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Poder Constituinte 4

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O ser humano, para viver em sociedade, utiliza-se de instrumentos de controle social que o possibilita conviver em grupo, através da limitação das relações humanas, em prol de uma “paz social”1. Sem esses mecanismos, as relações humanas seriam um verdadeiro caos, uma anarquia, sem regras e respeito às individualidades de cada pessoa. São instrumentos de controle social os valores, a ética, os costumes e o direito.
A organização social, por meio do ideal do Constitucionalismo, determina a importância de se estipular limites para a atuação do Estado para que a ordem social não seja mais importante que a proteção dos direitos dos seres humanos, no Estado Democrático de Direito.
A história dos direitos fundamentais está diretamente ligada à história do Constitucionalismo.
Os direitos fundamentais e os direitos humanos são definidos historicamente pela sociedade de acordo com a evolução do pensamento filosófico, jurídico e político do homem.
Os jusnaturalistas defendem que a proteção dos direitos humanos e fundamentais baseia-se na crença de que os seres humanos devem ter os seus direitos básicos respeitados pela simples justificativa de serem humanos e os Estados nacionais devem acatá-los.
Entretanto, por mais que se conceba o ideal universal, aceito pela humanidade, de proteger o ser humano, sabe-se que, na realidade, os direitos humanos e fundamentais não surgem da natureza, mas de inúmeras lutas históricas que travaram a longo dos séculos.         
 
Os direitos humanos são aqueles direitos conquistados historicamente pelos homens e que são protegidos independente da anuência dos Estados, no âmbito internacional e de forma universal, ou seja, sem qualquer distinção de sexo, cor, etnia, raça, classe social, nacionalidade etc. Os direitos fundamentais são os direitos humanos que foram positivados no texto constitucional dos Estados, com o intuito de limitar o arbítrio do Estado e assegurar aos indivíduos a efetividade de sua dignidade humana.
A conceituação dos direitos humanos como direitos inerentes àqueles que possuem a condição humana os coloca, em muitos países, como direitos fundamentais da sociedade. O exercício dos direitos humanos, portanto, não dependerá de uma concessão do Estado, já que a condição humana é a causa determinante para a existência desses direitos.
O papel do Estado será o de consagrar, garantir e viabilizar o exercício dos direitos humanos, sem distinções de qualquer natureza como de raça, cultura, etnia e nacionalidade. Os direitos humanos, assegurados pela sociedade internacional após a constatação histórica da importância de defesa desses direitos, fruto da Segunda Guerra Mundial, passaram a ser consagrados pela legislação interna de grande parte dos Estados nacionais em seus textos constitucionais.
Essa decisão da maioria dos países corroborou a necessidade de efetivação e viabilização desses direitos e os transformou em direitos fundamentais, aqueles assegurados pelas constituições de grande parte dos países-membros da sociedade internacional, como faz o Brasil.
Os direitos fundamentais cumprem na nossa atual Constituição a função de direitos dos cidadãos, não só porque constituem – em um primeiro plano, denominado jurídico objetivo – normas de competência negativa para os poderes públicos, impedindo essencialmente as ingerências destes na esfera jurídico-individual, mas também porque – num segundo momento, em um plano jurídico subjetivo – implicam o poder de exercitar positivamente certos direitos (liberdade positiva), bem como o de exigir omissões dos poderes públicos, evitando lesões agressivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 192.
A definição de quais são os direitos fundamentais consagrados no texto constitucional é o resultado de evoluções e lutas históricas, fato que possibilitou a divisão dos direitos de acordo com as épocas em que eles surgiram e suas características comuns.
Os direitos fundamentais inicialmente são definidos, pela doutrina, de acordo com o ideal da Revolução Francesa da ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’. Esse ideal possibilitou que, na concepção de Norberto Bobbio, eles fossem divididos em três ‘gerações’ de direitos2. O melhor entendimento dessas gerações de direitos humanos nos faz as chamar de ‘dimensões’, uma vez que a ideia de gerações nos remete à possibilidade de evolução de direitos e substituição de um direito de uma geração por outra. Na realidade, cada direito fundamental, pertencente a gerações distintas, existirá ao mesmo tempo, sendo, portanto, mais adequado se utilizar do termo ‘dimensões de direitos humanos’ para distinguir esses direitos e dar a ideia de evolução da percepção e concessão de direitos3.
