema da legitimidade do direito positivo para a 
questão do procedimento pelo qual o direito é produzido e modificado. É o “procedimento formal 
concreto” que vai permitir uma identificação do que é ou não legal e, por sua vez, é a crença 
naquilo identificado como legal que residirá a legitimidade deste tipo de dominação. Portanto, em 
última análise, a pedra fundamental da legitimidade do edifício jurídico moderno, no pensamento 
weberiano, passa a ser a crença em um determinado procedimento que permita a identificação 
do direito. 
 Cabe observar neste ponto que a construção descrita acima traz a 
legitimidade para o interior da legalidade. Na medida em que o direito se auto-legitima por um 
procedimento jurídico formal próprio, dispensa qualquer fundamentação externa a ele mesmo. É 
exatamente sua construção que vai permitir a afirmação da autonomia do direito, que está 
subjacente a toda discussão jusfilosófica do nosso século. De fato, é essa autonomia que é 
muitas vezes invocada para diferenciar o direito moderno do direito antigo e é ela também que 
pode ser apontada como uma das diferenças primordiais entre a dominação legal-racional e os 
outros dois tipos de dominação, tradicional e carismática, ambas dependentes de fatores 
externos ao direito, a tradição e o carisma respectivamente. 
 Justamente esta transformação do problema da legitimidade em um problema 
de procedimento e a conseqüente absorção da legitimidade pela legalidade que vão dar a base 
teórica para que Kelsen dê uma roupagem mais acabada à teoria weberiana. Vejamos como isso 
ocorre. 
 
2.2 A legitimidade positivista na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen 
 Hans Kelsen procura em sua obra Teoria Pura do Direito desenvolver uma 
teoria jurídica “purificada de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência natural” 
e elevar a Jurisprudência a uma “genuína ciência, uma ciência de espírito” (Kelsen, Hans,1984, 
prefácio à primeira edição). 
 Nesta sua busca de uma ciência pura, circunscreve o seu objeto de estudo, 
qual seja o Direito, isolando-o de quaisquer influências externas. O Direito que Kelsen analisa é 
então um direito completamente separado da moral e da política e, portanto clama por uma 
autonomia absoluta. 
 Neste sentido o conceito de legitimidade construído por Weber cai como uma 
luva na teoria pura do direito. Ele, ao mesmo tempo, confere autonomia ao seu objeto de estudo 
e possibilita explicar e justificar o dinamismo deste objeto. A teoria positivista de Kelsen leva ao 
extremo a proposta weberiana, acabando por demostrar algumas distorções. 
 Kelsen define o princípio da legitimidade como “o princípio de que a norma de 
uma ordem jurídica é valida até a sua validade terminar por um modo determinando através 
desta mesma ordem jurídica, ou até ser substituída pela validade de uma outra norma desta 
mesma ordem jurídica (Kelsen , Hans, 1984, pág. 290). Assim, vemos que, novamente, o 
problema da legitimidade de um ordenamento jurídico se coloca na questão do procedimento. 
Mais ainda, na definição de Kelsen o procedimento encontra-se claramente no interior da ordem 
jurídica, pois ele deve necessariamente ser determinando por ela própria. Observa-se que a 
legitimidade fica equiparada à legalidade: tudo que é legal, isto é, que cumpre o procedimento 
determinado pela ordem jurídica, é também legítimo. 
 Kelsen percebe, contudo, que este conceito de legitimidade só se aplica em 
uma ordem jurídica estável1, o que o leva a examinar a situação limite de uma revolução, em que 
o poder instituído é subjugado e substituído pelo poder revolucionário, podendo este modificar a 
Constituição, ou mesmo substituí-la. Nesta situação, observa o autor, a norma fundamental, que 
serve de fundamento de validade para todas as outras é substituída por uma nova, modificando 
portanto o fundamento de validade de toda a ordem jurídica. Se a nova Constituição modificao 
procedimento pelo qual se dá a produção de normas válidas, surge então a questão das normas 
que haviam sido produzidas sob a égide da antiga Constituição, mas continuam sendo válidas, 
pois, como acontece em geral nestas revoluções, grande parte do edifício jurídico fica intacto. A 
resposta a esta pergunta é dada da seguinte forma: há apenas uma mudança no fundamento de 
validade, as normas antigas continuam com o mesmo conteúdo mas sob um fundamento de 
validade novo, a nova Constituição. 
