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CAPÍTULO 5 Pigmentações. Calcificações José Eymard Homem Pittella PIGMENTAÇÕES Pigmento (do latim pigmentum = corante, cor) é a designação dacIãâsuõstâncias que possuem cor própria e têm origem, com- posição química e slglllficado biológico diversos, Os pigmentos -acham-se distribuídos amplamente na natureza e são encontrados em células vegetais e animais, nas quais desempenham impor- tantes funções (p. ex., clorofila, citocromos, melanina). Denomina-se pigmentação o processo de formação e/ou acúmulo, normal ou patológiêõ, de pigmentos no organismo. Pigmentação patológica pode representar o resultado de altera- ções bioquímicas pronunciadas, e o acúmulo ou a redução de certos pigmentos é um dos aspectos mais marcantes em várias doenças. Grande número de pigmentos origina-se de substâncias sintetizadas peIOpróprio organismo: sãoos pigmentos endâge- ----nOs:Outros,denominados pigmentos exógenos, são formados no exteriore~..9rYia respiratÓria, digestiva ou paTenteral, penetram ê deposItam-se em diversosorgãos. Pigmentações Endógenas ResultaJ!!, em geral, d~hi~rprodução e acúmulo de pigmen- tos sintetizados no próprio organismo, Podem ser: 1) derivadas da hemoglobina, ou pigmentos hernoglobínicos; 2) melanina; 3) ácido homogentísico; 4) lipofuscina. PIGMENTAÇÕES HEMOGLOBÍNICAS Pigmentos Biliares O principal pigmento biliar é a bilirrubina (Bb), produto final do catabolismo da fração heme da hemoglobina e de outras hemo- proteínas. Embora durante muito tempo não tenha sido associada a nenhuma função aparente, mais recentemente tem-se demonstrado que, em concentrações normais ou discretamente elevadas, a Bb não-conjugada possui ação antioxidante, ou seja, a capacidade de se combinar com radicais livres formados durante o metabolismo celular oxidativo. Além disso, a Bb tem ação moduladora sobre o sistema imunitário, inibindo a proliferação de linfócitos induzida pela fito-hemaglutinina, a produção de IL-2 e a citotoxicidade mediada por células dependente ou independente de anticorpos. Anilton César Vasconcelos Tradicionalmente, são duas as razões para a atenção que os profissionais da saúde dão à Bb. Em primeiro lugar, porque o aumento acentuado dos níveis sanguíneos da Bb não-conjugada," particularmente em recem-nascidOs~aecausãr lesão cerebral .irryv~Lsiyel, morte e, nos casos de sobrevida, seqüelas niu-rolÓ- gicas permanentes. Em segundo lugar, porque OConhecimen~ 'de seu metabolismo é essencial para o diagnóstico de um grande número de doenças, hereditárias ou adquiridas, do fígado ~ do sangue. ~úrbi~s associados ao aumento da produçãode Bb ou a defeito hepático na remoção do pigmento da circulação r~sultam na elevação de seu nível no sangue (hiperbilirruU nemia) e em um sinal clínico muito importante, a icterícia. Além disso, o aumento da excreção de Bb na bile, causado por doenças hemolíticas crônicas, pode levar à formação de cálculos pigmentares, constituídos principalmente por bilirrubinato de cálcio. Por essa razão, para compreender a etiopatogênese das hiperbilirrubinemias, necessário se torna conhecer, resumida- mente, o metabolismo da Bb. FORMAÇÃO DA BILIRRUBINA. Aproximadamente 80% da Bb provêm da hemoglobina livre resultante da hemocaterese, que é a destruição fisiológica das hemácias senescentes, com aproximadamente 120 dias de vida, pelos macrófagos no baço, fígado, medula óssea e, em escala bem menor, em outros locais. Essas células liberam, em média, 8 g de hemoglobina por dia, o que leva à produção de cerca de 500 f.LM de Bb. O restante da Bb origina-se de hemoproteínas hepáticas (p. ex., citocromo P450s, triptofano pirrolase e catalase) e do pool de heme livre. Para que a Bb possa ser liberada a partir da hernoglobina, é necessário que a fração herne, que é um tetrapirrol em forma de quadrado centralizado por uma molécula de ferro (Fe'" -protoporfirina IX), seja primeiro separada da fração protéica (globina) da molécula de hemoglobina; em seguida, abre-se o anel porfirínico do heme por meio de cisão oxidativa pela enzima heme oxigenase, na presença de oxigênio (O,) e NADPH, resultando na formação de monóxido de carbono (CO), redução de Fe" para Fe+++e biliverdina (pigmento tetrapirrólico verde). A biliverdina é rapidamente reduzida para Bb por ação da bilieerdina redutase, uma fosfoproteína na qual a fosforilação é essencial para a sua atividade enzimática. TRANSPORTE tO SANGUE. A Bb é lançada na circulação sob a forma insolú el, não-ionizada (diácida) e ionizada (mono e diânion); é deno inada bilirrubina não-conjugada. Por ser insolúvel em solúções aquosas, a Bb não-conjugadanão pode. ser eliminada diretamente. Para isso, depende da sua conjugação com o ácido glicurônico nos hepatócitos, que forma compostos hidrossolúveis que facilitam sua excreção. No plasma, cerca de 91% da Bb não-conjugada é transportada ligada à albumina, en- quanto os 9% restantes são carreados ligados à apolipoproteína D. Em situações de hemólise grave em recém-nascidos, prematuros e/ou com acidose e hipoxemia, quando os níveis plasmáticos ultrapassam 300 u.Mzlitro, a Bb não-conjugada, ligada ou não à albumina, pode atravessar a barreira hematoencefálica ainda não completamente desenvolvida ou lesada por injúria hipóxico- isquêmica e causar lesão neuronal irreversível, resultando em seqüelas neurológicas. A lesão neuronal causada pela Bb parece depender, em parte, de mecanismo excitotóxico mediado pelo receptor N-metil-D-aspartato. A impregnação do tecido nervoso pela Bb pode ser identificada macroscopicamente como áreas de cor amarelo-ouro em diversos núcleos cerebrais, cerebelares e do tronco encefálico, fenômeno denominado kernicterus ou icterícia nuclear (do alemão Kern = núcleo). CAPTAÇÃO E TRANSPORTE PELOS HEPATÓCITOS. Na membrana plasmática sinusoidal do hepatócito (pólo basal), existem sistemas transportadores independentes de sódio para diversos ânions orgânicos, como a Bb e a bromossulfoftaleína (bilitranslocase, proteína ligante da Bb/bromossulfoftaleína e proteína ligante de ânions orgânicos). A captação dos ânions orgânicos parece ser modulada pelos hormônios sexuais, espe- cialmente pelos estrógenos. Ratas adultas apresentam captação hepática mais eficiente desses ânions, fenômeno atribuído aos estrógenos. Caso o processo seja semelhante na espécie humana, esses fatos poderiam explicar a diferença dos níveis plasmáticos de Bb entre os dois sexos, habitualmente menores nas mulheres. Outros sistemas transportadores (polipeptídeos transportadores de ânions orgânicos) carreiam Bb monoionizada. Não foi ain- da identificado um sistema transportador específico para a Bb não-conjugada. A captação da Bb pelo hepatócito pode ser feita também por difusão passiva através da membrana plasmática sinusoidal. Uma vez atravessada a membrana plasmática, a Bb se liga a duas proteínas do citosol, denominadas ligandina (tam- bém chamada de proteína Y) e proteína Z, e é levada ao retículo endoplasmático liso. Essas proteínas do citosol permitem manter em solução, no meio aquoso intracitoplasmático, a molécula de Bb fortemente hidrofóbica. CONJUGAÇÃO COM O ÁCIDO GLICURÔNICO. Aconju- gação da Bb com o ácido glicurônico, resultando na bilirrubina conjugada, se faz na luz do retículo endoplasmático liso pela ação da Bb uridina difosfato (UDP) glicuronosiltransferase-1A I (Bb UGT-1A1), pertencente a uma farm1ia de 15 enzirnas que catalisam a adição do ácido glicurônico a diversas substâncias li- pofílicas endógenas e exógenas. Inicialmente, a Bb é esterificada com uma molécula de ácido glicurônico e, a seguir, uma segunda molécula de ácido glicurônico é acrescentada à maior parte da Bb monoesterificada. A bile humana normal contém cerca de 70-90% de Bb diesterificada e 5-25% de Bb monoesterificada. A Bb conjugada com duas moléculas de ácido glicurônico, denomi- nada diglicuronato de Bb, é inócua, hidrofílica, solúvel na água e frouxamente ligada à albumina;devido a essas duas últimas Pigmentações. Calcificações 141 características, é excretada na urina quando ocorre aumento excessivo de seus níveis plasmáticos. O processo de esterifica- ção é uma reação covalente que rompe ligações de hidrogênio existentes na molécula da Bb, gerando um produto mais polar, mais adequado para ser excretado na bile. O diglicuronato de Bb corresponde a 5% da quantidade total de Bb. EXCREÇÃO NOS CANALÍCULOS BILIARES. A excre- ção da Bb conjugada para os canalículos biliares depende do transporte da Bb através da membrana canalicular do he- patócito (pólo canalicular ou apical) pela proteína associada à resistência a múltiplas drogas-2 (MRP2), a qual faz parte, com outras cinco, da família de proteínas transportadoras dependentes de ATP. Nos casos de disfunção da MRP2 e de obstrução biliar, uma outra proteína transportadora, a MRP3, localizada na membrana basolateral do hepatócito, transporta a Bb conjugada para o plasma, funcionando como uma rota alternativa para a eliminação de Bb e de outros componentes da bile. Lançada nos canalículos biliares.ia.Bb conjugada flui, através dOsauctos biliares intra e extra-hepáticos, até 'o duodeno. No intestino, sofre a ação-da microbiotaresidente e~ transforma-se em urobilinogênio, que é, em parte, reabsorvido no íleo terminal e reexcretado pelo fígado e, em menor grau, pelos rins, constituindo o ciclo êntero-hepático da Bb. Ainda no intestino, a Bb sofre ação redutora pelas bactérias, formando-se inúmeros compostos intermediários antes da formação do L- estercobilinogênio (t-urobilinogênio). O r.