As várias “dimensões dos direitos fundamentais” nada mais são do que novas facetas de um mesmo direito, o direito à vida, só que em momento histórico diferente. Assim, a expressão “gerações dos direitos fundamentais” pode nos dar, erroneamente, a ideia de alternância, de superação, de descarte. Por outro lado, quando se fala em “dimensões”, se resgata a ideia de expansão, de acumulação, de fortalecimento, de nova visão.
As diversas dimensões dos direitos fundamentais foram construídas como respostas às grandes violações, injustiças e estado de insegurança da humanidade. As dimensões são resultado de reações às violações dos direitos. SCHNEIDER, Jeferson. Direitos Humanos e a Reforma do Poder Judiciário. Disponível em: http://www. mt.trf1.gov.br/judice/jud3/art1.html. Acesso em: 19 out. 2009.
PRIMEIRA DIMENSÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
A primeira dimensão de direitos fundamentais trata dos direitos individuais e está ligada ao ideal revolucionário francês da liberdade. Na época do surgimento desses direitos, defendia-se o Liberalismo Político acima do interesse social, o que possibilitou a criação de direitos que pressupunham uma igualdade formal, perante a lei, e consideravam o indivíduo de forma abstrata.
A primeira dimensão de direitos fundamentais irá, portanto, determinar direitos individuais específicos para limitar a ação do Estado diante do indivíduo, já que eles criam uma obrigação negativa do Estado perante os membros de sua população. O governo terá, deste modo, a obrigação de não agir e não interferir na vida pessoal do homem, além de possibilitar que ele consiga exercer o seu livre arbítrio diante de suas escolhas pessoais. A lei determinará que todos os indivíduos são iguais e lhes dará a liberdade de agir sem a interferência estatal.
Os principais textos constitucionais que defendem essa ideologia de defesa dos direitos individuais de forma liberal são: Magna Carta de João sem-terra de 1215, Tratados de Westfália de 1648, Habeas Corpus Act de 1679. Bill of Rights 1688, Declaração Americana de 1776 e a Declaração Francesa de 17894.
Segundo Gilmar Mendes:
Constituem postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo. São considerados indispensáveis a todos os homens, ostentando, pois, pretensão universalista.
Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de culto e de reunião. São direitos em que não desponta a preocupação com desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente considerado. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 61.
A primeira dimensão está ligada aos direitos individuais do homem. São eles: direito à vida, integridade física, liberdade (individual, de iniciativa e concorrência, de pensamento e de consciência filosófica e política), propriedade privada, vida privada, intimidade e inviolabilidade de domicílio, sigilo de correspondência, sigilo bancário, dentre outros.
A primeira geração dos direitos fundamentais surgiu com as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII. Esses direitosassentam-se no liberalismo clássico, encontrando, pois, inspiração no iluminismo racionalista, base do pensamento ocidental entre os séculos XVI e XIX. São também chamados de direitos individuais ou direitos de liberdade e têm por destinatários os indivíduos isoladamente considerados e são oponíveis ao Estado. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As três dimensões dos direitos humanos e o novo conceito de cidadania. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, João Pessoa, v. 12, n. 9, p. 104-108, 2004.
SEGUNDA DIMENSÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
TERCEIRA DIMENSÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Direitos e garantias fundamentais
A distinção dos direitos e garantias fundamentais é importante para se compreender o papel de cada um desses institutos no Estado Democrático de Direito. Rui Barbosa foi o primeiro no Brasil a distinguir os dois institutos11.
Os direitos fundamentais são normas de conteúdo declaratório, pois diz quais são os direitos que os indivíduos têm.
Por outro lado, as garantias fundamentais são normas de conteúdo assecuratório, pois asseguram o exercício dos direitos fundamentais na sociedade.
 
Os chamados de ‘remédios constitucionais’ são as garantias fundamentais previstas no artigo 5º que visam a proteção de direitos fundamentais, sendo eles:
Habeas corpus;
Habeas data;
Mandado de segurança;
Mandado de segurança coletivo;
Mandado de injunção e
Ação popular, que serão abordados em momento oportuno12.