 Ao constatar a possibilidade de coexistirem normas produzidas sob 
procedimentos diferentes (sob fundamentos de validade distintos) e a possibilidade de extinção 
de normas pelo modo determinado por uma ordem jurídica diversa da que havia instituído as 
mesmas normas, torna-se impossível sustentar que a legitimidade está exclusivamente ligada ao 
procedimento. Kelsen acaba então vendo-se obrigado a introduzir um elemento novo, limitante 
do princípio da legitimidade acima descrito: a efetividade do governo. Daí a afirmação de que “o 
 
1 Devemos observar aqui uma inversão do problema inicial que Weber se propunha a resolver
ao definir a legitimidade como a probabilidade de conversação de um determinado tipo de
dominação. Com o deslocamento do problema para a questão do procedimento, Kelsen acaba
sendo levado a afirmar que o seu conceito de legitimidade só se aplica a uma ordem
jurídica estável. Vemos assim que o conceito weberiano começa a enfrentar problemas.
governo efetivo, que com base numa constituição eficaz, estabelece normas gerais e individuais 
eficazes, é o governo legítimo do Estado” (Kelsen, Hans, ob. cit., pág. 291). A dominação 
legítima, nesta concepção, passa então a ser aquela efetiva e, conseqüentemente, o 
procedimento só vai exercer o seu papel legitimador da ordem jurídica a partir do momento em 
que estiver fundado num poder efetivo (legítimo e eficaz). 
 O que se pode constatar da construção Kelseniana do conceito de 
legitimidade é uma inversão do problema proposto por Weber. Este propunha uma tipologia da 
dominação que utilizava como critério básico as diferentes classes de legitimidade, sendo esta a 
probabilidade de manutenção de um determinado tipo de dominação. No caso da dominação 
legal, o fundamento da legitimidade é apontado como sendo de ordem racional e identificado 
como “a crença na legalidade”. Para que exista esta crença é necessário, por sua vez, um 
procedimento que identifique o que é e o que não é legal. A partir de então o problema do que é 
legitimo é deslocado para a questão do procedimento que permite fazer esta identificação. 
 Kelsen parte dessa noção para poder afirmar a legitimidade de um sistema 
jurídico autônomo. Contudo, quando leva este raciocínio a uma situação limite (uma revolução), 
o procedimento não serve mais como fator de legitimação. Neste exato momento o fator de 
legitimação passa a ser a efetividade do poder fundante e é desta efetividade que decorre a 
legitimidade do novo poder e a posterior restauração da legalidade2. É importante notar que a 
legitimidade, no sentido procedimental formal que lhe dá Weber, deixa de ser o fator gerador de 
estabilidade da dominação para ser uma conseqüência desta estabilidade que, em última 
instância, é fruto da efetividade do poder político. 
 Com essa distorção o conceito de legitimidade concebido por Weber e 
reafirmando por Kelsen torna-se por demais estreito para compreender o fenômeno jurídico que 
 
2 Tércio Sampaio Ferraz Jr. assume, na sua teoria pragmática da validade, uma mudança do
padrão de validade descrevendo uma oscilação entre o padrão-legalidade e o padrão-
efetividade: “o padrão-efetividade está em uso no momento em que aparece uma nova norma-
origem. Daí para a frente volta o padrão legalidade” (Ferraz Jr., 1993). Esta mudança de
padrão é análoga à questão levantada por Kelsen acima. Contudo, Kelsen não admite uma
mudança de padrão, apenas uma limitação do princípio de legitimidade.
caracteriza a modernidade. É preciso buscar um conceito mais largo que seja capaz de realizar 
esta tarefa. É exatamente isto que busca Habermas. Passarei então a analisar a crítica 
fundamental que Habermas faz a este conceito weberiano em sua “Teoria da Ação 
Comunicativa” (Habermas, Jürgen, 1987) para, a partir daí, tentar esboçar o conceito de 
legitimidade deste filósofo contemporâneo. 
