Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Apresentação ................................................................................................................................ 5 Aula 1: Formação da família no contexto familiar atual ............................................................... 6 Introdução ........................................................................................................................6 Conteúdo ................................................................................................................................ 6 Codificação Beviláqua ...................................................................................................6 Constituição familiar na contemporaneidade ............................................................7 Família na Constituição Brasileira ................................................................................8 Formação da família no contexto constitucional atual ..............................................9 A família matrimonializada .........................................................................................11 A família monoparental ...............................................................................................15 A união estável heteroafetiva .....................................................................................15 Conclusão .....................................................................................................................17 Atividade proposta .......................................................................................................17 Referências .......................................................................................................................... 18 Exercícios de fixação ........................................................................................................ 19 Notas ........................................................................................................................................... 25 Chaves de resposta ..................................................................................................................... 26 Aula 2: A família homoafetiva ..................................................................................................... 27 Introdução ......................................................................................................................27 Conteúdo .............................................................................................................................. 28 Análise da evolução histórica da identidade homossexual ....................................28 A criminalização homossexualidade ..........................................................................30 Despatologização e descriminalização ......................................................................30 Os relacionamentos homoafetivos no Brasil ............................................................31 A união homoafetiva ...................................................................................................33 Direito fundamental à opção sexual ..........................................................................34 Princípio da liberdade de orientar-se sexualmente .................................................36 A isonomia entre parcerias homossexuais e heterossexuais .................................37 Entidade familiar homoafetiva ...................................................................................39 Atividade proposta .......................................................................................................40 Aprenda Mais ....................................................................................................................... 41 Referências .......................................................................................................................... 42 Exercícios de fixação ........................................................................................................ 43 2 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Chaves de resposta ..................................................................................................................... 49 Aula 3: Homoparentalidade ........................................................................................................ 51 Introdução ......................................................................................................................51 Conteúdo .............................................................................................................................. 52 Homoparentalidade .....................................................................................................52 O exercício da parentalidade ......................................................................................53 Estatuto da diversidade sexual ..................................................................................54 Princípio constitucional da igualdade ........................................................................55 Jurisprudência acerca da homoparentalidade .........................................................56 Jurisprudência – caso 1 ...............................................................................................57 Jurisprudência – caso 2...............................................................................................59 Jurisprudência – caso 3 ...............................................................................................61 Jurisprudência – caso 4 ...............................................................................................63 Jurisprudência – caso 5...............................................................................................64 Conclusão .....................................................................................................................65 Atividade proposta .......................................................................................................65 Referências .......................................................................................................................... 66 Exercícios de fixação ........................................................................................................ 67 Chaves de resposta ..................................................................................................................... 73 Aula 4: Filiação e reprodução medicamente assistida ................................................................ 77 Introdução ......................................................................................................................77 Conteúdo .............................................................................................................................. 78 Reconhecimento jurídico da filiação ..........................................................................78 Filiação no constitucionalismo brasileiro ..................................................................78 Aprenda Mais ....................................................................................................................... 79 Referências .......................................................................................................................... 80 Exercícios de fixação ........................................................................................................ 80 Notas ........................................................................................................................................... 86 Chaves de resposta .....................................................................................................................86 Aula 5: Afetividade e cuidado ..................................................................................................... 88 Introdução ......................................................................................................................88 Conteúdo .............................................................................................................................. 88 A nova família brasileira tem origem no afeto e não no casamento .....................88 Dignidade ......................................................................................................................89 Direitos fundamentais .................................................................................................90 Relações afetivas .........................................................................................................91 3 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Jurisprudência ..............................................................................................................92 Relações intersubjetivas familiares ..........................................................................93 Dever de cuidado .........................................................................................................94 Tutela dos direitos de personalidade ........................................................................96 Atividade proposta .......................................................................................................96 Referências .......................................................................................................................... 