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OBRAS DO AUTOR Comentários a Lei do Inquilinato. São Paulo: Saraiva, 1965. Da política económica ao direito económico. São Paulo, 1977. Desenvolvimento e ecologia. São Paulo: Saraiva, 1975. Fundamentos para uma codificação do direito económico. São Paulo: RT, 1995. ^ R 0 , , , , ( O . I T : í: Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Nusdeo, Fábio, 1931 - Curso de economia : introdução ao direito económico / Fábio Nusdeo. - 4. ed. rev. c aluai. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005. Bibliografia. ISBN 85-203-2776 I I . Direito económico I . Título. 05-5875 CDU-34:33 índices para catálogo sistemático: 1. Direito económico 34:33 FÁBIO NUSDEO CURSO DE ECONOMIA Introdução ao Direito Económico 4.a edição revista e atualizada E D I T O R A R E V I S T A D O S TRIBUNAIS 328 CURSO DE ECONOMIA BIBLIOGRAFIA BÁSICA ÁRIDA, P. et al. Inflação zero. São Paulo, 1986. BATISTA, P. N. et al. O combate à inflação no Brasil. São Paulo, 1986. BUITONJ. O direito na balança da estabilização económica - Do cruzado ao real. São Paulo, 1977. C A R D O S O , E . A. Economia brasileira ao alcance de todos. São Paulo, 1996, Caps. 4 c 5. D E CHIARA, J. T. Moeda e ordem jurídica. São Paulo, 1987. GUDIN, E. Princípios de economia monetária. Rio de Janeiro, 19&0. I o v . LANZANA, A. E. T. "Desafios do plano real". In Revista da Indústria. Ano 3, n. 9. São Paulo, jul./set. 1994. . Economia brasileira: Fundamentos e atualidade. São Paulo, 2001. MONTORO FILHO, A. F. "Introdução à teoria monetária". In Manual de econo- mia. Equipe de Professores da USP, Parte II, Cap. 4 e seu Apêndice: "Sistema Financeiro Nacional" de Manuel Enriques Cíarcia. MUNIZ, M. A. et al. Direito e processo inflacionário. Belo Horizonte, 1994. SADDI, J. S. Autonomia do Banco Central. São Paulo, 1997. SIMONSEN, M. H. Sistema federal de reserva. Objetivos e funções. Rio de Ja- neiro 1964. VASCONCELOS, M.A.S. Economia - Micro e macro. São Paulo, 2000. ; G E R M AND, A. P. e TONETO, R. A economia brasileira contemporânea. São Paulo, 1999. 16 E C O N O M I A I N T E R N A C I O N A L SUMÁRIO: 16.1 Considerações gerais - 16.2 A teoria das vanlagens comparativas: 16.2.1 A crítica protecionista: a indústria nascente; 16.2.2 Crítica protecionista: as relações de troca - 16.3 Globaliza- ção e libei a l i /ação- 16.4 Movimento de fatores- 16.5 Os blocos eco- nómicos - 16.6 Balança comercial - 16.7 Balança de serviços - Os invisíveis - 10.8 Balança de capitais - 16.9 Balança de pagamentos - 16.10 Taxa cambial - Síntese e conclusões - Bibliografia básica. 16.1 Considerações gerais Até agora todas as considerações expendidas sobre a atividade e o funcionamento do sistema económico partiram do pressuposto de ser ele um sistema fechado, isto é, no qual todas as operações de troca, a divisão do trabalho e os mercados localizam-se dentro de uma determinada fron- teira nacional, sem manter relações de qualquer espécie com outras eco- nomias situadas fora dessas fronteiras. Como é fácil compreender, tal pressuposto c apenas didálieo, não sendo realista imaginar-se, na prática, qualquer país apto a. permanente- mente, viverem estado autárquico. Se é verdade que, internamente, são a especialização e a divisão do trabalho as grandes responsáveis pela econo- mia social de troca, isso se torna mais nítido ainda no âmbito internacio- nal, onde diferentes universos culturais, físicos e tecnológicos geram for- ças extremamente poderosas de intercâmbio, com vistas àprocuradas zonas de complementariedade e de sinergia entre as respectivas economias. Sur- gem daí as operações ditas internacionais, cuja natureza é essencialmente a mesma daquelas ocorridas dentro das fronteiras de cada país. Elas po- dem variar desde a importação de uma matéria-prima até o envio, por um imigrante, de algum dinheiro à família que Ficou no país de origem, pas- sando pelo pagamento a residente de outro país, por um serviço prestado, como, por exemplo, um projeto arquitetônico ou um parecer jurídico. A grande diferença entre operações internas e internacionais reside no pro- cesso de pagamento, pois países diferentes envolvem não obrigatoriamen- 330 CURSO DE ECONOMIA te, mas comumente, moedas diversas e portanto a troca dessas moedas, tecnicamente chamada de operação de câmbio. A expressão Comércio Internacional é hoje em dia tomada como sinónima de Economia Internacional, muito embora a palavra comércio possa ter uma conotação mais mercantil, no sentido de dizer respeito a bens corpóreos ou produtos, sinteticamente: importação c exportação. Mas não é assim. Sc é verdade ter o intercâmbio entre nações se iniciado com a troca de mercadorias, essa característica foi, gradualmente, sendo superada pelo surgimento e ampliação de operações outnfs, inteiramen- te dissociadas do movimento de mercadorias, como os serviços, emprés- timos recebidos de não residentes de um dado país;, dando origem, num primeiro momento, à entrada de recursos financeiros, em moeda, c, pos- teriormente, a remessas para o exterior a título de juros e finalmente da importância mutuada, quando esta retorna ao credor. O mesmo se diga de um investimento vindo de fora, o qual pode gerar remessas de juros. Com o tempo, a expressão Comércio Exterior ou Internacional superou a conotação puramente mercantil, para englobar o mesmo tipo de opera- ções visadas pelaexpressão Economia Internacional, aquela, talvez, mais vinculada ao enfoque jurídico; esta, ao prisma económico. 