 
2.3 A Crítica de Habermas ao conceito de legitimidade positivista 
 Habermas, em sua “Teoria da Ação Comunicativa”, faz uma análise profunda 
do pensamento weberiano, enfocando a sua obra como um todo e tendo como fio condutor a 
teoria da racionalização social. Mais que uma análise, o capítulo dedicado ao pensamento de 
Max Weber é um “diálogo” em que Habermas identifica certas deficiências e incongruências na 
obra do teórico da ação social. Dentro deste intricado “diálogo” encontramos uma crítica 
veemente de Habermas ao conceito de legitimidade que Weber atribui à dominação legal. 
 Este conceito que, como colocamos acima, é fundamental na crença na 
legalidade, acaba dando origem à concepção de que a legitimação do direito moderno se dá 
mediante o procedimento, concepção esta sobrevivente até os dias de hoje. Habermas aponta 
um paradoxo nesta concepção: “La fe en la legalidad sólo puede crear legitimidad si se supone 
ya la legitimidad del orden jurídico que determina qué es legal” (Habermas, Jürgen, ob. cit., pág. 
343). Ao apontar esta contradição, Habermas está questionando a legitimidade do próprio 
procedimento, pois “la fe en la legalidad de un procedimento no puede engendrar legitimidad per 
se, por la sola virtud de la correccion procedimental del proprio estabelecimiento positivo” 
(Habermas, Jürgen, Ob. cit., pág. 344). Ora, este questionamento é perfeitamente plausível, pois 
assentar a legitimidade do direito no procedimento não resolve o problema, apenas desloca-o 
para o próprio procedimento. Persiste então a indagação do que confere a legitimidade ao 
“procedimento Legitimador”3. Eis aí a questão fundamental com que se depara Habermas ao se 
propor a analisar a questão da legitimidade do Direito moderno. 
 Tentando identificar o que leva Weber a cometer este equívoco, Habermas só 
encontra uma possibilidade: Weber apela para uma tradicionalização secundária do 
procedimento, desconsiderando os pressupostos racionais materializados nas instituições. 
Apesar de ter consciência de que existam fundamentos racionais na instituição do procedimento, 
Weber põe estes fundamentos entre parênteses, acreditando que, uma vez existente o 
procedimento, as pessoas não mais se preocupam com o seu fundamento racional e ele 
transforma-se então numa espécie de tradição. 
 Para Habermas, mesmo nestes casos em que o procedimento sofre um efeito 
de tradicionalização, o que dá o caráter legítimo a uma decisão legal é a confiança nos 
fundamentos racionais subjacentes ao ordenamento jurídico como um todo. Assim, permanece a 
questão da fundamentação racional que, para o teórico da ação comunicativa, permeia todo o 
direito moderno. 
 É justamente repensando a questão da fundamentação racional que 
Habermas vai tentar construir um novo conceito de legitimidade. Um conceito mais largo, capaz 
de compreender a totalidade do fenômeno, deixando de lado os vícios e preconceitos positivistas 
que acabaram levando, acredita ele, a interpretações equivocadas que os justificassem. 
 
2.4 A Legitimidade no pensamento de Habermas: uma releitura do fenômeno jurídico 
 Habermas esboça o seu conceito de legitimidade, ainda que de forma 
inacabada, num trabalho intitulado “como es posible la legitimidad por via de la legalidad?” 