-estercobilinogênio, por auto-oxidação, transforma-se em estercobilina, pigmento responsável pela cor característica das fezes. A diferença entre a Bb não-conjugada e a Bb conjugada foi estabelecida por Van den Bergh e MüIler em 1916, utilizando o diazorreativo ácido sulfanílico diazotado. A Bb conjugada reage rápida e diretamente com o diazorreativo, razão pela qual é chamada de Bb direta; a Bb não-conjugada só reage rapida- mente com o diazorreativo após adição de um solvente orgânico, geralmente álcool etílico, e é denominada Bb indireta. A reação lenta da Bb não-conjugada, sem a presença do solvente orgânico, é explicada pelo fato de o sítio de atuação do diazorreativo se manter quase inacessível pela própria configuração espacial da molécula de Bb; a adição do solvente orgânico quebra as liga- ções de hidrogênio responsáveis por essa configuração espacial e permite rápida reação com o diazorreativo. A Fig. 5.1 ilustra a formação da Bb no macrófago e sua captação, transporte, conjugação e excreção pelo hepatócito. ICTERÍCIA. Éo sinal clínico causado pela elevação dos níveis plasmáticos de Bb acima de 35 -,:lM7litro (hiperbilirrubinemia) e pela sua deposição na pele, esclera e mucosas, e na maioria dos tecidos e órgãos, em especial no fígado e nos rins, nos quais produz coloração que vai do amarelo ao negro, passando por diversas tonalidades de verde. Microscopicamente, a Bb é vista como grânulos ou glóbulos amorfos castanho-esverdeados a negros, evidentes especialmente no citoplasma dos hepatócitos edas células de Kupffer e na luz dos canalículos biliares, onde formam os chamados "cilindros biliares", As causas da elevação da Bb circulante e, portanto, da icterícia são muitas, pois as doenças que a provocam são variadas e de natureza muito diferente. O conhecimento do metabolismo dos pigmentos biliares ou de suas alterações possibilita classificar as icterícias segundo um critério patogenético. Assim, as icterícias podem ser classificadas por: 142 Patologia Geral Hemoproteínas MACRÓFAGO ( Baço, fígado, ) medula óssea. ":F- Blllrrublna PLASMA t Albumlna - Blllrrubina HEPATÓCITO ~~~\~ V Canalículo biIIa lDuodeno Fig. 5.1 Formação da bilirrubina no macrófago e sua captação, trans- porte, conjugação e excreção pelo hepatócito. 1) aumento da produção da Bb, p. ex., nas anemias hemolíticas; 2) redução na captação e transporte da Bb pelos hepatócitos, p. ex., em doenças genéticas; 3) diminuição na conjugação da Bb, p. ex., em doenças genéticas; 4) redução na ~xcreção celular da Bb, p. ex., em doenças genéticas; 5) obstrução na eliminação canalicular intra e extra-hepática da Bb, p. ex., por tumores e cálculos; 6) mais de um mecanismo, como p. ex., nas hepatites e na cirrose hepática. Além disso, é também comum o aparecimento de icterícia no período neonatal imediato, de caráter benigno e transitório, co- nhecido como icterícia fisiológica do recém-nascido, que resulta do aumento do catabolismo do heme e da menor capacidade de transporte (p. ex., baixos níveis de ligandina no fígado neonatal), e da conjugação e excreção da Bb. Hematoidina É constituída por uma mistura de lipídeos e um pigmento semelhante à Bb, desprovido de ferro, que se forma em focos hemorrágicos após degradação, pelos macrófagos locais, de hemácias extravasadas. O pigmento aparece a partir do final da segunda ou terceira semana após o sangramento, sob a forma de cristais de cor que varia do amarelo-ouro, amarelo-alaranjado ou verrnelho-alaranjado a marrom-dourado, constituídos por agulhas dispostas radialmente ou formando pequeninas placas romboidais, esferoidais ou irregulares, cujas dimensões variam entre 2 e 200 fim (Fig. 5.2). À microscopia eletrônica, os cristais de hematoidina são constituídos de uma parte central formada por fendas vazias, provavelmente representando cristais de colesterol, circundadas por agregados de membranas similares à bainha de mielina. É comum a presença de hemossiderina associada à hematoidina. A hematoidina não tem repercussões para o organismo. Hemossiderina É também um pigmento resultante da degradação da hemo- globina e que contém ferro. Representa uma das duas principais formas de armazenamento intracelular de ferro; a outra é a ferritina. A quantidade de ferro no corpo do homem adulto é de aproximadamente 4 aS g. Cerca de 65-70% do ferro corporal está presente na hemoglobina das hemácias; outros 10% encontram-se na mioglobina, citocromos e enzimas que contêm ferro; os 20- 25% restantes são armazenados como ferritina e hemossiderina nos hepatócitos (aproximadamente 40% do ferro armazenado) e macrófagos do fígado, baço, medula óssea e linfonodos. O ferro é vital para todos os seres vivos, pois participa de diversos processos metabólicos, tais como transporte de oxigênio e de elétrons (hemoproteínas) e síntese de DNA (enzilna ribonucleotí- deo redutase). Em razã~ de suaparticipação em diversas funções celulares, é necessário um equilíbrio constante entre absorçãó, transporte, armazenamento e utilização do metal. Por ser alta- mente reativo, o ferro participa na formação de radicais livres de oxigênio (ver nõCãp:-3-;-ReaçãOâê Fenton), os quais peroxidam IÍpídeos, proteínas, DNA e outros componentes celulares. Para evitar esse efeito oxidativo potencialmente lesivo, o ferro em excesso é armazenado e/ou seqüestrado por diversas proteínas, tais como transferrina, lactotransferrina, melanotransferrina, heme, metaloenzimas, ferritina e hemossiderina. A ferritina é formada pela associação da proteína apoferritina com o ferro. A apoferritina é uma proteína de 24 subunidades compostas de dois tipos de subunidades com funções comple- mentares, denominadas cadeias H (heavy) e L (light), formando um envoltório que circunda uma cavidade capaz de armazenar até 4.500 moléculas de ferro. A cadeia H possui um sítio capaz de se ligar ao ferro, com atividade enzimática ferroxidase, a qual o~ o ferro a Fe+++para incorporação do metal no centro daestrutura protéica. A cadeia L contribui para a nucleação e mineralização do ferro, além de estabilizar sua armazenagem por longos perí- odos. A ferritina é distribuída amplamente no citoplasma sob a forma de micelas, identificadas ao microscópio eletrônico como partículas eletrondensas, de cerca de 6 nm de diâmetro, arranjadasem tétrades; é encontrada também nas hemácias, como resíduo de ferritina do eritroblasto. A quantidade de ferritina nas hemácias reflete o balanço entre a oferta de ferro para a medula óssea e a necessidade de síntese da hemoglobina, mostrando-se diminuída na anemia por deficiência de ferro. A degradação da ferritina no citosol resulta em liberação completa do ferro. Quando há oferta excessiva de ferro, a ferritina forma a hemossldertiià. Admite-se que esse processo envolva as seguintes etapas: 1) incorporação da ferritina do citosol sob a forma de agregados pelo retículo Pigmentações. Calcificações 143 Fig. 5.2 Pigmento de hematoidina com diferentes formas, dimensões e cores, em área de hemorragia. endoplasmático liso, constituindo vacúolos autofágicos; 2) fusão dos vacúolos autofágicos coip. lisossomos, formando lisosso- mos secundários (siderossomos); 3) desnaturação seguida de degradação enzimática das proteínas da membrana envoltora e da ferritina; 4) persistência de agregados maciços e insolúveis de ferro, constituindo a hemossiderina. Ao microscópio óptico, a hemossiderina aparece como grânulos intracitoplasmáticos grosseiros, castanho-escuros ou amarelo-dourados. A deposição excessiva de hemossiderina nos tecidos pode ser locãIizada ou sistêmica. A pri-meiTIí.é encontrada nas hemorragia; '(Fíg.).3), em que a hemossiderina é encontrada no interior de macrófagos cerca de 24-48 horas após o início do sangramento (hemossiderose localizada). A transformação progressiva das hemácias extravasadas em hemossiderina na área de hemorragia pode ser evidenciada macroscopicamente nas contusões cutâneas, 1-3 dias depois de sua ocorrência. Logo após um traumatismo, a hemorragia é vista como uma área vermelho-azulada ou negro- azulada, devido à presença de hemoglobina desoxigenada. Com o início da degradação da hemoglobina e da produção da biliver- dina e Bb, a pele adquire tonalidade verde-azulada a amarelada e, finalmente, com a formação de hemossiderina, cor ferruginosa ou amarelo-dourada. A deposição sistêmica de hemossiderina (hemossiderose sistêmica) ocorre em conseqüência do aumento da absorção intestinal do ferro, que ocorre especialmente nas anemias hemolíticas e após transfusões de sangue repetidas. O pigmento acumula-se nos macrófagos do fígado, baço, medula ~ óssea, linfonodos e, mais esparsamente, nos da derme, pâncreas e rins. Em longo prazo, pode haver deposição de hemossiderina. no parênquima de alguns órgãos, como fígado, pâncreas, coração e glândulas endócrinas (Fig. 5.4). Mesmo ocorrendo deposição intraparenquimatosa do pigmento, não há, na maioria dos pa- Fig. 5.3 Hemossiderina no citoplasma de macrófagos em foco de hemorragia antiga. 