16.2 A teoria das vantagens comparativas A teoria das vantagens comparativas fornece uma explicação para as trocas internacionais. Segundo ela, os diversos povos tendem a se es- pecializar na produção daqueles bens e serviços para os quais são melhor dotados em relação aos demais, não devendo, pois, produzir internamente produtos outros. Será, assim, sempre mais vantajoso trocar os bens pro- duzidos internamente em melhores condições por outros importados de terceiros países, por sua vez melhor dotados com relação a tais produtos. Trata-se, como se vê, de uma extensão internacional da teoria da divisão do trabalho. As vantagens, porém, não são absolutas. Assim, por exem- plo, a Inglaterra poderá produzir lã e maçãs em condições de maior efi- ciência do que a Argentina. No entanto, convirá à Inglaterra adquirir tais produtos da Argentina e se especializar, digamos, na produção de ma- quinaria e de navios, com relação aos quais, comparativamente, a sua vantagem é ainda maior, dada a alta capacitação tecnológica. No início, a teoria foi aplicada em sua forma mais bruta e primitiva, como simples ECONOMIA INTERNACIONAL 331 comparação produto a produto e sem levar em conta as proporções. Pos- teriormente ela foi sendo refinada, para chegar à formulação supra. Soberana, tal teoria prevaleceu durante pelos menos um século no unindo ocidental, como suporte teórico do comércio internacional. Se- gundo ela, algum comércio será sempre mais vantajoso do que nenhum comércio, por sempre haver algum tipo de bem a cuja produção um país poderá se dedicar em melhores condições do que outro, e assim ambos - e por extensão toda a comunidade mundial - sairão beneficiados com a utilização mais racional dos recursos com os quais cada qual foi dotado. Subjacente a este raciocínio estava a visão de um intercâmbio dc produ- tos primários, as chamadas commodities, com relação às quais, realmen- te, as diferenças de ordem física são pronunciadas e. cm grande número de casos, decisivas, bastando citar o exemplo incontornável das jazidas minerais e, é claro, solo, clima, habilidades pessoais, no campo das mer- cadorias de origem agrícola ou pecuária. 16.2.1 A (lítica protecionista: a indústria nascente No entanto, essepredomínio das vantagens comparativas acabou sendo posto cm cheque com base no chamado infant ituhtstry case, ou seja, o argumento da indústria nascente. Segundo a nova teoria, os bene- lícios da especialização nem sempre são decorrentes de unia vantagem específica apresentada por um país cm termos seja de qualificação dc seus recursos humanos, seja de tecnologia, seja, ainda, de condições físicas adequadas. Eles podem, pura e simplesmente, resultar dc economias de escala das quais puderam aproveitar-se alguns países, quando, por razões diversas, se anteciparam aos demais no desenvolvimento dos seus par- ques industriais. Isso não significaria, porém, que outros países não pu- dessem, igualmente, chegar ao mesmo estágio, uma vez vencida a fase adolescente das suas indústrias, isto é, aquela onde estivessem ainda operando abaixo do pleno proveito das mesmas economias de escala. Para os críticos, as nações ainda não-industrializadas, a vigorar ler- leamcnlc o princípio das vantagens comparativas e o seu corolário político a plena liberdade do intercâmbio internacional - jamais passariam da condição dc meras fornecedoras de produtos primários e, como tal, fica- riam relegadas a uma posição de permanente dependência frente aos gran- des centros industriais. Com base nesse argumento, acentua-se, sobretudo 332 CURSO DE ECONOMIA a partir de finsdo século XIX, a pratica do protecionismo alfandegário, ou seja, a colocação de barreiras à entrada de produtos estrangeiros, represen- tadas por tarifas aduaneiras destinadas a encarecê-los, com vistas a facili- tar a disputa do mercado interno por parte dos produtores locais. Quando tal proteção se torna muito forte, virtualmente impedindo a entrada de con- correntes alienígenas, diz-se haver uma reserva de mercado. O protecionismo sempre existiu, mas passou a ser praticado mais intensamente pelas nações que se haviam atrasado no processo de indus- trialização com base na nova teoria.. Foi o caso sobretudo da Alemanha, dos Estados Unidos, da Itália e do Japão. Mais tarde, após a Segunda Guerra, os países subdesenvolvidos também passaram a aspirar à indus- trialização, entendendo-a como o caminho obrigatório em direção ao desenvolvimento. Ademais, tais países, fundamentalmente fornecedo- res internacionais de produtos primários (alimentos não-industrializa- dos e matérias-primas), tinham um outro forte argumento para impor restrições ao livre cambismo, isto é, à doutrina de que o intercâmbio in- ternacional não deve sofrer qualquer restrição. Trata-se do argumento da deterioração dos termos de intercâmbio (terms oftrade). 16.2.2 Crítica protecionista: as relações de troca Com eleito, se se estabelecer uma relação, um quociente, entre os preços internacionais dos produtos primários e os preços internacio- nais dos produtos industrializados, observar-se-á uma tendência secu- lar à desvalorização dos primeiros em face dos segundos. Essa tendên- cia é detnmentosa aos exportadores de primários, por levá-los a entre- gar cada vez maior quantidade de seus produtos para poderem impor- tar a mesma quantidade dos bens de que necessitam. Essa tendência reverteu-se nas últimas duas décadas, mas apenas no caso específico do petróleo, cujos produtores formaram um cartel em condições de impor preços a todos os compradores. Assim, por diversas razões, entre as quais sobrelevam as duas aci- ma apresentadas, o comércio internacional não se processou durante o século passado tão livremente quanto preconizado pelos economistas liberais, tendo havido dentro de cada estado nacional restrições de di- versa ordem â entrada de bens de fora, representadas, basicamente, pelas tarifas aduaneiras, pelo sistema de licenciamento prévio de importa- ECONOMIA INTERNACIONAL 333 ções e ainda pelo chamado contingenciamento, ou seja, a determina- ção pelo governo de quotas para cada bem importado, além de depósi- tos ligados a operações cambiais, na prática representando uma sobre- taxa a gravar as importações. No entanto, é irrespondível a asserção de que algum comércio in- ternacional sempre será preferível a nenhum comércio internacional, pois, descartando a autarquia como um estado possível ou mesmo desejável, sempre haverá países em condições de produzir mais economicamente determinados bens, sendo, portanto, racional vendê-los ao mercado in- ternacional e deste adquirir mercadorias em situação inversa. Além do mais, o comércio internacional tem sido quase sempre um importante propulsor do desenvolvimento económico, pois o baixo nível de renda e a consequente estreiteza dos mercados internos formam aquilo que foi designado como o ciclo vicioso da pobreza, cuja possibilidade de ruptu- ra é representada precisamente pelos mercados externos, como foi o caso do café quando de simples ciclo típico da economia colonial em outros estados transformou-se numa atividade condutora do desenvolvimento em São Paulo, como se verá no capítulo seguinte. 