Prévia do material em texto
2 3 4 “Somos o que fazemos, mas somos principalmente o que fazemos para mudarmos o que somos”. Eduardo Galleano. 5 A meu Pai, Francisco Romualdo de Souza, que ajudou a alimentar a realização deste sonho, por acreditar no meu potencial, mesmo quando não me achava capaz de superar as dificuldades impostas pela vida e que, infelizmente, não está mais aqui para vê-lo realizado. A minha esposa, Sueli Urtiga, que abriu mão do seu crescimento profissional, para cuidar da educação de nossos filhos, fazendo com que meus sonhos fossem realizados. 6 O AUTOR O desejo de escrever este livro vem desde 2005, quando terminei o mestrado em Engenharia de Produção, onde além de receber o incentivo da banca examinadora para transformá-lo num livro e, finalmente, concretizou-se pelo interesse recente mostrado pelas indústrias da nossa região. O interesse pela influência de novas tecnologias nas organizações é estudado por autores das mais diversas áreas (como a sociologia do trabalho, psicologia social, organizações e gestão e engenharia de produção). Dentre esses, pode-se destacar, ANTUNES (1989), RUAS et al. (1989) e SELEME & ANTUNES (1990). Entretanto, na maioria dos casos, esses estudos restringem-se a poucas variáveis estruturais e processuais, bem como a determinadas tecnologias. De maneira geral, o impacto das inovações tecnológicas, quer seja analisado pela ótica estrutural, quer pela comportamental, busca o entendimento dos efeitos deste tipo especial de mudança sobre a estrutura e o funcionamento da organização. Neste contexto, esta pesquisa visa aprofundar os conhecimentos existentes na área, utilizando-se de enfoque estrutural para analisar detalhadamente a relação entre as variáveis: inovação tecnológica e controle organizacional. Destaca-se que a escolha do sistema just-in-time, enquanto tipo de inovação organizacional adotado no setor de costura de calçados, advém do fato de que se tem caracterizado, na prática, como uma das formas mais abrangentes e efetivas de modernização do setor. Como enfatiza Prochnik (1990), o sistema just-in-time vem conseguindo solucionar uma série de problemas clássicos no setor, preparando-o para confrontar e, mesmo, superar os concorrentes internacionais, que despertaram há mais tempo para a evolução da tecnologia calçadista. O controle, por sua vez, tem sido estudado com ênfase pelos teóricos marxistas e neomarxistas, enquanto categoria de análise vinculada à questão poder/autoridade (Faria, 1985, p. 47-48). Todavia, as modificações no controle provocadas pela adoção de inovação organizacional como o sistema just-in-time, são ainda 7 pouco estudadas. A utilização de novos paradigmas apresenta-se como estratégia adotada pela empresa estudada. Assim, torna-se relevante o objetivo de verificar o impacto que o sistema just-in-time provoca no controle organizacional e, conseqüentemente, as interferências que isto irá provocar na estrutura da organização. Na prática, espera-se que o presente livro possa oferecer subsídios aos níveis gerenciais e produtivos não só da empresa estudada, sobre o impacto que a adoção de inovação organizacional como o just-in-time provoca no sistema de controle. Desta forma, pretende-se gerar feedback sobre o modo como o sistema de controle se apresenta após a implantação do just-in-time, levantando e sistematizando informações para eventuais futuras mudanças. Este livro apresenta os resultados da adaptação do sistema de produção Just-in-Time, na configuração do sistema de controle organizacional de uma indústria calçadista, que possibilitou analisar em detalhes os controles sobre o processo produtivo, controle de qualidade, bem como sobre as pessoas. Esse desafio da introdução do Just-in-Time é a única forma pela qual a indústria ocidental pode sobreviver. Isso significará mudanças para todas as empresas - mudanças drásticas. Como uma pessoa doente, algumas empresas podem não sobreviver à operação, mas sem ela a perspectiva é a de uma morte lenta. O título deste livro, Just in Time: O impacto provocado pela sua implantação, relaciona-se com o objetivo negocial de redução, e eventual eliminação, de estoque; um objetivo cuja descrição, na verdade, esconde seu real valor, que é muito maior. Através de uma avaliação longitudinal, foram focalizados os momentos anterior e posterior à introdução do Just-in-Time no setor de costura de uma fábrica satélite do grupo Alpargatas. Os resultados obtidos apontam para a ocorrência de uma série de alterações no sistema de controle organizacional, como a intensificação dos controles sobre as pessoas, a modificação dos mecanismos do controle de qualidade e, por último, a diminuição dos níveis hierárquicos, paralelamente ao aumento da amplitude de controle dos supervisores, no nível operacional. 8 9 AGRADECIMENTOS A pesquisa na qual este livro está baseado abrange um período de 13 anos, onde trabalhei na Alpargatas. Nesse período, conheci e trabalhei com muitas pessoas, cada uma das quais deu sua contribuição a minha experiência, de uma ou de outra forma. Listá-Ios poderia correr o risco de ser injusto com alguém, assim, espero que aqueles que não foram mencionados me perdoem e saibam que não foram esquecidos. Gostaria de fazer um agradecimento especial a minha esposa, cuja paciência e apoio a minha obsessão a meu trabalho tornou tudo possível. Também gostaria de agradecer especialmente ao Dr. Paulo Ghinato, que, nos meus últimos anos de Alpargatas, proporcionou- me a amplitude e profundidade de conhecimentos necessários para me possibilitar colocar os conceitos em prática. Devo incluir também o pessoal das fábricas satélites, os supervisores: Marco Túlio, Isabel, Leandro, Murilo, Belinda, Heraldo, Cleiton, e suas equipes de colaboradores, que sem eles o projeto não teria sido posto em prática. Finalmente, meus colegas da Unidade Acadêmica de Engenharia de Produção da UFCG, aos amigos e colegas de profissão pelas trocas de experiências, pelas discussões em grupo, pelo incentivo e caminhada em conjunto. 10 1.INTRODUÇÃO No Brasil, até pouco tempo, as empresas industriais não se preocupavam com a competição internacional pelo mercado interno em função das restrições protecionistas às importações. Hoje, com a gradual derrubada das barreiras alfandegárias, aquele panorama mudou. De cerveja a automóveis, os produtos importados já competem com os nacionais pelo mercado interno, estabelecendo novas bases para a competição. Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, a produção dava-se de forma praticamente artesanal. O mercado encontrava- se praticamente inexplorado, em franca expansão. O grande aumento de produtividade conseguido com a produção mecanizada em substituição ao artesanato, garantia posição extremamente confortável às empresas emergentes. A partir da segunda década do século XX, com o advento da administração científica de Taylor e da linha de produção Ford, a lógica da produção capitalista modificou-se, havendo enormes melhorias na produtividade industrial, devido principalmente à especialização do trabalho, a padronização dos produtos e de peças. Isto foi conseguido porque a demanda do mercado era superior à produção e, assim, os produtos padronizados e similares encontravam consumidores receptivos àqueles itens. Gradativamente, a produção não vem mais sendo efetuada em linhas rígidas, passando a necessitar de flexibilidade para a introdução de novos modelos e freqüentes alterações nos produtos. Outra restrição imposta pela competição é a da redução contínua dos preços de venda, significando que as imperfeições e ineficiências têm que ser sistematicamente reduzidas. Desta maneira, a situação que se apresenta atualmente para a indústria calçadista é de um mercado competitivo, com produtos de baixo preço, boa qualidade,com modificações de projeto, curta vida útil e muitos modelos diferentes à escolha do cliente. Para lograr êxito neste tipo de mercado, a empresa precisa produzir eficientemente, tornando-se empresa de “fabricação classe universal”. O efetivo controle das atividades produtivas é condição indispensável para que qualquer empresa possa competir em 11 igualdade de condições com seus concorrentes hoje em dia. Sem este controle, ou seja, sem a capacidade de avaliar o desempenho de suas atividades e de intervir rapidamente para a correção e melhoria dos processos, a empresa estará em desvantagem frente à competição mais eficiente. Visando superar esta dificuldade, pode-se fazer comparação entre o sistema produtivo de uma empresa moderna e o de uma empresa tradicional, para se ter idéia das mudanças ocorridas em busca da competitividade. Enquanto a empresa tradicional calçadista não necessitava de aprimoramento contínuo da eficiência (pois o mercado com menos concorrência absorvia as ineficiências e suportava preços razoavelmente altos), uma das principais preocupações da empresa moderna é a da busca incessante pela melhoria da produtividade e eficiência. Desta forma, a produção da empresa deve ser feita de maneira a evitar - ao máximo - ineficiências decorrentes de má qualidade, trabalhos improdutivos etc. As atividades que não colaboram efetivamente à agregação de valor ao produto devem ser reduzidas sistemática e continuamente, da mesma maneira que não se pode tolerar qualquer tipo de perda no processo produtivo. Na realidade, a prática de mudança ainda é pouco conhecida. Embora se esteja já no início do terceiro milênio, muitas organizações – tanto brasileiras quanto mundiais – ainda adotam modelos clássicos de produção, considerados atualmente ultrapassados e retrógrados. Ocorre é que, boa parte das empresas encara as mudanças como assunto difícil, vago, desconhecido, árido, complexo e incerto. Terreno movediço e perigoso. Algumas não conseguem entrar em programa