(publicado na revista DOXAde 1988), em que defende a tese de que o direito moderno não se 
 
3 Na realidade este é o problema enfrentado por Kelsen na situação limite exposta acima.
Numa revolução, o que se coloca em cheque é o próprio procedimento. A questão aí é a
mesma: o que legitima o procedimento? Ou, se formularmos de outra forma: qual
procedimento pode ser considerado legítimo? Kelsen não responde a esta pergunta. Ao invés
disso ele introduz o princípio da efetividade como limitante do princípio da
legitimidade. Assim, o problema continua sem resposta.
encontra desconectado da moral e da política. Ao revés, é na relação com moral, limitada pela 
sua relação com a política, que reside a legitimidade do direito positivo característico da nossa 
sociedade. 
 Para construir este complexo de relações, Habermas parte de uma análise do 
direito pré-moderno, em que identifica a coexistência de um direito sacro com um direito profano. 
O direito sacro é o fator que legitima as decisões. Portanto, o príncipe só pode agir dentro do 
âmbito em que está legitimado pelo direito sacro. Este, por sua vez, era incondicionado e 
baseado na crença nas imagens religiosas do mundo que dominavam as estruturas de 
consciência pré-modernas. 
 Esta coexistência do direito profano com o direito sagrado demostra uma 
tensão interna ao direito que persiste até os dias de hoje: aquela entre o seu caráter instrumental 
e o seu caráter não instrumental. O caráter instrumental do direito dizia respeito ao direito 
profano, burocrático e utilizado como meio para atingir objetivos políticos. Já o caráter não 
instrumental era encontrado na incondicionalidade do direito sacro, pressuposto na regulação 
judicial dos conflitos pelo direito burocrático. 
 Contudo, no momento em que ocorre o fenômeno da positivação do direito, 
as imagens religiosas do mundo já estão reduzidas a convicções de ordem subjetiva. Isto faz 
com que o direito sacro não mais sirva como suporte de um direito profano, cada vez mais 
complexo e, a partir de então, em constante mutação. O direito fica desprovido daquele caráter 
de incondicionalidade que conferia legitimidade ao poder político responsável por instituí-lo. 
 Nesta situação, para que o direito não fique reduzido à imposição de 
mandatos de um soberano (redução defendida por todos os seguidores de Hobbes, dos quais 
Austin é o maior expoente), o que levaria a sua absorção pela política e a conseqüente 
decomposição do próprio conceito de política, cumpre buscar um outro fundamento de 
legitimidade que seja capaz de assegurar aquele momento de incondicionalidade antes 
existente. Esta é a busca que Habermas se propõe a fazer. Só assim o direito pode manter o 
caráter de obrigação que antes lhe era conferido pela autoridade do direito sacro. 
 Habermas começa a sua busca de um fundamento para o direito moderno 
observando que, só no momento em que surge uma moral convencional, no sentido que lhe da 
Kohlderg (em que as normas jurídicas são prévias, independentes da situação e vinculantes para 
todos), torna-se possível o surgimento de um poder político organizado por meio de um direito 
coercitivo. Isto porque, acredita Habermas, só no momento em que o poder de fato recebe uma 
autoridade normativa conferida por uma norma jurídica e que tenha este caráter moral e 
convencional (e é neste momento que passa a ser legítimo) pode impor politicamente normas 
jurídicas. 
 Esta constatação leva Habermas a concluir que o fundamento do direito 
moderno só pode estar na sua relação com a moral: “aquel momento de incondicionalidad que 
incluso en el derecho moderno constituye un contrapeso a la instrumentalización política del 
medio que es el derecho, se debe al entrelazamiento de la política y el derecho com la moral” 
(Habermas, Jürgen, 1988, pág.25). Não se trata aqui de uma moral tradicional, fundada em uma 
interpretação mítica do mundo, mas de uma moral convencional, autônoma, que apresenta uma 
racionalidade própria. 