16.3 Globalização e liberalização A doutrina protecionista ganhou extremo impulso com os dois cha- mados choques do petróleo de 1974 e 1979, quando os países consumido- res, particularmente da América Latina, endividaram-se pesadamente e sua receita cambial mal dava para cobrir os juros da dívida e a conta do petró- leo. Com isso as importações foram extremamente contidas durante cerca de quinze anos, criando para as indústrias domésticas em diferentes países verdadeiras posições de mono ou oligopólio, com altos preços e pouco estímulo à melhora qualitativa dos produtos. Havia, ainda, uma indesejá- vel, embora parcial, autarquia em certos setores, com produção local de determinados artigos, obviamente sem condições para tanto. Em vista destes e de outros fatores, assiste-se, desde a década de 80 do século XX no Primeiro Mundo e, a partir dos primeiros anos de 90 na América Latina, a um processo de queda de barreiras e de liberalização geral do comércio exterior, não apenas no campo estritamente mercan- til, mas igualmente no movimento de recursos financeiros, transferên- cias de tecnologia, investimentos e outros. À medida que esta tendência CURSO DE ECONOMIA se generaliza e passa a abarcar um grande número de nações, ela ganha o nome de globalização, para significar que os critérios de eficiência na produção, na comercialização, nos investimentos, em toda a economia, enfim, são fixados em nível mundial e não mais nacional ou local. As empresas se transnacionalizam, perdendo as amarras ou vínculos com o país de onde se originaram. Legislações tributárias ou ambientais muito rígidas em alguns países poderão levar à transferência para outros de unidades fabris ou até de complexos industriais, exportando-se a polui- ção e a tributação. Passa a se instaurar uma nova forma de#divisão inter- nacional do trabalho, não mais baseada nos produtos finais, mas nos fa- tores ou processos de produção, os quais tendem a se distribuir pelo mundo, em função de estímulos os mais diversos, inclusive o suprimen- to de mão-de-obra e as legislações locais. Os chamados carros mundiais, produzidos e lançados pelas gran- des montadoras multinacionais, são bem um exemplo. Tais carros po- dem ser indiferentemente produzidos nas mais longínquas latitudes. A sua montagem incorpora peças provindas, também elas, de países diver- sos, nos quais os fabricantes recebem as mesmas especificações técnicas e adotan ou absorvem tecnologia semelhante, por sua vez desenvolvida em pontos distantes do universo. E eles, os fabricantes de peças, cada vez menos são nacionais, são, também, o produto de investimentos ou tecno- logia provindos de diferentes origens. E, assim, os mesmos automóveis surgem em diferentes pontos do planeta, sempre idênticos, comercializa- dos segunJo uma política centralizada de vendas e com suporte logístico quanto a suprimentos e deslocamentos sob comandoúnico. Como observa o Prof. Celso Grisi, "a intensificação dos processos de globalização da economia obrigou as organizações a buscarem mer- cados internacionalizados, cujas dimensões - substanciais como são - , viabilizem a distribuição massiva de produção assentada em escalas eco- nómicas crescentes. Esse mecanismo, que se retroalimenta à medida que as várias expansões industriais induzam o aparecimento do regime de economas de escala, provoca a exacerbação dos movimentos de concen- tração económica e o aparecimento de megacorporações transnacionais. A busca deliberada pelo gigantismo, como forma de garantir padrões de custos e níveis de preços competitivos, faz multiplicar os casos de fusões empres iriais, de incorporações e aquisições de outras organizações e incentiva a formação de alianças estratégicas e operacionais. Investido- ECONOMIA INTERNACIONAL 335 res, gestores e sociedades holdings globalizam suas ações amparadas no desenvolvimento da tecnologia de informações. Com essa sofisticação, que a informática e as telecomunicações propiciam, administram, de forma quase virtual, poucas nas extensas cadeias internacionais dc su- primentos, promovendo um fluxo físico de materiais inusitado, cuja movimentação é orquestrada por logística de grande eficiência. Assim, essas megaempresas, a cada dia maiores, e em número, a cada dia menor, concentram as operações de produção e distribuição, lastreando-as em enormes volumes de capitais que migram de país para país, através dessas cadeias, por um mundo sem fronteiras, na exala velocidade das transmissões eletrônicas de dados. O resultado óbvio desses movimen- tos é a concentração do capital e do poder em instituições como ban- cos, companhias de investimento, de seguros, de administração de re- cursos, de fundos mútuos, de pensão, gerando fortes impactos sociais, económicos e políticos nas comunidades por que passam, os quais pre- cisam ser definidos e monitorados. Com seus capitais atomizados em um grande número de acionistas e com suas gestões altamente profissio- nalizadas, chega ao auge a inevitável separação entre os detentores do capital e o corpo de dirigentes dessas empresas". A par de palpáveis benefícios em termos de suprimento de bens, a globalização certamente implica riscos representados, sobretudo nos países do Terceiro Mundo, pelo crescimento do desemprego, pela des- nacionalização industrial e mesmo comercial e por uma nova dimensão do confronto eficiência versus justiça ou versus amenidade. As econo- mias dc escala em nível mundial tenderão a uma concentiação também mundial com o alargamento dos desníveis no campo da indústria em especial. No campo do trabalho, além do desemprego há o problema da instabilidade locacional de funcionários administrativos e gerenciais, sujeitos a deslocamentos bruscos, gerando custos sociais em termos de ajustamento familiar e outros. Trata-se, porém, de riscos passíveis de serem neutralizados, dependendo da engenharia social utilizada para esse fim, para o que já se fazem sentir pressões bastante fortes, sobretudo na Europa, onde a tendência desperta maior ceticismo. 