144 Patologia Geral Fig. 5.4 Hemossiderose hepática. Deposição de pigmento de hemos- siderina nos hepatócitos. . cientes, lesão celular suficiente para provocar distúrbio funcional dos órgãos afetados. Existe uma forma especial de hemossiderose sistêmica, de- nominada hemocromatose primária ou hereditária, na qual há aumento da absorção intestinal do ferro por defeito genético. A deposição excessiva de hemossiderina nos macrófagos, in- terstício e cêlITlas p.arenquimatosas do fígado, pâncreas, pele, ~pófise e coração, além de outros órgãos, produz hipotrofia e !ibrose do parênquima. Esse processo resultã ení cirrose hepá- ~ca, hipotrofia do pâ!1creas exócrino e endócrino, prov_ocando ~te (conhecido como diabete bronzeado, devido à pigmeu- taçao bronzeada da pele nesses pacientes), hipogonadismo e insuficiência cardíaca. A hemocromatose hereditária é doença rara, com início na vida adulta, caracterizada por aumento de três a quatro vezes dos níveis da absorção intestinal diária do ferro e sua deposição progressiva nos tecidos, sob a forma de hemossiderina (a quantidade de ferro atinge 3-5 g/lOO g de tecido seco, contra 0,5-1,0 g em condições normais). Devido à limitada capacidade do corpo humano de excretar ferro, exceto quando ocorre hemorragia, o aumento da sua absorção resulta no acúmulo desse metal em vários órgãos. A absorção do ferro ocorre n~j:osa~!lodenal e é iniciana pela-captação de ferro inorgânico, principalmente em estado ferroso (Fe'") após sofrer redução pela enzimaredutase.férri- ca, sendo feita-através da borda em escova da parte apical da membrana celular do enterócito. Diversas proteínas participam (ia regulação da absorção do ferro. O produto do gene HFE, localizado no cromossomo 6p21.3, uma glicoproteína trans- membranosa similar às proteínas do complexo principal de histocompatibilidade I, situada na face basolateral do enterócito, juntamente com o receptor de transferrina 1 e a transferrina (pro- teína que transporta o ferro no plasma), modulam a endocitose do ferro do plasma, mantendo um pool de ferro no citoplasma do enterócito que, por sua vez, modula a expressão da glicopro- teína transmembranosa transportadora de metal divalente 1 na superfície apical do enterócito, responsável pela absorção de ferro. O aumento desse pool produz diminuição da expressão dessas proteínas e, assim, diminuição da absorção de ferro. O fígado participa também desse mecanismo regulador do ferro de duas maneiras: 1) é o principal órgão de armazenamento de ferro; 2) produz a transferrina e a hepcidina, uma das moléculas reguladoras da homeostase de ferro. A hepcidina é um peptídeo secretado no plasma; sua produção aumenta quando há aumento da taxa de ferro e diminui nos casos de deficiência de ferro ou de aumento da demanda de metal (p. ex., durante a gravidez). Aumento da hepcidina produz diminuição da expressão do trans- portador de metal divalente 1 na superfície apical do enterócito, diminuindo a absorção de ferro. Além disso, a hepcidina induz a internalização da ferroportina, uma proteína transmembranosa presente nos enterócitos, hepatócitos e macrófagos responsável pela liberação de ferro intracelular para o plasma, impedindo sua função transportadora e, em conseqüência, inibindo a liberação de ferro intracelular para o sangue. Na hemocromatose hereditária ocorrem mutações do gene HFE que determinam perda desse mecanismo regulador, resultando na absorção excessiva de ferro da dieta e seu acúmulo em vários órgãos. Admite-se que a proteína modificada impede a associação do receptor de transferrina 1 ao transportador de metal divalente 1, comprometendo a endocitose do ferro transportado pela trans- ferrina, diminuindo os níveis de ferro intracelular e aumentando a saturação de transferrina. Isso resulta em diminuição da secreção de hepcidina pelos hepatócitos e aumento da absorção intestinal de ferro. A mutação mais comum no gene HFE, responsável por mais de 90% dos casos de hemocromatose, que afeta especialmente a população de ascendência norte-européia, é a mutação homozigota C282Y, que consiste na substituição da cisteína por tiro sina na posição 282 da molécula da proteína. Outra mutação, a H63DA, é responsável por pequeno número de casos. A hemocromatose relacionada com o gene HFE é também denominada hemocroma- tose tipo 1 e tem herança autossômica recessiva. Existem, ainda, outras quatro formas de hemocromatose hereditária, não causadas por mutações do gene HFE, denominadas hemocromatoses não- HFE, associadas a mutações em outros genes envolvidos com a homeostase de ferro: (a) tipo 2A (gene hemojuvelina, encontrado no cromossomo lp21); (b) tipo 2B (gene hepcidina, localizado no cromossomo 19q13.1); ambas têm herança autossômica recessi va e início na segunda e terceira décadas, por isso mesmo são conheci- das também como hemocromatose juvenil; (c) tipo 3 (gene receptor de transferrina 2, localizado no cromossomo 7q22), de herança au- tossômica recessi va; (d) tipo 4 (gene ferroportina, mapeado no cro- mossomo 2q32), de herança autossômica dominante. O receptor de transferrina 2 representa uma segunda via de captação de ferro da transferrina pelo hepatócito (a outra é o receptor detransferrina 1). Hematina É um derivado do heme que contém ferro (ferriprotoporfirina IX), resultante da ação de um ácido forte sobre a hemoglobina. Às vezes, forma-se nos cortes de tecidos fixados com formol de pH < 5, e, nesses casos, é um artefato de fixação. É encontrada tam- bém ao redor dos vasos ou em áreas hemorrágicas, originada de hemólise. Aparece como grânulos de cor negra ou negro-azulada, no interstício ou dentro de macrófagos. Após hemólise excessiva ou transfusões maciças, a hematina pode ser encontrada na luz dos túbulos renais. Pode ser obtida in vitro pelo tratamento da hemoglobina com soluções diluídas de ácidos ou bases fortes, quando se apresenta de cor castanha. Pigmento Malárico I Também denominado hemozoína, resulta da~egradaçãO da hemoglobina ingerida pelos plasmódios durante seu ciclo de vida nas hemácias. O processo inicia-se pela ingestão do citoplasma da hemác~·ap t pinocitose, no citóstomo dos trofozoítos, seguida de proteólis nos vacúolos digestivos (lisossomos). Os aminoácidos gerado da globina são utilizados para o crescimento e maturação do parasita. O subproduto heme liberado (ferriprotoporfirina IX) é potencialmente tóxico, podendo resultar em inibição das proteases do vacúolo digestivo, peroxidação de lipídeos, geração de radicais livres e morte do parasita. Após sofrer agregação das subunidades de dímeros de ferriprotoporfirina, o heme é seqüestrado sob a forma de matriz cristalina insolúvel (hemo- zoína), processo esse conhecido como biomineralização ou biocristalização. O mecanismo de formação de hemozoína não está ainda completamente esclarecido, parecendo ocorrer dentro de nanosferas de lipídeos no vacúolo digestivo do Plasmodium, na interface entre o meio aquoso do vacúolo e as nanosferas. O processo de detoxificação específico ocorre em razão de o plasmódio não possuir a enzima heme-oxigenase. O pigmento malárico formado pelo Plasmodium jalciparum é constituído de cerca de 65% de proteínas, 16% de ferriprotoporfirina IX, 6% de carboidratos e pequenas quantidades de lipídeos e ácidos nucléicos. A maior parte da proteína é uma mistura de globina solúvel e desnaturada associada à metaloporfirina. Algumas das drogas utilizadas no tratamento da malária, como a cloroquina, ligam-se ao heme durante o processo de biomineralização, im- pedindo a continuação do processo e a seqüestração de novas moléculas de heme; o acúmulo do heme não-seqüestrado leva, então, à morte do parasita. Com a formação de merozoítas, rompem-se as hemácias e os parasitas são liberados, enquanto o pigmento, sob a forma de grânulos castanho-escuros, acumula-se nos macrófagos do fígado, baço, medula óssea, linfonodos e de outros locais, aí permanecendo por muitos anos (Fig. 5.5). A quantidade de Fig. 5.5 Pigmento malárico nas células de Kupffer na malária pelo Plasmodium falciparum. Pigmentações. Calcificações 145 pigmento nos tecidos aumenta com a duração da infecção. O pigmento malárico é inerte e não-tóxico, mas sua retenção ma- ciça em grande número de monócitos circulantes e macrófagos pode contribuir para a redução da resposta imunitária observada em muitos pacientes. Diversos estudos mostram diminuição ou bloqueio de importantes funções celulares, tais como geração da explosão respiratória, capacidade de realizar a fagocitose, atividade da proteína cinase C, expressão do complexo maior de histocompatibilidade classe Il, distúrbio da maturação de células dendríticas, expressão de CD54 e CDllc e redução dos níveis de interleucina-12 pelos monócitos repletos de pigmento malárico. Além disso, demonstrou-se que o pigmento malárico tem tam- bém efeitos pró-inflamatórios, como aumento do óxido nítrico, ativação da migração de neutrófilos, aumento da atividade da metaloproteinase 9 da matriz (enzima responsável pela degrada- ção de proteínas da matriz, ruptura da lâmina basa! e ativação do TNFa dos monócitos) e ativação do sistema imunitário inato. A hemozoína induz ainda a síntese e liberação, pelos monócitos do sangue periférico e macrófagos, de IL-I f3be IL-lO, e de piróge- nos endógenos, como TNFa, MIP-I a e MIP-I f3,substâncias que poderiam estar relacionadas aos episódios de febre característicos da malária. Para se tentar explicar esse efeito ao mesmo tempo pró- e antiinflamatório, alguns autores sugerem que em pequenas quantidades, no início da infecção, a hemozoína ativa as células dendríticas, enquanto em quantidades maiores, no decorrer da infecção crônica, ela possui efeito supressor. Pigmento Esquistossomótico Origina-se no tubo digestivo do Schistosoma a partir do san- gue do hospedeiro, o qual é ingerido pelo verme adulto como fonte de nutrientes. Proteases do intestino do parasita degradam a hemoglobina em peptídeos, aminoácidos e heme; este forma um cristal de heme similar à hemozoína em gotas de lipídeos extracelulares na luz do intestino do verme. A hemozoína é então regurgitada pelo verme adulto, intermitentemente, na circulação sanguínea do hospedeiro. Forma-se, assim, o pigmento esquis- tossomótico, que se acumula como grânulos castanho-escuros ou negros nas células de Kupffer, nos macrófagos do baço e no tecido conjuntivo dos espaços portobiliares. A deposição do pigmento não traz maiores repercussões para o organismo. MELANINA A melanina (do grego meias = negro), pigmento cuja cor va- ria do castanho ao negro, é amplamente encontrada em peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, bem como nas plantas. A diversidade da cor da pele, cabelos e olhos dos seres humanos e da plumagem das aves resulta em grande parte da distribuição da melanina nesses locais. As impressões visuais da cor da pele são de grande importância nas interações individuais; além disso, a cor da pele é tradicionalmente associada às diferentes etnias humanas. As funções da pigmentação melânica cutânea são proteção contra a radiação ultravioleta B (fotoproteção), ação antioxidante, absorção de calor, cosmética, comunicação social, camuflagem em várias espécies animais (p. ex., peixes e anfíbios) e reforço da cutícula de insetos e parede de células vegetais. A ação fotoprotetora da melanina deve-se à sua eficiên- cia em absorver e dispersar fótons, convertendo rapidamente sua energia em calor. Existem dois tipos de melanina: (a) eumelanina, insolúvel, de cor castanha a negra, com ação fotoprotetora e antioxidante; (b) feomelanina, solúvel em solução alcalina, de cor amarela a vermelha, igualmente com efeito antioxidante. A 146 Patologia Geral cor do cabelo depende da proporção entre eumelanina e feorne- lanina. Assim, o cabelo de cor negra contém 99% de eumelanina e 1% de feomelanina; o de cor castanha e loura contém 95% de eumelanina e 5% de feomelanina; e o de cor vermelha contém 67% de eumelanina e 33% de feomelanina. A melanina é um polímero complexo sintetizado nos mela- nócitos (originados de células precursoras da crista neural e mi- gradas para várias partes do organismo), especialmente na pele, globo ocular e leptomeninge. Além disso, neurônios de algumas regiões cerebrais, como a substância negra, locus ceruleus e nú- cleo dorsal do vago, sintetizam a neuromelanina, um pigmento marrom a negro que representa também um polímero complexo formado de aminocromos. Na pele, os melanócitos estão situados junto à camada basal da epiderme (onde representam cerca de 10% da população celular dessa camada) e na matriz dos folículos pilosos. A biossíntese da melanina (melanogênese) inicia-se a partir da tirosina, originada da hidroxilação da fenilalanina (via fenilalanina hidroxilase). A enzima tirosinase hidroxila a tirosina em 3,4-diidroxifenilalanina (DOPA) e a oxida em dopaquinona, que é o precursor comum da eumelanina e da feomelanina. A eumelanogênese é iniciada pela endociclização redutora da do- paquinona em ciclodopa, a qual sofre uma reação de permuta redox com a dopaquinona, resultando em dopacromo, o precur- sor da eumelanina.A seguir, a dopacromo tautomerase catalisa a isomerização de dopacromo para 5,6-diidroxiindol (DHI) e 5,6-diidroxiindol-2-ácido carboxílico (DHICA), constituindo a eumelanina, após sofrerem polimerização. Na feomelanogêne- se, há adição redutora da cisteína ou glutation à dopaquinona, produzindo cisteinildopa e glutationildopa. Esta última sofre hidrólise pela enzima glutamiltranspeptidase, sendo convertida também em cisteinildopa. Posteriormente, a cisteinildopa sofre oxidação e ciclização, transformando-se em benzatiareno, o qual caracteriza a feomelanina. Das catecolaminas sintetizadas a partir de DOPA, como dopamina, noradrenalina e adrenalina, apenas a dopamina atua como precursora da neuromelanina, através de processo de oxidação. Cada melanócito tem capacidade de sintetizar os dois tipos de melanina, resultando na produção de melanina contendo uma mistura dos dois pigmentos. O equilíbrio entre a formação de eumelanina e feomelanina depende: (1) da presença de cisteína e glutation durante o processo de melanogênese; (2) dos níveis de tirosinase. Altos níveis de tirosinase no melanócito produzem eumelanina, enquanto níveis comparativanente baixos de tirosi- nase e elevados de cisteína e glutation produzem feomelanina. O retículo endoplasmático rugoso dos melanócitos sintetiza a tirosinase, que é empacotada no complexo de Golgi e, a seguir, incorporada em pequenas vesículas delimitadas por membrana. A fusão dessas vesículas com proteínas estruturais derivadas separadamente do retículo endoplasmático rugoso resulta na formação do melanossomo. Na eumelanogênese, as proteínas estruturais formam uma matriz fibrilar ou filamentosa no interior do melanossomo, promovendo a polimerização da melanina em pH ácido. A maturação do melanossomo passa por quatro estágios: no estágio I os melanossomos são constituídos de va- cúolos esféricos sem os componentes estruturais internos e sem atividade da enzima tirosinase; no estágio II a presença de uma proteína estrutural, PMEL17 ou gplOO, determina a transforma- ção do melanossomo do estágio I em uma organela elipsoidal provida de matriz fibrilar com tirosinase funcionalmente ativa e início de formação de melanina; no estágio III a melanina é uniformemente depositada sobre as fibrilas; no estágio IV os melanossomos tornam-se elétron-opacos (pela melanização intensa) e possuem mínima atividade de tirosinase. A proteína relacionada à tirosinase-I está envolvida na estabilização e manutenção dos níveis de tirosinase e na maturação do mela- nossomo. Outras moléculas (proteína P, V-ATPase, SLC24A5 e proteína transportadora associada à membrana) participam do processamento e transporte de proteínas, organização de enzimas, transporte de íons e regulação do pH durante os estágios II e III da formação do melanossomo. O processo de feornelanogênese é similar, porém o feomelanossomo possui forma arredondada e conteúdo elétron-denso e é desprovido de fibrilas. A Fig. 5.6 resume os estágios de maturação do melanossomo e as principais etapas da feo e eumelanogênese. Na epiderme humana, cada melanócito distribui a melanina sintetizada para cerca de 36 ceratinócitos adjacentes. O des- locamento dos melanossomos ao longo dos prolongamentos (dendritos) dos melanócitos depende dos microtúbulos e envolve a participação das proteínas cinesina e dineína. Uma vez atin- gidas as extremidades dos dendritos, os melanossomos fazem movimentos de curta extensão ao longo da rede de actina sob a membrana celular mediante associação com outra proteína, a miosina Va, que se liga aos melanossomos por meio da interação com melanofilina e Rab27a. O mecanismo de transferência da FEOMElANOSSOMO EUMElANOSSOMO Fig. 5.6 Esquema dos estágios de maturação do melanossomo (figura superior) e das principais etapas da feo e eumelanogênese (figuras inferiores). RER = retículo endoplasmático rugoso. CG = complexo de Golgi. PRTIl = proteína relacionada com a tirosinase 1. PTAM = proteína transportadora associada à membrana. TIR = tiro~ina e: GTP = glutamiltranspeptidase. Dopa = diidroxifenilalanina. D = dopa- cromotautomerase. DHI = 5,6-diidroxiindol. DHICA =; .ô-diidroxi- indol-2-ácido carboxílico. PMEL = proteína estrutural. (Adaptado de Sturm et al., 1998; Costin & Hearing, 2007.) melanina d~~elanossomos para o citoplasma dos ceratinó- citos aind~~l está completamente esclarecido, existindo três possibilidades: 1) liberação de melanina dos melanossomos no espaço intercelular por meio de exocitose seguida de fagocitose do pigmento pelos ceratinócitos; 2) fagocitose dos terminais dendríticos carregados de melanossomos pelos ceratinócitos; 3) fusão de membranas celulares com a formação de um poro ou túnel que conecta o citoplasma do melanócito com o do ceratinó- cito, permitindo a transferência de melanina. Nos ceratinócitos, os grânulos de melanina são transportados para a região acima do núcleo, onde absorvem os raios ultravioleta, impedindo que atinjam o núcleo e lesem o DNA. À medida que os ceratinócitos se diferenciam e migram para as camadas mais superficiais da epiderme, os melanossomos são digeridos pelos lisossomos, libe- rando a melanina, que é eliminada junto com as células epiteliais descamadas. A transferência da melanina para os ceratinócitos da epiderme e dos folículos pilosos é uma etapa fundamental, pois a pigmentação da pele e do cabelo é determinada primariamente pela quantidade de pigmento transferido aos ceratinócitos. Em pessoas de cor branca, não-expostas ao sol, melanossomos são encontrados quase exclusivamente na camada basal da epi- derme e, em menor grau, nos ceratinócitos situados acima dessa camada. Nos indivíduos de cor negra, quantidades moderadas de melanossomos são observadas em toda a espessura da epiderme, inclusive na camada córnea. Além disso, nos indivíduos negros: 1) há maior produção de melanossomos pelos melanócitos; 2) individualmente, os melanossomos apresentam maior grau de melanização; 3) os melanossornos são maiores; 4) há dispersão maior dos melanossomos nos ceratinócitos; 5) o índice de de- gradação dessas organelas é menor. Atuam na formação da melanina (melanogênese): 1) produtos de pelo menos doze genes que regulam o desenvolvimento e migração dos melanócitos, o controle da proliferação celular (p. ex., via receptores do crescimento celular), proteínas estruturais do melanossomo, a conversão de tirosina em DOPA e dopaqui- nona (enzima tirosinase) e de dopacromo em DHICA (enzima dopacromo tautomerase), a estabilização e manutenção dos níveis de tirosinase e a maturação do melanossomo (proteína relacionada com a tirosinase-I); 2) diversos hormônios, como o hormônio estimulante do melanócito-« (a-MSH), ACTH, estrógenos e progesterona, além do hormônio concentrante de melanina identificado em algumas espécies de peixes e com ação reguladora sobre a mudança de cor, provocando agregação dos grânulos de melanina nos melanócitos; 3) luz solar, que, através dos raios ultravioleta B, é o principal fator estimulante da produção de melanina na espécie humana, aumentando o número de melanócitos e melanossomos, produzindo maior grau de melanização dos melanossomos e de transferência de melanossomos para os ceratinócitos e aumentando a síntese e o nível de atividade da tirosinase tanto nas formas maduras da enzima quanto naquelas recém-sintetizadas; 4) níveis dietéticos adequados de tirosina e fenilalanina, os quais, quando deficientes, podem resultar em mudança da cor do pêlo de gatos, de negra para castanho-avermelhada ou avermelhada, associada a redução da quantidade de melanina no pêlo. O ACTH e o a-MSH ligam-se ao MSHR (receptor do MSH) na membrana plasmática dos melanócitos e levam a estimula- ção da adenilato ciclase, aumento do AMP cíclico e ativação de cinases, resultando em aumento da atividade da tirosinase, via indução da proteína P e da