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CAP 5 -Livro mente cérebro e cognição

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CAP 5 – IFM 
DESFAZENDO A IDEIA DE MENTE 
- colocar o conceito de mente como originário de algum tipo de ilusão conceitual ou linguística, 
transformar em um pseudoproblema. 
Wilfrid Sellars – norte americano – em 1960 falou que a ideia de mente seria uma espécie de 
ilusão cultural. Como surgiu o conceito de mente, segundo ele? 
• Em uma comunidade mítica, Jones inventou o conceito mente através de um 
treinamento sistemático que impôs aos membros dessa comunidade. A notar que todas 
as frases usadas por eles se referiam a coisas e ventos observáveis, expandiu e 
enriqueceu a linguagem para que pudesse distinguir seres pensantes, dotados de 
intenções, desejos e sensações. Assim, criou a semântica, ideia de que as sentenças 
teriam significados e poderiam ser falsas ou verdadeiras. Fala se transformaria em um 
ato de expressar o que elas estariam pensando e que não poderia ser observado, 
admitindo a existência de entidades não observáveis. A linguagem passa então a poder 
comportar teorias, construídas a partir dessas entidades não observáveis: teorias acerca 
do mundo e acerca do comportamento. O intervalo entre uma ação e outra, o silêncio 
entre uma palavra e outra, passaram a ser vistos como o estágio preliminar onde 
estariam ocorrendo processos internos (não observáveis) na cabeça das pessoas 
processos que culminariam com a produção de um comportamento ou de uma 
sentença. 
• Separação de linguagem e percepção. Ver um triângulo vermelho passa a ser uma 
experiência interna, mediada pelo pensamento e não uma experiência sensorial 
imediata ligada a um tipo de comportamento seja ele verbal ou não. 
• Para isso, Jones procurou convencer seus conterrâneos da inexistência de qualquer 
ligação conceituai ou lógica entre esses estados internos inobserváveis (os 
pensamentos) e seus comportamentos correspondentes. O pensamento seria dotado 
de uma existência independente, autônoma. A segunda técnica consistiu em convencer 
seus companheiros em caráter definitivo da verdade primeira, ou seja, da primazia dos 
relatos introspectivos sobre qualquer evidência comportamental contrária. 
• Jones teria querido encontrar correlatos objetivos, neuronais, de suas entidades 
inobserváveis e tomar sua teoria uma ciência do cérebro. Mas, ao voltar-se para essa 
nova tarefa, ele já não podia mais desvencilhar-se da própria linguagem que ele criara a 
linguagem com todas as expansões para uma semântica e para uma teoria do 
comportamento baseada em entidades inobserváveis. 
 Gilbert Ryle 
O que seria mostrar a Universidade de São Paulo? 
• Principais equívocos da filosofia da mente: Inspirados pela tradição cartesiana, os 
filósofos da mente começaram a supor que, para além de todo um conjunto de 
comportamentos e disposições que observamos nas pessoas, existiria algo mais, algo 
como uma substância subjacente a todas essas manifestações. Supor que existe algo 
mais do que isto é o equívoco que Ryle aponta. Um equívoco que leva a supor que, para 
além das partes deve haver algo subjacente a elas algo que os cartesianos identificariam 
como sendo uma substância. Uma substância com propriedades especiais, dentre elas, 
a imaterialidade que a tomaria incompatível com a produção causal dos 
comportamentos. Supor a existência dessa substância é incorrer numa ilusão; é postular 
a existência de um fantasma na máquina. 
Como enxergar o casamento de duas pessoas? 
• Confundir um conceito com uma coisa ou com algum tipo de substância que deveria 
existir em algum lugar. Casamento é um conceito que designa um tipo de relação entre 
duas pessoas; uma relação que não é nem palpável nem observável. Podemos apenas 
observar suas consequências ou suas manifestações. Não é nada além de um conceito: 
um conceito que utilizamos para designar um conjunto de comportamentos e 
disposições exibidos pelas pessoas. Supor que da observação de um conjunto de 
comportamentos organizados podemos inferir a existência de algum tipo de entidade 
subjacente é incorrer no erro cartesiano. 
