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Capítulo 5 Pigmentações e Calcificações

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CAPÍTULO 5
Pigmentações. Calcificações
José Eymard Homem Pittella
PIGMENTAÇÕES
Pigmento (do latim pigmentum = corante, cor) é a designação
dacIãâsuõstâncias que possuem cor própria e têm origem, com-
posição química e slglllficado biológico diversos, Os pigmentos
-acham-se distribuídos amplamente na natureza e são encontrados
em células vegetais e animais, nas quais desempenham impor-
tantes funções (p. ex., clorofila, citocromos, melanina).
Denomina-se pigmentação o processo de formação e/ou
acúmulo, normal ou patológiêõ, de pigmentos no organismo.
Pigmentação patológica pode representar o resultado de altera-
ções bioquímicas pronunciadas, e o acúmulo ou a redução de
certos pigmentos é um dos aspectos mais marcantes em várias
doenças. Grande número de pigmentos origina-se de substâncias
sintetizadas peIOpróprio organismo: sãoos pigmentos endâge-
----nOs:Outros,denominados pigmentos exógenos, são formados no
exteriore~..9rYia respiratÓria, digestiva ou paTenteral, penetram
ê deposItam-se em diversosorgãos.
Pigmentações Endógenas
ResultaJ!!, em geral, d~hi~rprodução e acúmulo de pigmen-
tos sintetizados no próprio organismo, Podem ser: 1) derivadas
da hemoglobina, ou pigmentos hernoglobínicos; 2) melanina; 3)
ácido homogentísico; 4) lipofuscina.
PIGMENTAÇÕES HEMOGLOBÍNICAS
Pigmentos Biliares
O principal pigmento biliar é a bilirrubina (Bb), produto final
do catabolismo da fração heme da hemoglobina e de outras hemo-
proteínas. Embora durante muito tempo não tenha sido associada a
nenhuma função aparente, mais recentemente tem-se demonstrado
que, em concentrações normais ou discretamente elevadas, a Bb
não-conjugada possui ação antioxidante, ou seja, a capacidade de
se combinar com radicais livres formados durante o metabolismo
celular oxidativo. Além disso, a Bb tem ação moduladora sobre o
sistema imunitário, inibindo a proliferação de linfócitos induzida
pela fito-hemaglutinina, a produção de IL-2 e a citotoxicidade
mediada por células dependente ou independente de anticorpos.
Anilton César Vasconcelos
Tradicionalmente, são duas as razões para a atenção que os
profissionais da saúde dão à Bb. Em primeiro lugar, porque o
aumento acentuado dos níveis sanguíneos da Bb não-conjugada,"
particularmente em recem-nascidOs~aecausãr lesão cerebral
.irryv~Lsiyel, morte e, nos casos de sobrevida, seqüelas niu-rolÓ-
gicas permanentes. Em segundo lugar, porque OConhecimen~
'de seu metabolismo é essencial para o diagnóstico de um grande
número de doenças, hereditárias ou adquiridas, do fígado ~ do
sangue. ~úrbi~s associados ao aumento da produçãode Bb
ou a defeito hepático na remoção do pigmento da circulação
r~sultam na elevação de seu nível no sangue (hiperbilirruU
nemia) e em um sinal clínico muito importante, a icterícia.
Além disso, o aumento da excreção de Bb na bile, causado por
doenças hemolíticas crônicas, pode levar à formação de cálculos
pigmentares, constituídos principalmente por bilirrubinato de
cálcio. Por essa razão, para compreender a etiopatogênese das
hiperbilirrubinemias, necessário se torna conhecer, resumida-
mente, o metabolismo da Bb.
FORMAÇÃO DA BILIRRUBINA. Aproximadamente 80%
da Bb provêm da hemoglobina livre resultante da hemocaterese,
que é a destruição fisiológica das hemácias senescentes, com
aproximadamente 120 dias de vida, pelos macrófagos no baço,
fígado, medula óssea e, em escala bem menor, em outros locais.
Essas células liberam, em média, 8 g de hemoglobina por dia, o
que leva à produção de cerca de 500 f.LM de Bb. O restante da Bb
origina-se de hemoproteínas hepáticas (p. ex., citocromo P450s,
triptofano pirrolase e catalase) e do pool de heme livre. Para que
a Bb possa ser liberada a partir da hernoglobina, é necessário
que a fração herne, que é um tetrapirrol em forma de quadrado
centralizado por uma molécula de ferro (Fe'" -protoporfirina IX),
seja primeiro separada da fração protéica (globina) da molécula
de hemoglobina; em seguida, abre-se o anel porfirínico do heme
por meio de cisão oxidativa pela enzima heme oxigenase, na
presença de oxigênio (O,) e NADPH, resultando na formação
de monóxido de carbono (CO), redução de Fe" para Fe+++e
biliverdina (pigmento tetrapirrólico verde). A biliverdina é
rapidamente reduzida para Bb por ação da bilieerdina redutase,
uma fosfoproteína na qual a fosforilação é essencial para a sua
atividade enzimática.
TRANSPORTE tO SANGUE. A Bb é lançada na circulação
sob a forma insolú el, não-ionizada (diácida) e ionizada (mono
e diânion); é deno inada bilirrubina não-conjugada. Por ser
insolúvel em solúções aquosas, a Bb não-conjugadanão pode.
ser eliminada diretamente. Para isso, depende da sua conjugação
com o ácido glicurônico nos hepatócitos, que forma compostos
hidrossolúveis que facilitam sua excreção. No plasma, cerca de
91% da Bb não-conjugada é transportada ligada à albumina, en-
quanto os 9% restantes são carreados ligados à apolipoproteína D.
Em situações de hemólise grave em recém-nascidos, prematuros
e/ou com acidose e hipoxemia, quando os níveis plasmáticos
ultrapassam 300 u.Mzlitro, a Bb não-conjugada, ligada ou não
à albumina, pode atravessar a barreira hematoencefálica ainda
não completamente desenvolvida ou lesada por injúria hipóxico-
isquêmica e causar lesão neuronal irreversível, resultando em
seqüelas neurológicas. A lesão neuronal causada pela Bb parece
depender, em parte, de mecanismo excitotóxico mediado pelo
receptor N-metil-D-aspartato. A impregnação do tecido nervoso
pela Bb pode ser identificada macroscopicamente como áreas
de cor amarelo-ouro em diversos núcleos cerebrais, cerebelares
e do tronco encefálico, fenômeno denominado kernicterus ou
icterícia nuclear (do alemão Kern = núcleo).
CAPTAÇÃO E TRANSPORTE PELOS HEPATÓCITOS.
Na membrana plasmática sinusoidal do hepatócito (pólo basal),
existem sistemas transportadores independentes de sódio para
diversos ânions orgânicos, como a Bb e a bromossulfoftaleína
(bilitranslocase, proteína ligante da Bb/bromossulfoftaleína e
proteína ligante de ânions orgânicos). A captação dos ânions
orgânicos parece ser modulada pelos hormônios sexuais, espe-
cialmente pelos estrógenos. Ratas adultas apresentam captação
hepática mais eficiente desses ânions, fenômeno atribuído aos
estrógenos. Caso o processo seja semelhante na espécie humana,
esses fatos poderiam explicar a diferença dos níveis plasmáticos
de Bb entre os dois sexos, habitualmente menores nas mulheres.
Outros sistemas transportadores (polipeptídeos transportadores
de ânions orgânicos) carreiam Bb monoionizada. Não foi ain-
da identificado um sistema transportador específico para a Bb
não-conjugada. A captação da Bb pelo hepatócito pode ser feita
também por difusão passiva através da membrana plasmática
sinusoidal. Uma vez atravessada a membrana plasmática, a Bb
se liga a duas proteínas do citosol, denominadas ligandina (tam-
bém chamada de proteína Y) e proteína Z, e é levada ao retículo
endoplasmático liso. Essas proteínas do citosol permitem manter
em solução, no meio aquoso intracitoplasmático, a molécula de
Bb fortemente hidrofóbica.
CONJUGAÇÃO COM O ÁCIDO GLICURÔNICO. Aconju-
gação da Bb com o ácido glicurônico, resultando na bilirrubina
conjugada, se faz na luz do retículo endoplasmático liso pela
ação da Bb uridina difosfato (UDP) glicuronosiltransferase-1A I
(Bb UGT-1A1), pertencente a uma farm1ia de 15 enzirnas que
catalisam a adição do ácido glicurônico a diversas substâncias li-
pofílicas endógenas e exógenas. Inicialmente, a Bb é esterificada
com uma molécula de ácido glicurônico e, a seguir, uma segunda
molécula de ácido glicurônico é acrescentada à maior parte da
Bb monoesterificada. A bile humana normal contém cerca de
70-90% de Bb diesterificada e 5-25% de Bb monoesterificada. A
Bb conjugada com duas moléculas de ácido glicurônico, denomi-
nada diglicuronato de Bb, é inócua, hidrofílica, solúvel na água
e frouxamente ligada à albumina;devido a essas duas últimas
Pigmentações. Calcificações 141
características, é excretada na urina quando ocorre aumento
excessivo de seus níveis plasmáticos. O processo de esterifica-
ção é uma reação covalente que rompe ligações de hidrogênio
existentes na molécula da Bb, gerando um produto mais polar,
mais adequado para ser excretado na bile. O diglicuronato de
Bb corresponde a 5% da quantidade total de Bb.
EXCREÇÃO NOS CANALÍCULOS BILIARES. A excre-
ção da Bb conjugada para os canalículos biliares depende
do transporte da Bb através da membrana canalicular do he-
patócito (pólo canalicular ou apical) pela proteína associada
à resistência a múltiplas drogas-2 (MRP2), a qual faz parte,
com outras cinco, da família de proteínas transportadoras
dependentes de ATP. Nos casos de disfunção da MRP2 e de
obstrução biliar, uma outra proteína transportadora, a MRP3,
localizada na membrana basolateral do hepatócito, transporta
a Bb conjugada para o plasma, funcionando como uma rota
alternativa para a eliminação de Bb e de outros componentes
da bile. Lançada nos canalículos biliares.ia.Bb conjugada
flui, através dOsauctos biliares intra e extra-hepáticos, até 'o
duodeno. No intestino, sofre a ação-da microbiotaresidente e~
transforma-se em urobilinogênio, que é, em parte, reabsorvido
no íleo terminal e reexcretado pelo fígado e, em menor grau,
pelos rins, constituindo o ciclo êntero-hepático da Bb. Ainda no
intestino, a Bb sofre ação redutora pelas bactérias, formando-se
inúmeros compostos intermediários antes da formação do L-
estercobilinogênio (t-urobilinogênio). O r.-estercobilinogênio,
por auto-oxidação, transforma-se em estercobilina, pigmento
responsável pela cor característica das fezes.