98 Exercícios de fixação ........................................................................................................ 99 Chaves de resposta ................................................................................................................... 104 Aula 6: Alienação parental ........................................................................................................ 107 Introdução ................................................................................................................... 107 Conteúdo ............................................................................................................................ 107 Análise da Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010) ................................. 107 Síndrome de Alienação Parental ............................................................................. 108 Possíveis Sanções ..................................................................................................... 109 Convivência familiar ................................................................................................. 110 Estatuto das Famílias define a alienação parental................................................ 111 Análise da jurisprudência sobre alienação parental ............................................. 112 Indício de alienação parental .................................................................................. 114 Perícia psicológica ..................................................................................................... 117 Atividade proposta .................................................................................................... 118 Referências ........................................................................................................................ 119 Exercícios de fixação ...................................................................................................... 119 Chaves de resposta ................................................................................................................... 128 Aula 7: Alimentos gravídicos e cadastro de proteção ao credor de alimentos ......................... 129 Introdução ................................................................................................................... 129 Conteúdo ............................................................................................................................ 130 Análise do contorno jurídico dos alimentos gravídicos ........................................ 130 A Lei de Alimentos Gravídicos ................................................................................. 131 Indícios da paternidade ........................................................................................... 132 Análise da possibilidade de inscrição do nome do devedor de alimentos no cadastro de proteção ao crédito ............................................................................. 134 Efeitos jurídicos da inscrição do nome ................................................................... 136 Principais características dos alimentos ................................................................. 137 Atividade proposta .................................................................................................... 140 Referências ........................................................................................................................ 140 Exercícios de fixação ...................................................................................................... 141 4 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Notas ......................................................................................................................................... 148 Chaves de resposta ................................................................................................................... 148 Aula 8: Uniões paralelas ............................................................................................................ 151 Introdução ................................................................................................................... 151 Conteúdo ............................................................................................................................ 151 Diferença entre união estável de concubinato...................................................... 151 Estabelecimento de união estável .......................................................................... 152 Concubinato adulterino ou união paralela ............................................................. 155 Análise do jurídica do concubinato adulterino ...................................................... 156 União paralela ........................................................................................................... 156 As três correntes - ordem patrimonial ................................................................... 158 Designações discriminatórias .................................................................................. 160 Atividade proposta .................................................................................................... 161 Referências ........................................................................................................................ 163 Exercícios de fixação ...................................................................................................... 163 Chaves de resposta ................................................................................................................... 169 Conteudista ............................................................................................................................... 172 5 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE É possível constatar que, histórica e juridicamente, a sociedade alicerçou-se na tríade sexo, casamento e família, moralizando o comportamento humano, como se, por meio de ficção legal, houvesse a possibilidadede somente reconhecer a entidade familiar concebida sob tais cânones, independentemente da ordem dos desejos. Porém, é possível substituir na presente “equação” a palavra casamento pela palavra afeto, que representa muito mais do que uma finalidade, pois representa uma verdade. Ao se inserir o afeto nesse contexto, há de se constatar a pluralidade com que se desenvolve atualmente, formando, pois, novos núcleos familiares. Além disso, será analisado na presente disciplina a evolução sócio-jurídica da identidade homossexual e o reconhecimento da família homoafetiva, bem como o exercício da homoparentalidade. A filiação, dentro do cenário civil- constitucional, também será objeto de estudo. Por fim, serão estudadas questões inerentes aos novos desafios da família na contemporaneidade, quais sejam: alienação parental, alimentos gavídicos, cadastro de proteção ao credor de alimentos e uniões paralelas Sendo assim, essa disciplina tem como objetivos: 1. Analisar a formação da família no contexto constitucional atual. 2. Analisar a família matrimonializada, monoparental, as uniões estáveis heteroafetivas e homoafetivas, além das uniões paralelas. 3. Analisar a evolução histórica da identidade homossexual e o exercício da homoparentalidade. 4. Analisar a filiação no ordenamento jurídico brasileiro. 