consistente de mudanças, por não terem idéia nítida de como implementá-lo de forma estruturada e bem sucedida. As organizações, ainda que de forma despercebida, insistem em se comportar como sistema imunológico, que é contrário, além de eliminar qualquer corpo estranho em seu funcionamento diário. Na administração chamada clássica – início do século – ainda não se dava ênfase ao ambiente, ou seja, as organizações eram tratadas como sistemas fechados e sua permanência no mercado era traçada por variáveis estáveis. Conseqüentemente, os 12 estudiosos da época não se preocupavam com a adaptação das organizações à novos cenários. Nas organizações contemporâneas, contudo, o elevado número de contingências exige uma gama elevada de respostas. Fatos que fazem com que estruturas mais flexíveis e ações criativas ganhem força e importância. Como salienta Morgan (1996, p. 61), organizações que possuem aspecto mecanicista têm, também, maior dificuldade em se adaptarem a situações não previstas, pois são organizadas de forma a atingir objetivos pré-estabelecidos e não para atuarem num contexto de mudanças. Contudo, atualmente, mesmo estas organizações se vêem obrigadas a se adaptarem. Historicamente, o modelo organizacional significava estrutura organizacional. Hoje, significa realinhamento da estrutura, dos processos de gerenciamento, dos sistemas de informação, de recompensa, de pessoal e de outros elementos da organização na estratégia empresarial, como ressalta GALBRAITH (1995, p. 201). Surpreendente, é a multiplicidade de nomenclaturas e de modismos que proliferam na administração. Raras são as ocasiões em que uma teoria se torna realmente revolucionária. Na maior parte das vezes, os administradores, criativos e desejosos de comunicarem suas experiências, inventam nomes novos para velhas coisas e, muitas vezes, retrocedem na história da administração, voltando a conceitos “tayloristas”. Ao longo dos anos 80, as empresas buscavam vantagem competitiva por meio da introdução de iniciativas de aumento de produtividade, qualidade total e serviços ao cliente. Normalmente, essas iniciativas ficavam a cargo da cúpula administrativa. Conquanto hajam conseguido alguns progressos, na maior parte do tempo ficavam desapontadas com os resultados. Os progressos levaram mais à sobrevivência do que a qualquer vantagem concreta; produtividade, qualidade e bom atendimento ao cliente são necessidades competitivas e não vantagens, daí a razão de muitas empresas terem introduzido essas iniciativas e obterem poucos progressos. Sendo assim, observa-se crescente necessidade de estruturas organizacionais “enxutas” e flexíveis como base para se obter vantagem competitiva. Para tanto, é necessário que se procure 13 entender todo o contexto em que se desenvolveram culturas de Produção Enxuta, para permitir que se desenvolva uma sistemática que assegure sua implantação, não somente como cópia, ou moda, mas como ferramenta de mudança. Em função da existência dessa acirrada competitividade durante as últimas décadas, as empresas do mundo e em especial, as do Brasil, na busca por vantagem competitiva, repensaram a localização de suas atividades produtivas. A empresa estudada passou, então, a ver que as regiões menos desenvolvidas representavam a oportunidade para redução de seus custos. Neste contexto, a empresa estudada transferiu as unidades fabris localizadas na região Sul e Sudeste para a região Nordeste em busca de melhores e maiores incentivos fiscais e de mão-de- obra barata, visando maior produtividade, especificamente em relação à redução dos custos de manufatura. Este fenômeno propiciou a transferência de tecnologias modernas de suas matrizes para as novas empresas nordestinas, tanto de sistema de produção quanto de equipamentos e técnicas de manufaturas (UNE & PROCHNIK, 1999, p. 41). 1.1. Visão Geral do JIT A principal meta do JIT é o atingimento de “estoque zero”, confinado não apenas dentro de uma só empresa, mas através de toda uma cadeia de suprimentos. Mesmo para atingir sucesso parcial, é necessário pensar longe, além da finalidade do controle de estoque por si só, contemplando virtualmente todos os aspectos do controle gerencial. Por exemplo, se as questões “Por que, afinal, mantemos estoque?” ou “Por que temos estoques intermediários em vez de apenas produto sendo efetivamente processado em cada instante?” forem consideradas em profundidade, uma larga faixa de causas independentes torna-se evidente, das quais cada uma pode ser pormenorizada em faixas mais e mais largas de subcausas ou detalhes. Como ilustração, consideremos o problema de estoque de matéria-prima. Ele pode ser mantido pela imprevisibilidade da qualidade dos fornecedores. Análise posterior pode mostrar que muitos fornecedores são utilizados, cada um dos quais possuindo seus próprios problemas. Em um caso, as especificações dos 14 materiais podem ter sido de qualidade duvidosa. Em outros, podem evidenciar-se dificuldades na capacidade de manter-se dentro das tolerâncias etc. Essas deficiências vão em si mesmas, conduzir a outros aspectos indesejáveis. Além disso, as entregas podem ser irregulares, ou as quantidades entregues podem apresentar variância do solicitado. Matéria-prima pode ser mantida, também, por razões internas, como falta de esmeradas previsões de demanda, quebra de equipamento, perdas relacionadas à qualidade dos produtos, e uma série de outras causas, todas fora do escopo do departamento de controle de materiais, e vão requerer considerável colaboração cruzada de diversas funções, antes que possam ser feitas melhorias. A partir disso, é óbvio que o JIT não é um objetivo facilmente atingível. De fato, muitos gerentes altamente competentes inclinar-se-iam a crer que devido o controle de estoque ser um alvo óbvio para redução de capital empregado, restaria pequena oportunidadepara melhoramentos. Eles podem crer também que, devido a décadas de aplicação dos conceitos da “administração científica”, já se teria encontrado o ponto no qual o custo de qualquer melhoramento adicional superaria significativamente os benefícios. A probabilidade é de que eles estariam errados. A experiência sugere que poucas empresas não japonesas teriam ao menos arranhadas a superfície do que é, ao final, possível extrair da aplicação intensiva das técnicas descritas neste livro. Para a maioria das empresas, mesmo aquelas com história de rigorosa aplicação de técnicas de administração científica pelo mais competente dos especialistas, foi possível atingir reduções sem precedentes nos níveis de estoque, material em processo e estoque de produtos acabados. Essas reduções de estoque serão acompanhadas de melhorias suficientemente grandes na qualidade e na produção, para resultar em reduções de custos sem precedentes. Empresas que recentemente começaram a atingir esses resultados provavelmente representarão severa concorrência para outras menos avançadas. Através da diligente aplicação das técnicas e conceitos descritos, é possível, ao final, atingir uma redução nos custos, à primeira vista impossível, da ordem de 20 a 60% das receitas com 15 vendas, e um aumento na fatia de mercado, além daquele nível passível de atingir pela maioria dos outros meios. Mesmo que esta abordagem atinja apenas mera fração destes reclamos, a relação custo-benefício superará oportunidades rivais para investimento, frequentemente por ordens de grandeza de diferença. Uma causa principal do alto nível de material em processo é encontrada no refugo e retrabalho de determinado componente essencial. Isso efetivamente segurou a produção do produto, e causou um acúmulo de estoque de componentes relacionados. 1.2. Objetivos da Pesquisa Com este livro pretende-se atingir os seguintes objetivos: Verificar o impacto provocado pela adoção do sistema JIT em termos de controle, mudança e estrutura organizacional, no processo de costura de uma indústria de calçados esportivos. Identificar como se processa a interação dos elementos que compõem a área de decisão da empresa; Estabelecer uma análise comparativa entre os princípios que norteiam o sistema de produção convencional predominante nas empresas de calçados e o sistema de produção just-in-time; Avaliar o resultado do processo de mudança dentro do setor de costura, sob a ótica da excelência produtiva, com base nos princípios do sistema just-in-time. Proporcionar uma base de pesquisa para estudantes da ciência do gerenciamento. Há alguns pontos-chave a serem lembrados. 1. Just-in-Time não é um termo de jargão para um novo conceito. Ele representa uma meta. Esta meta é a total eliminação dos estoques, a manutenção de mínimo material em processo; ele é monitorado por uma constante redução do assim chamado capital de giro. 2. Não é somente um acréscimo ao estilo de administração existente. O JIT só pode ser atingido através de uma mudança fundamental no pensamento gerencial e nos valores da cultura industrial. 