16.4 Movimento de fatores Subjacente às teorias clássicas do comércio internacional, quer l i - berais, quer protecionistas, estava sempre a movimentação de mercado- 336 CURSO DE ECONOMIA rias finais, de produtos acabados, ainda quando seriam utilizados como insumo para outros bens. E realmente este era, essencialmente, o quadro prevalecente do comércio internacional até as primeiras décadas do sé- culo. No período entre as duas guerras, e sobretudo a partir dos anos 50 do Século XX, intensifica-se sobremaneira a circulação de fatores de produção, tais como o fator capital, incluindo a tecnologia e o fator tra- balho. Claramente, o fator natureza permanece insuscetível de transfe- rência. A partir da época indicada, começa a destacar-se a circulação de fatores, muito embora continue a de bens acabados. E a razão é simples: ela prende-se às medidas protecionistas adotadas sobretudo pelos países em desenvolvimento, acopladas às de estímulo à industrialização inter- na, inclusive, pela reserva de mercado. A vista delas, as empresas sediadas no Primeiro Mundo foram pro- gressivamente estabelecendo unidades produtoras naqueles países, trans- ferindo-lhes recursos financeiros sob a forma de investimentos de capi- tal de risco e de capital de empréstimo, de tecnologia e de recursos hu- manos. Essa movimentaçãode fatores, inicialmente vista como uma mera adaptação do mundo desenvolvido aos objetivos industrialistas das eco- nomias emergentes, ganhou novo impulso com o mais recente processo de globalização, como já descrito. Poder-se-ia objetar ao acima dito, no tocante ao fator trabalho, lem- brando as maciças transferências de recursos humanos ocorridas no sé- culo passado, e início deste, sobretudo da Europa para a América. Mas nesse caso, não se tratou propriamente de uma circulação, mas de uma mudança definitiva, um transplante do fator trabalho, que passou de uma paraout a margem do Atlântico. Ele estava fixo lá e continuou fixo aqui. Apenas ;nudou-se. Quando se fala, hoje em dia, em circulação do fator trabalhe, a referência é a diretores, administradores, técnicos e mesmo mão-de-obra qualificada, em permanente circulação, deslocando-se de um para outro ponto do planeta em função dos reclamos do mercado de cada um deles, no quadro, agora, do processo de globalização. São cha- mados em inglês de expatriates. A empresa multinacional - Dentro deste novo quadro da economia mundial um fenómeno a ser destacado é o da empresa multinacional. A rigor, o nome que melhor a descreveria seria o de empresa transnacional, porque, justamente, ela transcende as fronteiras nacionais para operar nos ECONOMIA INTERNACIONAL 337 mais diversos países de forma conjugada e afinada com uma estratégia central, pouco importando aí onde esteja localizado aquele centro. No entanto, a denominação multinacional já está consagrada c não é o caso de chamá-la por forma diferente neste livro. Existem, sobretudo no âmbito governamental, empresas decorren- tes de acordos entre países para a exploração de uma atividade de interes- se de ambos, tendo tais empresas sedes e centros de decisão cm mais de umpaís. Exemplo típicoé a binacional Itaipu.destinadaa construir ausina elétrica do mesmo nome na fronteira Brasil-Paraguai e a explorá-la. No caso de outros países dela virem a participar, ao invés dc bi ela poderia vir a ser uma tri ou multinacional, sempre porém com a ideia de ser uma empresa só, com sedes ou centros diversos em mais de um país e objeti- vos específicos, como é o caso da chamada empresa europeia no âmbito da União Europeia ou a sua similar ainda em projeto no Mercosul. A empresa multinacional não se caracteriza por uma formajurídica própria. Ela é muito mais uma realidade económica a se utilizar do apa- rato legal de vários países. Em síntese, ela corresponde a uma sociedade sediada em determinado país que envia recursos seus, em dinheiro ou em bens, para formar outras sociedades locais em países diversos. Estas sociedade locais, em termos jurídicos, em nada se distinguem de qual- quer outra em operação nos respectivos países. A única diferença consis- te na origem dos capitais, cujos titulares - pessoas físicas ou jurídicas, mas no comum apenas estas últimas - são não-residentes do país em questão. Como assinalado, esta diferença não é de ordem legal, mas pu- ramente fálica, muito embora possa existir - e normalmente existe - le- gislação nacional sobre investimentos estrangeiros, relativa ao seu regis- tro, normas para remessa de lucros, repatriamento do capital investido e outros que tais. No entanto, essa legislação, em geral, aplica-sc indistin- tamente a qualquer investimento provindo do exterior, ainda quando uma mera participaçãominoritária em uma sociedade nacional, não havendo na maioria dos países normas próprias e específicas referentes às multi- nacionais como tais. Assinale-se existir no âmbito das Nações Unidas um Código Ético recomendado para a ação desse tipo de sociedade nos vários países onde se instalam, sobretudo nas suas relações com a socie- dade local e os governos. Trata-se, porém, como diz o nome, de normas éticas, objeto de recomendações, não dando origem a sua transgressão a sanções, salvo de ordem moral. 338 CURSO DE ECONOMIA A multinacional idade dos empreendimentos económicos serve para ilustrar bem a distinção entre empresa e sociedade, sobre a qual já se fa- lou no Capítulo 12. Com efeito é correto falar em empresa multinacional e não em sociedades multinacionais, porque normalmente a empresa, no sentido de empreendimento, é uma só. Porém, esse empreendimento - que pode abranger vários ramos ou selores económicos - desdobra-se em um sem-número de empresas específicas, cada uma delas conduzida ou sob a responsabilidade de uma sociedade constituída para tal fim. Tais sociedades podem ter a totalidade do seu capital em mãos de outras so- ciedades da empresa multinacional, ou, então, o seu capital pode estar distribuído entre aquela e terceiros, que tanto podem ser outras multina- cionais como sociedades locais do país onde se dê o investimento. Nes- tes casos, isto é, quando grupos empresariais distintos - internacionais ou nacionais - se associam para a exploração de um empreendimento comum, fala-se em joint venture, que é uma designação inglesa mais genérica mas, na prática, aplicável a esses casos. Note-se, no entanto, ser perfeitamente possível uma empresa mul- tinacional atuar em diversos países sem constituir ou sem participar de sociedades locais. Ela poderá fazê-lo, pura e simplesmente, mediante a abertura de agências, filiais, sucursais e estabelecimentos, que nada mais são do que a mesma pessoa jurídica aluando iliretamente em diversos países, sem assumir novas formas societárias, isto é, sem neles se insta- lar juridicamente. Esta última modalidade é, cm geral, a utilizada por bancos. Como já se acentuou, a questão é muito mais de natureza econó- mica do que dc forma jurídica. 