proteína relacionada com a tirosinase- 1, e na formação de eumelanina. Aação dos raios ultravioleta sobre a melanogênese parece ser mediada pelo aumento da Pigmentações. Calcificações 147 produção de proopiomelanocortina (precursor do ACTH e a- MSH), a-MSH, ACTH e MSHR. São várias as evidências em favor desse mecanismo: 1) os raios ultravioleta B e o a-MSH agem sinergicamente, aumentando o conteúdo de melanina na pele de cobaias e camundongos; 2) injeção de a-MSH ou ACTH em voluntários produz escurecimento da pele, que é intensamente realçado nas áreas expostas ao sol; 3) exposição à luz solar re- sulta em aumento dos níveis circulantes de a-MSH e ACTH em cavalos e seres humanos; 4) pacientes com doença de Addison, caracterizada por produção exagerada de ACTH, apresentam escurecimento generalizado da pele, o qual é mais intenso nas áreas expostas ao sol; 5) radiação ultravioleta B aumenta a síntese e a atividade do MSHR, por meio do aumento da produção de rnRNA para o MSHR e da redistribuição desse receptor para a superfície celular, resultando em aumento da resposta ao a-MSH; 6) os raios ultravioleta B aumentam a produção de a-MSH e ACTH e de rnRNA para a proopiomelanocortina. Hiper e Hipopigmentação Me1ânicas A produção excessiva e a redução da síntese de melanina, respectivamente hiper e hipopigmentação melânicas, são fre- qüentes e originam numerosas doenças, causadas por disfunção de uma ou mais etapas da melanogênese. A hiperpigmentação pode ser produzida por: 1) aumento do número de melanócitos normais e neoplásicos; 2) incremento da melanogênese; 3) produção de melanossomos gigantes; 4) defeito na eliminação da melanina através da epiderme. As lesões hiperpigmentadas mais comuns são as efélides (sardas), os nevos (Fig. 5.7) e os melanomas. Ao lado dessas doenças, diversas substâncias podem causar hiperpigmentação melânica, como medicamentos (sulfo- namidas, hidantoína, cloroquina, levodopa), anticoncepcionais orais, metais pesados (arsênico, bismuto, ouro, prata) e agentes quimioterápicos (cicIofosfamida, 5-fluorouracil, doxorrubicina, bleomicina). A hipopigmentação pode ser congênita (p. ex., albinismo) ou adquirida (p. ex., vitiligo), e é causada por: 1) migração e dife- renciação anormal dos melanoblastos; 2) redução da atividade Fig. 5.7 Pigmento melânico em melanócitos de lesão cutânea hiperpig- mentada (nevo azul). 148 Patologia Geral da tirosinase; 3) estrutura anormal dos melanossomos; 4) dimi- nuição da melanização dos melanossomos; 5) redução da trans- ferência dos melanossomos para os ceratinócitos; 6) aumento da degradação dos melanossomos nos melanócitos. O albinismo representa um grupo de doenças congênitas caracterizadas por hipopigmentação melânica que pode envolver: 1) pele, cabelo e olhos, denominada albinismo oculocutâneo (AOC), de herança autossômica recessiva; 2) apenas os olhos, designada albinismo ocular (AO), de herança recessiva ligada ao cromossomo X. O albinismo oculocutâneo é produzido por mutação no gene da: l) tirosinase, resultando em inatividade da enzima ou redução da sua atividade (AOCl); 2) proteína P (AOC2, o tipo mais comum); 3) proteína relacionada com a tirosinase-I (AOC3); 4) proteína transportadora associada com a membrana (AOC4). Durante o envelhecimento, há perda progressiva da pigmen- tação melânica dos pêlos, resultando na formação de cabelos grisalhos e brancos. Admite-se que cabelos brancos decorram da apoptose, provavelmente mediada por lesão do DNA mitocon- drial pelo estresse oxidativo, resultando em redução acentuada do número de melanócitos no folículo piloso. A formação de cabelos grisalhos decorre da mistura de cabelos pigmentados e brancos, além da diminuição do tamanho e número dos grânulos de pigmento melânico e de melanossomos em folículos pilosos isolados. A cor branca dos cabelos deve-se à reflexão da luz pela ceratina do pêlo. Hipopigmentação melânica dos núcleos do tron- co encefálico que contêm a neuromelanina é uma das alterações patológicas mais evidentes na doença de Parkinson. A perda da neuromelanina nessa doença deve-se à destruição progressiva dos neurônios pigmentados da substância negra, locus ceruleus e núcleo dorsal do vago. ÁCIDO HOMOGENTÍSICO É um pigmento em forma de grânulos de cor castanho-aver- melhada ou amarelada, ocre (de argila, amarelo-pardacenta), que se forma em pessoas com alcaptonúria, também conhecida como ocronose. Essa rara doença, de herança autossômica recessiva, deve-se a mutações no gene que codifica a enzima ácido homo- gentísico l,2-dioxigenase, que degrada o ácido homogentísico (ácido 2,5-diidroxifenilacético), um produto do catabolismo da tirosina; deficiência da enzima impede a degradação do ácido homogentísico, o que leva ao seu acúmulo no plasma e, eletiva- mente, nas cartilagens, pele e tecido conjuntivo, com seu excesso na urina. Quando exposta ao ar durante algum tempo ou na presença de soluções alcalinas, a urina tem cor castanho-escura (alcaptonúria), devido à oxidação do ácido hornogentísico em benzoquinonas, que formam polímeros semelhantes à melanina. Essa alteração de cor da urina representa o principal sinal pre- .coce da doença. A deposição de ácido homogentísico e de seus metabólitos no tecido cartilaginoso da orelha e do nariz, devido à posição subcutânea dessas cartilagens e à sua semitransparência, resulta numa cor negro-azulada à inspeção visual. Mais tarde, pelo acúmulo em outros tecidos, podem desenvolver-se artropatia degenerativa e lesão das valvas cardíacas. LIPOFUSCINA Chamada também de lipocromo, pigmento de desgaste, pig- mento do envelhecimento e ceróide, entre outros, a lipofuscina (do latimfilscus = marrom, portanto Iipídeo marrom) é conside- rada um marcador biológico do envelhecimento celular. A lipo- fuscina aparece como grânulos delicados intracitoplasmáticos, pardo-amarelados, autofluorescentes e PAS-positivos (Fig. 5.8); Fig. 5.8 Pigmento de lipofuscina no citoplasma de células musculares cardíacas. cora-se com alguns corantes dos lipídeos (Sudan e azul do Nilo) e reduz os sais de prata. Ultra-estruturalmente, a lipofuscina é iden- tificada como material eletrondenso circundado por membrana trilaminar lisossômica típica. A composição do pigmento não está ainda completamente definida, parecendo haver grande variação em sua constituição quando analisada por método bioquímico ou citoquímico. A lipofuscina contém principalmente proteínas e lipídeos na proporção de 30-70% e 20-50%, respectivamente, sob a forma de polímeros não-degradáveis derivados da degradação oxidativa de várias macromoléculas celulares, como proteínas modificadas pela adição de carboidratos (glicação), ácidos graxos poliinsaturados, triglicerídeos, colesterol e fosfolipídeos, além de traços de vários metais, principalmente ferro. A autofluorescência da lipofuscina parece resultar da reação entre compostos carbonil (principalmente aldeídos) e amino. Do mesmo modo como o organismo substitui continuamente a maioria das células dos diferentes tecidos e órgãos, as células também renovam suas macromoléculas e organelas lesadas ou que não são mais necessárias. A degradação desses componentes se processa por meio de calpaínas, proteassomos ou autofagoci- tose. Há evidência de que a formação de lipofuscina seja causada pela peroxidação de material previamente autofagocitado no interior de lisossomos. Lesão celular por ação de radicais livres constitui a teoria do envelhecimento pelo estresse oxidativo. Segundo essa teoria, a lesão celular e a formação de lipofuscina seriam, portanto, resultantes da ação de radicais livres (02*, OH*, HP2) produzidos no,metabolismo normal da célula a partir do oxigênio molecular. E bem conhecido o efeito protetor de vários antioxidantes, como a vitamina E, e da ingestão de dieta com restrição calórica (na qual os processos oxidativos são reduzi- dos) na formação da lipofuscina. Deficiência de antioxidantes, como as vitaminas A, C e E, especialmente a última, resulta noefeito oposto. A fagocitose de constituintes celulares (p. ex., mitocôndrias, retículo endoplasmático, proteínas associadas aos microtúbulos, proteínas do citosol), como ocorre normalmente durante a autofagocitose, resulta no acúmulo dessas substân- cias polimerizadas e peroxidadas em lisos somos secr dários, algumas das quais são transformadas gradualment em corpos residuais (pigmento de lipofuscina). A formaçã dos corpos residuais decorre, portanto, do desequilíbrio entre o processo de autofagocitose contínua e a incapacidade da célula de eliminar os resíduos da autoôigestão. A presença e o acúmulo de ~ipofuscina estão na dependência de: 1) aumento da autofagocitose ou da captação celular de material não completamente degradável; 2) redução da síntese e/oú da eficiência das enzimas proteolíticas lisossômicas; 3) diminuição da eliminação de resíduos não-de- gradáveis, por exemplo, por meio de exocitose ou diluição deles através da divisão celular. Resumindo, a lipofuscina acumula-se com o passar do tempo, em razão de que os processos respon- sáveis pela sua formação e acúmulo (autofagocitose e produção de moléculas de oxigênio reativas) ocorrem ao longo da vida. A . Fig. 5.9 resume os principais mecanismos celulares envolvidos na formação da lipofuscina. Com o avançar da idade, a lipofuscina deposita-se espe- cialmente em células pós-mitóticas, como neurônios, células musculares cardíacas e esqueléticas e epitélio pigmentar da retina. Algumas células que permanecem na fase G do ciclo celular em atividade prõliferativa baixa, como os hepatócitos e os astrócitos, também acumulam lipofuscina com o envelheci- mento. As células-tronco e as células progenitoras não acumu- lam lipofuscina porque estão em processo constante de divisão celular, o que resulta em diluição contínua de macromoléculas e organelas lesadas nas células-filhas, impedindo a formação de corpos residuais. As