A diferença entre a Bb não-conjugada e a Bb conjugada foi
estabelecida por Van den Bergh e MüIler em 1916, utilizando
o diazorreativo ácido sulfanílico diazotado. A Bb conjugada
reage rápida e diretamente com o diazorreativo, razão pela qual
é chamada de Bb direta; a Bb não-conjugada só reage rapida-
mente com o diazorreativo após adição de um solvente orgânico,
geralmente álcool etílico, e é denominada Bb indireta. A reação
lenta da Bb não-conjugada, sem a presença do solvente orgânico,
é explicada pelo fato de o sítio de atuação do diazorreativo se
manter quase inacessível pela própria configuração espacial da
molécula de Bb; a adição do solvente orgânico quebra as liga-
ções de hidrogênio responsáveis por essa configuração espacial
e permite rápida reação com o diazorreativo. A Fig. 5.1 ilustra
a formação da Bb no macrófago e sua captação, transporte,
conjugação e excreção pelo hepatócito.
ICTERÍCIA. Éo sinal clínico causado pela elevação dos níveis
plasmáticos de Bb acima de 35 -,:lM7litro (hiperbilirrubinemia)
e pela sua deposição na pele, esclera e mucosas, e na maioria
dos tecidos e órgãos, em especial no fígado e nos rins, nos quais
produz coloração que vai do amarelo ao negro, passando por
diversas tonalidades de verde. Microscopicamente, a Bb é vista
como grânulos ou glóbulos amorfos castanho-esverdeados a
negros, evidentes especialmente no citoplasma dos hepatócitos
edas células de Kupffer e na luz dos canalículos biliares, onde
formam os chamados "cilindros biliares",
As causas da elevação da Bb circulante e, portanto, da icterícia
são muitas, pois as doenças que a provocam são variadas e de
natureza muito diferente. O conhecimento do metabolismo dos
pigmentos biliares ou de suas alterações possibilita classificar as
icterícias segundo um critério patogenético. Assim, as icterícias
podem ser classificadas por:
142 Patologia Geral
Hemoproteínas
MACRÓFAGO
(
Baço, fígado, )
medula óssea. ":F-
Blllrrublna
PLASMA t Albumlna - Blllrrubina
HEPATÓCITO
~~~\~ V Canalículo biIIa
lDuodeno
Fig. 5.1 Formação da bilirrubina no macrófago e sua captação, trans-
porte, conjugação e excreção pelo hepatócito.
1) aumento da produção da Bb, p. ex., nas anemias hemolíticas;
2) redução na captação e transporte da Bb pelos hepatócitos, p.
ex., em doenças genéticas;
3) diminuição na conjugação da Bb, p. ex., em doenças genéticas;
4) redução na ~xcreção celular da Bb, p. ex., em doenças genéticas;
5) obstrução na eliminação canalicular intra e extra-hepática da
Bb, p. ex., por tumores e cálculos;
6) mais de um mecanismo, como p. ex., nas hepatites e na cirrose
hepática.
Além disso, é também comum o aparecimento de icterícia no
período neonatal imediato, de caráter benigno e transitório, co-
nhecido como icterícia fisiológica do recém-nascido, que resulta
do aumento do catabolismo do heme e da menor capacidade de
transporte (p. ex., baixos níveis de ligandina no fígado neonatal),
e da conjugação e excreção da Bb.
Hematoidina
É constituída por uma mistura de lipídeos e um pigmento
semelhante à Bb, desprovido de ferro, que se forma em focos
hemorrágicos após degradação, pelos macrófagos locais, de
hemácias extravasadas. O pigmento aparece a partir do final da
segunda ou terceira semana após o sangramento, sob a forma de
cristais de cor que varia do amarelo-ouro, amarelo-alaranjado
ou verrnelho-alaranjado a marrom-dourado, constituídos por
agulhas dispostas radialmente ou formando pequeninas placas
romboidais, esferoidais ou irregulares, cujas dimensões variam
entre 2 e 200 fim (Fig. 5.2). À microscopia eletrônica, os cristais
de hematoidina são constituídos de uma parte central formada
por fendas vazias, provavelmente representando cristais de
colesterol, circundadas por agregados de membranas similares
à bainha de mielina. É comum a presença de hemossiderina
associada à hematoidina. A hematoidina não tem repercussões
para o organismo.
Hemossiderina
É também um pigmento resultante da degradação da hemo-
globina e que contém ferro. Representa uma das duas principais
formas de armazenamento intracelular de ferro; a outra é a
ferritina. A quantidade de ferro no corpo do homem adulto é de
aproximadamente 4 aS g. Cerca de 65-70% do ferro corporal está
presente na hemoglobina das hemácias; outros 10% encontram-se
na mioglobina, citocromos e enzimas que contêm ferro; os 20-
25% restantes são armazenados como ferritina e hemossiderina
nos hepatócitos (aproximadamente 40% do ferro armazenado)
e macrófagos do fígado, baço, medula óssea e linfonodos. O
ferro é vital para todos os seres vivos, pois participa de diversos
processos metabólicos, tais como transporte de oxigênio e de
elétrons (hemoproteínas) e síntese de DNA (enzilna ribonucleotí-
deo redutase). Em razã~ de suaparticipação em diversas funções
celulares, é necessário um equilíbrio constante entre absorçãó,
transporte, armazenamento e utilização do metal. Por ser alta-
mente reativo, o ferro participa na formação de radicais livres de
oxigênio (ver nõCãp:-3-;-ReaçãOâê Fenton), os quais peroxidam
IÍpídeos, proteínas, DNA e outros componentes celulares. Para
evitar esse efeito oxidativo potencialmente lesivo, o ferro em
excesso é armazenado e/ou seqüestrado por diversas proteínas,
tais como transferrina, lactotransferrina, melanotransferrina,
heme, metaloenzimas, ferritina e hemossiderina.
A ferritina é formada pela associação da proteína apoferritina
com o ferro. A apoferritina é uma proteína de 24 subunidades
compostas de dois tipos de subunidades com funções comple-
mentares, denominadas cadeias H (heavy) e L (light), formando
um envoltório que circunda uma cavidade capaz de armazenar até
4.500 moléculas de ferro. A cadeia H possui um sítio capaz de se
ligar ao ferro, com atividade enzimática ferroxidase, a qual o~
o ferro a Fe+++para incorporação do metal no centro daestrutura
protéica. A cadeia L contribui para a nucleação e mineralização
do ferro, além de estabilizar sua armazenagem por longos perí-
odos. A ferritina é distribuída amplamente no citoplasma sob a
forma de micelas, identificadas ao microscópio eletrônico como
partículas eletrondensas, de cerca de 6 nm de diâmetro, arranjadasem tétrades; é encontrada também nas hemácias, como resíduo de
ferritina do eritroblasto. A quantidade de ferritina nas hemácias
reflete o balanço entre a oferta de ferro para a medula óssea e a
necessidade de síntese da hemoglobina, mostrando-se diminuída
na anemia por deficiência de ferro. A degradação da ferritina no
citosol resulta em liberação completa do ferro. Quando há oferta
excessiva de ferro, a ferritina forma a hemossldertiià. Admite-se
que esse processo envolva as seguintes etapas: 1) incorporação
da ferritina do citosol sob a forma de agregados pelo retículo
Pigmentações. Calcificações 143
Fig. 5.2 Pigmento de hematoidina com diferentes formas, dimensões e cores, em área de hemorragia.
endoplasmático liso, constituindo vacúolos autofágicos; 2) fusão
dos vacúolos autofágicos coip. lisossomos, formando lisosso-
mos secundários (siderossomos); 3) desnaturação seguida de
degradação enzimática das proteínas da membrana envoltora e
da ferritina; 4) persistência de agregados maciços e insolúveis
de ferro, constituindo a hemossiderina. Ao microscópio óptico,
a hemossiderina aparece como grânulos intracitoplasmáticos
grosseiros, castanho-escuros ou amarelo-dourados.
A deposição excessiva de hemossiderina nos tecidos pode ser
locãIizada ou sistêmica. A pri-meiTIí.é encontrada nas hemorragia;
'(Fíg.).3), em que a hemossiderina é encontrada no interior de
macrófagos cerca de 24-48 horas após o início do sangramento
(hemossiderose localizada). A transformação progressiva das
hemácias extravasadas em hemossiderina na área de hemorragia
pode ser evidenciada macroscopicamente nas contusões cutâneas,
1-3 dias depois de sua ocorrência. Logo após um traumatismo, a
hemorragia é vista como uma área vermelho-azulada ou negro-
azulada, devido à presença de hemoglobina desoxigenada. Com
o início da degradação da hemoglobina e da produção da biliver-
dina e Bb, a pele adquire tonalidade verde-azulada a amarelada
e, finalmente, com a formação de hemossiderina, cor ferruginosa
ou amarelo-dourada. A deposição sistêmica de hemossiderina
(hemossiderose sistêmica) ocorre em conseqüência do aumento
da absorção intestinal do ferro, que ocorre especialmente nas
anemias hemolíticas e após transfusões de sangue repetidas. O
pigmento acumula-se nos macrófagos do fígado, baço, medula
~
óssea, linfonodos e, mais esparsamente, nos da derme, pâncreas
e rins. Em longo prazo, pode haver deposição de hemossiderina.
no parênquima de alguns órgãos, como fígado, pâncreas, coração
e glândulas endócrinas (Fig. 5.4). Mesmo ocorrendo deposição
intraparenquimatosa do pigmento, não há, na maioria dos pa-
Fig. 5.3 Hemossiderina no citoplasma de macrófagos em foco de
hemorragia antiga.
144 Patologia Geral
Fig. 5.4 Hemossiderose hepática. Deposição de pigmento de hemos-
siderina nos hepatócitos.
. cientes, lesão celular suficiente para provocar distúrbio funcional
dos órgãos afetados.
Existe uma forma especial de hemossiderose sistêmica, de-
nominada hemocromatose primária ou hereditária, na qual
há aumento da absorção intestinal do ferro por defeito genético.