16.5 Os blocos económicos Antes mesmo de o movimento de globalização ganhar terreno, as- sistiu-se a partir da década de 50 a uma tendência de integração de eco- nomias vizinhas, formando espécies de regiões económicas, dentro das quais já se implantava algum tipo de globalização, geograficamente l i - mitada. São os blocos económicos formados por países que já a possuem ou estão em busca de alguma afinidade económica. Historicamente, desde o fim da Segunda (iuerra Mundial, a Bélgi- ca, a Holanda e o Luxemburgo formaram o chamado Benelux, essencial- mente uma união aduaneira, como a seguir se explicará. Surge depois a ECONOMIA INTERNACIONAL 339 Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, englobando também Fran- ça, Itália e Alemanha. Em 1957 celebrou-se oTratado de Roma, pelo qual aquelas seis nações partem para uma integração económica e também política, formando o Mercado Comum Europeu, o qual se transformou mais tarde em Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia. I nspirados no exemplo europeu, vários outros blocos surgiram com objetivos ora mais, ora menos ambiciosos: o Pacto Andino, o Bloco Leste Asiático, a Alalc, depois Aladi (América Latina), o Bloco Cen- tro-Americano e, mais recentemente, o Mercosul e o Nafta (América Setentrional), preparando-sejá uma Alca- Área de Livre Comércio das Américas. Tais processos de integração regional dão-se, em geral, ao longo de três etapas: • União aduaneira - quando os vários países decidem adolar uma tarifa única para a importação de produtos provenientes de ter- ceiros países. • Arca livre de comércio - quando, além disso, se abolem as tari- fas aduaneiras intrabloco. ou seja, os bens passam a circular l i - vremente entre os países-membros. • Mercado comum - quando, além da livre circulação de bens fi- nais, integi am-se os mercados dos fatores de produção, inclusive o fator trabalho, com criação de uma legislação própria para as atividades desenvolvidas no âmbito do mercado comum. E o caso dos seis países signatários do Tratado de Roma, os quais já supe- raram a terceira fase, ao formar uma Comunidade Económica, com uma ampla legislação e sistema judiciário supranacionais e o es- tabelecimento de políticas económicas comuns. Aqueles seis paí- ses, já ampliados para do/e, trabalham presentemente na consoli- dação dc uma União Europeia, inclusive com moeda comum e objetivos que transcendem o próprio campo económico. 16.6 Balança comercial O conjunto de todas as exportações e de todas as importações de um país constitui a sua balança comercial. Note-se, porém, serem os bens exportados e importados produtos materiais, corpóreos. Apenas estes integram a Balança Comercial. O que leva qualquer operador eco- nômico a se diriíiir ao comércio internacional é, basicamente, uma 340 CURSO DE ECONOMIA questão de preço, como parece evidente. Duas observações se impõem neste particular. O preço internacional - Quase sempre ele se forma num regime muito próximo ao da concorrência perfeita. Isto se explica pelo fato de serem várias as fontes de proveniência dos bens no mercado mundial, havendo uma razoável atomização, pois o número de supridores (ofer- tantes) é, pelo menos potencialmente, muito grande, já que a qualquer momento os produtores de cada país poderão desviar suas mercadorias do mercado interno para o externo, bastando perceberem neste último maior probabilidade de ganho e inexistência de barreiras. Vice-versa, não havendo barreiras alfandegárias intransponíveis, o recurso às fontes ex- ternas estará sempre aberto em cada país. Em suma, tanto a procura quanto a oferta são altamente elásticas, em geral. Ação do.; governos - A possibilidade de rápida transferência de produtos do mercado interno para o internacional é limitada - e muitas vezes, severamente - pela ação governamental, a qual, por um lado, pro- cura incentivar as exportações, mas por outro tenta proteger o seu merca- do interno, reservando-o para os produtores locais. Existem casos, mais raros, de restrições à exportação com vistas a evitar o desabastecimento nos países de origem. Há cerca de 15 ou 20 anos, vem-se assistindo, como já dito, a expressivo movimento de liberalização do comércio interna- cional, conduzido sob os auspícios da Organização Mundial do Comér- cio, no quadro do processo de globalização acima brevemente descrito. Comércio exterior e o Direito- Além das normas jurídicas de toda ordem aplicáveis a essa atividade, seja para restringi-la, como as aci- ma apontadas, seja para estimulá-la, merecem destaque aquelas desti- nadas exatatr ente a garantir um mínimo de lisura e de transparência nas iniciativa: dos vários operadores e governos, quase sempre volta- dos ao estímulo das exportações. Trata-se especificamente da questão do dumping e dos subsídios. Dumpin} - Consiste na venda ao exterior por preço abaixo daquele pelo qual o produto é oferecido no mercado doméstico de origem, natural- mente feitos os ajustes quanto a taxas e impostos, incidentes apenas inter- namente, e também quanto a custos de frete e seguro que gravam o produto exportado. Semelhante ao dumping é o chamado underpricing, ou seja, a venda ao exterior, por preço abaixo do custo interno de produção do bem. ECONOMIA INTERNACIONAL 341 Subsídios - Correspondem a recursos transferidos por governos ou entidades a ele ligadas para os exportadores, a fim de reduzir-lhes os custos, tornando seus produtos mais concorrenciais no mercado inter- nacional. Tais transferências se efetuam pelas mais variadas formas, sendo objeto de discussões e negociações internacionais o que se devaentender por subsídio. Existem, seja no âmbito internacional, seja no nacional, normas a respeito, sendo as principais aquelas que permitem ao país lesado por tais práticas a imposição de direitos antidumping ou direitos compensa- tórios, ou seja, a elevação da tarifa aduaneira para compensar a prática do dumping pelo exportador, ou a medida oficial dos governos quando sub- sidiam as suas exportações. O Brasil tem também a sua chamada fei an- tidumping-Lá 9.019/95. Dumping ecológico e social - Diversos países e organizações in- ternacionais vêem na sistemática destruição da natureza ou na imposi- çãode condições de trabalho próximas da escravidão, freqúeniesem países do Terceiro Mundo, inclusive Brasil, formas não-convencionais úe dum- ping ou de subsídio, consistindo em modalidade de política económica omissiva ou por omissão, por parte de governos interessados em expor- tar, como já indicado no Capítulo 9.0 tema é evidentemente polémico e está sendo ainda debatido. Não é. pois, o momento de analisá-lo, mas apenas de apontar a sua existência. 