3. Empresas que estão na vanguarda do uso do JIT atingiram tantas vantagens que todas as normas tradicionais sobre estoque, 16 material em processo, qualidade e confiabilidade têm que ser postas de lado antes que se possa fazer qualquer movimento para vencer a lacuna para a implementação do JIT. 4. O JIT é apenas um elemento ou uma meta resultante de um conceito que pode conjugar os esforços de todos na empresa para trabalhar no sentido de tornar sua empresa a melhor em seu ramo. 5. Mesmo que progressos consideráveis sejam feitos no sentido de se chegar ao JIT, ele é uma meta de longo prazo. Tanto quanto o “defeito zero”, o objetivo final é desejável, mas é uma meta a ser seguida sem a perspectiva de ser alcançado, o fundamental é o conceito de que todas as regras anteriores serão postas de lado e o melhoramento, ainda que pequeno, será sempre possível. Para indústrias acostumadas a trabalhar com margens estreitas e grande rotatividade de estoque, os efeitos econômicos até mesmo de uma pequena fração de ponto percentual nos níveis de estoque são bastante óbvios. Mesmo para tais empresas – talvez particularmente para tais empresas – ganhos realmente substanciais poderão ainda ser possíveis com a aplicação dos conceitos relacionados ao JIT. 1.3. A Gênesis do Problema Qualquer trabalho de pesquisa parte de algum tipo de problema, o que implica em definir-se o que é um problema. Segundo Gil (1991, p.52), “uma acepção bastante corrente identifica problema como a questão que dá margem à hesitação ou perplexidade, por difícil de explicar ou resolver. Outra acepção identifica problema como algo que provoca desequilíbrio, mal- estar, sofrimento ou constrangimento às pessoas. Contudo, na acepção científica, problema é qualquer questão não solvida e que é objeto de discussão em qualquer domínio do conhecimento”. A década de 90 trouxe mudança ao ambiente competitivo do setor calçadista no país. A abertura da economia brasileira levou a indústria de calçados a enfrentar um período de fechamento de empresas, eliminação de postos de trabalho e demanda por proteção contra as concorrências externas, baseadas em calçados baratos, com destaque para os da China. O mesmo ocorreu com os 17 curtumes nacionais. A partir de meados da década, ambos os setores modernizaram-se e buscaram diversificar mercados (SANTOS et al., 2002). Os mesmos autores apontam o Brasil como um dos maiores produtores de calçados do mundo, mas que ainda exporta pouco. Para garantir maior participação no mercado mundial de calçados e competir com países como China, Hong Kong, Vietnã e Indonésia, que se destacam pelo baixo custo de produção, ou Itália, conhecida pela alta qualidade e design, será preciso utilizar as novas tecnologias de processo e organização. Ao se introduzir as mudanças propostas no sistema produtivo, exige-se também que a empresa trabalhe essa mudança na parte organizacional. Em termos gerenciais, a utilização da filosofia JIT tem proporcionado retornos satisfatórios e melhores condições de competição no mercado internacional para empresas de vários ramos industriais. Teoricamente, essa filosofia de produção pode ser aplicada em qualquer parte do mundo, objetivando principalmente produção sem estoques, produção de fluxo contínuo, aumento da qualidade e a eliminação de desperdícios (CORREIA & GIANESI, 1996, p.56). Já as mudanças gerenciais, igualmente necessárias, possibilitam nova configuração estrutural que aproxime mais o planejamento da execução, na busca da melhoria dos padrões de eficiência e efetividade. 1.4. Metodologia de Desenvolvimento da Pesquisa Para operacionalizar os objetivos deste trabalho, a metodologia utilizada, abordou os itens que formam o embasamento da pesquisa, tais como: a natureza e a classificação da pesquisa, a área de atuação e da localização, o universo e a amostra, a definição das variáveis, bem como as técnicas metodológicas. A caracterização da pesquisa está embasada em: a) Quanto ao método, a pesquisa é do tipo exploratória, através da utilização do método do estudo de caso. Neste estudo, propõe-se analisar o impacto do sistema de produção Just-in-Time no setor de costura de uma fábrica de calçados, com fundamentação obtida a partir da análise bibliográfica de dados que caracterizem o sistema, desenvolvida ao longo do capítulo 2 e 18 de seu confronto com a realidade da empresa estudada. b) Quanto à natureza a abordagem da pesquisa é do tipo qualitativa, embora a análise do setor estudado, seja feita também, a partir de dados quantitativos, obtidos na coleta de dados, que foram utilizados apenas como referência. Na visão de Richardson (1989, p.29), a pesquisa qualitativa difere do quantitativo, pois não emprega instrumental estatístico como basedo processo de análise do problema. Este tipo de pesquisa qualitativa pode “descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, permitindo maior nível de profundidade, bem como o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos”. c) Quanto aos fins, esta pesquisa se caracteriza como descritiva e exploratória. Trata-se de pesquisa descritiva, porque se tenta descrever os impactos que foram gerados pela implantação do Sistema JIT, no setor de costura de uma empresa de calçados, localizada no município de Massaranduba – PB, a partir dos dados e informações coletadas. Segundo Martins (1994), a pesquisa descritiva tem como objetivo a descrição das caracteristicas de determinada população ou fenômeno, bem como o estabelecimento de relações entre variáveis e fatos. d) Quanto aos meios, dentre os diversos métodos empregados na pesquisa, o estudo de caso foi o que mais se adequou a seus objetivos. Segundo Mattar (1993), o estudo de caso “é uma forma de aprofundar o conhecimento de problemas não suficientemente definidos. Pode envolver exame de registros existentes, observação de acontecimentos, entrevistas estruturadas e não estruturadas etc.”. Dentre as inovações organizacionais existentes, analisar-se-á o impacto do Just-in-Time no sistema de controle organizacional, enquanto atributo estrutural. Levando-se em consideração as diversas fábricas de calçados existentes no país e, as peculiaridades de cada uma, decidiu-se por concentrar o estudo numa única unidade que recentemente implantou a mudança de sistema empurrado para o sistema puxado, permitindo, assim, o estudo mais detalhado e um maior aprofundamento dos métodos de administração e de produção. A empresa objeto do estudo encontra-se localizada na Paraíba, mais especificamente, no município de Massaranduba, cidade que 19 dista a 100 Km da capital, João Pessoa. É uma das sete unidades descentralizadas, responsáveis cada uma por parte do processo produtivo, a saber: Corte (uma planta fabril, localizada em João Pessoa); Costura (cinco plantas fabris, localizadas nas cidades de Massaranduba, Serra Redonda, Ingá, Mogeiro e Itabaiana); e Montagem (uma planta fabril, localizada em Santa Rita). Nas sete unidades tem-se um total de aproximadamente 2000 (dois mil) funcionários, sendo 1700 (mil e setecentos) de MOD e 300 (trezentos) de MOI. Na empresa objeto deste estudo, a quantidade de mão-de-obra é de cerca de 224 funcionários. Em princípio, foi escolhida a fábrica satélite localizada na cidade de Massaranduba, por ter a produção do maior número de artigos esportivos (11 artigos ao todo) e o maior número de Mão- de-Obra Direta (MOD). Três fatores foram decisivos para a escolha da Fábrica Satélite de Massaranduba. Primeiro, porque, não há contratação de MOD há mais de um ano, e pelo fato da rotatividade ser zero, facilitando para a implantação dos conceitos do modelo de Produção Enxuta. Segundo, porque a Alpargatas entrou em rápido processo de modernização para a Produção Enxuta, tornando-se um caso interessante para ser acompanhado. Terceiro, devido à grande facilidade de acesso da Alpargatas a todos os executivos, tornando viável a execução da pesquisa, em razão da proximidade. Na presente pesquisa, conforme caracterização anteriormente feita, propõe-se realizar um estudo de caso, em uma única empresa, do ramo industrial, de manufatura, que utiliza intensivamente mão-de-obra e portanto se classifica como empresa de grande porte (acima de 500 empregados) fabricante de calçados esportivos em grande volume. O desenvolvimento da pesquisa se embasa em: a) Pesquisa bibliográfica, constituída de fontes secundárias, foi efetuada uma coleta de informações relacionadas ao tema, através de publicações disponíveis e tornadas públicas, tais como: livros, publicações avulsas, boletins, revistas, teses etc. b) A pesquisa documental, constituída de fontes primárias (documentos escritos ou não) foi realizada consultando-se arquivos e publicações de instituições públicas (IBGE, BNDES, 20 SICTCT/PB etc.) e privadas (sindicato e associação de fabricantes de calçados, FIEP, SEBRAE etc.). c) Na pesquisa de Campo foi aplicada a técnica de entrevista do tipo padronizada, porém, com algumas perguntas abertas. O objetivo das perguntas padronizadas foi o de facilitar a tabulação dos dados, enquanto que as perguntas abertas buscaram obter a opinião do entrevistado sobre determinado assunto de interesse. As entrevistas foram realizadas diretamente com os gerentes de setor e supervisores de produção, com a finalidade de se obter informações completas sobre o impacto gerado pela implantação do JIT. Os dados necessários ao desenvolvimento da pesquisa são secundários, ou seja, referem-se àqueles já disponíveis através de relatórios e indicadores, tendo sido disponibilizados pela própria indústria estudada. Na realização desta pesquisa, foram utilizadas duas técnicas: observação in-loco e entrevistas. Na técnica da observação in- loco, verificou-se os impactos gerados no processo de costura de calçados pela implantação do Sistema de Produção Just-in-Time em toda a cadeia de valor do setor estudado. Quanto a técnica de entrevista, foi utilizado o formulário/roteiro de entrevista, aplicado aos principais Gerentes de setores da empresa estudada (Engenharia Industrial, PCP, RH, Administração e Manutenção), os Supervisores de produção e também aos integrantes da célula de produção que dispõem das informações sobre o assunto objeto do estudo. A ênfase do estudo foi sobre as variáveis: gestão da produção, inovação tecnológica, mudança organizacional e paradigma de gestão. O estudo foi seccional com avaliação longitudinal, pois foi realizada uma comparação da situação em dois momentos temporais, coletando-se informações dos integrantes da população sobre a situação anterior e posterior à implantação do just-in- time, onde foi verificado o impacto gerado por esta inovação sobre