A deposição excessiva de hemossiderina nos macrófagos, in-
terstício e cêlITlas p.arenquimatosas do fígado, pâncreas, pele,
~pófise e coração, além de outros órgãos, produz hipotrofia e
!ibrose do parênquima. Esse processo resultã ení cirrose hepá-
~ca, hipotrofia do pâ!1creas exócrino e endócrino, prov_ocando
~te (conhecido como diabete bronzeado, devido à pigmeu-
taçao bronzeada da pele nesses pacientes), hipogonadismo e
insuficiência cardíaca. A hemocromatose hereditária é doença
rara, com início na vida adulta, caracterizada por aumento de
três a quatro vezes dos níveis da absorção intestinal diária do
ferro e sua deposição progressiva nos tecidos, sob a forma de
hemossiderina (a quantidade de ferro atinge 3-5 g/lOO g de
tecido seco, contra 0,5-1,0 g em condições normais). Devido à
limitada capacidade do corpo humano de excretar ferro, exceto
quando ocorre hemorragia, o aumento da sua absorção resulta
no acúmulo desse metal em vários órgãos.
A absorção do ferro ocorre n~j:osa~!lodenal e é iniciana
pela-captação de ferro inorgânico, principalmente em estado
ferroso (Fe'") após sofrer redução pela enzimaredutase.férri-
ca, sendo feita-através da borda em escova da parte apical da
membrana celular do enterócito. Diversas proteínas participam
(ia regulação da absorção do ferro. O produto do gene HFE,
localizado no cromossomo 6p21.3, uma glicoproteína trans-
membranosa similar às proteínas do complexo principal de
histocompatibilidade I, situada na face basolateral do enterócito,
juntamente com o receptor de transferrina 1 e a transferrina (pro-
teína que transporta o ferro no plasma), modulam a endocitose
do ferro do plasma, mantendo um pool de ferro no citoplasma
do enterócito que, por sua vez, modula a expressão da glicopro-
teína transmembranosa transportadora de metal divalente 1 na
superfície apical do enterócito, responsável pela absorção de
ferro. O aumento desse pool produz diminuição da expressão
dessas proteínas e, assim, diminuição da absorção de ferro. O
fígado participa também desse mecanismo regulador do ferro
de duas maneiras: 1) é o principal órgão de armazenamento de
ferro; 2) produz a transferrina e a hepcidina, uma das moléculas
reguladoras da homeostase de ferro. A hepcidina é um peptídeo
secretado no plasma; sua produção aumenta quando há aumento
da taxa de ferro e diminui nos casos de deficiência de ferro ou
de aumento da demanda de metal (p. ex., durante a gravidez).
Aumento da hepcidina produz diminuição da expressão do trans-
portador de metal divalente 1 na superfície apical do enterócito,
diminuindo a absorção de ferro. Além disso, a hepcidina induz
a internalização da ferroportina, uma proteína transmembranosa
presente nos enterócitos, hepatócitos e macrófagos responsável
pela liberação de ferro intracelular para o plasma, impedindo sua
função transportadora e, em conseqüência, inibindo a liberação
de ferro intracelular para o sangue.
Na hemocromatose hereditária ocorrem mutações do gene HFE
que determinam perda desse mecanismo regulador, resultando
na absorção excessiva de ferro da dieta e seu acúmulo em vários
órgãos. Admite-se que a proteína modificada impede a associação
do receptor de transferrina 1 ao transportador de metal divalente
1, comprometendo a endocitose do ferro transportado pela trans-
ferrina, diminuindo os níveis de ferro intracelular e aumentando a
saturação de transferrina. Isso resulta em diminuição da secreção
de hepcidina pelos hepatócitos e aumento da absorção intestinal de
ferro. A mutação mais comum no gene HFE, responsável por mais
de 90% dos casos de hemocromatose, que afeta especialmente a
população de ascendência norte-européia, é a mutação homozigota
C282Y, que consiste na substituição da cisteína por tiro sina na
posição 282 da molécula da proteína. Outra mutação, a H63DA,
é responsável por pequeno número de casos. A hemocromatose
relacionada com o gene HFE é também denominada hemocroma-
tose tipo 1 e tem herança autossômica recessiva. Existem, ainda,
outras quatro formas de hemocromatose hereditária, não causadas
por mutações do gene HFE, denominadas hemocromatoses não-
HFE, associadas a mutações em outros genes envolvidos com a
homeostase de ferro: (a) tipo 2A (gene hemojuvelina, encontrado
no cromossomo lp21); (b) tipo 2B (gene hepcidina, localizado no
cromossomo 19q13.1); ambas têm herança autossômica recessi va e
início na segunda e terceira décadas, por isso mesmo são conheci-
das também como hemocromatose juvenil; (c) tipo 3 (gene receptor
de transferrina 2, localizado no cromossomo 7q22), de herança au-
tossômica recessi va; (d) tipo 4 (gene ferroportina, mapeado no cro-
mossomo 2q32), de herança autossômica dominante. O receptor de
transferrina 2 representa uma segunda via de captação de ferro da
transferrina pelo hepatócito (a outra é o receptor detransferrina 1).
Hematina
É um derivado do heme que contém ferro (ferriprotoporfirina
IX), resultante da ação de um ácido forte sobre a hemoglobina. Às
vezes, forma-se nos cortes de tecidos fixados com formol de pH
< 5, e, nesses casos, é um artefato de fixação. É encontrada tam-
bém ao redor dos vasos ou em áreas hemorrágicas, originada de
hemólise. Aparece como grânulos de cor negra ou negro-azulada,
no interstício ou dentro de macrófagos. Após hemólise excessiva
ou transfusões maciças, a hematina pode ser encontrada na luz
dos túbulos renais. Pode ser obtida in vitro pelo tratamento da
hemoglobina com soluções diluídas de ácidos ou bases fortes,
quando se apresenta de cor castanha.
Pigmento Malárico I
Também denominado hemozoína, resulta da~egradaçãO da
hemoglobina ingerida pelos plasmódios durante seu ciclo de vida
nas hemácias. O processo inicia-se pela ingestão do citoplasma da
hemác~·ap t pinocitose, no citóstomo dos trofozoítos, seguida de
proteólis nos vacúolos digestivos (lisossomos). Os aminoácidos
gerado da globina são utilizados para o crescimento e maturação
do parasita. O subproduto heme liberado (ferriprotoporfirina
IX) é potencialmente tóxico, podendo resultar em inibição das
proteases do vacúolo digestivo, peroxidação de lipídeos, geração
de radicais livres e morte do parasita. Após sofrer agregação
das subunidades de dímeros de ferriprotoporfirina, o heme é
seqüestrado sob a forma de matriz cristalina insolúvel (hemo-
zoína), processo esse conhecido como biomineralização ou
biocristalização. O mecanismo de formação de hemozoína não
está ainda completamente esclarecido, parecendo ocorrer dentro
de nanosferas de lipídeos no vacúolo digestivo do Plasmodium,
na interface entre o meio aquoso do vacúolo e as nanosferas.
O processo de detoxificação específico ocorre em razão de o
plasmódio não possuir a enzima heme-oxigenase. O pigmento
malárico formado pelo Plasmodium jalciparum é constituído
de cerca de 65% de proteínas, 16% de ferriprotoporfirina IX,
6% de carboidratos e pequenas quantidades de lipídeos e ácidos
nucléicos. A maior parte da proteína é uma mistura de globina
solúvel e desnaturada associada à metaloporfirina. Algumas das
drogas utilizadas no tratamento da malária, como a cloroquina,
ligam-se ao heme durante o processo de biomineralização, im-
pedindo a continuação do processo e a seqüestração de novas
moléculas de heme; o acúmulo do heme não-seqüestrado leva,
então, à morte do parasita.
Com a formação de merozoítas, rompem-se as hemácias e
os parasitas são liberados, enquanto o pigmento, sob a forma
de grânulos castanho-escuros, acumula-se nos macrófagos do
fígado, baço, medula óssea, linfonodos e de outros locais, aí
permanecendo por muitos anos (Fig. 5.5). A quantidade de
Fig. 5.5 Pigmento malárico nas células de Kupffer na malária pelo
Plasmodium falciparum.
Pigmentações. Calcificações 145
pigmento nos tecidos aumenta com a duração da infecção. O
pigmento malárico é inerte e não-tóxico, mas sua retenção ma-
ciça em grande número de monócitos circulantes e macrófagos
pode contribuir para a redução da resposta imunitária observada
em muitos pacientes. Diversos estudos mostram diminuição ou
bloqueio de importantes funções celulares, tais como geração
da explosão respiratória, capacidade de realizar a fagocitose,
atividade da proteína cinase C, expressão do complexo maior de
histocompatibilidade classe Il, distúrbio da maturação de células
dendríticas, expressão de CD54 e CDllc e redução dos níveis de
interleucina-12 pelos monócitos repletos de pigmento malárico.
Além disso, demonstrou-se que o pigmento malárico tem tam-
bém efeitos pró-inflamatórios, como aumento do óxido nítrico,
ativação da migração de neutrófilos, aumento da atividade da
metaloproteinase 9 da matriz (enzima responsável pela degrada-
ção de proteínas da matriz, ruptura da lâmina basa! e ativação do
TNFa dos monócitos) e ativação do sistema imunitário inato. A
hemozoína induz ainda a síntese e liberação, pelos monócitos do
sangue periférico e macrófagos, de IL-I f3be IL-lO, e de piróge-
nos endógenos, como TNFa, MIP-I a e MIP-I f3,substâncias que
poderiam estar relacionadas aos episódios de febre característicos
da malária. Para se tentar explicar esse efeito ao mesmo tempo
pró- e antiinflamatório, alguns autores sugerem que em pequenas
quantidades, no início da infecção, a hemozoína ativa as células
dendríticas, enquanto em quantidades maiores, no decorrer da
infecção crônica, ela possui efeito supressor.
Pigmento Esquistossomótico
Origina-se no tubo digestivo do Schistosoma a partir do san-
gue do hospedeiro, o qual é ingerido pelo verme adulto como
fonte de nutrientes. Proteases do intestino do parasita degradam
a hemoglobina em peptídeos, aminoácidos e heme; este forma
um cristal de heme similar à hemozoína em gotas de lipídeos
extracelulares na luz do intestino do verme. A hemozoína é então
regurgitada pelo verme adulto, intermitentemente, na circulação
sanguínea do hospedeiro. Forma-se, assim, o pigmento esquis-
tossomótico, que se acumula como grânulos castanho-escuros
ou negros nas células de Kupffer, nos macrófagos do baço e
no tecido conjuntivo dos espaços portobiliares. A deposição do
pigmento não traz maiores repercussões para o organismo.