células diferenciadas pós-mitóticas de vida curta, como os ceratinócitos, enterócitos e hemácias, são freqüentemente substituídas e, portanto, também não acumulam quantidades significativas de corpos residuais. Os órgãos afeta- dos pelo acúmulo de lipofuscina sofrem redução volumétrica e ponderal e adquirem coloração parda (hipotrofia parda). Em alguns neurônios motores de indivíduos centenários, a lipofus- cina pode ocupar 75% do volume do pericário. A deposição de lipofuscina nas células musculares cardíacas parece não afetar a função do órgão. Por outro lado, acúmulo de lipofuscina no epitélio pigmentar da retina associa-se à degeneração macular relacionada com a idade, que é a principal causa de cegueira ou distúrbio visual grave em humanos nos países desenvolvidos, Metabolismo celular oxidativo ,[J. Radicais Livres (0;* OH* H202) ~ Autofagocitose de ,__J macromoléculas e organelas Degradação insuficiente pelas enzimas lisossômicas Acúmulo de polímeros não-degradáveis de várias macromoléculas Lipofuscina Fig. 5.9 Principais mecanismos celulares envolvidos na formação da lipofuscina no lisossomo. (Adaptado de Terman e Brunk, 1998.) Pigmentações. Calcificações 149 afetando 10-20% dos indivíduos acima de 65 anos. A retina é particularmente suscetível ao estresse oxidativo devido ao seu alto consumo de oxigênio, elevada proporção de ácidos graxos poliinsaturados e exposição contínua à luz. O pigmento acumula- se também no miocárdio e no fígado de indivíduos desnutridos, particularmente aqueles com caquexia. Pigmentações Exógenas Pigmentos diversos penetram no organismo junto com o ar inspirado e com os alimentos ingeridos, ou são introduzidos por via parenteral, como ocorre com as injeções e tatuagens. As partículas depositam-se, em geral, nos pontos do primeiro contato com as mucosas ou a pele; aí podem ficar retidas ou ser eliminadas ou transportadas para outros locais pela circulação linfática ou sanguínea, ou pelos macrófagos. Dos pigmentos inalados, o mais freqüente é o carvão. Sua deposição causa a antracose, encontrada nos fumantes e em praticamente todo indivíduo adulto ou idoso morador nas grandes ou médias cidades onde exista certo grau de poluição ambienta\. Antracose ocorre também por inalação de fumaça liberada da queima de combustível sólido derivado da biomassa utilizado no preparo dos alimentos nas casas (p. ex., lenha, esterco), condição essa denominada poluição de ar doméstica, pulmão da choupana ou doença pulmonar por particulas adquiridas domesticamente. A poluição de ar doméstica é uma situação comum em áreas rurais e periurbanas dos países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina, representando importante causa de doença pulmonar nessas regiões. Uma vez inalado, opigrnento de car- vãoi fagoci~adoyelos macrófagos alveolares e transportado aos linfonodos regionais. O acúmulo progressivo do pigmento produz "uma coloração negra nas partes afetadas, sob a forma de manchas irregulares no parênquima dos pulmões (Fig. 5.10), na superfície pleural e nos linfonodos do hilo pulmonar. Em trabalhadores de minas de carvão, o grande acúmulo de pigmento nos pulmões pode se acompanhar de fibrose e levar a diminuição considerável Fig. 5.10 Pigmento de carvão na antracose pulmonar. 150 Patologia Geral da capacidade respiratória. A degradação oxidativo-hidrolítica do carvão resulta na formação de ácidos policarboxílicos que lesam os componentes da parede alveolar. A antracose parece ser uma das pigmentações exógenas mais antigas da espécie humana, tendo sido identificada em múmias egípcias. A argiria (do grego argyros = prata) é a deposição de sais de prata nos tecidos, usualmente sob a forma de sulfeto de pra- ta. Quando se deposita nos olhos, é conhecida como argirose. Diversos fatores influenciam a capacidade dos sais de prata de produzir efeitos tóxicos no organismo, como solubilidade do metal, capacidade de se ligar aos diferentes tecidos e grau com que os complexos de proteína-metal formados são seqüestrados ou metabolizados e excretados. Quanto à solubilidade, sabe- se que os compostos de prata orgânicos ou solúveis são mais facilmente absorvidos do que a prata metálica ou os compostos de prata insolúveis. A causa mais comum de argiria localizada é a impregnação mecânica da pele, através das glândulas sudo- ríparas, por minúsculas partículas de prata em indivíduos que trabalham com esse metal (p. ex., trabalhadores de minas de prata, manufatura de jóias, utensílios de prata, processamento de material fotográfico etc.) e, raramente, uso de brincos. Ou- tros procedimentos capazes de provocar argiria localizada são trataniento odontológico em que se utiliza amálgama (mistura metálica de mercúrio e prata), uso prolongado de medicamen- tos tópicos que contêm nitrato de prata ou implantação cutânea de agulhas de acupuntura. Nos casos de argiria sistêmica ou generalizada, provocada pela ingestão ou inalação crônica de compostos de prata solúveis (p. ex., nitrato de prata ou prata coloidal), além da deposição do metal na pele e unhas, grânulos de prata são encontrados em macrófagos dos linfonodos, células de Kupffer, membrana basal dos glomérulos renais e globo ocular (conjuntiva, córnea e retina). Foi relatada argiria sistêmica em dois pacientes submetidos a hemodiálise por mais de 15 anos, possivelmente pela contaminação da água utilizada. As partículas de prata são visualizadas como grânulos arre- dondados negros à microscopia de luz e grânulos fortemente eletrondensos, de contorno arredondado ou ovalado e tamanho variado (30-100 nm) à microscopia eletrônica. São encontradas ao longo da borda externa das membranas basais das glândulas sudoríparas (Fig. 5.11), em maior quantidade na porção glandular quando comparada com a porção ductal, glândulas sebáceas, folí- culos pilosos, junção dermoepidérmica e vasos sanguíneos, bem como em fibras elásticas, ao redor de fibras nervosas mielínicas e amielínicas e macrófagos da derme. A maior quantidadede grânulos de prata na porção glandular das glândulas sudoríparas e sempre ao longo da borda externa da membrana basal sugere que o metal, carreado pelo líquido intersticial que flui dos vasos sanguíneos para a produção de suor, é seqüestrado ao nível da membrana basal, que atua como barreira. Tanto na argiria loca- lizada quanto na sistêmica, a pele afetada tem cor cinza-azulada permanente, mais pronunciada nas áreas expostas ao sol. A luz solar provoca redução dos cômpostos de prata, com formação de prata metálica, a qual é oxidada nos tecidos, resultando em complexos de proteína-sulfeto de prata capazes de estimular a produção de melanina. A argiria é atualmente menos comum do que no passado, em razão da diminuição do uso de medicamentos à base de prata e da redução da exposição ocupacional. A deposição de ouro nos tecidos, condição rara denominada crisíase (do grego khrisós = ouro), é causada pelo uso terapêutico parenteral prolongado de sais de ouro (crisoterapia), como na artrite reumatóide, e após implantação de agulhas de acupuntura. As partículas de ouro, sob a forma de grânulos negros densos e Fig. 5.11 Argiria. Depósito granular de prata na membrana basal das glândulas sudoríparas. (Cortesia do Prof. Tancredo A. Furtado, Belo Horizonte.) irregulares, maiores do que os grânulos de prata, amorfos e em forma de pequenos bastonetes e esferas, são vistas nos fagoli- sossomos dos macrófagos da derme papilar e reticular. Quando tratados com ósmio e acetato de uranila para análise à micros- copia eletrônica, os depósitos de ouro são mais eletrondensos e têm forma estrelada. Sob luz polarizada cruzada, apresentam birrefringência vermelho-alaranjada intensa. A pele tem cor cinza-azulada permanente nas áreas expostas ao sol, notando-se, em correspondência, hiperpigmentação melânica, provavelmente estimulada pela deposição de ouro na derme. Inicialmente, é afetada a região periorbital, estendendo-se progressivamente à face, pescoço e membros superiores. A tatuagem é uma forma de pigmentação exógena usualmente limitada à pele, que resulta da introdução de pigmentos insolúveis na derme, acidental (p. ex., em mineiros) ou propositadamente. No último caso, os pigmentos são inoculados com agulhas para formar gravuras ou inscrições. As tatuagens são permanentes ou transitórias, conforme o pigmento seja introduzido, respectiva- mente, na derme ou no estrato córneo da epiderme. A utilização proposital de tatuagens é observada particularmente em jovens, militares e presos, muitas vezes como um meio de expressar a própria identidade. Para alguns adolescentes e jovens, a expres- são de individualismo e comportamento rebelde é alcançada, inclusive, por meio de tatuagem e piercing. Em diversos grupos populacionais africanos, a tatuagem é empregada com a finalida- de de indicar o status social do indivíduo ou a sua identificação no clã ou na tribo. A tatuagem pode ser utilizada também com finalidades estéticas (p. ex., na face) e para camuflar cicatrizes em que houve perda do pigmento melânico. Em oftalmolog~ tem sido utilizada sob a forma de tatuagem no estroma da córríea (ceratografia) como modalidade de tratamento do leucoma e de outras alterações da córnea, e para correção de anormalidades anatõmicas da íris, muitas delas com repercussões visuais e/ou Absorção intestinal Reabsorção800~\d/ óssec ~f:::r;;.:t:::.