Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Literatura e alfabetização Pressupostos teóricos e metodológicos (Juracy Assumann Saraiva) A importância da literatura no processo de alfabetização A palavra escrita amedronta e intimida, desafia e provoca, aprisiona e liberta. - Alfabetizado x não alfabetizado. - Inclusão x exclusão. - Hierarquia. Ela suscita, pois, o desejo das crianças de romperem com seu círculo para, através da superação das dificuldades inerentes à conquista do código escrito, aderir a um espaço de direitos mais plenos... o esforço despendido pela criança no reconhecimento de letras e palavras precisa aliar-se à certeza de que será compensado pela leitura de textos altamente estimulantes. Conforme Bettelheim, o acesso ao código escrito confere à criança o poder de participar do mundo secreto dos adultos. Assim, para ela o ato de ler é uma aventura fascinante, que lhe garante um novo domínio. A fascinação de exercê-lo torna-se ainda maior quando a criança descobre que, através da ficção e da poesia, encontra resposta às suas indagações interiores. Ao defrontar-se com textos de valor estético e cultural, que traduzem o sentido da existência por engendrarem respostas a seus conflitos e emoções, a criança acrescenta um novo estímulo à sua vida. ...a aprendizagem da leitura deve propiciar à criança a sensação de que, por meio dela, um mundo insólito se abre para sua mente. - livros de qualidade estética. ...visto que verbalizam aquilo que é especificamente humano e até primitivo, como os sentimentos de raiva, inveja, ciúme, ambição –, mas que, paralelamente, apontem para um mundo melhor, onde o mais importante são as riquezas abstratas da beleza, da justiça, do perdão e do amor (Mello e Leonhardt, 1991, p. 3). A criança deixa-se fascinar por essas narrativas, porque elas materializam seu desejo de crescer, de se transformar e de transformar o mundo. Projetando-se em heróis, ela libera suas emoções e conflitos interiores, saindo fortalecida da experiência proporcionada pela leitura. Por desenvolver as áreas afetiva e intelectual, a leitura de textos literários, na fase da alfabetização, oferece às crianças a oportunidade de se apoderarem da linguagem, uma vez que a expressão do imaginário as liberta das angústias próprias do conhecimento e lhes proporciona meios para compreenderem o real e atuar criativa e criticamente sobre o real. ...os textos literários transcendem o estatuto de meio ou de instrumento hábil a facilitar o processo de alfabetização, para se afirmarem como elemento essencial, capaz de harmonizar a relação sujeito-mundo, oferecendo àquele outra via de reflexão. Entretanto, por serem linguagem, os textos literários somam, à sua função primordial, uma outra: a de atribuir significados e sinais gráficos, significados que se enriquecem pelos sentidos que seu intérprete atribui a eles. Como forma de arte, os textos literários ocupam-se da representação do real tangível e do real psíquico da criança, proporcionando-lhe condições de elaborar significativamente os dados da realidade a sua interação com ela. Isso garante à literatura o cumprimento de dupla finalidade: por um lado, possibilita à criança compreender melhor os contornos do real e as emoções que ele provoca; por outro, incentiva a criança a produzir textos, a partir da apropriação de textos existentes. Por isso, a prática da leitura do texto literário nas séries iniciais pressupõe a prática da escrita, momento em que se mobiliza e libera o imaginário infantil e, em que, ao retrabalhar criativamente a linguagem, a criança dela se apropria. Desse modo, o aluno não só descobre o texto, impregnando-se de sua simbologia, enriquecendo seu domínio linguístico, mas também explora, manipula o texto e, a partir dele, cria novos textos. ...sala de aula um ambiente de fomento à leitura, onde se coloquem à disposição dos alunos textos literários de valor estético e se propiciem condições de vivenciar a literatura não como pretexto para a amplificação do vocabulário, ou para a execução de exercícios que desmembram o texto em fragmentos sem sentido, mas como ato comunicativo, isto é, como diálogo. Metodologia: interação dialógica texto-leitor Sendo resposta a indagações humanas, a literatura exerce função de reconhecimento, pois impele o leitor a situar-se criticamente diante do mundo representado e do processo de sua representação. Na posição de intérprete, o receptor interliga, ainda que intuitivamente, o universo ficcional ao de sua experiência cotidiana, deixando-se seduzir pela evidência de que as palavras são peças lúdicas, cujo dinamismo ele mesmo impulsiona. A importância da literatura para o processo de autoconhecimento da criança e de sua inserção no real, bem como para o desenvolvimento de seu senso crítico diante da linguagem, orienta, pois, a seleção de textos literários A literatura incide sobre narrativas e poemas que, sendo adequados ao estágio de desenvolvimento da criança, traduzem situações problemáticas, como, por exemplo, o medo injustificado, a carência afetiva, o desejo de auto confirmação da identidade, ... Por sua especificidade, os textos literários não visam embasar o deciframento da escrita, sendo esse procedimento antes uma decorrência do que um efeito desejado. Mas, pela relação afetiva e intelectual que fundam como o leitor e pelo convencionalismo de sua linguagem, os textos literários favorecem o processo de alfabetização. O enriquecimento do vocabulário, a capacidade de elaborar inferências sempre mais complexas, a possibilidade de estabelecer relações contextuais são outros benefícios que advêm da familiaridade do alfabetizando com textos literários. As experiências pessoais, entre elas brincadeiras infantis, são utilizadas para ativar a curiosidade dos alfabetizandos em relação à leitura do texto e, simultaneamente, para valorizar seu conhecimento de mundo e ampliá-lo. Portanto, a proposta da articulação entre literatura e alfabetização enfatiza a função formadora da arte literária e, valendo-se da exploração dos recursos significativos da linguagem presentes nos textos, faz deles um modelar recurso para o desenvolvimento do processo de alfabetização, entendido como leitura compreensiva e produção textual. Referências ALBERT, m. p.; CASTAING, J. A Poesia no ensino primário. In: COSEM, M. (org.) O poder da poesia. Coimbra: Almeidina, 1980. BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Círculo do livro, s.d. SARAIVA, J. A. S. et al. Pressupostos teóricos e metodológicos da articulação entre literatura e alfabetização. In. Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano da ação/organizado por Juracy Asmann Saraiva. – Porto Alegre: Artmed, 2001. “São as verdades humanas gerais, que traduzem antes um sentimento de experiência, uma compreensão e um julgamento das coisas humanas, um sentido da vida, e que fornecem um retrato vivo e insinuante da vida, o qual sugere antes que esgota o quadro. A Literatura é, assim, a vida, parte da vida, ... Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana." (Afrânio Coutinho. Crítica e Teoria Literária, p. 729)
Compartilhar