MELANINA
A melanina (do grego meias = negro), pigmento cuja cor va-
ria do castanho ao negro, é amplamente encontrada em peixes,
anfíbios, répteis, aves e mamíferos, bem como nas plantas. A
diversidade da cor da pele, cabelos e olhos dos seres humanos
e da plumagem das aves resulta em grande parte da distribuição
da melanina nesses locais. As impressões visuais da cor da pele
são de grande importância nas interações individuais; além
disso, a cor da pele é tradicionalmente associada às diferentes
etnias humanas. As funções da pigmentação melânica cutânea
são proteção contra a radiação ultravioleta B (fotoproteção),
ação antioxidante, absorção de calor, cosmética, comunicação
social, camuflagem em várias espécies animais (p. ex., peixes
e anfíbios) e reforço da cutícula de insetos e parede de células
vegetais. A ação fotoprotetora da melanina deve-se à sua eficiên-
cia em absorver e dispersar fótons, convertendo rapidamente sua
energia em calor. Existem dois tipos de melanina: (a) eumelanina,
insolúvel, de cor castanha a negra, com ação fotoprotetora e
antioxidante; (b) feomelanina, solúvel em solução alcalina, de
cor amarela a vermelha, igualmente com efeito antioxidante. A
146 Patologia Geral
cor do cabelo depende da proporção entre eumelanina e feorne-
lanina. Assim, o cabelo de cor negra contém 99% de eumelanina
e 1% de feomelanina; o de cor castanha e loura contém 95% de
eumelanina e 5% de feomelanina; e o de cor vermelha contém
67% de eumelanina e 33% de feomelanina.
A melanina é um polímero complexo sintetizado nos mela-
nócitos (originados de células precursoras da crista neural e mi-
gradas para várias partes do organismo), especialmente na pele,
globo ocular e leptomeninge. Além disso, neurônios de algumas
regiões cerebrais, como a substância negra, locus ceruleus e nú-
cleo dorsal do vago, sintetizam a neuromelanina, um pigmento
marrom a negro que representa também um polímero complexo
formado de aminocromos. Na pele, os melanócitos estão situados
junto à camada basal da epiderme (onde representam cerca de
10% da população celular dessa camada) e na matriz dos folículos
pilosos. A biossíntese da melanina (melanogênese) inicia-se a
partir da tirosina, originada da hidroxilação da fenilalanina (via
fenilalanina hidroxilase). A enzima tirosinase hidroxila a tirosina
em 3,4-diidroxifenilalanina (DOPA) e a oxida em dopaquinona,
que é o precursor comum da eumelanina e da feomelanina. A
eumelanogênese é iniciada pela endociclização redutora da do-
paquinona em ciclodopa, a qual sofre uma reação de permuta
redox com a dopaquinona, resultando em dopacromo, o precur-
sor da eumelanina.A seguir, a dopacromo tautomerase catalisa
a isomerização de dopacromo para 5,6-diidroxiindol (DHI) e
5,6-diidroxiindol-2-ácido carboxílico (DHICA), constituindo a
eumelanina, após sofrerem polimerização. Na feomelanogêne-
se, há adição redutora da cisteína ou glutation à dopaquinona,
produzindo cisteinildopa e glutationildopa. Esta última sofre
hidrólise pela enzima glutamiltranspeptidase, sendo convertida
também em cisteinildopa. Posteriormente, a cisteinildopa sofre
oxidação e ciclização, transformando-se em benzatiareno, o qual
caracteriza a feomelanina. Das catecolaminas sintetizadas a partir
de DOPA, como dopamina, noradrenalina e adrenalina, apenas
a dopamina atua como precursora da neuromelanina, através de
processo de oxidação.
Cada melanócito tem capacidade de sintetizar os dois tipos
de melanina, resultando na produção de melanina contendo uma
mistura dos dois pigmentos. O equilíbrio entre a formação de
eumelanina e feomelanina depende: (1) da presença de cisteína
e glutation durante o processo de melanogênese; (2) dos níveis
de tirosinase. Altos níveis de tirosinase no melanócito produzem
eumelanina, enquanto níveis comparativanente baixos de tirosi-
nase e elevados de cisteína e glutation produzem feomelanina.
O retículo endoplasmático rugoso dos melanócitos sintetiza a
tirosinase, que é empacotada no complexo de Golgi e, a seguir,
incorporada em pequenas vesículas delimitadas por membrana.
A fusão dessas vesículas com proteínas estruturais derivadas
separadamente do retículo endoplasmático rugoso resulta na
formação do melanossomo. Na eumelanogênese, as proteínas
estruturais formam uma matriz fibrilar ou filamentosa no interior
do melanossomo, promovendo a polimerização da melanina
em pH ácido. A maturação do melanossomo passa por quatro
estágios: no estágio I os melanossomos são constituídos de va-
cúolos esféricos sem os componentes estruturais internos e sem
atividade da enzima tirosinase; no estágio II a presença de uma
proteína estrutural, PMEL17 ou gplOO, determina a transforma-
ção do melanossomo do estágio I em uma organela elipsoidal
provida de matriz fibrilar com tirosinase funcionalmente ativa
e início de formação de melanina; no estágio III a melanina é
uniformemente depositada sobre as fibrilas; no estágio IV os
melanossomos tornam-se elétron-opacos (pela melanização
intensa) e possuem mínima atividade de tirosinase. A proteína
relacionada à tirosinase-I está envolvida na estabilização e
manutenção dos níveis de tirosinase e na maturação do mela-
nossomo. Outras moléculas (proteína P, V-ATPase, SLC24A5 e
proteína transportadora associada à membrana) participam do
processamento e transporte de proteínas, organização de enzimas,
transporte de íons e regulação do pH durante os estágios II e III
da formação do melanossomo. O processo de feornelanogênese
é similar, porém o feomelanossomo possui forma arredondada
e conteúdo elétron-denso e é desprovido de fibrilas. A Fig. 5.6
resume os estágios de maturação do melanossomo e as principais
etapas da feo e eumelanogênese.
Na epiderme humana, cada melanócito distribui a melanina
sintetizada para cerca de 36 ceratinócitos adjacentes. O des-
locamento dos melanossomos ao longo dos prolongamentos
(dendritos) dos melanócitos depende dos microtúbulos e envolve
a participação das proteínas cinesina e dineína. Uma vez atin-
gidas as extremidades dos dendritos, os melanossomos fazem
movimentos de curta extensão ao longo da rede de actina sob
a membrana celular mediante associação com outra proteína, a
miosina Va, que se liga aos melanossomos por meio da interação
com melanofilina e Rab27a. O mecanismo de transferência da
FEOMElANOSSOMO EUMElANOSSOMO
Fig. 5.6 Esquema dos estágios de maturação do melanossomo (figura
superior) e das principais etapas da feo e eumelanogênese (figuras
inferiores). RER = retículo endoplasmático rugoso. CG = complexo
de Golgi. PRTIl = proteína relacionada com a tirosinase 1. PTAM =
proteína transportadora associada à membrana. TIR = tiro~ina e: GTP
= glutamiltranspeptidase. Dopa = diidroxifenilalanina. D = dopa-
cromotautomerase. DHI = 5,6-diidroxiindol. DHICA =; .ô-diidroxi-
indol-2-ácido carboxílico. PMEL = proteína estrutural. (Adaptado de
Sturm et al., 1998; Costin & Hearing, 2007.)
melanina d~~elanossomos para o citoplasma dos ceratinó-
citos aind~~l está completamente esclarecido, existindo três
possibilidades: 1) liberação de melanina dos melanossomos no
espaço intercelular por meio de exocitose seguida de fagocitose
do pigmento pelos ceratinócitos; 2) fagocitose dos terminais
dendríticos carregados de melanossomos pelos ceratinócitos; 3)
fusão de membranas celulares com a formação de um poro ou
túnel que conecta o citoplasma do melanócito com o do ceratinó-
cito, permitindo a transferência de melanina. Nos ceratinócitos,
os grânulos de melanina são transportados para a região acima
do núcleo, onde absorvem os raios ultravioleta, impedindo que
atinjam o núcleo e lesem o DNA. À medida que os ceratinócitos
se diferenciam e migram para as camadas mais superficiais da
epiderme, os melanossomos são digeridos pelos lisossomos, libe-
rando a melanina, que é eliminada junto com as células epiteliais
descamadas. A transferência da melanina para os ceratinócitos da
epiderme e dos folículos pilosos é uma etapa fundamental, pois
a pigmentação da pele e do cabelo é determinada primariamente
pela quantidade de pigmento transferido aos ceratinócitos.
Em pessoas de cor branca, não-expostas ao sol, melanossomos
são encontrados quase exclusivamente na camada basal da epi-
derme e, em menor grau, nos ceratinócitos situados acima dessa
camada. Nos indivíduos de cor negra, quantidades moderadas de
melanossomos são observadas em toda a espessura da epiderme,
inclusive na camada córnea. Além disso, nos indivíduos negros:
1) há maior produção de melanossomos pelos melanócitos; 2)
individualmente, os melanossomos apresentam maior grau de
melanização; 3) os melanossornos são maiores; 4) há dispersão
maior dos melanossomos nos ceratinócitos; 5) o índice de de-
gradação dessas organelas é menor.
Atuam na formação da melanina (melanogênese): 1) produtos
de pelo menos doze genes que regulam o desenvolvimento e
migração dos melanócitos, o controle da proliferação celular (p.
ex., via receptores do crescimento celular), proteínas estruturais
do melanossomo, a conversão de tirosina em DOPA e dopaqui-
nona (enzima tirosinase) e de dopacromo em DHICA (enzima
dopacromo tautomerase), a estabilização e manutenção dos
níveis de tirosinase e a maturação do melanossomo (proteína
relacionada com a tirosinase-I); 2) diversos hormônios, como
o hormônio estimulante do melanócito-« (a-MSH), ACTH,
estrógenos e progesterona, além do hormônio concentrante de
melanina identificado em algumas espécies de peixes e com
ação reguladora sobre a mudança de cor, provocando agregação
dos grânulos de melanina nos melanócitos; 3) luz solar, que,
através dos raios ultravioleta B, é o principal fator estimulante
da produção de melanina na espécie humana, aumentando o
número de melanócitos e melanossomos, produzindo maior
grau de melanização dos melanossomos e de transferência de
melanossomos para os ceratinócitos e aumentando a síntese e
o nível de atividade da tirosinase tanto nas formas maduras da
enzima quanto naquelas recém-sintetizadas; 4) níveis dietéticos
adequados de tirosina e fenilalanina, os quais, quando deficientes,
podem resultar em mudança da cor do pêlo de gatos, de negra
para castanho-avermelhada ou avermelhada, associada a redução
da quantidade de melanina no pêlo.