A tarefa da filosofia da mente será então estirpar as extravagâncias e com elas dissolver os 
pseudoproblemas. Ryle supõe que a origem de todas essas confusões está na linguagem e no 
modo como a empregamos, criando um vocabulário psicológico que nos induz a supor a 
existência dessa substância imaterial. Quando isto ocorre, temos aquilo que Ryle batizou de 
“erro categorial” (category mistaké) um tipo de erro que requer uma clarificação ou uma terapia 
da linguagem. Para isso é necessário separar nitidamente o vocabulário físico do vocabulário 
mental. 
➔ “minha mente está cansada hoje” 
➔ “estamos ouvindo uma música na nossa mente” 
➔ “sua voz ficou marcada na minha mente” 
Essas metáforas, quando se tomam literais (talvez pelo uso constante) geram a ideia de que a 
mente deve ser algo físico ou algum tipo de substância subjacente a meus comportamentos e 
disposições para agir dessa ou daquela maneira. 
Será sempre possível fazer essa separação ou haverá alguns termos híbridos, inerentes ao modo 
como empregamos a nossa linguagem cotidiana que resistiriam a esse tipo de terapia? Por 
exemplo, quando falamos do Estado de São Paulo ou dos gois marcados num jogo de futebol 
estaremos falando de algo físico ou de algo mental? Haveria outros casos que também 
poderíamos classificar como anômalos, ou seja, expressões linguísticas situadas de forma 
híbrida entre o físico e o mental? 
➔ medida de distâncias, tais como quilômetros e metros 
➔ graus centígrados 
Entretanto, a análise linguística dificilmente poderia classificar como transgressões categoriais 
as afirmações de que o pensamento ocorre na minha cabeça, que a dor é intensa ou que um 
desejo embrulha meu estômago: essas sentenças não só fazem sentido como o fazem 
precisamente por transitar entre o físico e o mental. O resultado é inverso no caso dos 
quilômetros e outras distâncias ou medidas, nos quais a análise linguística reverte nossa 
tendência habitual de situá-los do lado do vocabulário físico. 
➔ Voz: físico ou mental? 
“perdi minha voz”, “ouço uma voz” 
A ideia de voz como coisa física não pode ser abandonada quando gravo minha voz 
numa fita magnética. Será então “a voz que perco” uma metáfora que significa, na 
realidade, a perda temporária de uma disposição? 
Esses casos-limite nos colocam numa espécie de dilema. Ou abandonamos o programa 
ryleano de separar o vocabulário físico do vocabulário mental e com ele seu pressuposto 
fundamental de que é sempre possível detectar e eliminar as transgressões categoriais 
ou admitimos que a passagem do físico para o mental, expresso em sentenças híbridas, 
não leva necessariamente a um uso indevido da linguagem e à geração de paradoxos. 
O materialismo eliminativo dos Churchlands 
Trata-se não apenas de identificar os subúrbios da linguagem que confeririam ao mental um 
estatuto ontológico que esse não possui. Dá-se um passo mais do que a identificação crítica 
proporcionada pela terapia linguística: é preciso decretar, desde o início, a falência dessa 
ontologia pelo reconhecimento da inadequação do vocabulário psicológico cotidiano para 
descrever o mental e substituir a imagem comum da mente por uma imagem científica derivada 
da neurociência. O vocabulário psicológico cotidiano seria incompatível com o discurso da 
ciência e, por isso, sua permanência seria, igualmente, intolerável no interior de uma visão 
científica do mundo. 
➔ Radicação do projeto reducionista 
Tradicionalmente, quando utilizamos o termo “redução” na literatura científica e filosófica, 
estamos caracterizando sobretudo uma relação entre teorias, onde uma velha teoria T1 é 
reduzida logicamente a uma nova teoria T2 e os eventos antes explicados por T1 passama ser 
explicados por T2. Assim, temos um caso exemplar na história da física, em que a temperatura, 
antes explicada pelas leis da termodinâmica clássica, passou a ser entendida em termos de 
energia cinética molecular, o que garantiu a redução da termodinâmica clássica à mecânica 
estatística. Os objetivos são a unificação explicativa e a simplificação ontológica, embora essa 
última nem sempre seja pretendida. 