a organização. O nível de análise foi o organizacional e as unidades de análises foram as células de produção. Na concepção de Lakatos e Marconi (1996), as variáveis se constituem no primeiro nível de operacionalização de uma construção teórica. Martins (1994), por seu turno, alerta que é 21 necessário que o pesquisador descubra para cada variável, o nível de especificação; o nível de mensuração; e a posição que a variável ocupa em determinada relação. Neste estudo, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, a coleta de dados foi feita de forma direta extensiva, tendo como instrumentos um roteiro de entrevista com 92 questões, compostas em sua maioria por perguntas fechadas e roteiro de observação, focalizando os aspectos relevantes para o trabalho, disponíveis na íntegra nos Apêndices A e B, respectivamente. O Instrumento utilizado para realizar a observação in-loco foi um roteiro de observações, focalizando as variáveis de investigação que estão apresentadas no Quadro 1 a seguir, mostrando sua definição com seus respectivos indicadores. A técnica de coleta utilizada neste estudo, os dados primários foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, aplicadas ao grupo de gerentes da organização, possibilitando liberdade e espontaneidade ao entrevistado para declarar as informações (Triviños, 1987, p.146), e permitindo, ainda, “amplo campo de interrogativas”, com algumas perguntas objetivas. Após a coleta dos dados e informações, através de questionários e roteiro de observação, realizados de acordo com 22 os procedimentos indicados, estes foram elaborados e classificados de forma sistemática. Na seleção, foi feito um exame minucioso dos dados, a fim de detectar erros ou falhas, evitando informações confusas, distorcidas, incompletas e que pudessem prejudicar o resultado da pesquisa. Os dados tabulados foram expostos em tabelas para facilitar sua interpretação.Como esta pesquisa é de natureza qualitativa. Portanto, na fase de interpretação e análise dos dados, procurou-se dar significado mais amplo às respostas, vinculando-as tanto à fundamentação teórica como a outros conhecimentos. A interpretação correta dos dados significa a exposição do verdadeiro significado do material apresentado, em relação aos objetivos propostos e ao tema. Na primeira etapa foram entrevistados: os gerentes dos departamentos de engenharia industrial, PCP, recursos humanos, administração e manutenção. Na segunda foram entrevistados o gerente de produção da área, os supervisores de produção e os integrantes da célula de produção. A partir das informações coletadas, além da comparação do quadro teórico, foi realizada a análise de conteúdo, referente às colocações feitas pelos entrevistados. A análise quantitativa dos dados foi realizada estatisticamente através de tabelas de distribuição de freqüência. Na análise qualitativa foi utilizada, basicamente, a análise documental para o estudo das entrevistas, questionários e documentos organizacionais. Tal técnica destaca-se como pertinente, uma vez que objetiva “identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de interesse” (CAULLEY apud LUDKE & ANDRÉ, 1986, p.38). 1.5. A Importância da Pesquisa O interesse pela influência de novas tecnologias nas organizações é estudado por autores das mais diversas áreas (como a sociologia do trabalho, psicologia social, organizações e gestão e engenharia de produção). Dentre esses, pode-se destacar, ANTUNES (1989), RUAS et al. (1989) e SELEME & ANTUNES (1990). Entretanto, na maioria dos casos, esses estudos restringem-se a 23 poucas variáveis estruturais e processuais, bem como a determinadas tecnologias. De maneira geral, o impacto das inovações tecnológicas, quer seja analisado pela ótica estrutural, quer pela comportamental, busca o entendimento dos efeitos deste tipo especial de mudança sobre a estrutura e o funcionamento da organização. Neste contexto, esta pesquisa visa aprofundar os conhecimentos existentes na área, utilizando-se de enfoque estrutural para analisar detalhadamente a relação entre as variáveis: inovação tecnológica e controle organizacional. Destaca-se que a escolha do sistema just-in-time, enquanto tipo de inovação organizacional adotado no setor de costura de calçados, advém do fato de que se tem caracterizado, na prática, como uma das formas mais abrangentes e efetivas de modernização do setor. Como enfatiza Prochnik (1990), o sistema just-in-time vem conseguindo solucionar uma série de problemas clássicos no setor, preparando-o para confrontar e, mesmo, superar os concorrentes internacionais, que despertaram há mais tempo para a evolução da tecnologia calçadista. O controle, por sua vez, tem sido estudado com ênfase pelos teóricos marxistas e neomarxistas, enquanto categoria de análise vinculada à questão poder/autoridade (Faria, 1985, p. 47-48). Todavia, as modificações no controle provocadas pela adoção de inovação organizacional como o sistema just-in-time, são ainda pouco estudadas. A utilização de novos paradigmas apresenta-se como estratégia adotada pela empresa estudada. Assim, torna-se relevante o objetivo de verificar o impacto que o sistema just-in-time provoca no controle organizacional e, conseqüentemente, as interferências que isto irá provocar na estrutura da organização. Na prática, espera-se que o presente trabalho possa oferecer subsídios aos níveis gerenciais e produtivos da empresa estudada, sobre o impacto que a adoção de inovação organizacional como o just-in-time provoca no sistema de controle. Desta forma, pretende-se gerar feedback sobre o modo como o sistema de controle se apresenta após a implantação do just-in-time, levantando e sistematizando informações para eventuais futuras mudanças. 24 1.6. Estrutura da Pesquisa Além deste capítulo introdutório, este livro está estruturado em mais três capítulos que abordam aspectos relacionados ao objeto do estudo que se deseja investigar. O capítulo dois estabelece conceitos básicos relacionados com o tema objeto do trabalho de pesquisa que foi desenvolvido, envolvendo mudanças e controle organizacionais. Em seguida, aborda os sistemas de produção, e finalmente, destaca a indústria de calçados na Paraíba. O capítulo três aborda os resultados da pesquisa em dois tópicos. O primeiro trata das características gerais da fábrica, e o segundo apresenta a interpretação dos dados e a análise dos resultados, focalizando todos os itens elencados nos instrumentos de coleta, questionário e roteiro de observação do trabalho. O capítulo quatro apresentada as conclusões acerca deste trabalho, reportando-se aos seus objetivos e a metodologia proposta. Em seguida foram apresentadas as recomendações para trabalhos futuros. 1.7. Limitações da Pesquisa Embora o método do estudo de caso, adotado nesta pesquisa, permita o aprofundamento da análise com intensivo exame das variáveis e seus indicadores correspondentes a Alpargatas, este tipo de estudo impossibilita a generalização das conclusões obtidas para outras organizações. Apesar disso, desde que mantidos os cuidados com a proporção da organização, suas características básicas e de setor, poderá vir a ser utilizado como referencial em outros trabalhos da mesma linha. Destaca-se, ainda, a dificuldade de se obter informações sobre a situação anterior ao just-in-time, pois conquanto o processo de implantação tenha sido iniciado há alguns anos, somente agora se encontra em vias de conclusão. 25 26 2.PRINCÍPIOS BÁSICOS Este capítulo estabelece conceitos básicos relacionados com o tema objeto do trabalho de pesquisa desenvolvida, envolvendo mudanças e controle organizacionais. Em seguida, aborda os sistemas de produção, e, finalmente, destaca a indústria de calçados na Paraíba. 2.1. Mudança Organizacional As organizações inserem-se em ambientes que passam por constantes alterações em períodos diferenciados (Stoner, 1985, p. 258). Essas mudanças ambientais de velocidade e amplitude distintas, por não serem controladas pela organização, acabam provocando pressões, muitas vezes interferindo em sua estrutura e funcionamento. Segundo Hall (1984, p. 49), as empresas que operam num ambiente mais estático e imutável, exibem estruturas e processos internos diferentes das que trabalham num ambiente incerto e dinâmico. Na verdade, as constantes mudanças ocorridas nos ambientes competitivos, “há demanda maior de controle e coordenação”, e, à medida que a competitividade se reduz, os projetos de mudanças tornam-se “mais freqüentes no projeto dos produtos, nos processos de produção e no número de produtos”. Quando a competitividade atinge níveis tais que ameaçam a sobrevivência da organização, esta tem de concentrar suas forças em não perder seu espaço. Desta forma, o controle é muitas vezes reforçado, havendo aumento dos relatórios e comunicações formais. À medida que a concorrência atinge nível mais equilibrado, cria-se espaço no qual se torna possível realizar outras atividades, além daquelas ligadas à solução das situações criadas pela turbulência ambiental, ou seja, no momento em que o ambiente apresenta turbulência reduzida, as organizações encontram-se em nova condição de mudança. Como resultante das pressões ambientais e ações organizacionais, surgem mudanças de diversas formas. Essas mudanças são alterações no modo como a atividade é realizada, na maneira como as pessoas agem, na tecnologia, enfim, 27 alterações que podem resultar em novas configurações organizacionais. Assim, a pressão de fatores externos, tais como o surgimento de novas tecnologias, a abertura de novos mercados, os incentivos governamentais ou alterações na legislação, exercem influência sobre as organizações, obrigando-as a ajustarem-seàs novas conformações do ambiente (Rattner, 1983, p.71). Por isso, as organizações, para