O ACTH e o a-MSH ligam-se ao MSHR (receptor do MSH)
na membrana plasmática dos melanócitos e levam a estimula-
ção da adenilato ciclase, aumento do AMP cíclico e ativação de
cinases, resultando em aumento da atividade da tirosinase, via
indução da proteína P e da proteína relacionada com a tirosinase-
1, e na formação de eumelanina. Aação dos raios ultravioleta
sobre a melanogênese parece ser mediada pelo aumento da
Pigmentações. Calcificações 147
produção de proopiomelanocortina (precursor do ACTH e a-
MSH), a-MSH, ACTH e MSHR. São várias as evidências em
favor desse mecanismo: 1) os raios ultravioleta B e o a-MSH
agem sinergicamente, aumentando o conteúdo de melanina na
pele de cobaias e camundongos; 2) injeção de a-MSH ou ACTH
em voluntários produz escurecimento da pele, que é intensamente
realçado nas áreas expostas ao sol; 3) exposição à luz solar re-
sulta em aumento dos níveis circulantes de a-MSH e ACTH em
cavalos e seres humanos; 4) pacientes com doença de Addison,
caracterizada por produção exagerada de ACTH, apresentam
escurecimento generalizado da pele, o qual é mais intenso nas
áreas expostas ao sol; 5) radiação ultravioleta B aumenta a síntese
e a atividade do MSHR, por meio do aumento da produção de
rnRNA para o MSHR e da redistribuição desse receptor para a
superfície celular, resultando em aumento da resposta ao a-MSH;
6) os raios ultravioleta B aumentam a produção de a-MSH e
ACTH e de rnRNA para a proopiomelanocortina.
Hiper e Hipopigmentação Me1ânicas
A produção excessiva e a redução da síntese de melanina,
respectivamente hiper e hipopigmentação melânicas, são fre-
qüentes e originam numerosas doenças, causadas por disfunção
de uma ou mais etapas da melanogênese. A hiperpigmentação
pode ser produzida por: 1) aumento do número de melanócitos
normais e neoplásicos; 2) incremento da melanogênese; 3)
produção de melanossomos gigantes; 4) defeito na eliminação
da melanina através da epiderme. As lesões hiperpigmentadas
mais comuns são as efélides (sardas), os nevos (Fig. 5.7) e os
melanomas. Ao lado dessas doenças, diversas substâncias podem
causar hiperpigmentação melânica, como medicamentos (sulfo-
namidas, hidantoína, cloroquina, levodopa), anticoncepcionais
orais, metais pesados (arsênico, bismuto, ouro, prata) e agentes
quimioterápicos (cicIofosfamida, 5-fluorouracil, doxorrubicina,
bleomicina).
A hipopigmentação pode ser congênita (p. ex., albinismo) ou
adquirida (p. ex., vitiligo), e é causada por: 1) migração e dife-
renciação anormal dos melanoblastos; 2) redução da atividade
Fig. 5.7 Pigmento melânico em melanócitos de lesão cutânea hiperpig-
mentada (nevo azul).
148 Patologia Geral
da tirosinase; 3) estrutura anormal dos melanossomos; 4) dimi-
nuição da melanização dos melanossomos; 5) redução da trans-
ferência dos melanossomos para os ceratinócitos; 6) aumento
da degradação dos melanossomos nos melanócitos. O albinismo
representa um grupo de doenças congênitas caracterizadas por
hipopigmentação melânica que pode envolver: 1) pele, cabelo e
olhos, denominada albinismo oculocutâneo (AOC), de herança
autossômica recessiva; 2) apenas os olhos, designada albinismo
ocular (AO), de herança recessiva ligada ao cromossomo X. O
albinismo oculocutâneo é produzido por mutação no gene da: l)
tirosinase, resultando em inatividade da enzima ou redução da sua
atividade (AOCl); 2) proteína P (AOC2, o tipo mais comum);
3) proteína relacionada com a tirosinase-I (AOC3); 4) proteína
transportadora associada com a membrana (AOC4).
Durante o envelhecimento, há perda progressiva da pigmen-
tação melânica dos pêlos, resultando na formação de cabelos
grisalhos e brancos. Admite-se que cabelos brancos decorram da
apoptose, provavelmente mediada por lesão do DNA mitocon-
drial pelo estresse oxidativo, resultando em redução acentuada
do número de melanócitos no folículo piloso. A formação de
cabelos grisalhos decorre da mistura de cabelos pigmentados e
brancos, além da diminuição do tamanho e número dos grânulos
de pigmento melânico e de melanossomos em folículos pilosos
isolados. A cor branca dos cabelos deve-se à reflexão da luz pela
ceratina do pêlo. Hipopigmentação melânica dos núcleos do tron-
co encefálico que contêm a neuromelanina é uma das alterações
patológicas mais evidentes na doença de Parkinson. A perda da
neuromelanina nessa doença deve-se à destruição progressiva
dos neurônios pigmentados da substância negra, locus ceruleus
e núcleo dorsal do vago.
ÁCIDO HOMOGENTÍSICO
É um pigmento em forma de grânulos de cor castanho-aver-
melhada ou amarelada, ocre (de argila, amarelo-pardacenta), que
se forma em pessoas com alcaptonúria, também conhecida como
ocronose. Essa rara doença, de herança autossômica recessiva,
deve-se a mutações no gene que codifica a enzima ácido homo-
gentísico l,2-dioxigenase, que degrada o ácido homogentísico
(ácido 2,5-diidroxifenilacético), um produto do catabolismo da
tirosina; deficiência da enzima impede a degradação do ácido
homogentísico, o que leva ao seu acúmulo no plasma e, eletiva-
mente, nas cartilagens, pele e tecido conjuntivo, com seu excesso
na urina. Quando exposta ao ar durante algum tempo ou na
presença de soluções alcalinas, a urina tem cor castanho-escura
(alcaptonúria), devido à oxidação do ácido hornogentísico em
benzoquinonas, que formam polímeros semelhantes à melanina.
Essa alteração de cor da urina representa o principal sinal pre-
.coce da doença. A deposição de ácido homogentísico e de seus
metabólitos no tecido cartilaginoso da orelha e do nariz, devido à
posição subcutânea dessas cartilagens e à sua semitransparência,
resulta numa cor negro-azulada à inspeção visual. Mais tarde,
pelo acúmulo em outros tecidos, podem desenvolver-se artropatia
degenerativa e lesão das valvas cardíacas.
LIPOFUSCINA
Chamada também de lipocromo, pigmento de desgaste, pig-
mento do envelhecimento e ceróide, entre outros, a lipofuscina
(do latimfilscus = marrom, portanto Iipídeo marrom) é conside-
rada um marcador biológico do envelhecimento celular. A lipo-
fuscina aparece como grânulos delicados intracitoplasmáticos,
pardo-amarelados, autofluorescentes e PAS-positivos (Fig. 5.8);
Fig. 5.8 Pigmento de lipofuscina no citoplasma de células musculares
cardíacas.
cora-se com alguns corantes dos lipídeos (Sudan e azul do Nilo) e
reduz os sais de prata. Ultra-estruturalmente, a lipofuscina é iden-
tificada como material eletrondenso circundado por membrana
trilaminar lisossômica típica. A composição do pigmento não está
ainda completamente definida, parecendo haver grande variação
em sua constituição quando analisada por método bioquímico
ou citoquímico. A lipofuscina contém principalmente proteínas e
lipídeos na proporção de 30-70% e 20-50%, respectivamente, sob
a forma de polímeros não-degradáveis derivados da degradação
oxidativa de várias macromoléculas celulares, como proteínas
modificadas pela adição de carboidratos (glicação), ácidos graxos
poliinsaturados, triglicerídeos, colesterol e fosfolipídeos, além de
traços de vários metais, principalmente ferro. A autofluorescência
da lipofuscina parece resultar da reação entre compostos carbonil
(principalmente aldeídos) e amino.
Do mesmo modo como o organismo substitui continuamente
a maioria das células dos diferentes tecidos e órgãos, as células
também renovam suas macromoléculas e organelas lesadas ou
que não são mais necessárias. A degradação desses componentes
se processa por meio de calpaínas, proteassomos ou autofagoci-
tose. Há evidência de que a formação de lipofuscina seja causada
pela peroxidação de material previamente autofagocitado no
interior de lisossomos. Lesão celular por ação de radicais livres
constitui a teoria do envelhecimento pelo estresse oxidativo.
Segundo essa teoria, a lesão celular e a formação de lipofuscina
seriam, portanto, resultantes da ação de radicais livres (02*, OH*,
HP2) produzidos no,metabolismo normal da célula a partir do
oxigênio molecular. E bem conhecido o efeito protetor de vários
antioxidantes, como a vitamina E, e da ingestão de dieta com
restrição calórica (na qual os processos oxidativos são reduzi-
dos) na formação da lipofuscina. Deficiência de antioxidantes,
como as vitaminas A, C e E, especialmente a última, resulta noefeito oposto. A fagocitose de constituintes celulares (p. ex.,
mitocôndrias, retículo endoplasmático, proteínas associadas aos
microtúbulos, proteínas do citosol), como ocorre normalmente
durante a autofagocitose, resulta no acúmulo dessas substân-
cias polimerizadas e peroxidadas em lisos somos secr dários,
algumas das quais são transformadas gradualment em corpos
residuais (pigmento de lipofuscina). A formaçã dos corpos
residuais decorre, portanto, do desequilíbrio entre o processo de
autofagocitose contínua e a incapacidade da célula de eliminar os
resíduos da autoôigestão. A presença e o acúmulo de ~ipofuscina
estão na dependência de: 1) aumento da autofagocitose ou da
captação celular de material não completamente degradável; 2)
redução da síntese e/oú da eficiência das enzimas proteolíticas
lisossômicas; 3) diminuição da eliminação de resíduos não-de-
gradáveis, por exemplo, por meio de exocitose ou diluição deles
através da divisão celular. Resumindo, a lipofuscina acumula-se
com o passar do tempo, em razão de que os processos respon-
sáveis pela sua formação e acúmulo (autofagocitose e produção
de moléculas de oxigênio reativas) ocorrem ao longo da vida. A
. Fig. 5.9 resume os principais mecanismos celulares envolvidos
na formação da lipofuscina.