EXEMPLO
O direito fundamental de liberdade de locomoção está previsto na Constituição da República de 1988, no artigo 5º, inciso XV:
“XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.13
Esse direito é declarado no artigo 5o, inciso XV, como supracitado, mas é assegurado pela garantia constitucional do habeas corpus, que permite que aquele que tenha o seu direito de liberdade de locomoção violado possa recorrer ao judiciário por meio dessa ação constitucional.
Os direitos fundamentais são encontrados na constituição da República em inúmeros artigos:
No artigo 5º da constituição são elencados os direitos individuais e coletivos, sendo um dos mais importantes artigos da constituição.
Os direitos sociais estão previstos no artigo 6º ao artigo 11 da constituição.
Na sequência prevê-se o direito de nacionalidade, no artigo 12.
Por fim, estão previstos os direitos políticos, previstos nos artigos 14 e 15. Além desses artigos, em toda a constituição percebe-se a presença dos direitos e garantias fundamentais.
Além do texto constitucional, os direitos e garantias fundamentais estão previstos nos tratados internacionais, em especial nos que tratam sobre direitos humanos.
Pergunta: Os tratados internacionais teriam força normativa no Brasil para configurarem como normas assecuratórias de direitos humanos?
Sim! É importante entender que historicamente os tratados ratificados14 pelo Brasil têm força de lei ordinária, sendo até a emenda constitucional 45 de 2004 essa a regra. Entretanto, hoje, se o tratado internacional versa sobre direitos humanos e é aprovado pelo Congresso Nacional, com o mesmo procedimento legislativo de aprovação da emenda constitucional (3/5 dos votos, em dois turnos, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal) ele terá status, ou seja, hierarquia de emenda constitucional. Entretanto, segundo decisão do STF, se o tratado de direitos humanos não for aprovado com a hierarquia de emenda constitucional, terá hierarquia supralegal, ou seja, acima da lei e abaixo da constituição.
Portanto, conhecer os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil é extremamente importante, pois é também conhecer os direitos fundamentais que não constam no texto da constituição.
Características dos direitos fundamentais
A primeira característica dos direitos fundamentais é que são universais, ou seja, aplicam-se a todos, sem qualquer preconceito de gênero, classe social, etnia, nível de instrução intelectual, raça, origem, nacionalidade etc. Os direitos fundamentais são também dotados de historicidade, ou seja, são históricos, pois são fruto da evolução da história humana. Eles vão se desenvolvendo com a evolução histórica humana.
Os direitos fundamentais são também concorrentes, pois são exercidos simultaneamente. Ao mesmo tempo mais de um direito fundamental é aplicado.
EXEMPLO
Imagine que um indivíduo esteja assistindo um repórter na televisão dando a sua opinião. Nesse caso, o telespectador está exercendo seu direito fundamental de informação e o repórter seu direito fundamental de opinião, de forma concomitante.
Os direitos fundamentais são relativos, pois não podem ser aplicados sempre de forma absoluta, ou seja, sempre existem exceções aos direitos fundamentais, por mais importantes que sejam.
O direito à vida é um dos direitos fundamentais mais importantes, entretanto, mesmo assim existem exceções para a sua proteção. No direito brasileiro o direito à vida sofre exceção, por exemplo, nos casos de guerra declarada, quando a constituição permite a pena de morte.15
Os direitos fundamentais são também irrenunciáveis, inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão de seus direitos ou aliená-los com objetivos financeiros; apesar de poder não exercê-los se desejar. São também imprescritíveis, pois não possuem tempo de validade, não há intervalo temporal que possa invalidá-los.
Eficácia dos direitos fundamentais
A primeira forma de eficácia dos direitos fundamentais é a eficácia vertical, ou seja, a defesa dos direitos fundamentais é um dever do Estado e um direito das pessoas. Há uma relação de verticalidade, pois o Estado é um devedor e os indivíduos são os credores dos direitos.
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EXEMPLO
O direito à vida é garantido pela constituição e as pessoas possuem esse direito, por outro lado, o Estado tem o dever de não interferir na vida humana e de resguardá-la para que seja efetivada.