adaptar seus atributos (tarefas, pessoal, tecnologia) às pressões ambientais, implementam novas estratégias de solução das dificuldades internas. Na prática, para fazer frente à concorrência internacional e, tornar as exportações brasileiras competitivas, faz-se necessária a modernização tecnológica das indústrias nacionais. Em relação às pressões ambientais, Hall (1984, p.148), sugere que a mudança organizacional traga “alteração e transformação da forma organizacional, de modo a sobreviver melhor no ambiente”. Como tal, a mudança caracteriza-se pela necessidade de realinhamento da organização para manter, por exemplo, sua posição no mercado, ou aproveitar uma oportunidade de lançar-se à frente de seus concorrentes. Por outro lado, a origem interna da mudança pode resultar de problemas e de novas estratégias estabelecidas. Os primeiros caracterizam-se pelo questionamento nos diversos níveis organizacionais dos conflitos e dificuldades surgidas no decorrer do trabalho. Por sua vez, a adoção de novas estratégias pode, por exemplo, visar à consolidação ou ao crescimento organizacional. As mudanças organizacionais podem ser não-programadas ou programadas. As não-programadas ocorrem quando há necessidade de adaptação às variações não previstas no ambiente em que a organização está inserida, ou quando surge uma oportunidade ou ameaça, freqüentemente de natureza externa. Internamente, as mudanças não-programadas podem ter origem nos problemas e conflitos que surgem inesperadamente. As mudanças programadas, por sua vez, desenvolvem-se quando há planejamento para sua implantação, ou seja, resultam de “decisões deliberadas dos profissionais em colaboração com as coalizões de poder organizacional para efetuarem melhorias nos sistemas, por meio da aplicação hábil de conhecimento científico” 28 (LIPITT, WATSON & WESLEY apud CHAMPION - 1979, p.212). Através do planejamento da mudança, criam-se condições para definir as possíveis etapas do processo e, numa análise antecipada, levantar seus prováveis efeitos. Dessa forma, o objetivo do planejamento é fornecer as condições necessárias para que o processo de mudança ocorra, bem como definir sua amplitude e efeito. O planejamento da mudança visa à redução das forças contrárias, proporcionando o impulso às forças pró- mudança. O processo de mudança não define ocorrência simples, e pode enfrentar diversas barreiras. Como destaca Kaufman (apud Hall, 1984, p.149), a mudança não é “boa ou ruim, progressista ou conservadora, benéfica ou prejudicial”. Em alguns casos, pode encontrar resistências tanto dos escalões inferiores, por se sentirem ameaçados, quanto dos níveis superiores, por temerem restrição ou perda de poder. Para evitar estes e outros tipos de obstáculos, tornam-se necessárias diferentes estratégias que objetivem a redução dos possíveis conflitos. Eliminar as resistências internas da organização pode exigir diversos tipos de ações, tais como a re-educação e o aperfeiçoamento das comunicações, maior participação e envolvimento e, até mesmo, um processo de manipulação e cooptação, ou coação explícita e implícita. 2.2. Inovação Tecnológica de Processo As tecnologias de processos compreendem as máquinas, equipamentos e dispositivos que ajudam a produção a transformar materiais, informações e consumidores de forma a agregar valores e atingir os objetivos estratégicos da produção. Máquinas de fax, computadores, telefones móveis, ordenhadeiras mecânicas, robôs, aparelhos de radiologia, colheitadeiras combinadas, aviões, retro projetores, scanners de reconhecimento de caracteres ópticos, máquinas-ferramentas e máquinas de lavagem de carros, são todos exemplos de tecnologia de processo. Todas as operações usam tecnologias de processos, mesmo as de trabalho humano mais intensivo. Pode ser somente um telefone, mas ajuda a processar seus recursos transformados e, fazendo isso, adiciona valor. 29 Hall (1984, p. 149), argumenta, ainda, que as mudanças organizacionais já conhecidas ou utilizadas pela organização em períodos anteriores podem ser, no momento presente, adotadas em nova situação. Podem-se adotar, também, alterações classificadas como inéditas, ainda não experimentadas na organização. Esses tipos de mudança são chamados pelo autor de inovações. As inovações abrangem um leque de modificações organizacionais, cujo objetivo final está, freqüentemente, relacionado à melhoria de desempenho organizacional e ao aperfeiçoamento das atividades envolvidas no trabalho. De acordo com Prestes Motta (1976, p.12), “a inovação compõe-se da geração, aceitação e implementação de idéias novas no meio organizacional”, as quais, quando trabalhadas e utilizadas convenientemente, auxiliam a sobrevivência e o desenvolvimento da organização. Pode-se entender, ainda, o processo de inovação como o “desenvolvimento e a implementação de novas idéias pelas pessoas que, durante certo tempo, empenham-se em transações com outras dentro de um contexto institucional” (Van de Ven, 1986, p.591). O autor destaca, também, as idéias, as pessoas, o contexto institucional e a estrutura, como elementos que podem facilitar ou dificultar o desenvolvimento das inovações e o esclarecimento de seu processo. Segundo Cerqueira Neto (1985, p.104), a inovação constitui-se no ato de “trabalhar, buscando um processo completo que permita reconhecer uma necessidade, identificar uma nova solução (usualmente através da pesquisa aplicada) e desenvolver um processo, produto ou serviço, economicamente atraente”. Existem diferentes classificações para as inovações, algumas mais genéricas, outras mais específicas. As inovações podem caracterizar-se por sua amplitude e sua intensidade. No primeiro caso, encontram-se as inovações do tipo global ou setorizado. Aquelas que afetam determinada área da organização são classificadas como setorizadas. Por outro lado, as inovações globais atingem uma hierarquia organizacional, ou grande parte dela, devido à abrangência de seus efeitos, que se alastram para as demais áreas. 30 A segunda característica, a intensidade da inovação, refere-se ao impacto que provoca nas características organizacionais, ou seja, se ocorre gradativamente ou rapidamente no tempo, podendo ser apresentada como parcial ou total. As inovações parciais tendem a ocorrer com maior freqüência, pois seu efeito funciona como forma de ajuste, de realinhamento da organização para alcançar seus objetivos. Esse tipo de inovação é planejado para ajustes num ambiente estável ou em transformação. Por outro lado, as inovações totais resultam de modificações organizacionais, como os avanços tecnológicos que alteram rapidamente os métodos, as atividades, ocorrendo geralmente em períodos de turbulência temporária. Damanpour et al. (1989, p.588), propõem determinada tipologia para as inovações, classificando-as como administrativas e técnicas. Para melhor compreensão dessa tipologia, faz-se necessário esclarecer primeiramente que o componente administrativo é formado pelo conjunto de normas e procedimentos que norteiam os papéis que os indivíduos assumem dentro da organização, bem como as regras que definem seu funcionamento. Assim, o componente administrativo atua nas funções de planejamento, coordenação e controle burocrático. Após esse esclarecimento, pode-se retornar à classificação, para os quais as inovações administrativas “incidem sobre o componente administrativo e afetam seus membros e as relações existentes entre eles, isto é, o sistema social, os procedimentos, os papéis, as regras etc”. As inovações técnicas são “aquelas que ocorrem no componente operacional e afetam o sistema técnico de uma organização (...) e que consistem de equipamentos e métodos de operação usados para transformar informações ou materiais não trabalhados em produtosou serviços” (Damanpour et al., 1989, p.588). A inovação técnica é aquela que exige processo de reformatação e redefinição de responsabilidade e métodos, tornando-os apropriados para a execução das atividades organizacionais. Para Diaz (1988, p.27), essas inovações técnicas, por outro lado, são parte de um processo maior, que o autor define como processo de modernização tecnológica, e outros autores definem 31 como inovação tecnológica. Van de Ven (1986, p, 591), por sua vez, classifica as inovações em administrativas e tecnológicas, entendendo que as inovações administrativas se referem aos novos procedimentos, políticas e formas organizacionais. O autor entende as inovações tecnológicas como aquelas representadas por novas tecnologias, produtos e serviços. Ampliando esse conceito, Kimberley & Evanisko (apud Damanpour et al., 1989, p.588), por sua vez, sugerem que a inovação tecnológica está relacionada com a “adoção de nova idéia pertencente à novo produto ou novos elementos num processo de produção organizacional ou operações de serviço”. Nessa mesma linha, Machline (1978, p.57), define inovação tecnológica como “qualquer alteração efetuada no produto, no processo ou no equipamento produtivo, que se constitua em novidade técnica para a empresa, ainda que já divulgada e difundida no setor”. De acordo com Cerqueira Neto (1985, p.104), o processo de inovação tecnológica é formado pelo desenvolvimento e a comercialização de “novas tecnologias embutidas ou não em processos, produtos ou serviços colocados à disposição dos mercados”. Segundo o autor, “para uma inovação tecnológica obter sucesso, é necessária uma estruturação adequada, além de outros fatores, entre os quais a aquisição de novos conhecimentos, mão- de-obra bem treinada e pessoas criativas”. Diaz (1988, p.33), apresenta as mudanças tecnológicas (o autor usa indiscriminadamente os conceitos de mudança, modernização e inovação referindo-se sempre ao mesmo fenômeno) em três níveis: 1º Nível: alteração na tecnologia do produto, que