 Nesse sentido, o Direito Natural Racional, superado no século passado 
devido a tamanha complexidade que a sociedade moderna atingiu, foi a primeira tentativa de 
construir este entrelaçamento entre uma moral pós-tradicional4 e o direito, ligando este a 
princípios daquela e colocando-o sobre o pano de fundo de uma racionalidade procedimental (o 
contrato social nada mais é que um procedimento hipotético que justifica moralmente o poder 
exercido através do direito positivo). 
 Aí reside a chave do conceito de legitimidade habermasiano na racionalidade 
procedimental de uma razão prático-moral: “Esta exige que distingamos entre normas y 
 
4 O que Habermas considera como moral pós-tradicional é a moral autônoma, regida por um
critério de racionalidade próprio e fruto do desencantamento das imagens do mundo
descrito na teoria da racionalização social de Weber. Segundo este autor a evolução das
imagens religiosas do mundo leva à autonomização de três esferas de racionalidade regidas
por critérios independentes: a esfera cognitivo-instrumental, a esfera prático-moral e a
esfera estético-expressiva. Sobre isto ver a análise que Habermas faz de Weber na Teoria
da Ação Comunicativa.
princípios y procedimentos justificatórios, procedimentos conforme a los quales podamos 
examinar si las normas, a la luz de los princípios válidos, puedem contar com el asentimiento de 
todos” (Habermas, Jürgen, 1988, pág.29). Esta razão prática tem como núcleo a idéia de 
imparcialidade. Desta forma, a legitimidade do direito só pode ser obtida por meio de 
procedimentos que assegurem a imparcialidade dos juízos (no caso da aplicação das normas) e 
da vontade (no caso da sua produção) por via de uma argumentação que justifique e 
fundamente as normas5. Estes procedimentos devem ser institucionalizados dentro do direito 
positivo permitindo que este comporte discursos morais. 
 Cabe neste ponto a seguinte questão: supondo a aplicação desta justiça 
procedimental para que haja a produção de normas segundo o critério da imparcialidade, o que 
faria com que estas normas precisassem ser institucionalizadas na forma de normas jurídicas, 
impedindo que elas fossem apenas normas morais? Habermas responde a esta pergunta com a 
afirmação de que a moral pós-tradicional possui um déficit motivacional. Isto é, a moral 
autônoma carece daquela conexão com a eticidade concreta característica da moral tradicional. 
Assim, os agentes de uma dada sociedade podem identificar racionalmente (sempre segundo 
uma razão prática) as normas que seguem o procedimento, mas estas não têm aquela força 
motivacional de outrora que os impelia a realizar na prática os seus juízos morais. As normas 
passam a ser exigíveis somente na medida em que aqueles que as cumpram possam esperar 
que todos os outros também ajam na sua conformidade. 
 Aí reside a necessidade da institucionalização jurídica. Para garantir a 
aplicação geral e num prazo fixo das normas relativas a problemas funcionais importantes, 
resolução de conflitos e matérias de maior importância social, faz-se necessária a positivação 
desta norma por um poder político capaz de assegurá-la coercitivamente. Só por esta via pode-
se evitar os problemas de insegurança gerados num complexo de normas puramente morais. 
 
5 Quanto à questão da elaboração deste procedimento apontado como o fundamento da
legitimidade das normas, Habermas aponta as teorias da justiça de John Rawls 1. Kohlber e
de K-O. Apel e dele como exemplos de propostas sérias de um procedimento que permita
analisar questões práticas de um ponto de vista moral. Estas são as teorias
procedimentais da justiça (Habermas, Jürgen, 1988, pág. 39).Neste sentido, o direito complementa a moral, corrigindo a sua debilidade motivacional por meio 
da coerção. 