6 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE 5. Analisar a alienação parental, os alimentos gavídicos e o cadastro de proteção ao credor de alimentos. Introdução A presente aula tem como objetivo constatar que, histórica e juridicamente, a sociedade alicerçou-se na tríade sexo, casamento e família, moralizando o comportamento humano, como se, por meio de ficção legal, houvesse a possibilidade de somente reconhecer a entidade familiar concebida sob tais cânones, independentemente da ordem dos desejos. Porém, é possível substituir na presente “equação” a palavra casamento (pelo menos o casamento civil tradicional de matriz exclusivamente heterossexual), pela palavra afeto, que representa muito mais do que uma finalidade, pois representa uma verdade. Ao se inserir o afeto nesse contexto, há de se constatar a pluralidade com que se desenvolve atualmente, formando, pois, novos núcleos familiares. Objetivo: 1. Analisar a formação da família no contexto constitucional atual; 2. Analisar a família matrimonializada, monoparental e as uniões estáveis heteroafetivas. Conteúdo Codificação Beviláqua De acordo com Chaves e Rosenvald (2014, p. 174): Durante a vigência da Codificação Beviláqua [Código Civil de 1916], o casamento assumiu preponderante papel de forma instituidora única da família legítima, que gozava de privilégios distintos. Fora do casamento a família era 7 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE ilegítima, espúria ou adulterina, e não merecia a proteção do ordenamento jurídico familiarista, projetando efeitos, tão somente, no âmbito das relações obrigacionais (grifos nossos). Constituição familiar na contemporaneidade Desta forma, o direito civil clássico, a partir do contexto social inserido, atrelava o sexo à reprodução, a partir do casamento, concebendo a conduta heterossexual como a conduta típica, e mais, como a única possível e legítima. Tal premissa já não mais se sustenta no atual cenário jurídico, uma vez que o ato sexual não é o único meio que se tem para procriar, existindo várias outras formas. Em outro giro, o casamento não é mais compreendido como legitimador das relações sexuais, pois o sexo, modernamente, encontra-se compreendido na ordem do desejo, o que afasta a exclusividade de sua função procriadora e o eleva a uma das principais fontes de prazer. A partir da constituição e reconhecimento dos direitos sexuais, ocorre a possibilidade do livre exercício responsável da sexualidade pelo sujeito de direito, estruturando uma regulamentação jurídica equidistante da tradicional moralidade repressiva, que caracterizava as relações sociais. Logo, surge uma compreensão pós-dogmática dos direitos sexuais, na qual o conjunto de normas jurídicas e sua aplicação possam ir além de ordenamentos restritivos, assumindo o sistema o seu papel transformador, ao estimular condições favoráveis à estruturação de um direito da sexualidade humano e revolucionário, no qual seja possível legitimar todas as formações familiares (RIOS, 2006, p. 71). Assim, o direito de família não deve alicerçar-se por identidades e práticas sexuais moralmente definidas, baseadas na ideologia heterossexual da maioria, calcada em sexualidade ortodoxa. Com isso, o sistema jurídico deve assimilar as identidades sexuais periféricas minoritárias, coibindo sua marginalização. Trata- 8 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE se, portanto, de alinhavar um novo direito de família com caráter transformador, informado pelos princípios da liberdade e da igualdade (RIOS, 2006, p. 82). É cabível constatar, que a família de matriz patriarcal é o último elemento da tríade proposta, pois constitui o resultado do sexo heterossexual e do casamento civil. Sua origem vincula-se ao surgimento do sistema capitalista, cuja função estava ancorada no âmbito patrimonial, além de tentar manter o controle social, a partir de valores androcêntricos e de reducionismos religiosos. Família na Constituição Brasileira No Brasil, apenas com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, ocorreu o rompimento da premissa de que o casamento era o único instituto formador e legitimador da família tradicional, na qual os interesses individuais eram anulados em prol da manutenção do vínculo. De acordo com Pereira (2012, p. 195): A hermenêutica do texto constitucional e, sobretudo, da aplicação do princípio da pluralidade das formas de família, sem o qual se estaria dando um lugar de indignidade aos sujeitos da relação que se pretende seja família, tornou-se imperioso o tratamento tutelar a todo grupamento que, pelo elo do afeto, apresenta-se como família, já que ela não é um fato da natureza, mas da cultura. Por tratamento tutelar entenda-se o reconhecimento do Estado de que tais grupamentos não são ilegítimos e, portanto, não estarão excluídos do laço social. Nesse cenário, as famílias podem ser recompostas, reconstituídas, binucleares, monoparentais, formadas por casais com filhos de casamentos anteriores e seus novos filhos, por casais homossexuais, através de uniões estáveis, já que a lista da pluralidade de arranjos familiares é vasta, sendo apenas fundamental verificar se os indivíduos uniram-se através de laços afetivos e se constituíram 9 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE em entidade familiar, que está além de um convívio superficial e despretensioso, o que reclama sua proteção pelo Estado sob o epíteto família. Segundo Pereira (2012, p. 199): Pouco relevante é a obediência a uma padronização, mesmo porque, quando se trata de afeto, isso é impensável. Necessário é compreender que a sociedade comporta a pluralidade de família, num movimento histórico, a partir das demandas íntimas de cada indivíduo. Ao se relacionar e afeiçoar-se a alguém, não deveria fazer parte da preocupação da pessoa a titulação que será dada a este elo. O importante é verificar se há ali um núcleo familiar compondo uma estrutura psíquica, seja com alguém de seu sexo ou de sexo oposto, com filhos ou sem eles, para se ter uma nova vivência afetiva, não obstante a dor de um rompimento anterior. Formação da família no contexto constitucional atual A partir doexposto, a família constitui o núcleo da sociedade, devendo reconhecer o direito, as relações estruturadas em seu bojo e determinantes para a sua formação, em observância à dignidade da pessoa humana. É possível afirmar que a família contemporânea forma-se a partir do afeto, relegando antigas funções em que preponderava o valor patrimonial. Dias (2011, p. 336) ressalta o afeto como valor maior na constituição de uma família e acrescenta: O direito das famílias, ao receber o influxo do direito constitucional, foi alvo de uma profunda transformação. O princípio da igualdade ocasionou uma verdadeira revolução ao banir as discriminações que existiam no campo das relações familiares. Num único dispositivo, o constituinte espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Além de alargar o conceito de família para além do casamento, foi derrogada toda a legislação que hierarquizava homens e mulheres, bem como a que estabelecia diferenciações entre os filhos pelo vínculo existente entre os pais. A Constituição Federal, ao outorgar a proteção à 10 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE família, independentemente da celebração do casamento, vincou um novo conceito, o de entidade familiar, albergando vínculos afetivos outros. A doutrinadora em comento estabelece vínculo entre direito civil, na sua dimensão familiar, e direito constitucional, na esteira da leitura civil- constitucional do ordenamento jurídico brasileiro. Na perspectiva apresentada, o princípio da isonomia foi alçado à categoria normativa, determinando emergência de novo ideário infraconstitucional acerca de família, constituída por meio do afeto e não apenas do matrimônio. Tornou- se irrelevante perquirir se a família encontra-se alicerçada no casamento, na união estável entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ou da adoção por pessoa solteira. Como se pode inferir, não há mais espaço para a reprodução de codificação, que tenha a pretensão de ser completa e impermeável ao tempo; em sentido contrário, abre-se um espaço para outra construção, na qual o direito civil- constitucional requer análise interdisciplinar, não se admitindo a mera justaposição entre direito civil clássico e direito constitucional. Trata-se, na verdade, da criação de outro direito privado, norteado por princípios constitucionais. Sob esse ângulo, novas formas privilegiadas de afeto passam a informar os modelos de família, que o direito tem a incumbência de legitimar, pois a Constituição da República de 1988 não apresentou rol taxativo de possibilidades de entidades familiares. Em decorrência, o novo direito de família transforma-se em instrumento hábil à realização da dignidade humana, a partir do reconhecimento da pluralidade de entidades familiares. Em síntese, a Carta Magna dedicou atenção a algumas entidades familiares, não se restringindo a um único modelo, como o fez o Código Civil de 1916. Entre outras consequências, percebe-se o afastamento de um formalismo exacerbado que segregava social e juridicamente alguns indivíduos e grupos. Não subsiste, desta maneira, hierarquia entre filhos, distinções entre sexos, ou 11 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE preconceitos de qualquer espécie, e o sujeito, a partir da nova perspectiva, passa a escolher a forma de constituir sua família. Essa vertente alberga vários modelos, os quais têm a aptidão para produzir efeitos jurídicos, independentemente do suporte do matrimônio civil, devendo ser considerada discriminação injusta um tratamento inferior a qualquer das possibilidades de formação familiar, segundo os valores do atual sistema jurídico. Como realçado, a nova ordem constitucional redireciona a hermenêutica atinente à instituição familiar, o que incorpora a realidade fática ao sistema normativo. Diante da omissão legislativa, cabe à jurisprudência ressaltar ora a existência do afeto a propiciar a origem da família, ora a constatação de sua ausência. Na presente ordem de ideias, são elucidativas as considerações de Gama (2000, p. 32): (...) O certo é que uma das notas peculiares do final do século XX consiste na verificação de que as famílias devem se fundar, cada vez mais, em valores existenciais e psíquicos, próprios do convívio próximo, afastando as uniões de valores autoritários, materialistas, patrimonialistas e individualistas que notabilizaram o modelo de família oitocentista do Código de Napoleão. E, no âmbito jurídico, não se pode deixar de considerar o relevante e inestimável papel da Constituição Federal, mormente a de 1988, no direito brasileiro: como já se pôde perceber, o direito civil passa pelo fenômeno de constitucionalização dos bens e valores fundantes do ordenamento jurídico, com atribuição de maior relevância à pessoa humana (o ser) do que ao seu patrimônio (o ter). A lei nº 13.146/15, que foi nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, diz que a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, conforme o seu art. 2º. Não fazendo nenhum tipo de distinção para a aplicabilidade da lei ao tipo de deficiência portada pela pessoa. 