passa a ter qualidade diferenciada; 2º Nível: mudanças na tecnologia do processo, que ocorrem via adaptação do processo produtivo às novas tecnologias, tais como microeletrônica e equipamentos eletromecânicos; 3º Nível: modificações na “engenharia produtiva e no planejamento/controle da produção”. Este terceiro nível de mudança tecnológica é visível, por exemplo, no caso das empresas que adotam, além dos 32 equipamentos automatizados, novas formas de organização do processo produtivo, como o just-in-time. De acordo com Diaz (1988, p. 33), o Brasil segue a tendência mundial com relação ao processo de mudanças tecnológicas, onde as inovações organizacionais e tecnológicas ocorrem em momentos simultâneos, ou seja, não há priorização, nem relação de causa- efeito, entre estes tipos de inovações. Assim, os fatores que interferem no processo de inovação tecnológica podem agir sobre áreas como marketing, compras, engenharia de projeto, manufatura do produto, supervisão, inspeção, testes de desempenho, despacho para clientes, instalação e assistência técnica. De acordo com Burach (apud Marsh & Manari, 1981, p.34), os sistemas em que essas inovações são adotadas são chamados pelo autor de sistemas tecnológicos e se caracterizam por influenciar “a organização de pessoal, a alocação de funções e responsabilidades, design do sistema de controle organizacional e o modelo de atividades gerenciais”. Champion (1979, p.242), destaca alguns desses elementos processuais e estruturais que podem sofrer alterações devido à adoção de inovação tecnológica, tais como: a) Tomada de decisão; b) Quantidade de níveis de supervisão; c) Tipo de supervisão; d) Coordenação entre as tarefas de trabalho; e) Segurança na função; f) Status da função. Complementando, o autor acrescenta, ainda, algumas alterações que podem ocorrer devido às inovações tecnológicas, como o horário de trabalho, a desativação dos grupos informais, as modificações na forma e qualidade da supervisão, no conteúdo do cargo, na percepção dos empregados quanto à segurança no cargo e o desempenho mínimo aceitável. 2.3. Inovação Tecnológica de Gestão 2.3.1. Gestão de Pessoas As empresas buscam cada vez mais alcançar produtos de qualidade, com boa penetração de mercado e com clientes 33 satisfeitos e fiéis. Dentre as estratégias usadas para se chegar a esse objetivo, destaca-se a motivação, que age como fator diferenciador e competitivo. Equipe motivada, conseqüentemente, produtos melhores. Nessa busca pela qualidade, alguns fatores motivam as pessoas a se comprometerem mais com a organização, as quais devem ser identificadas e conhecidas pela liderança. Uma vez conhecidas as forças de comportamento humano relacionadas ao gerenciamento para a qualidade, caberá ao líder examinar como essas forças dificultam ou promovem a obtenção da alta qualidade, estabelecendo as ações gerenciais precisas para canalizar essas forças comportamentais em direções construtivas. (JURAN, 1990, p. 11). Sabe-se que a motivação das pessoas exerce relação direta na excelência da qualidade dos produtos e serviços das organizações. As várias correntes acerca do comportamento do homem organizacional demonstra particular estratégia de comportamento individual e grupal; é o norteador da maneira de agir da organização que se defronta com os indivíduos que consigo colaboram e interagem. A questão fundamental é descobrir como os fatores motivacionais contribuem para a excelência da qualidade de produtos e serviços. A motivação vem da importância que cada um dá a seu trabalho, do significado que é atribuído a cada atividade desse trabalho e como cada pessoa busca seu próprio referencial de auto-estima e de auto-identidade. Maslow (1970), em sua obra intitulada: Motivation and Persosnality apresentou uma teoria segundo a qual as necessidades humanas estão dispostas em níveis de importância e influenciação. O homem faz o que faz por causa de suas necessidades e enumera estas necessidades de forma hierárquica, conhecida como a pirâmide de Maslow: “necessidade de auto- realização, necessidade de estima, necessidades sociais, necessidade de segurança e necessidades fisiológicas”. Dessa forma, houve mudança nas organizações quanto à visão das pessoas: antes elas eram vistas simplesmente como recursos, dotadas de habilidades, capacidade, destreza e conhecimentos para a execução de tarefas no sentido de alcançar objetivos 34 organizacionais; hoje mudou a visão das pessoas como criaturas, dotadas de características próprias, de personalidade, aspirações, valores, crenças, atitudes, motivações e objetivos individuais. Pessoas que fazem parte da organização significam talentos que precisam ser desenvolvidos e mantidos, representam o capital intelectual que movimenta a organização na direção determinada. A gestão de pessoas baseia-se no fato de que, o desempenho de uma organização depende fortemente da contribuição das pessoas que a compõem e a forma como as pessoas estão organizadas, são estimuladas e capacitadas, e como são mantidas num ambiente de trabalho e num clima organizacional adequados. E, ainda, como estão estruturados e organizados os membros da força de trabalho, de modo a habilitá-los a exercer maior poder e liberdade de decisão, levando à maior flexibilidade e à reação mais rápida aos requisitos mutáveis do mercado. As empresas modernas procuram levar as pessoas talentosas a contribuir ao máximo possível de seus esforços em benefício da empresa, tentando levá-las a produzir melhores resultados. Dispor de uma equipe motivada não é tarefa das mais fáceis; não há fórmula mágica para motivar, por isso é necessário combinar uma série de atitudes essenciais ao comportamento humano e que possam trazer motivação aos trabalhadores e estimulá-los a contribuir com qualidade para os melhores resultadosde suas empresas. O papel da liderança (diretor, gerente, chefe etc.) na motivação dos colaboradores nas organizações modernas é bastante significativo. Liderança é a influência interpessoal exercida numa situação e dirigida por meio do processo de comunicação humana à consecução de objetivos específicos. Os líderes de sucesso têm certos atributos pessoais em comum: são disciplinados no atendimento, na pontualidade, no cuidado com a aparência, sabem lidar com as pessoas e lideram seu pessoal sem nenhuma pressão. São leais às equipes e demonstram confiança nas pessoas, deixando que cumpram com suas tarefas sem interferência. Conduzem a organização num clima saudável, gerando os melhores resultados. O estilo de liderança tem muita influência no alcance da excelência da qualidade; deve haver trato pessoal com os 35 colaboradores e clientes; coordenação no envolvimento de toda a equipe nas sugestões, na definição de objetivos e metas. É preciso dar oportunidade às pessoas para que digam o que pensam; as pessoas devem participar do processo. O progresso deve ser reconhecido. Os elogios não devem ser economizados, mas devem ser sinceros, fazendo com que as pessoas sintam que deram realmente sua contribuição de valor. Os fatores motivacionais têm contribuição direta com a qualidade de vida das pessoas e com a qualidade de produtos; é a força motriz que impulsiona a participação do colaborador e desenvolve o compromisso duradouro com responsabilidade, bem como um relacionamento frutífero e produtivo, satisfazendo os interesses de ambas as partes, organização e indivíduo. Há correlação imediata entre os índices favoráveis de clima interno e a saúde dos resultados empresariais. Ou seja, os fatores motivacionais contribuem para que haja qualidade de produtos, serviços e qualidade de vida dentro das organizações; uma pessoa motivada, além de gerar qualidade, produz clima de trabalho em que as pessoas se sintam bem e haja interação social na equipe. Nesta pesquisa, a análise realizada restringir-se-á ao controle enquanto elemento organizacional, pois nos processos de mudança através da introdução de uma inovação tecnológica, o controle tende a ser alterado, passando por uma série de ajustes, a fim de se adequar à nova configuração organizacional. A inovação a ser estudada é o just-in-time, devido ao destaque que esta forma de reorganizar o processo de trabalho vem conquistando dentro do meio empresarial; No entanto, os efeitos do just-in-time no controle organizacional até a presente data foram objeto de estudo de poucas pesquisas. Assim, pretende-se discutir a seguir, a temática do controle organizacional, para verificar adiante, o efeito do just-in-time na configuração dos sistemas de controle organizacional. 