Com o avançar da idade, a lipofuscina deposita-se espe-
cialmente em células pós-mitóticas, como neurônios, células
musculares cardíacas e esqueléticas e epitélio pigmentar da
retina. Algumas células que permanecem na fase G do ciclo
celular em atividade prõliferativa baixa, como os hepatócitos e
os astrócitos, também acumulam lipofuscina com o envelheci-
mento. As células-tronco e as células progenitoras não acumu-
lam lipofuscina porque estão em processo constante de divisão
celular, o que resulta em diluição contínua de macromoléculas
e organelas lesadas nas células-filhas, impedindo a formação
de corpos residuais. As células diferenciadas pós-mitóticas de
vida curta, como os ceratinócitos, enterócitos e hemácias, são
freqüentemente substituídas e, portanto, também não acumulam
quantidades significativas de corpos residuais. Os órgãos afeta-
dos pelo acúmulo de lipofuscina sofrem redução volumétrica
e ponderal e adquirem coloração parda (hipotrofia parda). Em
alguns neurônios motores de indivíduos centenários, a lipofus-
cina pode ocupar 75% do volume do pericário. A deposição de
lipofuscina nas células musculares cardíacas parece não afetar
a função do órgão. Por outro lado, acúmulo de lipofuscina no
epitélio pigmentar da retina associa-se à degeneração macular
relacionada com a idade, que é a principal causa de cegueira ou
distúrbio visual grave em humanos nos países desenvolvidos,
Metabolismo celular oxidativo
,[J.
Radicais Livres
(0;* OH* H202) ~
Autofagocitose de ,__J
macromoléculas e organelas
Degradação insuficiente pelas
enzimas lisossômicas
Acúmulo de polímeros não-degradáveis
de várias macromoléculas
Lipofuscina
Fig. 5.9 Principais mecanismos celulares envolvidos na formação da
lipofuscina no lisossomo. (Adaptado de Terman e Brunk, 1998.)
Pigmentações. Calcificações 149
afetando 10-20% dos indivíduos acima de 65 anos. A retina é
particularmente suscetível ao estresse oxidativo devido ao seu
alto consumo de oxigênio, elevada proporção de ácidos graxos
poliinsaturados e exposição contínua à luz. O pigmento acumula-
se também no miocárdio e no fígado de indivíduos desnutridos,
particularmente aqueles com caquexia.
Pigmentações Exógenas
Pigmentos diversos penetram no organismo junto com o ar
inspirado e com os alimentos ingeridos, ou são introduzidos
por via parenteral, como ocorre com as injeções e tatuagens.
As partículas depositam-se, em geral, nos pontos do primeiro
contato com as mucosas ou a pele; aí podem ficar retidas ou ser
eliminadas ou transportadas para outros locais pela circulação
linfática ou sanguínea, ou pelos macrófagos.
Dos pigmentos inalados, o mais freqüente é o carvão. Sua
deposição causa a antracose, encontrada nos fumantes e em
praticamente todo indivíduo adulto ou idoso morador nas grandes
ou médias cidades onde exista certo grau de poluição ambienta\.
Antracose ocorre também por inalação de fumaça liberada da
queima de combustível sólido derivado da biomassa utilizado no
preparo dos alimentos nas casas (p. ex., lenha, esterco), condição
essa denominada poluição de ar doméstica, pulmão da choupana
ou doença pulmonar por particulas adquiridas domesticamente.
A poluição de ar doméstica é uma situação comum em áreas rurais
e periurbanas dos países em desenvolvimento da Ásia, África
e América Latina, representando importante causa de doença
pulmonar nessas regiões. Uma vez inalado, opigrnento de car-
vãoi fagoci~adoyelos macrófagos alveolares e transportado aos
linfonodos regionais. O acúmulo progressivo do pigmento produz
"uma coloração negra nas partes afetadas, sob a forma de manchas
irregulares no parênquima dos pulmões (Fig. 5.10), na superfície
pleural e nos linfonodos do hilo pulmonar. Em trabalhadores de
minas de carvão, o grande acúmulo de pigmento nos pulmões
pode se acompanhar de fibrose e levar a diminuição considerável
Fig. 5.10 Pigmento de carvão na antracose pulmonar.
150 Patologia Geral
da capacidade respiratória. A degradação oxidativo-hidrolítica do
carvão resulta na formação de ácidos policarboxílicos que lesam
os componentes da parede alveolar. A antracose parece ser uma
das pigmentações exógenas mais antigas da espécie humana,
tendo sido identificada em múmias egípcias.
A argiria (do grego argyros = prata) é a deposição de sais
de prata nos tecidos, usualmente sob a forma de sulfeto de pra-
ta. Quando se deposita nos olhos, é conhecida como argirose.
Diversos fatores influenciam a capacidade dos sais de prata de
produzir efeitos tóxicos no organismo, como solubilidade do
metal, capacidade de se ligar aos diferentes tecidos e grau com
que os complexos de proteína-metal formados são seqüestrados
ou metabolizados e excretados. Quanto à solubilidade, sabe-
se que os compostos de prata orgânicos ou solúveis são mais
facilmente absorvidos do que a prata metálica ou os compostos
de prata insolúveis. A causa mais comum de argiria localizada
é a impregnação mecânica da pele, através das glândulas sudo-
ríparas, por minúsculas partículas de prata em indivíduos que
trabalham com esse metal (p. ex., trabalhadores de minas de
prata, manufatura de jóias, utensílios de prata, processamento
de material fotográfico etc.) e, raramente, uso de brincos. Ou-
tros procedimentos capazes de provocar argiria localizada são
trataniento odontológico em que se utiliza amálgama (mistura
metálica de mercúrio e prata), uso prolongado de medicamen-
tos tópicos que contêm nitrato de prata ou implantação cutânea
de agulhas de acupuntura. Nos casos de argiria sistêmica ou
generalizada, provocada pela ingestão ou inalação crônica de
compostos de prata solúveis (p. ex., nitrato de prata ou prata
coloidal), além da deposição do metal na pele e unhas, grânulos
de prata são encontrados em macrófagos dos linfonodos, células
de Kupffer, membrana basal dos glomérulos renais e globo ocular
(conjuntiva, córnea e retina). Foi relatada argiria sistêmica em
dois pacientes submetidos a hemodiálise por mais de 15 anos,
possivelmente pela contaminação da água utilizada.
As partículas de prata são visualizadas como grânulos arre-
dondados negros à microscopia de luz e grânulos fortemente
eletrondensos, de contorno arredondado ou ovalado e tamanho
variado (30-100 nm) à microscopia eletrônica. São encontradas
ao longo da borda externa das membranas basais das glândulas
sudoríparas (Fig. 5.11), em maior quantidade na porção glandular
quando comparada com a porção ductal, glândulas sebáceas, folí-
culos pilosos, junção dermoepidérmica e vasos sanguíneos, bem
como em fibras elásticas, ao redor de fibras nervosas mielínicas
e amielínicas e macrófagos da derme. A maior quantidadede
grânulos de prata na porção glandular das glândulas sudoríparas
e sempre ao longo da borda externa da membrana basal sugere
que o metal, carreado pelo líquido intersticial que flui dos vasos
sanguíneos para a produção de suor, é seqüestrado ao nível da
membrana basal, que atua como barreira. Tanto na argiria loca-
lizada quanto na sistêmica, a pele afetada tem cor cinza-azulada
permanente, mais pronunciada nas áreas expostas ao sol. A luz
solar provoca redução dos cômpostos de prata, com formação
de prata metálica, a qual é oxidada nos tecidos, resultando em
complexos de proteína-sulfeto de prata capazes de estimular a
produção de melanina. A argiria é atualmente menos comum do
que no passado, em razão da diminuição do uso de medicamentos
à base de prata e da redução da exposição ocupacional.
A deposição de ouro nos tecidos, condição rara denominada
crisíase (do grego khrisós = ouro), é causada pelo uso terapêutico
parenteral prolongado de sais de ouro (crisoterapia), como na
artrite reumatóide, e após implantação de agulhas de acupuntura.
As partículas de ouro, sob a forma de grânulos negros densos e
Fig. 5.11 Argiria. Depósito granular de prata na membrana basal das
glândulas sudoríparas. (Cortesia do Prof. Tancredo A. Furtado, Belo
Horizonte.)
irregulares, maiores do que os grânulos de prata, amorfos e em
forma de pequenos bastonetes e esferas, são vistas nos fagoli-
sossomos dos macrófagos da derme papilar e reticular. Quando
tratados com ósmio e acetato de uranila para análise à micros-
copia eletrônica, os depósitos de ouro são mais eletrondensos
e têm forma estrelada. Sob luz polarizada cruzada, apresentam
birrefringência vermelho-alaranjada intensa. A pele tem cor
cinza-azulada permanente nas áreas expostas ao sol, notando-se,
em correspondência, hiperpigmentação melânica, provavelmente
estimulada pela deposição de ouro na derme. Inicialmente, é
afetada a região periorbital, estendendo-se progressivamente à
face, pescoço e membros superiores.
A tatuagem é uma forma de pigmentação exógena usualmente
limitada à pele, que resulta da introdução de pigmentos insolúveis
na derme, acidental (p. ex., em mineiros) ou propositadamente.
No último caso, os pigmentos são inoculados com agulhas para
formar gravuras ou inscrições. As tatuagens são permanentes ou
transitórias, conforme o pigmento seja introduzido, respectiva-
mente, na derme ou no estrato córneo da epiderme. A utilização
proposital de tatuagens é observada particularmente em jovens,
militares e presos, muitas vezes como um meio de expressar a
própria identidade. Para alguns adolescentes e jovens, a expres-
são de individualismo e comportamento rebelde é alcançada,
inclusive, por meio de tatuagem e piercing. Em diversos grupos
populacionais africanos, a tatuagem é empregada com a finalida-
de de indicar o status social do indivíduo ou a sua identificação
no clã ou na tribo. A tatuagem pode ser utilizada também com
finalidades estéticas (p. ex., na face) e para camuflar cicatrizes
em que houve perda do pigmento melânico. Em oftalmolog~
tem sido utilizada sob a forma de tatuagem no estroma da córríea
(ceratografia) como modalidade de tratamento do leucoma e de
outras alterações da córnea, e para correção de anormalidades
anatõmicas da íris, muitas delas com repercussões visuais e/ou
Absorção intestinal Reabsorção800~\d/ óssec
~f:::r;;.:t:::.=<qn/ Plosrno
Calcemia 8,8 a 10.4 mg%
/
\~ Aposlção
~ ósseo
Deposição em tecidos
Não-osteáides
Sadios - calcificação metastático
Lesados - colcificoção distrófica
estéticas.zí.lma variante de tatuagem é a empregada durante o
proce~~nto de endoscopia gastrintestinal, a cromoendoscopia,
na qual substâncias químicas diversas (corantes vitais, nanquim)
são utilizadas para identificar tipos específicos de células epi-
teliais ou para realçar características da superfície da mucosa
gastrintestinal, facilitando o reconhecimento de pólipos dimi-
- nutos ou permitindo melhor direcionamento da biópsia, como
na doença celíaca e no esôfago de Barrett. A modalidade de
tatuagem transitória mais conhecida é a que utiliza hena natural
ou mistura de hena com parafenilenodiamina e/ou diaminoto-
lueno, substâncias utilizadas para escurecer a hena e acelerar o
processo de impregnação da pele pelo corante. A hena é uma
planta conhecida como Lawsonia inermis ou Lawsonia alba,
cujo princípio ativo encontrado nas suas folhas é a 2-hidroxi-
l,4-naftoquinona, amplamente empregada na tintura de cabelo
e de roupas à base de couro, seda e lã. A tatuagem com hena é
tradicionalmente praticada por muçulmanos e hindus. Nos casos
de mistura de hena, tem sido utilizada particularmente por turistas
que viajam para países onde essa prática de ornamentação do
corpo é comum.