=<qn/ Plosrno Calcemia 8,8 a 10.4 mg% / \~ Aposlção ~ ósseo Deposição em tecidos Não-osteáides Sadios - calcificação metastático Lesados - colcificoção distrófica estéticas.zí.lma variante de tatuagem é a empregada durante o proce~~nto de endoscopia gastrintestinal, a cromoendoscopia, na qual substâncias químicas diversas (corantes vitais, nanquim) são utilizadas para identificar tipos específicos de células epi- teliais ou para realçar características da superfície da mucosa gastrintestinal, facilitando o reconhecimento de pólipos dimi- - nutos ou permitindo melhor direcionamento da biópsia, como na doença celíaca e no esôfago de Barrett. A modalidade de tatuagem transitória mais conhecida é a que utiliza hena natural ou mistura de hena com parafenilenodiamina e/ou diaminoto- lueno, substâncias utilizadas para escurecer a hena e acelerar o processo de impregnação da pele pelo corante. A hena é uma planta conhecida como Lawsonia inermis ou Lawsonia alba, cujo princípio ativo encontrado nas suas folhas é a 2-hidroxi- l,4-naftoquinona, amplamente empregada na tintura de cabelo e de roupas à base de couro, seda e lã. A tatuagem com hena é tradicionalmente praticada por muçulmanos e hindus. Nos casos de mistura de hena, tem sido utilizada particularmente por turistas que viajam para países onde essa prática de ornamentação do corpo é comum. A composição química dos compostos utilizados na tatuagem varia amplamente e inclui corantes orgânicos, metais e solven- teso Os elementos mais comumente identificados nas tintas são alumínio, oxigênio, titânio e carbono. O pigmento inoculado na pele é fagocitado pelos macrófagos da derme e, em menor escala, pelas células endoteliais e por fibroblastos, sendo encontrado também na matriz extracelular; discreto infiltrado inflamatório linfocitário é também observado. A reação cutânea à lesão me- cânica produzida pelas agulhas, aos grânulos do pigmento e ao solvente é discreta e passageira. Há casos, entretanto, de reação alérgica aos pigmentos introduzidos na tatuagem, usualmente pigmentos vermelhos à base de sais de mercúrio e cádmio, e corantes azoaromáticos. Uma pequena quantidade do pigmento é transportada pelos linfáticos locais aos linfonodos regionais, onde é fagocitado pelos macrófagos. Quando inoculados na córnea, os pigmentos são fagocitados pelos ceratinócitos. Nos indivíduos com tatuagens extensas, pode haver linfadenomegalia. Caso não Dieto \600 o 1.000 mg Ca/dio Excreção do Ca Fecal- 760mg/dio Urinária - 100 o 300 mg/dio Pigmentações. Calcificações 151 sejam tomadas medidas cuidadosas de esterilização das agulhas, o procedimento de tatuagem pode transmitir diversos agentes infecciosos, virais e bacterianos. A existência de tatuagens em doadores de sangue aumenta o risco para transmissão de doenças infecciosas como hepatites virais B e C e sífilis. Pode haver tam- bém transmissão do HIV, embora não haja ainda comprovação. Além disso, a tatuagem pode ser causa de estresse psicológico, social e financeiro nos indivíduos submetidos a esse procedimen- to e que, posteriormente, desejam sua remoção, com a finalidade de melhorar a própria imagem ou devido a estigma social. Nos indivíduos que utilizam a mistura de hena, as substâncias usadas na mistura, particularmente o parafenilenodiamina, podem causar dermatite de contato. CALCIFICAÇÕES O corpo humano adulto possui entre 1 e 2 kg de cálcio, dos quais 99% estão localizados no esqueleto e dentes, na forma de fosfato básico de cálcio ou hidroxiapatita. A cada dia, cerca de 500 mg de cálcio são mobilizados dos ossos pela osteólise osteocítica e redepositados no novo tecido osteóide aposto. A quantidade de cálcio necessária na dieta muda ao longo do tempo. Necessita-se de mais cálcio durante a fase de crescimento para consolidar o esqueleto, de um pouco menos durante a fase adulta e de um pouco mais na idade avançada para prevenir a osteopenia. Em uma dieta normal, ingere-se de 600 a 1.000 mg de cálcio por dia, e a maior parte é excretada pelo tubo intestinal (cerca de 760 mg/dia), pelos rins (100 a 300 mg/dia, proporcional à na- triurese) e pelo suor. A absorção do cálcio se faz no duodeno por transporte ativo dependente de proteínas, e é inibida quando há deficiência de vitamina D, uremia, ou excesso de ácidos graxos. A calcemia normal fica entre 8,8 e 10,4 mg% (2,2 a 2,6 mM) (Fig. 5.12). A manutenção desses níveis adequados de cálcio é parte importante no tratamento de diversas enfermidades e merece a atenção de vários profissionaisda saúde. No plasma, o cálcio Fig. 5.12 Metabolização do cálcio no organismo. 152 Patologia Geral encontra-se sob a forma de íons livres (importantes na regulação da coagulabilidade sanguínea e na contração muscular - hipo- calcemia causa tetania), ligado a proteínas (50% da calcemia) ou como complexos difusíveis. Quando sais (fosfatos, carbonatos, citratos e outros) de cálcio são depositados em tecidos frouxos não-osteóides, enrijecendo-os, dá-se o nome de calcificação ou mineralização patológica. Apesar de constituírem um capítulo próprio dentro da Patologia, as calcificações associam-se a vários processos patológicos (p. ex., necroses, degenerações) e podem ocorrer em virtualmente qualquer lesão antiga. Apesar de essencial, o cálcio é um elemento tóxico para as células. Por essa razão, existem mecanismos diversos e comple- xos para manter um elevado gradiente de concentração, de modo a manter o cálcio intracitoplasmático em nível rigorosamente baixo, o que permite seu papel como segundo mensageiro na tradução de sinais intracelulares; por esse mecanismo, o cálcio participa de importantes processos fisiológicos, como ativação, secreção, contração, exaustão e, até mesmo, morte celular. A deposição patológica de sais de cálcio nos tecidos ocorre sob duas formas: 1) caIcificação distrófica, que afeta tecidos lesados e não depende dos níveis plasmáticos de cálcio e fósforo; 2) calcificação metastática, na qual a precipitação dos sais em tecidos normais resulta de um estado de hipercalcemia. A distin- ção entre os dois tipos de calcificações muitas vezes é artificial, já que o aspecto morfológico final é semelhante. Ao lado disso, deposição de cálcio nos tecidos sadios com alguma freqüência determina lesão nesses tecidos; por outro lado, hipercalcemia favorece a deposição de cálcio nos tecidos lesados, intensificando a calcificação distrófica. Entretanto, a presença de sinais de lesão prévia aliados a maior intensidade da deposição calcárea sugere calcificação distrófica. A distribuição e localização dos depósitos também podem ter valor na diferenciação entre calcificação distrófica e metastática. Por vezes, o termo calcinose é utilizado como sinônimo de calcificação metastática extensa; pode também designar a calcificação da derme e do tecido subcutâneo (calei- nose cutânea), independentemente da sua causa. ETIOLOGIA E PATOGÊNESE CaIcificação distrófica é mais freqüente do que a metastá- tica e ocorre de maneira mais localizada, em especial no tecido conjuntivo fibroso hialinizado de lesões antigas de progressão lenta, como na parede de vasos esclerosados (p. ex., placas ateromatosas, arteriosclerose de Monckeberg, artérias uterinas de mulheres idosas; Fig. 5.13), em tendões, em valvas cardíacas (Fig. 5.14) e em alguns tumores (p. ex., leiomiomas uterinos, meningiornas, carcinomas mamários, tumores papilares da tireóide e do ovário). Calcificação distrófica ocorre também em áreas de necrose antiga e não-reabsorvida, como na tuberculose pulmonar (Fig. 5.15) ou de linfonodos, em infartos antigos, ao redor de parasi- tas e larvas mortos, na necrose enzimática do tecido adiposo da pancreatite aguda, em abscessos crônicos de difícil resolução e em trombos venosos crônicos (flebólitos). Se os detritos celulares existentes nessas lesões não são adequadamente degradados, fagocitados ou reabsorvidos durante a resolução do processo inflamatório, eles funcionam como matriz orgânica em saponi- ficação que favorece a deposição de sais de cálcio. Em órgãos tubulares (duetos e vesículas), a calcificação envolve núcleos orgânicos de detritos celulares e células descamadas. Os cristais de fosfato básico de cálcio depositados nas cal- cificações patológicas são similares à hidroxiapatita do osso. O processo de calcificação patológica tem, 'portanto, várias seme- Fig. 5.13 Calcificação distrófica da camada média de artéria uterina. lhanças com a mineralização óssea fisiológica. A calcificação é um processo ativo, mediado por células, que resulta do dese- quilíbrio entre fatores promotores e inibidores da mineralização. A deposição ocorre em duas etapas: iniciação (ou nucleação) e crescimento (ou propagação). A nucleação é a acomodação dos hexágonos de fosfato básico de cálcio na intimidade de estruturas denominadas vesiculas da matriz ou de moléculas de colágeno ou de osteonectina, podendo ter lugar tanto dentro quanto fora de células. A fase intracelular ocorre nas mitocôndrias de células mortas ou lesadas; a extracelular se faz nas vesículas da matriz, que são organelas extracelulares com composição e atividade enzimática distintas das membranas plasmáticas que lhes deram origem. As vesículas da matriz possuem 30 a 1.000 nm de diâ- metro e originam-se de células degeneradas, necróticas ou em apoptose, na vizinhança da área de calcificação. Fosfolipídeos ácidos (como a fosfatidilserina) e proteínas (como as anexinas) presentes nessas vesículas agem como captadores de cálcio. Além disso, fosfatases e metaloproteinases também presentes nessas vesículas estabilizam a precipitação de fosfato com o cálcio, reprimindo os mecanismos inibitórios da cristalização, representados pelos pirofosfatos e proteoglicanos. A proteólise destes aumenta a cristalização do fosfato básico de cálcio por Fig. 5.14 Nódulos calcificados nas semilunares da valva aórtica. Fig. 5.15 Tuberculose pulmonar antiga. Nódulo fibrosado e calcifi- cado. permitir maior mobilidade de íons, facilitando a saturação dos fluidos extracelulares. Corpos apoptóticos (com altos níveis de Ca " e fosfato inorgânico - similares aos que ocorrem nas vesículas da matriz) e produtos de degradação da membrana celular resultantes da desintegração celular freqüentemente participam também como núcleos de calei- ficação. A propagação começa com a ruptura das vesículas da matriz ancoradas ao colágeno pela anexina V, liberando