Tendo em vista as enormes dificuldades encontradas na realização da redução ontológica, na 
afirmação de que eles são idênticos a eventos cerebrais, o ponto de partida dos Churchlands é 
a recusa daquilo que eles consideram um erro fundamental do projeto reducionista tradicional: 
a suposição de que nossa linguagem psicológica utilizada habitualmente para explicar e predizer 
o comportamento humano (folk psychology) é adequada. A folk psychology ou “psicologia 
popular” seria uma espécie de teoria habitual que todos nós possuímos, através da qual 
explicamos os comportamentos de outros seres humanos recorrendo às ideias comuns de 
“intenção”, “crença”, “desejo” e outros termos que compõem o chamado vocabulário 
mentalista. Segundo os Churchlands, nós não precisamos buscar uma redução dessa teoria 
inadequada a folk psychology a uma eventual neurociência amadurecida, mas simplesmente 
uma eliminação da primeira, dado que ela é falsa. Churchlands, que continuaram defendendo o 
materialismo eliminativo e a proposta de uma reforma linguística através da eliminação da folk 
psychology e dos termos mentalistas tradicionais. 
Os eliminativistas mantêm a perspectiva reducionista, adotando o eliminativismo apenas nos 
casos em que a teoria for inadequada. Os defensores do materialismo eliminativo também 
recorrem à história da ciência, como no caso da redução interteórica, mostrando casos de 
eliminação ontológica de velhas teorias em favor da ontologia de uma nova e superior teoria. 
Exemplo: com o avanço de pesquisas e de novas teorias sobre a disfunção mental, as teorias de 
bruxas e possessão foram eliminadas da ontologia científica, devido à sua inadequação teórica. 
Os defensores do materialismo eliminativo afirmam que o destino dos conceitos pertencentes 
à folk psychology desejo, crença, intenção, medo, esperança, sensação etc., será rigorosamente 
o mesmo, devido à sua estagnação e também à sua incapacidade de explicar vários fenômenos 
da vida mental. 
Herança cartesiana de Decartes gira em tomo de dois temas principais: a intencionalidade como 
marca distintiva do mental que gera o problema do conteúdo ou do significado e a 
intransponibilidade da perspectiva de primeira pessoa, exemplificada pelo caso dos qualia 
(qualidades da experiência subjetiva), que envolve a consciência. Dizemos que um estado 
mental é intencional porque se refere a algo, podendo esse algo existir ou não no mundo. Essa 
capacidade de se referir a um conteúdo qualquer seria, então, a característica distintiva e 
irredutível dos fenômenos mentais, exibida pelos assim chamados estadosintencionais ou 
atitudesproposicionais (crenças, desejos, pensamentos etc.) 
O argumento central dos eliminativistas é que a intencionalidade de modo algum constitui uma 
refutação do materialismo, uma vez que estados puramente físicos, como os estados cerebrais, 
também possuem conteúdo proposicional, sendo, portanto, intencionais. Para os 
eliminativistas, ter um conteúdo ou significado é apenas uma questão de desempenhar um 
papel específico numa complexa rede inferencial ou computacional, que nos permite identificar 
certas relações abstratas (relações lógicas e numéricas, por exemplo) entre as diferentes 
atitudes e postular leis gerais. Exemplo: se x teme que P, então x deseja que não P. Desse modo, 
se os estados cerebrais ou computacionais podem desempenhar um papel numa dinâmica 
inferencial, exibir relações abstratas e gerar leis, então eles possuem conteúdo e, 
consequentemente, intencionalidade. 
Problema dos qualia: segundo grande obstáculo encontrado pelos eliminativistas. São aspectos 
qualitativos de nossas experiências subjetivas. Thomas Nagel afirma que os qualia de nossas 
sensações nos são revelados apenas através da introspecção (o que é ser um morcego?). Assim 
os reducionistas estariam condenadas ao fracasso, uma vez que os qualia ficariam ausentes da 
abordagem objetiva da neurociência. 