12 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Lei nº 13.146/15 O artigo 6º do Estatuto tem a seguinte redação: Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. E acrescenta no artigo 84: Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. Deixando claro que a isonomia atingiu a todas as pessoas com deficiência, as tornando plenamente capazes e limitando a incapacidade absoluta apenas aos menores de 16, modificando a redação do artigo 3º do Código Civil. A partir de então aquele que tem alguma deficiência é considerado plenamente capaz, mesmo que precise de auxílio para a prática dos atos da vida civil. O instituto da incapacidade relativa, também, foi atingido pelo Estatuto, o qual modificou a redação dos incisos II e III, do artigo 4º do Código Civil, suprimindo as expressões “por deficiência mental” e “sem desenvolvimento mental completo”, proporcionando, assim, igualdade de tratamento a todas as pessoas, portadoras, ou não, de deficiência mental. 13 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE A família matrimonializada A Constituição da República de 1988 trouxe significativas transformações ao paradigma individualista e patrimonial da família, admitindo outras formas para sua estruturação, que não apenas pelo casamento, em decorrência da necessidade de adequação do arcabouço constitucional às novas demandas sociais, sob pena de seu esvaziamento prematuro e ineficácia de seus comandos. É certo que para uma corrente, os efeitos dessa modificação continuaram a girar em torno da família heterossexual, embora tendo que admitir o alargamento da formação familiar para outras origens, distintas do casamento. A presente constatação apresenta-se nas seguintes observações de Pereira(2012, p. 192): Neste sentido, houve o rompimento com a premissa de que o casamento era o único instituto formador e legitimador da família brasileira, e do modelo de família hierarquizada, patriarcal, impessoal e, necessariamente, heterossexual, em que os interesses individuais cediam espaço à manutenção do vínculo. Esta Constituição trouxe, além de novos preceitos para as famílias, princípios norteadores e determinantes para a compreensão e legitimação de todas as formas de família. Cumpre observar que a Constituição de 1988, em seu Artigo 226, enumerou as possíveis entidades familiares, a serem reconhecidas juridicamente; contudo, o dispositivo não deve ser concebido de maneira conclusiva, uma vez que existem outras formas de constituição familiar, que devem ser legitimadas pelo ordenamento. Não se concorda com o entendimento de que a Carta se apoie em matriz heterossexista, pois promoveu ruptura com o modelo familiar estruturado 14 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE unicamente no casamento, tornando possível a estruturação da família monoparental, ou por meio de união estável. Numa visão tradicional, Diniz (2002, p. 38-40) enxerga como finalidades do casamento civil: • Procriação dos filhos, como consequência lógico-natural e não essencial; • Legalização das relações sexuais, uma vez que dentro da satisfação sexual, que é normal e inerente à natureza humana, apazigua a concupiscência; • Educação da prole; • Atribuição do nome ao cônjuge; Reparação de erros do passado. Não há mais espaço no atual cenário jurídico-constitucional para sustentarem- se as finalidades apontadas, uma vez que o casamento surge do afeto entre os cônjuges, que desejam a constituição de uma família, através da comunhão de vida e com outorga de direitos. Desta forma: 1- A procriação de filhos não é requisito para o casamento, uma vez que o planejamento familiar faz parte da autonomia do casal. Assim, casais que não querem ou não podem conceber filhos também devem ser considerados uma família. 2- As relações sexuais não devem ser legitimadas pelo direito, pois não há nada de ilícito em realizá-las fora do casamento, pelo contrário, encontram-se vinculadas à ordem dos desejos e estabelecidas entre sujeitos maiores e capazes. 3- A educação da prole pode ser efetuada em arranjos familiares dos mais diversos, sendo o casamento apenas mais um deles. 4- Não há imposição legal para a utilização do patronímico do cônjuge (Artigo 1.565, § 1º, Código Civil), além do direito à utilização ser 15 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE estendido ao companheiro em união estável (Artigo 57, § 2º, Lei nº 6.015/73). 5- A conduta sexual fora do casamento não deve ser considerada um “erro”, nem, tampouco, uma vida livre e alheia das convenções herméticas sociais, desde que não haja prejuízo ao direito de terceiros. De acordo com Matos (2001, p. 406), a família, no Brasil, como instituição formada no casamento, perdeu sua força, não mais normatizando os comportamentos afetivos e sexuais. A autora evidencia cinco fatores macrossociais responsáveis pela propugnada transformação, são eles: 1- As transformações no sistema capitalista, a partir da expansão do mercado, que acabou inserindo as mulheres no processo de trabalho remunerado. 2- A luta pelos direitos civis das minorias, tais como: vida, igualdade, liberdade e segurança. 3- O movimento de individualização das mulheres, a partir de sua escolarização. 4- A consciência do feminismo associada ao controle tecnológico de reprodução humana, desvencilhando reprodução do exercício sexual. 5- A maior visibilidade das alternativas relacionadas à identidade de gênero, com destaque para a homossexualidade. Concorda-se com a opinião de Chaves e Rosenvald (2014, p. 174), de que o casamento, como decorrência da pluralidade de manifestações afetivas, perdeu sua exclusividade na origem da família, mas continua sendo protegido pelo ordenamento jurídico de forma plena. Importante observar que os direitos outorgados à família matrimonializada são 16 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE aplicados por analogia às demais formações familiares, que apesar de reconhecidas constitucionalmente, encontram-se, muitas vezes, carentes de disciplinamento infraconstitucional. A família monoparental Inserida na família de ordem parental encontra-se a família monoparental. Pode-se conceituar a família parental como a entidade familiar que se forma por um grupamento de pessoas unidas por laços de parentesco biológico ou sociafetivo. Segundo Pereira (2012, p. 203), a família monoparental teve a sua positivação a partir da Constituição Federal de 1988, podendo ser designada por qualquer dos pais e seus descendentes, ou seja, pelo homem ou pela mulher, sem o par conjugal, e sua prole. Sendo considerada entidade familiar, o presente agrupamento goza do conjunto de direitos inerentes a outras formas de arranjo afetivo, ressaltando- se: a proteção patrimonial, a concessão de alimentos, os efeitos sucessórios e previdenciários e a competência da Vara de Família para resolução de suas questões. A união estável heteroafetiva É conveniente lembrar o percurso realizado pelas uniões estáveis heterossexuais, ao longo da história brasileira. Tais uniões enfrentaram caminhos de idas e vindas, acolhimentos e rejeições. Foi somente a partir da Constituição Federal de 1988 que obtiveram pleno reconhecimento institucional, passando a ser consideradas como verdadeiras entidades familiares. 1- A lei não exige prazo mínimo para a sua constituição, devendo ser analisadas as circunstâncias do caso concreto; 2- Não há exigência de prole comum; 17 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE 3- Não se exige que os companheiros vivam sob o mesmo teto, a teor da Súmula nº 382 do STF, que relacionava-se ao concubinato e era utilizada à união estável; 4- As causas impeditivas matrimoniais (Artigo 1.521, Código Civil) também constituem óbice para caracterização da união estável, desencadeando o concubinato (Artigo 1.727, Código Civil). Tal assertiva não leva em consideração o sujeito separado de fato, judicialmente ou extrajudicialmente, que pode constituir união estável; 5- As causas suspensivas matrimoniais (Artigo 1.523, Código Civil) não constituem óbice para caracterização da união estável. É possível reconhecer três acepções jurídicas principais à entidade familiar, como proteção patrimonial, concessão de alimentos e efeitos sucessórios, além de outras acessórias, como a questão processual concernente à competência e efeitos previdenciários. Materializada a união estável em dado caso concreto, é cabível: 1- O reconhecimento jurídico e a proteção patrimonial, conforme Artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil; 2- A concessão de alimentos entre os companheiros, conforme Artigo 1.694, Código Civil; 3- Os efeitos sucessórios de acordo com o Artigo 1.790, Código Civil, sendo que o direito real de habitação sobre o imóvel do casal como direito sucessório do companheiro pelo Artigo 7º, § único da Lei nº 9.278/96; 4- A competência da Vara de Família para apreciar os conflitos relativos à união estável pelo Artigo 9º da Lei nº 9.278/1996; 5- A condição de dependente do companheiro perante o Regime de Previdência Social pelo Artigo 16, I, do Decreto nº 3.048/99. 