16.7 Balança de serviços - Os invisíveis Nem apenas do movimento de mercadorias, porém, vive o comér- cio internacional. Inúmeras outras operações são diariamente efetuadas por residentes de países diversos, implicando, pois, remessas de divisas para o seu pagamento, entendo-se por divisa exatamente a moeda estran- geira usada para pagamentos internacionais. Essas outras operações que não envolvem produtos materiais integram a chamada balança de servi- ços, englobando, naturalmente, serviços recebidos por não-residentes a serem pagos ao exterior e vice-versa, serviços prestados por residentes, cujos pagamentos provirão do exterior. Além de serviços propriamente ditos, várias outras remessas de divisas estão incluídas nesta rubrica e por isso tal balançaé igualmente conhecida comodeí/imó r /v , justamente por corresponder a operações com bens não corpóreos. Ela compreende 342 CURSO DE ECONOMIA tipos e modalidades muito diferentes de serviços, como os de frete e se- guro das mercadorias importadas e exportadas, o pagamento de aluguéis, de royalties e remunerações diversas. O royalty, palavra inglesa cuja tra- dução literal é regalia, corresponde a pagamento pela utilização de l i - cenças de fabricação e patentes, bem como pelo uso de marcas. Há tam- bém as remunerações por assistência técnica e f< >t necimento de tecnologia não-patenteada, fornecimento de plantas e desenhos, bem como por direi- tos autorais, no caso de impressão de livros, produção de discos, audição de músicas, cujos autores do exterior estejam intitulados a rece&ê-los. Um item especial neste conjunto é o das remessas feitas por imigrantes a seus países de origem, em geral destinadas às famílias que lá ficaram. Os serviços internacionais e o direito - O principal alvo da regula- mentação legal nesse setor situa-se nos contratos envolvendo patentes e outras transferências de tecnologia, bem como assistência técnica e mar- cas. Em princípio, tais contratos estão sujeitos a registro no Brasil junto a um órgão próprio, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, bem como no Banco Central, e as regras básicas a respeito encontram-se na Lei 4.131/62, que disciplina os capitais estrangeiros, pois as patentes e conhecimentos tecnológicos num certo sentido se assimilam ao con- ceito de capital e assim foram tratados por aquela lei. 16.8 Balança de capitais Corresponde à conta de entrada e saída de capitais, normalmente ocorridas sob a forma de remessas financeiras, isto é, em moeda, muito embora seja perfeitamente possível uma entrada de bens corpóreos des- tinados à produção justamente dos chamados bens de capital (máquinas e equipamentos diversos). Assim, uma máquina ou os direitos corporifi- cados numa patente podem chegar ao Brasil a título de investimento, destinando-se a integraro capital de uma empresa. Neste caso, diz-se que os referidos b^ns entram no país sem cobertura cambial, isto é, sem que haja remessr de qualquer pagamento por eles, como ocorreria caso t i- vessem sido importados. A esse capital - dinheiro ou bens - ingressado para ser investido numa atividade produtiva (Lei 4.131, art. 1.°) dá-se o nome de capital de risco, pois, uma vez no país, ele tanto pode si multi- plicar, quanto pode diminuir ou desaparecer, na hipótese de insucesso do empreendimento. O capital investido gera remessas futuras de lucros e dividendos, e o seu próprio repatriamento. ECONOMIA INTERNACIONAL 343 Uma outra modalidade é a do capital de empréstimo, recursos in- gressados ao abrigo de contratos de mútuo, onde o mutuante é uma pes- soa estrangeira, normalmente pessoa jurídica, uma empresa comercial ou um banco, e o mutuário, um residente, também pessoa física ou jurí- dica. Nesse caso, a conta balança de capitais é creditada pela entrada do principal num primeiro momento e debitada, ao longo do período do contrato, pelas remessas de juros e, a final, pelo reenvio daquele princi- pal. Importante notar que a saída de recursos relativos ao pagamento de juros pode variar ao longo de todo o período do empréstimo, em virtude de tais juros não serem lixos ou determinados, mas apenas determináveis, isto é, referidos a uma taxa básica variável. Essa taxa básica é, na maioria dos casos, a Libor - abreviatura de London Interbank Offered Kate-que é a taxa pela qual os bancos cedem uns aos outros recursos que têm deposi- tados no centro financeiro de Londres. Assim, normalmente, num emprés- timo internacional os juros correspondem a Libor mais spread, sendo este último uma margem percentual fixa a refletir o julgamento de risco do banqueiro quanto ao país receptor. Em essência, a Libor nada mais é do que o custo de oportunidade da entidade emprestadora. Uma terceira modalidade a figurar na balança de capitais vem a ser a do movimento de entrada e saída de recursos financeiros, a título de aplica- ções no país, quer em títulos de renda fixa, quer em operações nas bolsas locais. Trata-se dc recursos de curto prazo, chamados de investimentos de porfólio ou no jargão financeiro de hot money por entrarem e saírem de cada país muito rapidamente e sem qualquer previsibilidade, ao sabor das meras condições de mercado prevalecentes a cada momento. A balança de capitais e o Direito - Todas essas modalidades de aporte de capitais têm como fulcro regulador a já referida Lei 4.131/ 62, a qual, em síntese, estabelece um processo de registro junto ao Banco Central do Brasil dos capitais ingressados sob qualquer modalidade no país, registro esse a respaldar as futuras remessas de seus rendimentos - lucros, dividendos, juros - e, quando cabível, o próprio repatriamen- to do montante ingressado. O mesmo registro vale, como dito acima, para os casos de transferência de tecnologia, patentes, marcas etc, muito embora, nesses casos, o capital propriamente dito não tenha entrado no Brasil por estar com o seu titular no exterior, mas os contratos respec- tivos possam dar origem às remessas de royalties ou outro tipo de re- muneração, como acima especificado. 