cristais já formados para a progressão autocatalítica; esta é influenciada por múltiplos fatores extracelulares, como níveis de cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, análogos da osteocalcina, osteopontina e vitamina D, pH local, proteínas contendo ácido v-carboxiglutâmico, balanço hormonal, su- primento sanguíneo, alterações na razão entre bicarbonatos e CO2 e soluções de continuidade de tecidos moles. A Fig. 5.16 resume as etapas da calcificação. A calcífícação metastática é mais disseminada no or- ganismo e decorre de: (1) absorção aumentada de cálcio no tubo gastrintestinal por excesso de vitamina D, sarcoidose (quando macrófagos ativam um precursor da vitamina D) ou hipercalcemia idiopática do lactente (síndrome de Williams, caracterizada por sensibilidade anormal à vitamina D); (2) mobilização excessiva de cálcio dos ossos por imobilização prolongada, osteólise (mieloma ou metástases ósseas difusas) e doença de Paget óssea; (3) aumento do paratormônio, por hiperparatireoidismo (primário ou secundário) ou síndrome paraneoplásica (Fig. 5.17). Insuficiência renal crônica provoca retenção de fosfatos (hiperfosfatemia por hipofosfatúria), o que provoca maior secreção de paratormônio (hiperparatireoidismo secundário) no sentido de se equilibrar a relação cálcio/fósforo no sangue. A mobilização excessiva de cálcio dos ossos no hiperparati- reoidismo, às vezes ultrapassando o limiar de solubilidade do cálcio e fósforo no plasma, favorece sua deposição nos tecidos e, portanto, a calcificação. Cerca de 5% dos pacientes com carcinomas, principalmente mamário e pulmonar, podem apresentar hipercalcemia, seja pela secreção de proteínas que mimetizam a ação do paratormônio (síndrome paraneoplásica), seja pela osteólise provocada por Pigmentações. Calcificações 153 INICIAÇÃO (NUCLEAÇÃO) Célula em Célula em Célula em degeneração necrose apoptose ~l~OdO Lb,ono~ plasmática ••• - > ••• •~~~'t:oo:"t':':';~,:J,~ 1S;..t;" ~ '~ ~'~ 4 ~u;~~~..t'.~ Formação de vesículas Captação e damatriz ~~8 7~ <JJ~~ / 0 CRISTALIZAÇÃO Fosfalases e metaloproteases Saturação e precipitação do rosroto básico de cálcio Cológeno Ruptura das vesículas da matriz ancoradas ao colágeno pela anexlna Lxroo_=o progressão autocalalítica FATORES ESTIMULADORES FATORES INIBIDORES • Proteínas contendo ácido y-carboxlglutâmlco • Pirofosfatos • Gllcosamlnogllcanos • NíveiSextracelularesde: cólclo, fósforo, rosrotcse alcalina, vitamina D3'osteocalclna, osteopontina e osteonectina • pH local (alcalino) • Balanço hormonal • Alteração relação blcarbonato/C02 • Suprimento sanguíneo • Solução de continuidade de tecidos moles Fig. 5.16 Etapas da calcificação. 154 Patologia Geral Hiperparafireoidisrno Primário (hiperplasia ou neopla- sia das paratireóidesj Renal ~~ ~1,25 OH2D3 fJ tPTH Secundário Nutricional Retenção P04 f Herbívoros: Excesso de grãos (t P04-) Deficiência de gramíneas Carnívoros: Carne tt P04-) Ausência de ossos e de suplementação de Ca + + Hipocalcemia Hiperfosfatemia f f HIPERPARATIREOIDISMO f t Reabsorção óssea fOutros tumores Hipercalcemia f CALCIFICAÇÃO Absorção intestinal Co" +~ <., Intoxicação com Vit. D3Ingestão de: So/anum ma/acoxy/on Cestrum diurnum Fig. 5.17 Hiperparatireoidismo e hipervitaminose D na calcificação metastática. metástases ósseas. No entanto, a maioria desses pacientes não sobrevive o tempo suficiente para ocorrer calcificação metastática de importância clínica. Em termos de Patologia comparada, merece ainda ser citado o hiperparatireoidismo secundário nutricional, que afeta principal- mente animais carnívoros domésticos ou de zoológico e herbívoros alimentados com excesso de grãos. Dieta exclusiva em carnes e vísceras e a ausência de ossos ou de suplementos de cálcio em car- nívoros, assim como o excesso de grãos e deficiência de gramíneas na dieta de herbívoros, com freqüência acarretam hiperfosfatemia, que determina maior secreção do paratormônio. Em várias partes do mundo, herbívoros que utilizam pastagens com Solanum malacoxylon (vegetal comum em regiões que fi- cam alagadas por certo período do ano, conhecido popularmente como "espichadeira" ou "enteque seco") e Cestrum diurnum (solanácea existente nos EUA) mostram deposição de sais de cálcio em vários tecidos moles, incluindo aorta, rins, tendões, ligamentos articulares e coração. O princípio ativo dessas plantas é semelhante ao da forma mais ativa da vitamina D, o 1,25-dii- droxicolecalciferol. Excesso desse composto estimula a síntese de proteínas captadoras de cálcio e a absorção intestinal do mesmo, gerando hipercalcemia e calcificação metas tática. ASPECTOS MORFOLÓGICOS. Enquanto a calcificação dis- trófica ocorre de forma localizada, a metastática tende a ser generalizada, embora seja mais comum nos rins, pulmões, coração e parede das artérias. Aparentemente, o pH alcalino ao longo das membranas basais dos vasos desses órgãos favorece a precipitação dos sais de cálcio. Quando rnacros- copicamente reconhecida, a área calcificada apresenta-se como grumos, grânulos, nódulos ou áreas de consistência firme, pétreas ou arenosas, resistentes ao corte, com colo- ração brancacenta ou acinzentada. À tentativa de secção, a faca "range" ao corte. Os locais calcificados são radiopacos aos raios X. Na mama, calcificações associam-se a diversas lesões, benignas ou malignas; o padrão dos focos de calcifica- ção aos raios X varia de acordo com a lesão e pode fornecer informações valiosas sobre o seu diagnóstico. À microscopia de luz, verifica-se acidofilia inicial, com aparecimento depois de grumos basófilos (podendo simular bactérias) que confluem ou crescem formando grânulos maiores, às vezes fragmentados devido à microtomia. Em alguns casos, formam-se lamelas concêntricas de deposição dos minerais, caracterizando os chamados corpos psamo- matosos. Na asbestose pulmonar, as partículas de amianto inalado podem ser mineralizadas com sais de cálcio e ferro, formando imagens de halteres. A cor da região calcificada é azul-escura ou roxa na coloração de HE, vermelho-escarlate à alizarina vermelha S de Langeron (mais específica para cálcio) e negra à coloração de von Kossa (impregnação com nitrato de prata, que detecta fosfatos, inclusive o de cálcio). À microscopia eletrônica, a calcificação é mais bem evidenciada utilizando-se o piroantimonato de potássio, que produz precipitados eletrondensos com o cálcio, tornando-o facilmente evidenciável. Tais precipitados são vistos, inicial- mente, sobretudo nas mitocôndrias e nas vesículas da matriz das membranas. / CONSEQÜÊNCIAS. COMPIlCAÇÕES As conseqüências da calcificação dependem do local e da intensidade da deposição dos sais. Em geral, os depósitos de cál- cio são inócuós e inertes, apesar de permanentes e irreversíveis. Calcificação distrófica geralmente não tem grandes repercussões para o organismo, exceto se atinge valvas cardíacas (quando pode causar estenose ou insuficiência valvar), complica placas ateromatosas ou favorece a formação de cálculos. Quando ocorre em lesões da tuberculose, nos abscessos crônicos e nos aneuris- mas verminóticos, a calcificação distrófica pode ser considerada benéfica, uma vez que encarcera o agente agressor. A calcificação metas tática em geral não tem repercussões clínicas expressivas, sendo a condição hipercalcêmica mais importante do que a calcificação em si. Entretanto, pode ocorrer insuficiência respiratória, quando há comprometimento extenso dos pulmões, ou renal, quando se formam depósitos maciços nos rins (nefrocalcinose). Metaplasia óssea ou ossificação heterotópica é conseqüência comum das calcificações, ocorrendo transformação dos fibro- blastos e células mesenquimais indiferenciadas em osteoblastos e formação de tecido osteóide. Cálculos Dá-se o nome de cálculos (do latim ealeulus = pedra de con- tar) ou concreções (do latim eoneretione = material endurecido) ou ainda litíase (do grego lithos = pedra) às massas esferoidais, ovóides ou facetadas, sólidas, concretas e compactas, de consis- tência argilosa a pétrea, que se formam no interior de órgãos ocos (bexiga, vesícula biliar), cavidades naturais (peritoneal, vaginal do testículo), condutos naturais (ureter, colédoco, dueto pancreático ou salivar) ou no interior de vasos. O mecanismo de formação dos cálculos não difere muito dos já citados na calcificação distrófica. O pH alcalino, a alta concentração de carbonato e de fosfato de cálcio no local, a estase do fluxo e infecções e inflamações facilitam a precipitação sucessiva dos sais inorgânicos ao redor de um núcleo orgânico, formado por agregados de células descamadas, grumos bacterianos, massas de fibrina ou de mucina, corpos estranhos etc.; como resultado, os cálculos apresentam estrutura radiada ou camadas concêntricas dos elementos depositados. Como norma geral de nomenclatura, utiliza-se um termo designativo do local de formação ou origem acrescido do sufixo litiase para denominar a ocorrência do fenômeno e do sufixo fito para denominar o cálculo. Como exemplos mais freqüentes, citam-se os cálculos biliares (colelitíase e colélitos), urinários (urolitíase e urólitos), brônquicos (broncolitíase e broncólitos), salivares (sialolitíase e sialólitos) e vasculares, estes formados a partir de trombos (flebólitos e arteriólitos). Menos freqüentes são os cálculos prepuciais, devido à mineralização do esmegma no sulco balanoprepucial nos casos de fimose; os rinólitos da cavidade nasal e os cálculos arnigdalianos. Cálculos microscópicos ou microconcreções são também chamados de corpos arnilóides ou arniláceos (eorpora amylaeea). Estes são geralmente concêntricos e hialinos, e freqüentes nos ácinos prostáticos. Por último, merecem ser lembradas as chamadas pseudoeon- ereções (fecalitos, cíbalos ou fecalomas). Trata-se de material fecal dessecado, endurecido, em conseqüência
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