18 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Importante mencionar, a regra do Artigo 1.725,Código Civil: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Desta forma, desnecessária será a prova de esforço comum para que haja a meação do patrimônio, a teor do Enunciado nº 115 da I Jornada de Direito Civil do CJF/STJ: “Artigo 1.725: há presunção de comunhão de aquestos na constância da união extramatrimonial mantida entre os companheiros, sendo desnecessária a prova do esforço comum para se verificar a comunhão dos bens”. Conclusão Para que conquistas jurídicas sejam materializadas, foi oportuna a extensão da designação de família às uniões não formalizadas, uma vez que esse signo linguístico abarca um contexto de valores, sentimentos e emoções presentes na realidade concreta. De outra sorte, mesmo reconhecendo a relevância da fundamentação jurídica baseada na sociedade de fato para as uniões não formalizadas, não há mais – no contexto da norma infraconstitucional civil – espaço para o artificialismo e para um modo de entender as questões familiares a partir do viés patrimonial. Logo, não se pode sustentar a análise de entidades familiares pelo apresentado critério, como aconteceu historicamente com as uniões estáveis heterossexuais. Atividade proposta Para Álvaro Vilaça, a Constituição Federal de 1988 não protegeu o casamento, mas sim a família, e com isso, ao protegê-la, enumerou algumas formas de convivência que não são exaustivas. Ainda para o autor, a constituição não tem como estabelecer todas as formas de convivência, uma vez que tal tarefa cabe 19 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE ao povo no exercício de seus direitos. Concorde ou discorde, levando em consideração a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Chave de resposta: Novas formas privilegiadas de afeto passam a informar os modelos de família, que o direito tem a incumbência de legitimar, pois a Constituição da República de 1988 não apresentou rol taxativo de possibilidades de entidades familiares. Em decorrência, o novo direito de família transforma-se em instrumento hábil à realização da dignidade humana, a partir do reconhecimento da pluralidade de entidades familiares. Referências CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 6. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2014. v. 6. DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 6. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A união civil entre pessoas do mesmo sexo, Revista de Direito Privado, 2, 30, 2000. MATOS, Marlise. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 20 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE RIOS, Roger Raupp. Para um direito democrático da sexualidade. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 12, n. 26, jul./dez. 2006. Acesso em: 16 abr. 2013. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. SIMÃO, José Fernando. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte 2). Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-ago- 07/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-traz-mudancas. Acesso em: 06 de fev. 2017 21 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Exercícios de fixação Questão 1 (2012 – MPSP – PROMOTOR) - Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Em relação à eficácia do casamento, é correto afirmar: a) Qualquer dos nubentes, com a autorização expressa do outro, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. b) A direção da sociedade conjugal será exercida pelo marido, com a colaboração da mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. c) São deveres do cônjuge virago: o planejamento familiar, a escolha do domicílio do casal, a educação dos filhos e a administração dos bens do casal. d) Se qualquer dos cônjuges estiver encarcerado por mais de 180 (cento e oitenta) dias, o outro requererá ao juiz alvará para exercer, com exclusividade, a direção da família e a administração dos bens do casal. e) Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial. Questão 2 No Brasil, apenas com a promulgação da Constituição brasileira de 1988, ocorreu o rompimento da premissa de que o casamento era o único instituto formador e legitimador da família tradicional, na qual os interesses individuais eram anulados em prol da manutenção do vínculo. Nesse cenário, as famílias podem ser, de acordo com o texto da aula, EXCETO: a) Recompostas b) Reconstituídas c) Binucleares 20 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE d) Monoparentais e) Adulterinas Questão 3 (TJMS) Assinale a alternativa correta acerca das relações de parentesco: a) O parentesco é o vínculo que se estabelece entre um dos cônjuges ou companheiro e os parentes do outro. b) As pessoas se unem em família só em razão do vínculo conjugal ou união estável. c) As pessoas se unem em família só em razão do parentesco por consanguinidade. d) As pessoas se unem em família só em razão da afinidade ou da adoção. e) O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou de outra origem. Questão 4 De acordo com o texto da aula marque a alternativa incorreta: a) Durante a vigência da Codificação Beviláqua (Código Civil de 1916), o casamento assumiu preponderante papel de forma instituidora única da família legítima, que gozava de privilégios distintos. b) Fora do casamento a família era ilegítima, espúria ou adulterina, e não merecia a proteção do ordenamento jurídico familiarista, projetando efeitos, tão somente, no âmbito das relações obrigacionais. c) O direito civil clássico, a partir do contexto social inserido, atrelava o sexo à reprodução, a partir do casamento, concebendo a conduta heterossexual como a conduta típica, e mais, como a única possível e legítima. 21 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE d) O casamento ainda é compreendido como legitimador das relações sexuais, pois o sexo não se encontra compreendido na ordem do desejo. e) O direito de família não deve alicerçar-se por identidades e práticas sexuais moralmente definidas, baseadas na ideologia heterossexual da maioria, calcada em sexualidade ortodoxa. Questão 5 De acordo com o texto da aula marque a alternativa incorreta: a) A partir da constituição e reconhecimento dos direitos sexuais, ocorre a possibilidade do livre exercício responsável da sexualidade pelo sujeito de direito, estruturando uma regulamentação jurídica equidistante da tradicional moralidade repressiva, que caracterizava as relações sociais. b) Atualmente, surge uma compreensão pós-dogmática dos direitos sexuais, na qual o conjunto de normas jurídicas e sua aplicação possam ir além de ordenamentos restritivos. c) O sistema jurídico vem assumindoseu papel transformador, ao estimular condições favoráveis à estruturação de um direito da sexualidade humano e revolucionário, no qual seja possível legitimar todas as formações familiares. d) No Brasil, apenas com a promulgação da Constituição brasileira de 1967 ocorreu o rompimento da premissa de que o casamento era o único instituto formador e legitimador da família tradicional. e) A Constituição de 1988 alargou o conceito de família para além do casamento, além de derrogar toda a legislação que hierarquizava homens e mulheres, bem como a que estabelecia diferenciações entre os filhos pelo vínculo existente entre os pais. A Constituição Federal, ao outorgar a proteção à família, independentemente da celebração do casamento, vincou um novo conceito, o de entidade familiar, albergando vínculos afetivos outros. 22 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Questão 6 MPPR) Assinale a alternativa incorreta: a) É nulo o casamento entre afins em linha reta, em qualquer grau. b) É nulo o casamento no caso de erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge. c) É anulável o casamento de quem não completou a idade mínima para casar. d) É anulável o casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal. e) É nulo o casamento do enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil. Questão 7 (DPPR) A respeito do Direito de Família, é correto afirmar: a) Coexistem na legislação civil, atualmente, duas espécies de bem de família: o voluntário, decorrente da vontade dos cônjuges, companheiros ou terceiro, regulamentado pelo Código Civil; e o involuntário ou obrigatório, regulamentado na Lei nº 8.009/90. Em ambos os casos, a impenhorabilidade incide sobre o imóvel que serve de moradia ao casal ou à entidade familiar e todas as suas construções, benfeitorias, equipamentos e móveis, e é oponível em qualquer processo de execução, independentemente da natureza da dívida, sem exceções. b) A lei civil veda a constituição da união estável se presente alguma causa de impedimento matrimonial. Por esse motivo, a pessoa casada, mesmo separada de fato, não pode constituir união estável com outra. 