 Exigindo um poder político que o institua, o direito mostra a sua outra face: o 
seu caráter instrumental. O poder político se utiliza de normas jurídicas, justificadas e 
fundamentadas por meio de um discurso que mescla argumentos morais e políticos, para atingir 
objetivos políticos. Por isso, Habermas afirma que “el derecho se situa entre la política y la 
moral” (Habermas, Jürgen, 1988, pág. 42). 
 Como já ficou esboçado, mais que uma mera complementação da moral com 
o direito, Habermas defende um “entrelaçamento” entre os dois. Este se verifica pela observação 
de que existe uma abertura do direito positivo para argumentações morais que o justifique e 
fundamente. Há aí a migração de uma moral puramente procedimental (despida de conteúdo 
normativo) para o interior do direito. 
 Nesse contexto, ambos (direito e moral) se limitam por meio de 
procedimentos mútuos. Os procedimentos jurídicos deixam um certo espaço para que seja 
realizado o discurso moral (efetuado à luz de princípios válidos que justificam e fundamentam as 
normas), fundamental para a sua legitimação. Contudo, este espaço é modelado pela política. 
São as lutas políticas que determinam quanto deste espaço é ocupado por um discurso moral e 
quanto é ocupado por imperativos funcionais que põem entre parêntesis os princípios morais. 
Enfim, a relação legitimadora entre direito e moral é regulada pela política, que, por sua vez, 
acaba também dependendo desta relação, pois é dela que o poder político extrai a sua 
legitimidade. 
 Com esta intrincada relação entre moral, direito e política que aqui pudemos 
só esboçar, o que Habermas aponta é, segundo as suas próprias palavras, ”la idéia de un 
Estado de Derecho, con división de poderes, que extrae su legitimidade de una racionalidad que 
garantice la imparcialidad de los procedimentos legislativos e judiciais”. Esta idéia funciona como 
um standard crítico que permite avaliar a realidade constitucional. E continua de forma incisiva: 
“esa idea no se limita a oponerse abstractamente (en un impotente deber-ser) a una realidad que 
tan poco corresponde a ella. Antes bien, la racionalidad procedimental (...) constituye (...) la 
única dimensión que queda en que puede asegurarse al derecho positivo un momento de 
incondicionalidad y una estructura sustraída a ataques contingentes” (Habermas, Jürgen, 1988, 
pág. 37). 
 
2.5 Algumas implicações decorrentes da proposta de Habermas 
 A releitura que Habermas faz da questão da legitimidade engrandece de 
forma fenomenal a complexidade do direito moderno. Ao encarar o direito como um sistema 
aberto a questões procedimentais de cunho moral e influenciado profundamente pela política, 
Habermas acaba por trazer para o centro da problemática jurídica questões que os juristas 
positivistas acreditavam não ser da sua alçada. E ainda vai além, recoloca questões que os 
positivistas pensavam ter resolvido. A intenção desse último ponto do trabalho e justamente 
delinear três das questões que a proposta de Habermas traz à tona: a questão da justiça, a 
questão da democracia e a questão da autonomia do direito. 
 A questão da justiça, desde o advento do positivismo, foi relegada à filosofia 
moral e posta entre parênteses pelo conceito positivista, é trazida para o seio da questão da 
legitimidade, tal como posta por Habermas. É por meio de uma justiça procedimental de caráter 
moral, com o seu núcleo fundado na idéia de imparcialidade, que Habermas acredita ser 
possível garantir ao direito moderno a sua autoridade e, conseqüentemente, o seu caráter de 
obrigação. 
 Assim sendo, o jurista moderno, ao estar envolvido com a aplicação e 
produção de normas deverá, sob pena de tornar o direito suscetível a ataques contingentes, 
estar sempre preocupado com a realização deste procedimento de “toma imparcial de decisiones 
colectivas” (Habermas, Jürgen, 1988, pág. 39). Tendo em vista as dificuldades, num primeiro 
plano, de conceber teoricamente um procedimento que assegure esta imparcialidade nas 
sociedades complexas de hoje em dia e, num segundo plano, de aplicá-lo nestas mesmas 
sociedades, está aí um grande desafio para o jurista de hoje: estar sempre questionando o 
procedimento racional pelo qual se dá a fundamentação e justificação das normas. Este 
procedimento permanece sempre aberto a uma crítica racional por meio do discurso e, portanto, 
ele está continuamente sendo reconstruído pelos participantes do discurso. 