2.4. Controle Organizacional O controle organizacional representa uma forma de intervenção na realidade, por indivíduos ou grupos, a fim de ajustar e garantir seus interesses e os da organização. Ocorre em diferentes níveis, tornando-se uma constante em decorrência de 36 suas várias formas e utilidades na gestão organizacional. O controle é um atributo que possibilita à organização o alcance de seus objetivos, ao viabilizar, por exemplo, o cumprimento dos padrões de conduta das atividades. Além disso, auxilia a promover ajustes quando há desvios organizacionais. Através dele, as organizações procuram garantir que as atividades planejadas sejam efetivamente operacionalizadas. Nesta perspectiva, o controle visa o alcance geral das finalidades organizacionais, ou, como descreve Litterer (1977, p.271), visa “manter a organização numa condição em que possa funcionar adequadamente”. Pode-se entender o controle como processo de “direção e integração dos esforços necessários para atingir um fim” (Litterer, 1977, p.271), composto por mecanismos de feedback que agem para garantir o desempenho e otimizar o fluxo dos recursos (MOCKLER Apud STONER e FREEMAN, 1999, p. 440). Segundo Silva (1984, p.34), controle “é o ato de medir as realizações e de verificar se as mesmas se realizam conforme foi planejado, implantado, comandado e coordenado”. Já Koontz & o ´Donnell (1981, p.453), definem o controle como: “A função administrativa que consiste em medir e corrigir o desempenho das atividades dos subordinados, a fim de assegurar que os objetivos empresariais e os planos idealizados para atingi- los estão sendo realizados. É, portanto, a função através da qual todo administrador, de presidente ao mestre, se certifica de que aquilo que está sendo feito corresponde ao que se pretendia fazer”. A estrutura de controle organizacional compõe-se da distribuição de padrões utilizados pela organização para dominar o desempenho e conferir se as quantidades e qualidades dos meios estão de acordo com especificações de eficiência. Para o autor, a estrutura de controle distingue-se, assim, como atributo estrutural e, por isso, sofre influência direta da própria estrutura organizacional. Como conseqüências, hierarquizam-se os tipos de controle existentes. Quando analisada do ponto de vista do exercício do poder, a noção de controle torna-se uma das questões principais no entendimento do fenômeno organizacional porque, na verdade, as 37 organizações são controladas por pessoas e grupos que detêm o poder, ou seja, a “capacidade de controlar os fins através dos quais os vastos recursos das grandes organizações são direcionados” (PERROW, 1986, p.12). Etzioni (1965) também relaciona o controle à questão do poder. Os meios de controle, para o autor, classificam-se em físicos, materiais e simbólicos. A utilização de meios físicos de controle embasa o poder coercitivo, enquanto os meios materiais originam o poder utilitário e os simbólicos fornecem as premissas para o poder normativo. O controle organizacional pode ainda ser entendido enquanto controle formal e controle técnico. O controle formal está relacionado à hierarquia e às regras organizacionais centradas na estrutura de diferenciação, especialização das tarefas e mobilidade dos recursos humanos, através de critérios objetivos, ou seja, à forma burocrática de controle. Em uma organização do tipo fordista, baseada em instrumentos mecânicos, os procedimentos “contribuem decisivamente para o controle mais objetivo do capital sobre o processo de trabalho, tanto pela regulação da cadência do coletivismo total ou setorial, quanto pela possibilidade de obter avaliação mais rápida da ´performance ´ do trabalho (RUAS, 1989, p.86). Esse controle formal-burocrático é baseado em especialização e padronização eficientes. Essa forma, segundo o autor, apresenta certas limitações às atividades, inovadoras, porque reduz o espaço da tomada de decisão, com o intento de fazer com que as premissas organizacionais sejam seguidas de acordo com o planejado. Ouchi (1979), entende as normas como o principal mecanismo do controle burocrático dos superiores sobre os subordinados, salientando que podem estar relacionadas tanto aos processos a serem seguidos, quanto aos padrões que especificam qualidade e produção. Assim, através da verificação do cumprimento dos padrões/normas formalmente estabelecidos numa organização, os indivíduos são controlados diretamente por seus supervisores, ou indiretamente por meio de documentos formais, como relatórios ou quadros de acompanhamento das tarefas efetuadas. 38 De acordo com Burris (1989), o desenvolvimento organizacional atual encontra-se em nível de complexidade tal, que a informatização via computador, por exemplo, tem provocado alterações na relação existente entre o planejamento (concepção) das atividades a serem executadas e em sua efetiva execução (ação). No entendimento do autor, essas mudanças podem contribuir para a alteração do controle técnico, agora implícito no design dos novos modelos tecnológicos e mecânicos, estabelecimento, portanto, de novograu de progresso e novas formas de trabalho. À medida que o controle torna-se intrínseco ao processo de trabalho, deixa de ser exercido de forma objetiva, assumindo características subjetivas, podendo levar à sua negação. Ou seja, os indivíduos, que antes eram constantemente controlados, passam a não mais serem vigiados concretamente (objetivamente), passando a serem cobrados apenas pelos resultados que apresentam em seu trabalho diário. Antunes (1989, p.09), ao analisar o just-in-time, inovação tecnológica no processo, argumenta que o sistema, em alguns momentos, contrapõe-se ao taylorismo, à medida em que “a nível de chão-de-fábrica rompe, ou no mínimo reduz a separação entre quem planeja e quem executa (...) do ponto-de-vista operacional”. De acordo com essa visão, os trabalhadores têm a possibilidade de participar em algumas das inovações técnicas adotadas, contribuindo para a modificação global do processo, continuando sob responsabilidade da área específica; mas ocorre um avanço em relação à organização tradicional, onde a gerência se empenha em “programar e controlar a parcela subjetiva do processo de trabalho, ou seja, as ações dos trabalhadores relativamente aos componentes objetivos da produção de máquinas e equipamentos” (Ruas, 1989, p.26). Com a adoção de inovações no processo de trabalho, segundo Antunes (1989, p.15), “os trabalhadores apenas têm liberdade para atuar sobre o já previamente planejado”; sua autonomia restringe-se a controlar a qualidade da execução. Os sistemas de controle, por outro lado, podem ser exercidos tanto sobre os indivíduos, quanto sobre as atividades que os indivíduos realizam no decorrer do trabalho, através das normas e padrões a serem seguidos na execução de produtos e serviços. Sua 39 abrangência interfere no grau de autonomia com que o trabalho pode ser realizado. Esse controle das atividades incide na ação que vai ser executada, sobre o que está decidido e contido naquela decisão. A organização influencia ainda seus membros através das normas e sanções, que determinam a forma de agir do indivíduo dentro do ambiente de trabalho. Além disso, os sistemas de controle ocorrem em diferentes níveis dentro da organização. Segundo Chiavenatto (1982, p.537), o controle pode ser estratégico, tático e operacional. O controle estratégico caracteriza-se pela visão geral da organização que o controle oferece, apresentando de forma genérica e sintética os aspectos globais que possibilitam à cúpula acompanhar o desempenho e os resultados das operações que ocorrem, analisando a organização em sua totalidade como sistema a longo prazo. São exemplos disso, os demonstrativos financeiros, contábeis, orçamentos, relatórios de lucros e perdas, análise de retorno sobre investimento e eficácia organizacional. Através do controle tático, analisa-se cada unidade organizacional como um departamento em particular, ou cada conjunto de recursos isoladamente, o que proporciona maior detalhamento, direcionando-o a médio prazo. “Suas características dependem de uma série de circunstâncias que variam conforme o ambiente em que as empresas operam; a tecnologia utilizada, a estratégia empresarial adotada, o tamanho organizacional, a amplitude de controle à disposição de cada gerente, os objetivos” organizacionais etc. O controle tático engloba definições de padrões, acompanhamento de resultados e sua comparação com os padrões estabelecidos, a fim de localizar os desvios e identificar as ações corretivas. Neste nível, os controles utilizados podem ser a supervisão, os relatórios e as técnicas estatísticas, entre outras. O controle operacional, finalmente, direciona-se para curto prazo, sendo detalhado e analítico. Este tipo de controle enfoca cada atividade ou operação em particular, envolvendo diretamente os supervisores em alguns momentos. Pode-se encontrá-lo em diversas áreas como produção, recursos humanos, marketing e finanças. Ocorre, utilizando geralmente padrões básicos de quantidade, qualidade, tempo e custos. São exemplos 40 de controle, a nível operacional, a linha de montagem (máquinas e equipamentos) os quadros de produtividade, a automação, controle de qualidade, de estoques e de pessoal. Dentro destes níveis, o controle, de acordo com Litterer (1977, p. 272), pode ocorrer em momentos variados no tempo, tais como: a) Pré-controle, que se manifesta através da prevenção ou eliminação de possíveis ocorrências inadequadas ou indesejáveis; b) Controle atual, que ocorre quando o próprio empregado ou máquina [no caso da automação (a automação dos processos, será discutida detalhadamente no próximo item, 2.5. Sistemas Gerenciais Tradicionais e JIT)] têm condições de realizar seus próprios ajustes, visando dar continuidade ao processo em andamento para alcançar os objetivos definidos; c) Pós-controle, o qual corresponde à avaliação dos eventos com o objetivo de investigar se ocorreram de acordo com o planejado, ou seja, “é uma verificação após o fato”, que permite informações para avaliar e ajustar os parâmetros do sistema para mudanças futuras. O controle organizacional pode ser entendido também, como sistema de resultados e de funcionamento. O primeiro visa “verificar se estamos atingindo metas e realizando objetivos”, e ocorre sobre os fins que são representados pelos objetivos alcançados (Silva, 1984, p. 34). Essa forma de controle ocorre através do pós-controle (Litterer, 1977, p. 272), ou controle posterior, que avalia a operação após sua conclusão por meio de relatórios, índices ou demonstrativos, gerando informações às áreas de planejamento. Sua finalidade relaciona-se com a confirmação dos resultados, sejam positivos ou não, e sua utilização não possibilita alterações no processo, pois incide sobre operações já concluídas. O controle de funcionamento, por outro lado, ocorre “para que possamos ajustar-nos aos resultados desejados frente a qualquer eventualidade” Silva (1984, p. 34), e