23 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE c) Julgada procedente a ação de interdição de ébrio habitual ou de pessoa viciada em tóxicos, o juiz nomear-lhe-á curador, que passará a representá-lo durante a prática de todos os atos da vida civil, inexistindo previsão legal para a fixação de limites da curatela de acordo com o estado de desenvolvimento mental do incapaz. d) O tutor pode proceder à venda de bem imóvel do tutelado, desde que haja manifesta vantagem ao menor, mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz, não sendo necessária, entretanto, a autorização judicial, prévia ou ulterior, quando se tratar de permuta de imóveis de mesmo valor. e) Não havendo, entre os companheiros, contrato escrito estabelecendo regra diversa, aplica-se às relações patrimoniais da união estável o regime da comunhão parcial de bens, razão pela qual continuam sendo considerados bens particulares de cada qual os adquiridos anteriormente ao início da união e os sub-rogados em seu lugar, bem como os adquiridos durante a convivência a título gratuito, por doação ou herança. Questão 8 (TJCE - 2012 - CESPE – JUIZ) - Considere que Carlos e Regina convivam em união estável e decidam celebrar contrato de convivência. Nessa situação: a) O contrato somente produzirá efeitos patrimoniais. b) O contrato pode ser celebrado por meio de escritura particular, desde que atestado por duas testemunhas e levado a registro. c) Se o casal já tiver filhos, o contrato não produzirá efeitos. d) Celebrado o contrato, este não poderá ser modificado antes de cinco anos. e) O regime de bens escolhido no contrato terá efeitos retroativos. 24 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Questão 9 (TJRJ) Sobre a união estável, é correto afirmar que: a) Na hipótese de falecimento, o companheiro sobrevivente terá direito à herança, inclusive sobre os bens que o falecido tiver recebido por doação. b) Não pode ser reconhecida caso um dos conviventes seja casado ainda que esteja separado de fato. c) Pode ser reconhecida nos casos das relações entre a adotada com o filho do adotante. d) Se houver contrato escrito dispondo de outro modo, não se aplicará às relações patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens. Questão 10 (TJDF) Referindo-se aos impedimentos para o matrimônio, considere as proposições abaixo e assinale a incorreta: a) Podem casar o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante. b) Não podem casar os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil. c) Podem casar o cônjuge sobrevivente com o que fora absolvido por crime de homicídio consumado contra o seu consorte. d) Não podem casar os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive. e) Nenhuma das respostas anteriores. 25 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Androcêntricos: No sentido de que o ser do sexo masculino constituía o epicentro da regulamentação normativa. Ordem parental: A família parental diferencia-se da família conjugal, pois esta última se forma a partir de uma relação amorosa, na qual estão presentes o afeto, o desejo e o amor conjugal (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 106). A família parental pode estar contida na família conjugal, mas também pode ter existência autônoma. 26 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Questão 1 - E Justificativa: De acordo com o entendimento doutrinário acerca da matéria. Questão 2 - E Justificativa: “Nesse cenário, as famílias podem ser recompostas, reconstituídas, binucleares, monoparentais, formadas por casais com filhos de casamentos anteriores e seus novos filhos, por casais homossexuais, através de uniões estáveis, já que a lista da pluralidade de arranjos familiares é vasta”. Questão 3 - E Justificativa: Artigo 1.593 do Código Civil: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Questão 4 - D Justificativa: “O casamento não é mais compreendido como legitimador das relações sexuais, pois o sexo, modernamente, encontra-se compreendido na ordem do desejo, o que afasta a exclusividade de sua função procriadora e o eleva a uma das principais fontes de prazer”. Questão 5 - D Justificativa: No Brasil, apenas com a promulgação da Constituição brasileira de 1988 ocorreu o rompimento da premissa de que o casamento era o único instituto formador e legitimador da família tradicional. Questão 6 - B Justificativa: Artigo 1.556 do Código Civil. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro. 27 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Questão 7 - E Justificativa: Artigo 1.725 do Código Civil. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Questão 8 - A Justificativa: Artigo 1.725 do Código Civil: Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.Questão 9 - C Justificativa: Artigo 1.725 do Código Civil: Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Questão 10 - A Justificativa: Artigo 1.521 do Código Civil. Não podem casar: III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante. Introdução A presente aula tem como objetivo analisar a evolução sócio-jurídica da identidade homossexual e do reconhecimento da família homoafetiva, tanto pela legislação, quanto pela jurisprudência. Não obstante avanços significativos que resultam de luta persistente e organizada de agrupamentos minoritários contra preconceitos subsistem evidentes lacunas no que concerne à outorga de direitos às uniões entre pessoas do mesmo sexo, no direito brasileiro. 28 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Objetivo: 1. Analisar a evolução histórica da identidade homossexual; 2. Analisar a família homoafetiva e seu reconhecimento pelo STF. Conteúdo Análise da evolução histórica da identidade homossexual É bastante comum na prática o estabelecimento de conclusões, a partir de algumas observações, o que tende a esvaziar a pluralidade de manifestações familiares possíveis. Desta maneira, quando um heterossexual, que faz parte da maioria, visualiza um comportamento divergente, tende a avaliá-lo segundo o espectro sexual que conhece e considera legítimo. Ao analisar um comportamento sexual heterodiscordante, tende a reduzir o sujeito ao que observou, ignorando que a realidade humana é plural e que talvez o seu referencial deva ser revisto, por não dar conta da multiplicidade de situações abarcadas por fenômeno tão complexo. O exercício dos direitos sexuais deve ser concretizado sob o prisma da liberdade e da igualdade, reconhecendo-se, assim, a pluralidade de situações, manifestações e expressões com que a sexualidade se manifesta. Com isso, o ordenamento deve se preocupar com o livre exercício responsável dos mencionados direitos, ou seja, que todos os sujeitos envolvidos sejam maiores e capazes e que não haja prejuízo ao direito de terceiros. Tal compromisso materializa-se no dever fundamental de cuidado, respeito e consideração aos direitos de terceiros, quando do exercício livre da sexualidade, consubstanciando verdadeira ética, estruturada no exercício da sexualidade do modo mais livre, igualitário e respeitoso possível. Desta forma, importante se faz a análise da evolução histórica da identidade homossexual. 29 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Na antiguidade, o amor entre seres do sexo masculino era aceito na sociedade, sendo, contudo, valorizado apenas o polo ativo da relação. O presente dado de realidade provavelmente exercia influência na força do machismo, já presente naquela época, em que se concebia o ato sexual ativo como a postura masculina e o passivo como feminina. Como se depreende, a análise não era centrada no elemento biológico para o qual o homem direcionava seu afeto, mas ao papel sexual que ele desempenhava (LOUZADA, 2011, p. 264). Apesar do privilégio conferido ao comportamento sexual, os gregos não avaliavam o amor entre homens como motivo de postura excludente em relação à heterossexualidade, nem como dois tipos de comportamento diferentes, já que possuíam a livre escolha de se relacionar com outros cidadãos livres, ou não. Em Roma, a homossexualidade masculina era tolerada, embora destituída de importância filosófica e moral, pois as relações se estabeleciam entre cidadãos livres e escravos, o que justificava indiferença por parte do Estado. Nesse contexto histórico, verificou-se desconfiança em relação aos relacionamentos homoeróticos, por meio do discurso médico e filosófico, que os vinculava ao abuso do corpo e da alma, e, de outra sorte, enaltecia--se o casamento e as obrigações conjugais. Desta forma, a atividade sexual discordante passou a ocupar lugar central, em decorrência da suposta doença que poderia provocar, e não por ser um Atenção Na sociedade grega da antiguidade, é admissível entender que o amor era exclusividade entre homens, uma vez que a amizade, a virtude e a beleza masculina eram os elementos indispensáveis à deflagração do sentimento. 