A composição química dos compostos utilizados na tatuagem
varia amplamente e inclui corantes orgânicos, metais e solven-
teso Os elementos mais comumente identificados nas tintas são
alumínio, oxigênio, titânio e carbono. O pigmento inoculado na
pele é fagocitado pelos macrófagos da derme e, em menor escala,
pelas células endoteliais e por fibroblastos, sendo encontrado
também na matriz extracelular; discreto infiltrado inflamatório
linfocitário é também observado. A reação cutânea à lesão me-
cânica produzida pelas agulhas, aos grânulos do pigmento e ao
solvente é discreta e passageira. Há casos, entretanto, de reação
alérgica aos pigmentos introduzidos na tatuagem, usualmente
pigmentos vermelhos à base de sais de mercúrio e cádmio, e
corantes azoaromáticos. Uma pequena quantidade do pigmento é
transportada pelos linfáticos locais aos linfonodos regionais, onde
é fagocitado pelos macrófagos. Quando inoculados na córnea, os
pigmentos são fagocitados pelos ceratinócitos. Nos indivíduos
com tatuagens extensas, pode haver linfadenomegalia. Caso não
Dieto \600 o 1.000 mg Ca/dio
Excreção do Ca
Fecal- 760mg/dio
Urinária - 100 o 300 mg/dio
Pigmentações. Calcificações 151
sejam tomadas medidas cuidadosas de esterilização das agulhas,
o procedimento de tatuagem pode transmitir diversos agentes
infecciosos, virais e bacterianos. A existência de tatuagens em
doadores de sangue aumenta o risco para transmissão de doenças
infecciosas como hepatites virais B e C e sífilis. Pode haver tam-
bém transmissão do HIV, embora não haja ainda comprovação.
Além disso, a tatuagem pode ser causa de estresse psicológico,
social e financeiro nos indivíduos submetidos a esse procedimen-
to e que, posteriormente, desejam sua remoção, com a finalidade
de melhorar a própria imagem ou devido a estigma social. Nos
indivíduos que utilizam a mistura de hena, as substâncias usadas
na mistura, particularmente o parafenilenodiamina, podem causar
dermatite de contato.
CALCIFICAÇÕES
O corpo humano adulto possui entre 1 e 2 kg de cálcio, dos
quais 99% estão localizados no esqueleto e dentes, na forma
de fosfato básico de cálcio ou hidroxiapatita. A cada dia, cerca
de 500 mg de cálcio são mobilizados dos ossos pela osteólise
osteocítica e redepositados no novo tecido osteóide aposto. A
quantidade de cálcio necessária na dieta muda ao longo do tempo.
Necessita-se de mais cálcio durante a fase de crescimento para
consolidar o esqueleto, de um pouco menos durante a fase adulta
e de um pouco mais na idade avançada para prevenir a osteopenia.
Em uma dieta normal, ingere-se de 600 a 1.000 mg de cálcio
por dia, e a maior parte é excretada pelo tubo intestinal (cerca
de 760 mg/dia), pelos rins (100 a 300 mg/dia, proporcional à na-
triurese) e pelo suor. A absorção do cálcio se faz no duodeno por
transporte ativo dependente de proteínas, e é inibida quando há
deficiência de vitamina D, uremia, ou excesso de ácidos graxos. A
calcemia normal fica entre 8,8 e 10,4 mg% (2,2 a 2,6 mM) (Fig.
5.12). A manutenção desses níveis adequados de cálcio é parte
importante no tratamento de diversas enfermidades e merece a
atenção de vários profissionaisda saúde. No plasma, o cálcio
Fig. 5.12 Metabolização do cálcio no organismo.
152 Patologia Geral
encontra-se sob a forma de íons livres (importantes na regulação
da coagulabilidade sanguínea e na contração muscular - hipo-
calcemia causa tetania), ligado a proteínas (50% da calcemia) ou
como complexos difusíveis. Quando sais (fosfatos, carbonatos,
citratos e outros) de cálcio são depositados em tecidos frouxos
não-osteóides, enrijecendo-os, dá-se o nome de calcificação ou
mineralização patológica. Apesar de constituírem um capítulo
próprio dentro da Patologia, as calcificações associam-se a vários
processos patológicos (p. ex., necroses, degenerações) e podem
ocorrer em virtualmente qualquer lesão antiga.
Apesar de essencial, o cálcio é um elemento tóxico para as
células. Por essa razão, existem mecanismos diversos e comple-
xos para manter um elevado gradiente de concentração, de modo
a manter o cálcio intracitoplasmático em nível rigorosamente
baixo, o que permite seu papel como segundo mensageiro na
tradução de sinais intracelulares; por esse mecanismo, o cálcio
participa de importantes processos fisiológicos, como ativação,
secreção, contração, exaustão e, até mesmo, morte celular.
A deposição patológica de sais de cálcio nos tecidos ocorre
sob duas formas: 1) caIcificação distrófica, que afeta tecidos
lesados e não depende dos níveis plasmáticos de cálcio e fósforo;
2) calcificação metastática, na qual a precipitação dos sais em
tecidos normais resulta de um estado de hipercalcemia. A distin-
ção entre os dois tipos de calcificações muitas vezes é artificial,
já que o aspecto morfológico final é semelhante. Ao lado disso,
deposição de cálcio nos tecidos sadios com alguma freqüência
determina lesão nesses tecidos; por outro lado, hipercalcemia
favorece a deposição de cálcio nos tecidos lesados, intensificando
a calcificação distrófica. Entretanto, a presença de sinais de lesão
prévia aliados a maior intensidade da deposição calcárea sugere
calcificação distrófica. A distribuição e localização dos depósitos
também podem ter valor na diferenciação entre calcificação
distrófica e metastática. Por vezes, o termo calcinose é utilizado
como sinônimo de calcificação metastática extensa; pode também
designar a calcificação da derme e do tecido subcutâneo (calei-
nose cutânea), independentemente da sua causa.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE
CaIcificação distrófica é mais freqüente do que a metastá-
tica e ocorre de maneira mais localizada, em especial no tecido
conjuntivo fibroso hialinizado de lesões antigas de progressão
lenta, como na parede de vasos esclerosados (p. ex., placas
ateromatosas, arteriosclerose de Monckeberg, artérias uterinas
de mulheres idosas; Fig. 5.13), em tendões, em valvas cardíacas
(Fig. 5.14) e em alguns tumores (p. ex., leiomiomas uterinos,
meningiornas, carcinomas mamários, tumores papilares da
tireóide e do ovário).
Calcificação distrófica ocorre também em áreas de necrose
antiga e não-reabsorvida, como na tuberculose pulmonar (Fig.
5.15) ou de linfonodos, em infartos antigos, ao redor de parasi-
tas e larvas mortos, na necrose enzimática do tecido adiposo da
pancreatite aguda, em abscessos crônicos de difícil resolução e
em trombos venosos crônicos (flebólitos). Se os detritos celulares
existentes nessas lesões não são adequadamente degradados,
fagocitados ou reabsorvidos durante a resolução do processo
inflamatório, eles funcionam como matriz orgânica em saponi-
ficação que favorece a deposição de sais de cálcio. Em órgãos
tubulares (duetos e vesículas), a calcificação envolve núcleos
orgânicos de detritos celulares e células descamadas.
Os cristais de fosfato básico de cálcio depositados nas cal-
cificações patológicas são similares à hidroxiapatita do osso. O
processo de calcificação patológica tem, 'portanto, várias seme-
Fig. 5.13 Calcificação distrófica da camada média de artéria uterina.
lhanças com a mineralização óssea fisiológica. A calcificação
é um processo ativo, mediado por células, que resulta do dese-
quilíbrio entre fatores promotores e inibidores da mineralização.
A deposição ocorre em duas etapas: iniciação (ou nucleação) e
crescimento (ou propagação). A nucleação é a acomodação dos
hexágonos de fosfato básico de cálcio na intimidade de estruturas
denominadas vesiculas da matriz ou de moléculas de colágeno
ou de osteonectina, podendo ter lugar tanto dentro quanto fora
de células. A fase intracelular ocorre nas mitocôndrias de células
mortas ou lesadas; a extracelular se faz nas vesículas da matriz,
que são organelas extracelulares com composição e atividade
enzimática distintas das membranas plasmáticas que lhes deram
origem. As vesículas da matriz possuem 30 a 1.000 nm de diâ-
metro e originam-se de células degeneradas, necróticas ou em
apoptose, na vizinhança da área de calcificação. Fosfolipídeos
ácidos (como a fosfatidilserina) e proteínas (como as anexinas)
presentes nessas vesículas agem como captadores de cálcio.
Além disso, fosfatases e metaloproteinases também presentes
nessas vesículas estabilizam a precipitação de fosfato com o
cálcio, reprimindo os mecanismos inibitórios da cristalização,
representados pelos pirofosfatos e proteoglicanos. A proteólise
destes aumenta a cristalização do fosfato básico de cálcio por
Fig. 5.14 Nódulos calcificados nas semilunares da valva aórtica.
Fig. 5.15 Tuberculose pulmonar antiga. Nódulo fibrosado e calcifi-
cado.
permitir maior mobilidade de íons, facilitando a saturação
dos fluidos extracelulares. Corpos apoptóticos (com altos
níveis de Ca " e fosfato inorgânico - similares aos que
ocorrem nas vesículas da matriz) e produtos de degradação
da membrana celular resultantes da desintegração celular
freqüentemente participam também como núcleos de calei-
ficação. A propagação começa com a ruptura das vesículas
da matriz ancoradas ao colágeno pela anexina V, liberando
cristais já formados para a progressão autocatalítica; esta
é influenciada por múltiplos fatores extracelulares, como
níveis de cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, análogos da
osteocalcina, osteopontina e vitamina D, pH local, proteínas
contendo ácido v-carboxiglutâmico, balanço hormonal, su-
primento sanguíneo, alterações na razão entre bicarbonatos
e CO2 e soluções de continuidade de tecidos moles. A Fig.