344 CURSO DE ECONOMIA 16.9 Balança de pagamentos A soma das três balanças acima apresentadas: a comercial, a de ser- viços e a dc capitais - no fundo contas ou tabelas de dados ordenados - constitui a balança de pagamentos, a contabilizar o conjunto das opera- ções externas de um país. Ela pode apresentar saldo positivo (superavit), saldo negativo (déficit) ou ainda equilíbrio. As duas primeiras são comumente conhecidas como a balança de transações correntes, dentro de uma visão, talvez um tanto superada, de ser o movimento de capitais algo de menor peso ou pouco habitual. Como parece óbvio, é perfeitamente possível haver um superavit comercial e um déficit nas demais balanças ou vice-versa. Quando o déficit atinge a balança de pagamentoscomo um todo, isto é, as contas externas em seu conjunto, ele costuma ser coberto com financiamentos especiais conce- didos por órgãos como o FMI (Fundo Monetário Internacional), ou ou- tras entidades do exterior, sendo tais financiamentos chamados de com- pensatórios por se destinarem a cobrir ou compensar insuficiências nos pagamentos internacionais de um país, tidas como transitórias. 16.10 laxa cambial Discutidos em linhas externamente amplas os aspectos relevantes do comércio internacional, cabe, agora, apresentar algumas informações sobre a taxa cambial a fim de dar uma ideia ainda que superficial sobre os seus principais fatores determinantes. Poderá surgir a pergunta: qual a razão de 1 dólar valer cerca de 1,20 euros ou 110 ienes, enquanto 1 libra corresponde a 1,5 dólar ou 160 ie- nes? O que explica essas discrepâncias tão amplas? A resposta é simples: essas diferenças nominais correspondem, em princípio, a diferentes po- deres aquisitivos internos de cada unidade de moeda. Se imaginarmos uma cesta teórica de mercadorias, contendo n uti- lidades, tais como cereais, frutas, medicamentos, entradas de cinema, máquinas, consultas médicas, serviços tecnológicos, tecidos, brinque- dos etc, a taxa de câmbio tenderá a ser um quociente entre os montantes de cada rr.oeda nacional necessários para adquirir a mesma cesta teórica em diversos países, e explica, por essa forma, as variações da taxa cam- bial, explicação conhecida como a teoria da paridade do poder de com- ECONOMIA INTERNACIONAL 345 pra. Esses diversos poderes de compra decorrem de circunstâncias his- tóricas, vicissitudes passadas pelas várias moedas ao longo dos tem- pos. Assim, por exemplo, o cruzeiro e depois o cruzado, o cruzado novo e o cruzeiro ressuscitado sofreram severo processo de desgaste de seu poder aquisitivo interno, o qual não pode deixar de se refletir no seu valor externo, pois necessitava-se sempre de maior quantidade daque- las sucessivas moedas para trocar pelo mesmo dólar. Por quê? Porque o poder aquisitivo interno da moeda desgastava-se. Como o Brasil con- seguiu em anos recentes um razoável domínio sobre a sua inflação, a taxa cambial passou a sofrer variações bem menores. E, apenas para explorar mais a fundo essa hipótese, caso, agora, após a inflação brasi- leira ter sido razoavelmente controlada, os Estados Unidos entrassem num processo inflacionário agudo, a tendência seria a de haver uma valorização do real ante o dólar com o curso de câmbio evoluindo, por exemplo, para um real trocado por 4, 5 ou 10 dólares. No fundo o que se passa é a taxa cambial, como o preço da moeda estrangeira, acompanhar o comportamento dos demais preços. A rigor ela tende a se antecipar ao aumento dos outros preços, em função de um movimento especulativo: os importadores antecipam suas compras no exterior, onde os preços estão estáveis, para vendê-los internamente em nível mais elevado, especulando com uma inflação futura e crescente. A medida que todos fizerem isto, o câmbio tenderá a subir antes ou mais acentuadamente do que os demais preços internos, verificando-se tam- bém nesse caso a auto-realização de profecia. A última frase do parágrafo antei iorjá acena para uma segundacausa explicativa para as variações cambiais: a alta do câmbio pode antecipar a alta dos demais preços. Esta segunda causa é de caráler, por assim di- zer, mercantil, ou seja, ela faz com que o preço da moeda estrangeira suba ou desça segundo haja maior ou menor procura por aquela moeda ou segundo haja maior ou menor oferta da mesma. Assim, por exemplo, se houver uma grande procura de dólares no mercado cambial europeu e uma grande oferta de euros, no mesmo mercado, a tendência será a de o euro perder valor ante o dólar, ainda quando o nível geral de preços inter- nos naquele país se mantenha razoavelmente estável. A mesma tendência dar-se-ia no Brasil, caso, por exemplo, uma colossal geada o impedisse dc exportar produtos agrícolas por dois ou 346 CURSO DE ECONOMIA três anos. A oferta de divisas estrangeiras representada pela exportação de café, laranjas e outros produtos afetados cairia drasticamente, levan- do a cotação das demais moedas (dólar, euro, libra, yen, etc.) a subir acen- tuadamente face ao real. Tudo isso decorre do fato já apontado de ser, no fundo, a taxa cam- bial um preço como qualquer outro, sujeito às oscilações da oferta e da procura. Mesmo a teoria da paridade do poder de compra, acima apre- sentada, em última análise, também se explica por esta mesma forma, pois, havendo uma inflação mais acentuada cm um país, com relação a outro, a tendência será a de o primeiro importar maior quantidade de bens do segundo. Mas isto significa maior procura pela moeda deste segundo país ou por uma moeda de curso internacional por ele aceita (o dólar, por exemplo),oque, automaticamente, leva a taxa cambial a se atualizar, acom- panhando os demais preços internos também em ascensão, impulsiona- dos pelo surto inflacionário ou, como visto, até a ele se antecipando. Pode-se, pois, concluir que a taxa cambial tende a ser um reflexo dos diferentes poderes de compra das várias moedas ao longo tempo, sujeita porém a oscilações mais ou menos bruscas em torno dessa linha tendencial, determinadas por forças de mercado, inclusive de caráter especulativo. Durante o primeiro semestre de 2005, o nível de inflação brasileiro ficou no mesmo patamar do verificado ao longo de 2004, apresentando elevação ao redor de 5%. No entanto, o real sobrevalorizou-se bastante, passando a sua cotação frente ao dólar de algo como 2,75 para cerca de 2,35.0 que houve? Simplesmente a maior