30 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE instrumento de prazer, o que fez surgir uma vertente da teologia cristã, baseada na ética da relação matrimonial. A criminalização homossexualidade Em 1869, o médico húngaro Benkert, diante da iminente criminalização das relações homossexuais masculinas na Alemanha, escreveu um texto no qual apareceu pela primeira vez o termo homossexual. Em 1870, o psiquiatra alemão Westphal publicou artigo em que definia a nova identidade sexual e social, a partir da inversão, traçando o seu comportamento e o caráter. Desse modo, o homossexual começou a ser definido como ser desviante e passível de controle médico-legal. No ano seguinte, criminalizou-se a homossexualidade (MISKOLCI, 2007, p. 4). No século XIX, começou-se a afastar a dogmática religiosa, com a emergência do estudo científico acerca da homossexualidade. Primeiramente definida como doença, sem qualquer dado concreto, acarretou a realização de tratamentos desumanos, tais como terapias com choque convulsivo, lobotomia e terapias por aversão. Os estudiosos desejavam descobrir meios de reverter a homossexualidade, restando, por óbvio, frustrados, pois não se cura algo que não é patológico. Despatologização e descriminalização Já no século XX, mais precisamente em 1969, diante do episódio emblemático de Stonewall (Rebelião entre homossexuais e a polícia de Nova Iorque, que aconteceu em 28 de junho de 1969), verifica-se tendência à modificação no discurso, a partir da percepção da equivocada compreensão de seu comportamento. Os processos de despatologização e descriminalização foram responsáveis pela superação do rótulo preconceituoso atribuído àqueles que se orientavam sexualmente de forma distinta, fazendo com que a nomenclatura 31 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE “homossexual”, de cunho degradante, fosse rechaçada, e passaram a responder como “gays”, a partir da politização de sua identidade sexual. Assim, o movimento se autodenominava, ressaltando o que existia por trás do estigma socialmente atribuído a seus membros: uma vida fora da ordem sexual vigente. Nas décadas finais do século XX, houve tentativa de assimilação da identidade homoerótica, através da construção da figura respeitável do “gay cidadão”, não diferente dos heterossexuais, a não ser pelo desejo, detalhe ou elemento a mais na bricolagem das identidades na modernidade tardia. Certamente permanece um ruído de exclusão, uma vez que esse “gay cidadão”, como o cidadão médio, é idealizado como branco, de classe média, “bem- sucedido”, straight acting, cosmopolita e liberal. Essa visão não impede a coexistência de outros tipos de homossexual. O gay cidadão aproxima-se do sujeito político-sexual do início do século XXI, o qual, mais do que contrapor-se à repressão de sua sexualidade, a ostenta, de maneira audaz no espaço público. Os relacionamentos homoafetivos no Brasil No Brasil, os relacionamentos homoafetivos eram considerados crime até 1821, com base nas Ordenações Filipinas, o que não se seguiu nos diplomas seguintes. O Código Criminal de 1830, inspirado no ideário napoleônico, não capitulou a sodomia dentreos crimes tipificados e passíveis de punição, ao contrário de países como o EUA e a Inglaterra. Embora não houvesse a tipificação do crime de sodomia no Brasil, registra-se a presença de outros tipos penais vagos e abstratos, nos quais se poderia facilmente enquadrar a conduta do homossexual e sancioná-lo, sob os rigores de um Estado moralmente preconceituoso. Eram os chamados crimes morais, sob a égide do Código Imperial, os quais, à época da República, receberam o epíteto de “crime contra a segurança da honra e da honestidade da família” ou “ultraje público ao pudor”. Apesar do preconceito iluminista, alguns de seus adeptos encaravam como verdadeira atrocidade punir a homossexualidade com a pena capital, pois se 32 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE esta fosse realizada sem violência ou indecência pública, a lei não deveria se ocupar dela. Somente no final do século XIX ocorreu sua descriminalização e a conduta homossexual começou a ser definida como doença. Guimarães (2011, p. 35) explicita crítica a essa tendência, nos seguintes termos: (...) Na verdade, nada mudou muito entre esses dois períodos. A indignação moral e a condenação ética desde então se tornaram mais aguda e rancorosa que o discurso dos inquisitores, o qual se baseava, principalmente, na ideia de que a antinaturalidade do ato homossexual – masculino, pelo menos – representava o duplo desperdício da semente vital. Assim concebida, a opressão sexual é aquela em que a minoria é induzida a anular seu desejo, a fim de seguir os ditames impostos pela maioria. Isso faz com que, no processo de socialização desde a infância, os cidadãos que vivenciam as sexualidades periféricas – expressão cunhada por Foucault – sofram diversos tipos de violências, desrespeitos e agressões, das mais variadas ordens, às suas integridades físicas e psíquicas (SILVA JUNIOR, 2011, p. 100). Porém, alguns conseguem romper com os modelos pré-concebidos e com tudo que é imposto em matéria de sexualidade, gênero e afetividade, enfrentando as consequências, por mais difíceis e desumanas. Nas últimas décadas do século XX, o movimento homossexual organizou-se politicamente, como resultado de um refinamento teórico da análise inerente à inclusão da sexualidade heterodiscordante, por meio de argumentos sociológicos e psicanalíticos, que acarretaram sua maior compreensão e assimilação. Em toda parte, com variações e particularidades em cada país, o movimento estruturou-se e institucionalizou-se com foco na luta por direitos civis, centralizados em torno da legitimação da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, além do pleno exercício de sua parentalidade. 33 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE A união homoafetiva A união homoafetiva decorre de orientação homossexual concreta e, desta maneira, não pode ser renegada pelo direito, uma vez que diz respeito à esfera privada da existência de cada um. Nesse passo, as relações homossexuais existem e continuarão a existir, independentemente do reconhecimento jurídico pelo Estado. O ordenamento, desde suas origens, atraiu a responsabilidade de observar as condutas sociais, regulamentá-las e, por conseguinte, outorgá-las direitos. Não sendo as uniões homoafetivas propiciadoras de violação a direito de terceiros, elas se afiguram como verdadeiro dado concreto, configurando, portanto, situações lícitas e relativas à esfera privada de cada um. Além disso, o intérprete constitucional, ao analisar o caso concreto, deve ser movido por argumentos de ordem pública e não por concepções particulares, sejam religiosas, políticas ou morais, uma vez que o papel do Estado e do sistema jurídico é o de acolher todos que são vítimas de preconceito e intolerância. E no Brasil? No caso brasileiro, coube ao Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a Constituição Federal, reconhecer como entidade familiar a união homoafetiva, decorrente do direito fundamental à preferência sexual, disposto em seu Art. 3º, inciso IV, bem como do princípio da igualdade, além do valor afeto, inerente à dignidade humana. A presente análise encontra respaldo a partir do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.277/DF, cujo objeto era a interpretação conforme a Constituição do Art. 1.723 do Código Civil. Defendeu-se então a declaração de que uma das vertentes hermenêuticas do artigo em exame encontrava-se em rota de colisão com a Constituição Federal, ante os diferentes significados de seu arcabouço literal. Mesclando argumentos jurídicos e extrajurídicos, o relator da ADI (ação direta de inconstitucionalidade), Ministro Ayres Brito, em seu voto sublinhou que o 34 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE grande incômodo da sociedade em relação à opção sexual alheia ocorre quando há quebra do padrão convencionado pela tradição, qual seja, o da heterossexualidade. Nessa esteira, ao reconhecer a entidade familiar homoafetiva, pretendeu superar o dissenso entre juízes singulares e membros dos tribunais, não raro, vinculados a subjetivismos, em detrimento da racionalização do sistema jurídico. Ele ainda, antes de julgar o mérito da questão, traçou o limite material no qual apoiava sua decisão, para produzir efeitos jurídicos, de modo vinculante. Sob essa perspectiva, cumpre aferir, em cada caso, a soma de alguns antecedentes, quais sejam: • Durabilidade da união homoafetiva; • Conhecimento público e continuidade; • Além do propósito ou anseio de constituição de uma família. Em síntese, exige-se