5.16 resume as etapas da calcificação.
A calcífícação metastática é mais disseminada no or-
ganismo e decorre de: (1) absorção aumentada de cálcio no
tubo gastrintestinal por excesso de vitamina D, sarcoidose
(quando macrófagos ativam um precursor da vitamina D) ou
hipercalcemia idiopática do lactente (síndrome de Williams,
caracterizada por sensibilidade anormal à vitamina D); (2)
mobilização excessiva de cálcio dos ossos por imobilização
prolongada, osteólise (mieloma ou metástases ósseas difusas)
e doença de Paget óssea; (3) aumento do paratormônio, por
hiperparatireoidismo (primário ou secundário) ou síndrome
paraneoplásica (Fig. 5.17).
Insuficiência renal crônica provoca retenção de fosfatos
(hiperfosfatemia por hipofosfatúria), o que provoca maior
secreção de paratormônio (hiperparatireoidismo secundário)
no sentido de se equilibrar a relação cálcio/fósforo no sangue.
A mobilização excessiva de cálcio dos ossos no hiperparati-
reoidismo, às vezes ultrapassando o limiar de solubilidade do
cálcio e fósforo no plasma, favorece sua deposição nos tecidos
e, portanto, a calcificação.
Cerca de 5% dos pacientes com carcinomas, principalmente
mamário e pulmonar, podem apresentar hipercalcemia, seja pela
secreção de proteínas que mimetizam a ação do paratormônio
(síndrome paraneoplásica), seja pela osteólise provocada por
Pigmentações. Calcificações 153
INICIAÇÃO (NUCLEAÇÃO)
Célula em Célula em Célula em
degeneração necrose apoptose
~l~OdO Lb,ono~
plasmática
••• - > •••
•~~~'t:oo:"t':':';~,:J,~ 1S;..t;"
~ '~ ~'~ 4 ~u;~~~..t'.~
Formação de vesículas
Captação e damatriz
~~8 7~
<JJ~~
/ 0
CRISTALIZAÇÃO Fosfalases e metaloproteases
Saturação e precipitação
do rosroto básico de cálcio
Cológeno
Ruptura das vesículas
da matriz ancoradas
ao colágeno pela
anexlna
Lxroo_=o
progressão autocalalítica
FATORES ESTIMULADORES FATORES INIBIDORES
• Proteínas contendo ácido
y-carboxlglutâmlco
• Pirofosfatos
• Gllcosamlnogllcanos
• NíveiSextracelularesde:
cólclo, fósforo, rosrotcse alcalina,
vitamina D3'osteocalclna,
osteopontina e osteonectina
• pH local (alcalino)
• Balanço hormonal
• Alteração relação blcarbonato/C02
• Suprimento sanguíneo
• Solução de continuidade de tecidos
moles
Fig. 5.16 Etapas da calcificação.
154 Patologia Geral
Hiperparafireoidisrno
Primário
(hiperplasia ou neopla-
sia das paratireóidesj
Renal
~~
~1,25 OH2D3
fJ
tPTH
Secundário
Nutricional
Retenção P04
f
Herbívoros:
Excesso de grãos (t P04-)
Deficiência de gramíneas
Carnívoros:
Carne tt P04-)
Ausência de ossos e de
suplementação de Ca + +
Hipocalcemia Hiperfosfatemia
f f
HIPERPARATIREOIDISMO
f
t Reabsorção óssea
fOutros tumores
Hipercalcemia
f
CALCIFICAÇÃO
Absorção
intestinal Co" +~ <., Intoxicação com Vit. D3Ingestão de:
So/anum ma/acoxy/on
Cestrum diurnum
Fig. 5.17 Hiperparatireoidismo e hipervitaminose D na calcificação metastática.
metástases ósseas. No entanto, a maioria desses pacientes não
sobrevive o tempo suficiente para ocorrer calcificação metastática
de importância clínica.
Em termos de Patologia comparada, merece ainda ser citado o
hiperparatireoidismo secundário nutricional, que afeta principal-
mente animais carnívoros domésticos ou de zoológico e herbívoros
alimentados com excesso de grãos. Dieta exclusiva em carnes e
vísceras e a ausência de ossos ou de suplementos de cálcio em car-
nívoros, assim como o excesso de grãos e deficiência de gramíneas
na dieta de herbívoros, com freqüência acarretam hiperfosfatemia,
que determina maior secreção do paratormônio.
Em várias partes do mundo, herbívoros que utilizam pastagens
com Solanum malacoxylon (vegetal comum em regiões que fi-
cam alagadas por certo período do ano, conhecido popularmente
como "espichadeira" ou "enteque seco") e Cestrum diurnum
(solanácea existente nos EUA) mostram deposição de sais de
cálcio em vários tecidos moles, incluindo aorta, rins, tendões,
ligamentos articulares e coração. O princípio ativo dessas plantas
é semelhante ao da forma mais ativa da vitamina D, o 1,25-dii-
droxicolecalciferol. Excesso desse composto estimula a síntese de
proteínas captadoras de cálcio e a absorção intestinal do mesmo,
gerando hipercalcemia e calcificação metas tática.
ASPECTOS MORFOLÓGICOS. Enquanto a calcificação dis-
trófica ocorre de forma localizada, a metastática tende a ser
generalizada, embora seja mais comum nos rins, pulmões,
coração e parede das artérias. Aparentemente, o pH alcalino
ao longo das membranas basais dos vasos desses órgãos
favorece a precipitação dos sais de cálcio. Quando rnacros-
copicamente reconhecida, a área calcificada apresenta-se
como grumos, grânulos, nódulos ou áreas de consistência
firme, pétreas ou arenosas, resistentes ao corte, com colo-
ração brancacenta ou acinzentada. À tentativa de secção, a
faca "range" ao corte. Os locais calcificados são radiopacos
aos raios X. Na mama, calcificações associam-se a diversas
lesões, benignas ou malignas; o padrão dos focos de calcifica-
ção aos raios X varia de acordo com a lesão e pode fornecer
informações valiosas sobre o seu diagnóstico.
À microscopia de luz, verifica-se acidofilia inicial, com
aparecimento depois de grumos basófilos (podendo simular
bactérias) que confluem ou crescem formando grânulos
maiores, às vezes fragmentados devido à microtomia. Em
alguns casos, formam-se lamelas concêntricas de deposição
dos minerais, caracterizando os chamados corpos psamo-
matosos. Na asbestose pulmonar, as partículas de amianto
inalado podem ser mineralizadas com sais de cálcio e ferro,
formando imagens de halteres. A cor da região calcificada é
azul-escura ou roxa na coloração de HE, vermelho-escarlate
à alizarina vermelha S de Langeron (mais específica para
cálcio) e negra à coloração de von Kossa (impregnação
com nitrato de prata, que detecta fosfatos, inclusive o de
cálcio).
À microscopia eletrônica, a calcificação é mais bem
evidenciada utilizando-se o piroantimonato de potássio, que
produz precipitados eletrondensos com o cálcio, tornando-o
facilmente evidenciável. Tais precipitados são vistos, inicial-
mente, sobretudo nas mitocôndrias e nas vesículas da matriz
das membranas. /
CONSEQÜÊNCIAS. COMPIlCAÇÕES
As conseqüências da calcificação dependem do local e da
intensidade da deposição dos sais. Em geral, os depósitos de cál-
cio são inócuós e inertes, apesar de permanentes e irreversíveis.
Calcificação distrófica geralmente não tem grandes repercussões
para o organismo, exceto se atinge valvas cardíacas (quando
pode causar estenose ou insuficiência valvar), complica placas
ateromatosas ou favorece a formação de cálculos. Quando ocorre
em lesões da tuberculose, nos abscessos crônicos e nos aneuris-
mas verminóticos, a calcificação distrófica pode ser considerada
benéfica, uma vez que encarcera o agente agressor.
A calcificação metas tática em geral não tem repercussões
clínicas expressivas, sendo a condição hipercalcêmica mais
importante do que a calcificação em si. Entretanto, pode ocorrer
insuficiência respiratória, quando há comprometimento extenso
dos pulmões, ou renal, quando se formam depósitos maciços nos
rins (nefrocalcinose).
Metaplasia óssea ou ossificação heterotópica é conseqüência
comum das calcificações, ocorrendo transformação dos fibro-
blastos e células mesenquimais indiferenciadas em osteoblastos
e formação de tecido osteóide.
Cálculos
Dá-se o nome de cálculos (do latim ealeulus = pedra de con-
tar) ou concreções (do latim eoneretione = material endurecido)
ou ainda litíase (do grego lithos = pedra) às massas esferoidais,
ovóides ou facetadas, sólidas, concretas e compactas, de consis-
tência argilosa a pétrea, que se formam no interior de órgãos ocos
(bexiga, vesícula biliar), cavidades naturais (peritoneal, vaginal do
testículo), condutos naturais (ureter, colédoco, dueto pancreático
ou salivar) ou no interior de vasos. O mecanismo de formação dos
cálculos não difere muito dos já citados na calcificação distrófica. O
pH alcalino, a alta concentração de carbonato e de fosfato de cálcio
no local, a estase do fluxo e infecções e inflamações facilitam a
precipitação sucessiva dos sais inorgânicos ao redor de um núcleo
orgânico, formado por agregados de células descamadas, grumos
bacterianos, massas de fibrina ou de mucina, corpos estranhos
etc.; como resultado, os cálculos apresentam estrutura radiada ou
camadas concêntricas dos elementos depositados.
Como norma geral de nomenclatura, utiliza-se um termo
designativo do local de formação ou origem acrescido do sufixo
litiase para denominar a ocorrência do fenômeno e do sufixo
fito para denominar o cálculo. Como exemplos mais freqüentes,
citam-se os cálculos biliares (colelitíase e colélitos), urinários
(urolitíase e urólitos), brônquicos (broncolitíase e broncólitos),
salivares (sialolitíase e sialólitos) e vasculares, estes formados
a partir de trombos (flebólitos e arteriólitos). Menos freqüentes
são os cálculos prepuciais, devido à mineralização do esmegma
no sulco balanoprepucial nos casos de fimose; os rinólitos da
cavidade nasal e os cálculos arnigdalianos.
Cálculos microscópicos ou microconcreções são também
chamados de corpos arnilóides ou arniláceos (eorpora amylaeea).
Estes são geralmente concêntricos e hialinos, e freqüentes nos
ácinos prostáticos.
Por último, merecem ser lembradas as chamadas pseudoeon-
ereções (fecalitos, cíbalos ou fecalomas). Trata-se de material
fecal dessecado, endurecido, em conseqüência

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