entrada de dólares (ou euros) decorrentes de captação de recursos no exterior, e do bom desempenho das exportações. Prevaleceu nesse período a componente mercantil da taxa de câmbio, já que a outra causa - poder dc compra de moeda - man- teve-se bas.ante estável. A taxa cambial e o Direito - Se o câmbio apresenta-se como um preço como outro qualquer, ele porém não flutua solto no mercado. So- bre ele repousam permanentemente as atenções e os cuidados das auto- ridades monetárias de todos os países, as quais o tem como o instrumen- to básico para o controle das operações com o exterior e poderoso adju- vante no controle interno do nível de preços. Como supradestacado, a sobre ou subvalorização internacional da moeda local sóc levar a excessos de importação ou de exportação, pois, ECONOMIA INTERNACIONAL 347 na primeira hipótese - a sobrevalorização - , torna os bens vindos de fora proporcionalmente mais baratos em relação aos produzidos internamente. Vice-versa, na segunda hipótese - subvalorização - , os exportadores es- tarão recebendo maior quantidade de moeda local pelos produtos envia- dos para fora e, consequentemente, tentarão fazê-lo, o quanto possível, diminuindo a oferta interna daqueles produtos. A ação dos governos sobre a taxa cambial faz-se de forma direla, quando o Banco Central a fixa por um ato de direção económica. Tal fixa- ção pode abranger um pei iodo maior ou menor ou, mesmo, ser diária. A ação indireta faz-se via mercado, informalmente, mediante comprae ven- da de divisas, sacando das ou adicionando recursos às reservas cambiais do país. Pode-se, ademais, atuar sobre a taxa cambial via controle das ope- rações que dela dependem, como o licenciamento estrito das importações, as quotas de exportação e a imposição de restrições aos movimentos de capitais. O câmbio pode também vir a ser monopolizado pelo Estado, via Banco Central ou outros órgãos. I lá ainda o recurso de o Banco Central lançar no país títulos cujo valor seja amarrado a uma moeda forte, como o dólar, ou seja, corrigido pela taxa cambial. Isto desvia a compra especula- tiva de moeda estrangeira, aliviando a pressão sobre a moeda do país. Fi- nalmente, pode-se encarecer artificialmentea taxa cambial para algumas operações, como importação de supérfluos, viagens internacionais ou re- messas de imigrantes, por via de depósitos prévios de um valor equivalen- te ao da operação, ou parte dela, durante um certo período, depósitos estes sem juros, a significar, portanto, um encarecimento da taxa cambial. Claramente, todas essas medidas estão, por alguma forma, previs- tas na legislação económica, inclusive a possibilidade de ingresso dos bancos centrais no mercado cambial, comprando ou vendendo moeda, a fim de manter o câmbio dentro de certas faixas relativamente estreitas de flutuação, chamadas de bandas cambiais, quer oficialmente impostas, quer apenas intuídas pelo mercado. Para concluir: a taxa cambial é, em essência, um reflexo das vicissi- tudes ocorridas com cada uma das economias, cujas moedas estão em pre- sença. No entanto, é indubitável a sua influência sobre as demais variá- veis, numa espécie de refluxo, razão pela qual ela é vista como um impor- tante instrumento de política económica, bastando lembrar ser, em grande parte, a responsável pelas posições de equilíbrio ou desequilíbrio da ba- lança ilc pagamentos, pois, supostamente, haverá sempre um nível ótimo 348 CURSO DE ECONOMIA a ser por ela atingido, o qual levará ao equilíbrio dos fluxos de entrada e saída de recursos internacionais. A taxa decâmbio pode ser vista, pois, como uma espécie de preço macroeconómico, respondendo não apenas pelas operações próprias dos mercados de produtos individualizados, mas tam- bém pelo equilíbrio (ou não) das contas externas como um todo. SÍNTESE E CONCLUSÕES 1) As operações internacionais são aquelas que envolverp residentes de países diferentes. 2) Elas não têm explicação essencialmente diversa daquelas realiza- das dentro de um mesmo país. 3) A teoria das vantagens comparativas sustenta que cada país deve se especializar no tipo de produção para o qual for melhor dotado, trocando-a com os demais. A sua aplicação leva ao livre jambis- mo, ou seja, a abolição de quaisquer barreiras ao intercâmbio in- ternacional. 4) A crítica a essa teoria pelos protecionistas aponta para o argumento da indústria nascente e para a tendência à deterioração dos termos de troca contra as exportações dos países não-industrializados. Jus- tifican , pois, restrições ao comércio internacional dentro de uma política de industrialização. 5) A globalização, processo ainda em marcha, implica a liberalização e desregulamentação dos fluxos internacionais de bens. Estes flu- xos, modernamente, apresentam uma alta participação das transfe- rências de fatores, não se limitando, como antes, à movimentação de produtos acabados. 6) A balança de pagamentos vem a ser o registro das operações inter- nacionais de um país, isto é, aquelas cujos pagamentos implicam unidades monetárias diversas. 7) A balança de pagamentos compreende a balança comercial, de ser- viços e de capitais. 8) A taxa cambial é a relação de troca entre duas moedas. Explica-se pelos diferentes poderes aquisitivos de cada uma das moedas em presei ça e também pela maior ou menor disponibilidade de uma com relação à outra. ECONOMIA INTERNACIONAL 349 9) Em grande parte, a taxa cambial pode ser vista como um preço macroeconómico, pois sempre se pode imaginar para ela um nível ótimo que tende a manter em equilíbrio a balança dc pagamentos. 10) Os bancos centrais de todos os países atuam nos mercados de câm- bio a fim de manter as oscilações da taxa cambial dentro de deter- minadas faixas-limite, a fim de não provarem oscilações indesejá- veis na economia de cada país. B I B L I O G R A F I A B Á S I C A BURMACH, R., NUNES. O e KAGARL1TSKY, B. Globalization and itsdiscon- tents. Londres. 1997 CARDOSO, E. A. Economia brasileira ao alcance de todos. São Paulo. 1996, Cap. 7. EISHLOW, A. e C A RDOSO, E. Macroeconomia da dívida externa. São Paulo, 199 2. GRISI, Celso Cláudio de H. "Marketing industrial". In Gestão de operações. José Celso Contador. Editora Blucher Ltd., 1997. HARROD, R. E. Economia internacional. Trad. Rio de Janeiro, 1964. K I N D L E B E R G E R , C. P. Economia internacional. Trad. 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