Além da eficácia vertical, os direitos fundamentais possuem uma eficácia horizontal, ou seja, os direitos fundamentais são também aplicados nas relações entre os particulares. O STF já decidiu nesse sentido, sendo um direito e uma obrigação dos particulares o respeito aos direitos fundamentais.
EXEMPLO
O STF julgou um caso em que uma pessoa foi excluída de uma associação e disse que, nesse caso, deve ser respeitado entre os particulares o direito à ampla defesa do excluído, não bastando somente a vontade expressada pelos outros associados.
Destinatários dos direitos fundamentais
No artigo 5º, caput, encontra-se expressamente quem são os destinatários dos direitos fundamentais:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988, grifo nosso.
Importante salientar que os destinatários previstos são aqueles que fazem parte da população brasileira, ou seja, brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. Entretanto, questiona-se se os que não estão abrangidos no artigo 5º, caput, também poderiam invocar direitos fundamentais, como os estrangeiros não residentes no Brasil e as pessoas jurídicas.
A ideia do constituinte é a de que se deveria outorgar direitos fundamentais aos que estão vinculados ao seu território, portanto a previsão a nacionais e estrangeiros residentes. Entretanto, ao tentar aumentar a abrangência, o legislador constituinte acabou restringindo, pois o Brasil não pode consagrar direitos ao estrangeiro que está residindo em outro Estado, por uma questão de respeito à soberania do outro Estado. Contudo, em relação aos estrangeiros não residentes que estejam de passagem no Brasil, o STF decidiu que esses estrangeiros podem gozar de seus direitos e garantias fundamentais. O ideal seria que a previsão constitucionalfosse relativa aos “estrangeiros em território nacional” e é essa a interpretação dada pelo STF.
É certo que o caput do art. 5° da CF/88 somente referência, de modo expresso, os brasileiros – natos ou naturalizados – e os estrangeiros residentes no país enquanto titulares dos direitos fundamentais. Nada obstante, a doutrina mais recente e a Suprema Corte têm realizado interpretação do dispositivo na qual o fator meramente circunstancial da nacionalidade não excepciona o respeito devido à dignidade de todos os homens, de forma que os estrangeiros não residentes no país, assim como os apátridas, devam ser considerados destinatários dos direitos fundamentais. MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 201.
Em relação às pessoas jurídicas o STF entende que toda a proteção é aplicada dentro dos limites possíveis para a natureza da pessoa jurídica. Em resumo:
São destinatários de direitos fundamentais todas as pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras, desde que estejam dentro do território nacional.
Aplicação e aplicabilidade dos direitos fundamentais
A aplicação dos direitos fundamentais está prevista no artigo 5o, §1º, da constituição, sendo imediata: “Art. 5º, § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”16. A aplicação imediata significa que os direitos e garantias fundamentais são dotados de meios e instrumento que efetivam a sua aplicação, mesmo que não estejam ainda devidamente regulados (ex.: mandado de injunção).
Em conformidade com o teor do art. 5°, § 1°, CF/88, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, o que retrata a preocupação dos modernos sistemas constitucionais em evitar que as posições firmadas como essenciais para a identidade da Constituição não passem de retórica, ou então que sejam dependentes da atuação legislativa para que tenham eficácia.
Procurou-se, com isso, superar a concepção de Estado de Direito formal, no qual os direitos fundamentais apenas ganham expressão quando regulados por lei. MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 203.
Entretanto, a aplicabilidade não se confunde com a aplicação, pois a aplicabilidade dependerá de uma análise da eficácia das normas e não de sua obrigatoriedade.
As normas de eficácia plena e contida possuem aplicabilidade imediata.
Todavia, as normas de eficácia limitada têm eficácia mediata, ou seja, dependem de instrumentos que viabilizem o exercício desses direitos.
 
Existem, assim, direitos fundamentais de eficácia imediata, pois têm aplicabilidade imediata por serem normas de eficácia plena ou limitada, sendo geralmente direitos individuais. Os direitos fundamentais de eficácia limitada terão aplicabilidade mediata e são, na sua maioria, direitos sociais, econômicos e culturais.
CAPÍTULO 3
Direitos e Garantias Fundamentais
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