incide sobre os meios constituídos de recursos (financeiros e técnicos), pessoas, processos e informações, ou seja, objetiva adequar o funcionamento da organização às possíveis mudanças ocorridas, tanto no ambiente, quanto aquelas de origem interna, resultantes 41 de conflitos e dificuldades no processo de trabalho. O controle de funcionamento pode subdividir-se, em controle de orientação e controle por etapas. O controle de orientação ajusta o processo em relação aos planos, antes que as operações sejam concluídas, a fim de possibilitar a percepção de seus desvios e alterações, e ocorre com freqüência em linhas de processo contínuo. O controle por etapas, por sua vez, analisa a viabilidade de o trabalho passar para a etapa seguinte, necessitando, para tanto, da aprovação de um controlador. Esta forma de controle manifesta-se com o controle de qualidade por lotes de produtos, inspeção na qualidade da matéria-prima, testes com produtos novos. De acordo com Sewell (1990, p. 495), “aplicando a hipótese de que o processo de controle e informação na manufatura corresponde à estrutura hierárquica que aproxima o comércio e a manufatura organizacional, é possível formular um modelo do fluxo de informações e materiais no chão-de-fábrica, o qual explora o relacionamento dentro do ambiente interno e entre os ambientes interno e externo”. Para o autor “dado que o fluxo de controle e informação no meio da manufatura segue o fluxo de materiais, a natureza hierárquica do processo de produção e a estrutura informacional que acompanha, assemelham-se intimamente a uma pirâmide tridimensional. A pirâmide pode ser dividida em seções que representam diferentes níveis de controle que refletem o layout físico e a arquitetura dos negócios da organização”. A diversificação e a intensificação do controle, bem como suas ligações com situações de mudança, constituem algumas das questões organizacionais que têm gerado discussões entrediversos autores. Hall (1984, p. 148) destaca o controle como um dos fatores que interferem na adoção de inovações, ao ressaltar que sua implantação afeta o sistema de controle existente, em razão da possível interligação desses fatores, os quais, quando modificados separadamente, afetam os demais em graus variados. Durante um processo de mudança há redução dos controles, possibilitando maior autonomia para os envolvidos nas atividades organizacionais. De acordo com o autor, depois de concluídas as mudanças, o sistema de controle se amolda à nova situação, a fim 42 de obter o desempenho planejado. As inovações tecnológicas, discutidas anteriormente, podem influenciar diferentes atributos estruturais, como formalização e complexidade, e processos organizacionais, como o decisório e as comunicações. Inseridos nos processos e atributos estruturais, encontram-se os sistemas de controle. À medida que ocorre a implantação de determinada inovação, tal como a automação, a informática e o just-in-time, por exemplo, há tendência para que os sistemas de controle existentes amoldem-se às novas configurações organizacionais, que alguns controles desapareçam e outros sejam criados. Estas alterações podem ocorrer diretamente ou através de modificações nos atributos estruturais e nos processos organizacionais que, por sua vez, influenciam os sistemas de controle. O sistema just-in-time tem demonstrado afetar o processo produtivo e o sistema de controle organizacional, especialmente, o controle técnico. Com o objetivo de verificar esta interferência discutem-se, a seguir, alguns pontos do controle organizacional que possuem ligação com a adoção de inovações tecnológicas, neste caso, o just-in-time. 2.5. Sistemas Gerenciais Tradicionais e JIT O Just-in-time foi concebido e sua implementação começou logo após a Segunda Guerra Mundial. Mas, não tinha atraído a atenção da indústria japonesa até a primeira crise do petróleo, no outono de 1973. Os gerentes japoneses, acostumados à inflação e às altas taxas de crescimento, viram-se subitamente confrontados com o crescimento zero e, forçados a lidar com decréscimos de produção. Foi durante essa emergência econômica que notaram, pela primeira vez, os resultados que a Toyota estava conseguindo com sua implacável perseguição à eliminação do desperdício, sistema toyota de produção. Foi, então, que começaram a enfrentar o problema de introduzir o sistema em seus próprios locais de trabalho. Em seu aspecto mais básico, pode se tornar o conceito literal do JIT. – O JIT significa produzir bens e serviços exatamente no momento em que são necessários – não antes para que não se transformem em estoque, e igualmente não depois, para que seus 43 clientes não tenham que esperar. Além desse elemento temporal de JIT, podem-se adicionar as necessidades de qualidade e eficiência. Possível definição de JIT pode ser a seguinte: “Just-in- Time é, única e exclusivamente, uma técnica que se utiliza de várias normas e regras para modificar o ambiente produtivo, isto é, uma técnica de gerenciamento, podendo ser aplicada tanto na área de produção, como em outras áreas da empresa.” (GHINATO, 1996, p. 80). O JIT visa atender à demanda instantaneamente, com qualidade perfeita e sem desperdícios. Alternativamente, para aqueles que preferem uma definição mais completa: O just-in- time (JIT) é uma abordagem disciplinada, que visa aprimorar a produtividade global e eliminar os desperdícios. Possibilita a produção eficaz em termos de custo, assim como o fornecimento apenas da quantidade necessária de componentes, na qualidade correta, no momento e locais corretos, utilizando o mínimo de instalações, equipamentos, materiais e recursos humanos. O JIT é dependente do balanço entre a flexibilidade do fornecedor e a flexibilidade do usuário. É alcançado através da aplicação de elementos que requerem envolvimento total dos funcionários e trabalho em equipe. A filosofia-chave do JIT é a simplificação. Note-se, entretanto, que a primeira definição apresenta os objetivos do just-in-time, isto é, a adoção da abordagem JIT na gestão da produção não implicando que os objetivos sejam atingidos imediatamente. Ao invés disso, descreve a situação, cujo atingimento à abordagem just-in-time ajuda a conseguir. Contudo, nenhuma definição de JIT engloba todas as suas implicações para a gestão de operações. Slack et al. (1999, p. 356), descreve que existem tantas frases e termos para descrever a abordagem JIT. Por exemplo: • Manufatura de fluxo contínuo; • Manufatura de alto valor agregado; • Produção sem estoque; • Produção com pouco estoque; • Manufatura veloz; • Manufatura enxuta; • Processo induzido de resolução de problemas; • Manufatura de tempo de ciclo reduzido. 44 A Filosofia de operações do JIT distingue-se de outras abordagens de aprimoramento de desempenho de empresas. Três razões chaves são apontadas, as quais, na verdade, definem o coração da filosofia JIT. São: eliminação do desperdício, envolvimento dos funcionários na produção e o esforço de aprimoramento contínuo. Nos anos 70 - precisamente na metade da década - formalizou- se no Japão, a filosofia de administração da produção e de materiais, denominada de Just-in-time ou sistema de administração Toyota, cujo objetivo fundamenta-se em fornecer resposta rápida e flexível, às flutuações de mercado, mediante a utilização de instrumentos e técnicas que buscam atingir elevado padrão de qualidade, associadas à significativa redução no custo do produto e da grande elevação da produtividade. O JIT é definido, também, como estratégia que confere ênfase à redução da quantidade de produtos em processo, da matéria- prima e de produtos acabados, vinculando qualidade, produtividade e custo, proporcionando, portanto, maior circulação do capital. Para Correia & Gianesi (1996, pág. 56), o Just-in-time é muito mais do que técnica, ou conjunto de técnicas de administração da produção, sendo considerado como completa “filosofia”, a qual inclui aspectos de administração de materiais, gestão da qualidade, arranjo do produto, organização do trabalho e gestão de recursos humanos. Definir just-in-time não é uma tarefa simples. Na literatura especializada encontram-se diversos conceitos, alguns dos quais se contradizem. Ao comparar a diversidade de conceitos sobre just- in-time, destaca-se que a amplitude existente pode levar até a desacordo sobre o tema, devido às inconsistências que se verificam na maioria dos casos. Podem-se verificar formas diversas de entendimento sobre o just-in-time. Mesmo em sua essência, se o just-in-time é uma filosofia de trabalho, um sistema de organização do processo de trabalho, ou apenas uma técnica, o consenso parece difícil, tanto no meio acadêmico, quanto no meio empresarial. A seguir apresentam-se algumas definições, sem a intenção de esgotar o assunto, apenas para iniciar a discussão sobre o mesmo. 45 Pereira & Crivellari (1991, p. 96), entendem o just-in-time como “sistema de informações integrado ao controle material e quantitativo da produção”, que atinge de forma direta a organização do trabalho. Segundo as autoras, o just-in-time é um sistema amplo, que abriga vários subsistemas interligados, os quais, quando em funcionamento, permitem a produção no tempo e quantidades certas. Dentre estes subsistemas encontra-se o kanban, que constitui “novo padrão de controle de informações” (Pereira & Crivellari, 1991, p. 96). Neste contexto, de acordo com Ferro (1990, p. 58), o kanban funciona como sistema de informações que “controla visualmente o volume de produção, previne o excesso de produção e indica os problemas”, servindo de ligação entre as seções que o utilizam. Seguindo esta linha, aparecem os círculos de controle de qualidade (CCQ) e o controle total da qualidade (TQC) como “estratégias gerenciais de controle do trabalho”. Assim, numa visão