a configuração dos mesmos requisitos impostos ao reconhecimento da união estável heterossexual. Dias (2011, p. 250) compartilha da mesma opinião, quando afirma que: A omissão dificulta o reconhecimento de direitos diante de situações que se afastam de determinadas posturas convencionais, o que faz crescer a responsabilidade do Poder Judiciário. Mas preconceitos e posições pessoais não podem levar o juiz a fazer da sentença um meio de punir comportamentos que se afastam dos padrões por ele aceitos por motivo religioso. De todo descabido invocar a falta de previsão legal para negar direitos àqueles que vivem fora do modelo imposto pela moral conservadora, mas sem agredir a ordem social. Direito fundamental à opção sexual A Constituição Federal comporta o direito fundamental à orientação sexual, em seu Artigo 3º, IV, a qual decorre da opção política realizada pelo poder constituinte originário de reconhecer e respeitar a diversidade sexual, em contraponto à padronização. Não se pode retirar a escolha do sujeito em 35 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE relação à sexualidade, uma vez que tal condição é inerente à esfera de personalidade, constituindo bem jurídico. É indiscutível que o direito fundamental à opção sexual tem origem constitucional, correspondendo a um bem inerente à personalidade humana, decorrente do valor que alimenta todo ordenamento jurídico. Corroborando o que foi dito, é importante que você veja parte do voto do Ministro relator: (...) Nessa altaneira posição de direito fundamental e bem de personalidade, a preferência sexual se põe como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III do artigo 1º da CF), e, assim, poderoso fator de afirmação e elevação pessoal. De autoestima no mais elevado ponto da consciência. Autoestima, de sua parte, a aplainar o mais abrangente caminho da felicidade, tal como positivamente normada desde a primeira declaração norte-americana de direitos humanos (Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de 16de junho de 1768) e até hoje perpassante das declarações constitucionais do gênero. Afinal, se as pessoas de preferência heterossexual só podem se realizar ou ser felizes heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes homossexualmente. O ordenamento jurídico brasileiro não deve apenas assegurar ao sujeito o direito de escolha entre várias alternativas possíveis, mas também legitimar condições objetivas, para que tais escolhas sejam concretizadas no plano concreto. Segundo Dworkin (apud Barroso, p. 21), para um indivíduo de orientação homossexual, a alternativa não é entre estabelecer relações com pessoas do mesmo sexo ou com pessoas de sexo diferente, mas entre abster-se de sua orientação sexual, ou vivê-la clandestinamente. 36 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Princípio da liberdade de orientar-se sexualmente O princípio da liberdade de orientar-se sexualmente decorre da autonomia privada de cada pessoa e o seu não reconhecimento pelo direito retira do indivíduo uma das dimensões que dão sentido à existência. Assim, a exclusão das relações homoafetivas do regime da união estável ou do casamento, e da consequente condição de entidade familiar, não expressa simplesmente lacuna jurídica, eis que agride o exercício da liberdade e do desenvolvimento da personalidade de várias pessoas. Não obstante essa premissa, não se pode ignorar posições que defendem a exclusão das relações homoafetivas da possibilidade de constituir entidade familiar, procurando justificar, sem êxito, sua posição com base em dois fundamentos contrários à liberdade, a saber: A impossibilidade de procriação; A violação dos padrões de “normalidade moral”; Quanto à impossibilidade de procriação, esta não constitui justificativa razoável para se tratar desigualmente as relações homoafetivas, principalmente quando se considera que essa não é a única função da família. A característica predominante da família contemporânea é a afetividade, que resulta do projeto de comunhão de vidas, independentemente da sexualidade. A lei infraconstitucional brasileira somente determina como requisito para a caracterização de união estável a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, não havendo, pois, qualquer referência à procriação. No mesmo sentido, o reconhecimento constitucional da família monoparental afasta definitivamente o argumento de que a impossibilidade de procriação seja óbice à atribuição da qualidade de família às parcerias homossexuais. 37 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE Outro argumento recorrente é o de que a relação homoafetiva não pode ser reconhecida como família, pois seriam violados os padrões de “normalidade moral”. Sob esse ângulo, cumpre levar em conta que moral é conceito subjetivo e, portanto, modificável ao longo da evolução social. Há um processo de evolução cultural, que impede a adoção de parâmetros cristalizados, conforme ideário de uma maioria preconceituosa e individualista. A esse respeito, não se pode esquecer que, em épocas e lugares diferentes, foram ou são normais a tortura, escravidão e mutilação. Segundo Barroso (2007, p. 7): O que cabe discutir aqui – e rejeitar – é a imposição autoritária da moral dominante à minoria, sobretudo quando a conduta desta não afeta terceiros. Em uma sociedade democrática e pluralista, deve-se reconhecer a legitimidade de identidades alternativas ao padrão majoritário. O estabelecimento de standards de moralidade já justificou, ao longo da história, variadas formas de exclusão social e política, valendo-se do discurso médico, religioso ou da repressão direta do poder. Não há razão para se reproduzir o erro. A isonomia entre parcerias homossexuais e heterossexuais O Ministro Celso de Melo, no julgamento da ADI em comento, ressalvou em seu voto a necessidade da plena realização dos valores da liberdade e da igualdade (em sua vertente de não discriminação), que representam fundamentos essenciais à configuração de uma sociedade democrática. No intuito de concretizar a Constituição, é necessário materializar o princípio da isonomia, assegurando o respeito à pluralidade de desejos inerente à condição humana, sendo possível a convivência pacífica entre os contrários. Há, na presente perspectiva, o repudio à “desigualação” jurídica, a partir da promoção do bem de todos, que também possui sede constitucional. Constata-se, dessa forma, a preocupação do STF em concretizar a isonomia entre parcerias homossexuais e heterossexuais, ao afirmar que as primeiras 38 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE detêm igual direito subjetivo à constituição de uma família, em relação às segundas. Confirma essa afirmação, a transcrição da seguinte parte do voto do Ministro relator: (...) interpretando por forma não reducionista o conceito de família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o certo − data vênia de opinião divergente - é extrair do sistema de comandos da Constituição os encadeados juízos que precedentemente verbalizamos, agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. (...) Pena de se consagrar uma liberdade homoafetiva pela metade ou condenada a encontros tão ocasionais quanto clandestinos ou subterrâneos (grifos nossos). Para o Ministro Marco Aurélio, o reconhecimento da entidade familiar depende apenas da opção livre e responsável dos indivíduos, não se cogitando o sexo das pessoas envolvidas, a teor dos Artigos 1º, 3º e 5º constitucionais. Conforme sua interpretação, a Carta permite que a união homoafetiva seja admitida como verdadeira família, a fim de promover a dignidade dos partícipes dessa relação, regida pelo afeto existente entre eles. “A afetividade direcionada a outrem de gênero igual compõe a individualidade da pessoa, de modo que se torna impossível, sem destruir o ser, exigir o contrário. Insisto: se duas pessoas de igual sexo se unem para a vida afetiva comum, o ato não pode ser lançado a categoria jurídica imprópria. A tutela da situação patrimonial é insuficiente. Impõe-se a proteção jurídica integral, qual seja, o reconhecimento do regime familiar. Caso contrário, estar-se-á a transmitir a mensagem de que o afeto entre elas é reprovável e não merece o 39 DESAFIOS DA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE respeito da sociedade, tampouco a tutela do Estado, o que viola a dignidade dessas pessoas, que apenas buscam o amor, a felicidade, a realização”. Mais uma vez, é reconhecida a liberdade afetiva, o que dá suporte à legitimidade da entidade familiar homossexual. É possível perceber uma gama de ilações efetuadas pelo Ministro, que vincula o respeito à individualidade da pessoa, à possibilidade de estabelecer relações afetivas com quem bem quiser, na esteira da autonomia da vontade, que possibilita a cada cidadão escolher seus parceiros, conforme sua individualidade. Não se pode entender, da mesma maneira, que a presente união deve ser institucionalizada em categoria jurídica imprópria, ou que seus efeitos restringem-se a aspectos de ordem patrimonial, sob pena de desmerecimento
Compartilhar