 Aqui se apresenta uma segunda questão para a qual a releitura de Habermas 
chama a atenção do jurista moderno: quem são os participantes do discurso? Esta é a questão 
da democracia. Quando o teórico da ação comunicativa coloca numa moral procedimental o 
fundamento da legitimidade moderna, exige conseqüentemente a participação, de alguma forma 
a ser definida pelo procedimento, daqueles que serão atingidos pelas normas criadas ou 
aplicadas. Mais do que isto, “la question de si se ha en juiciado algo desde un ponto de vista 
moral es algo que sólo puede decirse desde la perspectiva de los participantes, pues aqui no hay 
criterios previos” (Ob. cit., pág. 40). Só com a participação de todos no discurso poderá ser 
garantida a imparcialidade que a razão prática exige. 
 Sob este enfoque cabe então a seguinte questão: até que ponto o 
procedimento democrático moderno, fundado em pilares como a regra da maioria e a 
representação política, consegue cumprir o pressuposto de legitimidade apresentado por 
Weber? Isto nos leva a repensar a forma de participação dos indivíduos em uma democracia. 
Como garantir esta “formação discursiva da vontade coletiva”? 
 Estas duas primeiras questões representam bem uma gama de problemas 
muito complexos que surgem ao estabelecer-se uma conexão entre direito, política e moral. 
Além disso, elas recolocam o problema da autonomia do direito em outros termos. Se não se 
pode mais caracterizar o direito como um sistema fechado, cai por terra o conceito de autonomia 
do sistema jurídico defendido pelos positivistas, que estipulava uma independência absoluta do 
Direito a qualquer fator externo a ele. Onde está então a autonomia do direito? Ou deixaria ele 
de ser autônomo? 
 A proposta de Habermas é de que a autonomia do Direito está justamente no 
seu entrelaçamento com a moral e a política. É esta relação entre os três campos que confere ao 
Direito a possibilidade de ser autônomo. É ela que impede que o fenômeno jurídico se dissolva 
ou em puras considerações morais, ou em pura imposição política. Por isso, diz Habermas, 
“autônomo es un sistema jurídico, sólo en la medida en que los procedimentos 
institucionalizados para la legislación y la administración de justicia garantizan una formación 
imparcial de la voluntad y del juicio y por esta via permiten que penetre, tanto en el derecho 
como en la política, una racionalidad procedimental de tipo ético. No puede haber derecho 
autônomo sin democracia realizada” (Ob. cit., pág. 45). 
 Vemos assim que a releitura de Habermas sobre o fenômeno da legitimidade, 
incluída aí a do poder estatal, traz novas e profundas preocupações para o jurista moderno, aqui 
somente esboçadas nas três questões levantadas acima. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica. decisão. 
dominação. São Paulo: Ática, 1993. 
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987. 
______. Como es posible la legitimidad por via de legalidad. in Revista Doxa nº 5, 1988 
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. in Coleção “Stvdivm”, Coimbra: Armenio Amado 
Editora, 1984. 
WEBER, Max. Economia y sociedad. Bogotá:Fondo de Cultura Econômica, 1977. 
______. Os três tipos puros de dominação legítima. in Weber - Sociologia, vol.13, org. Gabriel 
Cohn, São Paulo: Ática, 1979. 
 
	2. Crítica de Habermas ao conceito positivista de legalidade
	2.2 A legitimidade positivista na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen
	2.3 A Crítica de Habermas ao conceito de legitimidade positivista
	2.5 Algumas implicações decorrentes da proposta de Habermas

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