Frank Jackson – Mary viveu toda a sua vida presa dentro de um quarto, onde recebia 
informações sobre o mundo exterior através de livros e de um monitor preto e branco. Ela não 
podia imaginar sobre as experiências subjetivas de outras pessoas que viviam fora de seu quarto 
e sobre suas possíveis experiências quando fosse deixá-lo: a natureza da sensação de ver um 
tomate bem vermelho. Dessa forma, mesmo um conhecimento completo dos aspectos físicos 
da percepção visual e da atividade cerebral a ele relacionada seria insuficiente para explicar 
todos os fenômenos mentais. Portanto, o materialismo reducionista seria falso. 
Para Churchland Nagel é que ele comete uma petição de princípio. Quando afirmo que meus 
qualia são conhecidos por mim através da introspecção e que meus estados cerebrais não o são, 
eu já estou pressupondo aquilo que o argumento deveria provar, a saber, que estados mentais 
não são idênticos a estados cerebrais. Ora, se os estados mentais forem de fato idênticos a 
estados cerebrais, então o conhecimento de meus qualia é o conhecimento dos estados 
cerebrais a eles correspondentes. Para Churchland o que varia é o modo de descrição. 
O futuro do materialismo eliminativo 
Proposta pragmática, apostando no desenvolvimento da neurociência e na sua capacidade de 
nos fornecer uma explicação mais adequada dos fenômenos mentais. 
É preciso fazer uma distinção fundamental entre o materialismo eliminativo e a neurociência: 
trata-se, no primeiro caso, de uma teoria filosófica da mente e, no segundo, de uma ciência do 
cérebro. 
Pode a neurociência solucionar os principais problemas colocados pela filosofia da mente? Essa 
questão ganha relevância na medida em que o sucesso do materialismo eliminativo depende da 
possibilidade de alcançarmos um conhecimento completo do cérebro. Em outras palavras, a tão 
sonhada eliminação da folk psychology só se supõe possível a partir de um mapeamento integral 
entre o mental e o cerebral. 
Dificuldades técnicas: A complexidade do cérebro humano pode realmente tomar-se um grande 
obstáculo à realização do mapeamento total. Supomos que a distribuição dos neurônios e das 
conexões entre eles estariam obedecendo a algum tipo de regra uma regra constante a partir 
da qual podemos construir esse software gráfico. No entanto, não sabemos se a distribuição dos 
neurônios e de suas conexões obedece a algum tipo de regra que pudesse ser reproduzida por 
um software. E caso não haja essa regra (ou esse conjunto de regras), a construção de um 
modelo de cérebro através de um software tomar-se-ia inviável, ou seja, estaríamos diante de 
um problema não computável. Portanto, o apelo dos eliminativistas a uma neurociência 
computacional seria inútil. 
Dificuldades filosóficas: qualquer tipo de materialismo radical se auto anula, em função de não 
poder sustentar sua validade com argumentos racionais. Ora, se todo estado mental é idêntico 
a um estado cerebral, então a proposição “o materialismo é uma teoria verdadeira” é apenas 
um produto físico-químico do cérebro, assim como a proposição “o materialismo não é uma 
teoria verdadeira”. Outra dificuldade é o problema da intransponibilidade da perspectiva de 
primeira pessoa. Consideremos como já o fizemos no capítulo I um grupo de 10 pessoas 
submetidas a sessões de neuroimagem para a identificação de padrões de atividade cerebral 
relacionada ao pensamento.Ao final das sessões, podem essas pessoas reconhecer seus 
próprios cérebros, somente a partir da apresentação das imagens obtidas? O que essas imagens 
indicam a respeito dos conteúdos dos pensamentos de cada um? A lição a ser extraída desse 
exemplo é que a neurociência não pode ignorar a perspectiva subjetiva, se quiser explicar nossa 
vida mental.

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