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UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL FUESPI – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA FUESPI 2011 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Raimundo Dutra de Araujo Araujo, Raimundo Dutra Psicologia da Educação / Raimundo Dutra de Araujo – Teresina: UAB/NEAD/FUESPI, 2011. 123p. ISBN: 978-85-61946-29-6 1.Psicologia da educação. 2. Aprendizagem escolar. 3. Processos psicológicos. I.Título. CDD: 370.15 A659p Presidente da República Dilma Vana Rousseff Vice-presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação a Distância CAPES/MEC Celso José da Costa Governador do Piauí Wilson Nunes Martins Secretário Estadual de Educação e Cultura do Piauí Átila de Freitas Lira Reitor da FUESPI – Fundação Universidade Estadual do Piauí Carlos Alberto Pereira da Silva Vice-reitor da FUESPI Nouga Cardoso Batista Pró-reitor de Ensino de Graduação – PREG Marcelo de Sousa Neto Coordenadora da UAB-FUESPI Márcia Percília Moura Parente Coordenador Adjunto da UAB-FUESPI Raimundo Isídio de Sousa Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação – PROP Isânio Vasconcelos de Mesquita Pró-reitora de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX Francisca Lúcia de Lima Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD Acelino Vieira de Oliveira Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN Raimundo da Paz Sobrinho Coordenadora do curso de Licenciatura Plena em Letras Pedagogia – EAD Umbelina Saraiva Alves MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/FUESPI Edição UAB - FNDE - CAPES UESPI/NEAD Diretora do NEAD Márcia Percília Moura Parente Diretor Adjunto Raimundo Isídio de Sousa Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia Umbelina Saraiva Alves Coordenador de Tutoria José da Cruz Bispo de Miranda Coordenadora de Produção de Material Didático Cândida Helena de Alencar Andrade Autor do Livro Raimundo Dutra de Araujo Revisão Teresinha de Jesus Ferreira Diagramação Luiz Paulo de Araújo Freitas Capa Luiz Paulo de Araújo Freitas UAB/UESPI/NEAD Campus Poeta Torquato Neto (Pirajá), NEAD, Rua João Cabral, 2231, bairro Pirajá, Teresina (PI). CEP: 64002-150, Telefones: (86) 3213-5471 / 3213-1182 Web: ead.uespi.br E-mail:eaduespi@hotmail.com SUMÁRIO UNIDADE 1 A natureza da Psicologia: evolução, histórico e aplicabilidade no contexto educacional ........................................................................... 13 1.1 A ciência psicológica: conceito, objeto de estudo e relevância ........... 15 1.2 Psicologia da Educação: breve histórico ........................................... 20 1.3 A Educação Escolar: paradigmas psicológicos.................................. 22 1.4. Educação: paradigmas psicológicos e finalidades............................ 28 1.5 Educação: a opção entre paradigmas ............................................... 35 1.6 Contextos e finalidades educacionais ................................................ 39 1.7 Os paradigmas da Psicologia: uma perspectiva construtivista ........... 44 UNIDADE 2 As teorias psicológicas e o desenvolvimento humano ..................... 53 2.1 Empirismo ......................................................................................... 53 2.2 Racionalismo ..................................................................................... 55 2.3 Behaviorismo ..................................................................................... 56 2.4 Gestalt ............................................................................................... 59 2.5 A Epistemologia Genética de Piaget .................................................. 65 2.6 A abordagem histórico-cultural de Vigotski ......................................... 70 2.7 A teoria psicanalítica de Sigmund Freud............................................. 74 UNIDADE 3 A aprendizagem escolar e os distúrbios psíquicos ........................... 85 3.1 Transtornos psíquicos: definições e características ............................ 86 3.2 Transtornos psíquicos no espaço da sala de aula ............................... 96 UNIDADE 4 Aprendizagem e processos psicológicos......................................... 105 4.1 Inteligência ....................................................................................... 105 4.2 Criatividade ..................................................................................... 109 4.3 Memória ...........................................................................................111 4.4 Motivação ........................................................................................ 112 Referências bibliográficas .................................................................. 121 PARA COMEÇAR... O presente livro está dividido em três unidades. A primeira trata sobre as Concepções de leitura e o ato de ler e devido ao momento em que estamos vivendo no que concerne ao desenvolvimento das tecnologias da comunicação e informação e da febre da internet, trata também sobre as concepções de leitura na era digital. A segunda unidade trata sobre o texto e suas configurações, bem como sobre os seus critérios de textualidade. Para complementar essas noções serão abordadas também as noções de tipo e gênero de texto que, em nosso entendimento, não é uma questão tão bem resolvida como alguns linguistas podem colocar em seus manuais de estudos linguísticos. Em nossa terceira unidade passaremos, a partir dos estudos realizados sobre o texto, a pôr em prática nossos conhecimentos, praticando... Lembra-se da nossa conversa inicial, na produção textual como no ato de dirigir, quanto maior for a nossa prática melhor será a nossa habilidade de redigir um texto. Vamos estudar, praticar e descobrir o mundo maravilhoso da arte de nos expressar por meio de textos. Neles, podemos mostrar nossa alegria por algo que realizamos, a nossa revolta com relação a algo de que discordamos, podemos mudar determinadas situações produzindo textos de repúdio e a depender do alcance da abrangência e veiculação das informações por meio da internet podemos fazer os nossos protestos visitarem o mundo inteiro em segundos. Como você pode perceber, caro aluno, o ato da escrita é uma arma poderosíssima que não machuca ninguém, não contamina rios e mares, mas pode transformar o mundo no qual vivemos. Aproveite esta capacidade que você recebeu de Deus para usá-la em seu benefício e de seu próximo, sem é claro, deixar de seguir a ética e a seriedade que devem nortear uma produção textual e qualquer ação em nossas vidas. Aproveite bem e bons estudos!! Os autores OBJETIVOS • Identificar as concepções de leitura refletindo sobre sua relevância para a realização plena do ato de ler. • Correlacionar as concepções de leitura com os vários momentos em que nos deparamos com a necessidade de ler. UNIDADE 1 A NATUREZA DA PSICOLOGIA: EVOLUÇÃO, HISTÓRICO E APLICABILIDADE NO CONTEXTO EDUCACIONAL 13 FUESPI/NEAD - Pedagogia 1 A NATUREZA DA PSICOLOGIA: EVOLUÇÃO, HISTÓRICO E APLICABILIDADE NO CONTEXTO EDUCACIONAL Psicologia é a ciência da alma, ou da psique, ou da mente, ou do comportamento. Refere-se, na verdade, a um conjunto de funções que se distinguem em três grandes vias: a via ativa (movimentos, instintos, hábitos, vontade, liberdade, tendências, e inconsciente); a via afetiva (prazer e dor, emoção, sentimento, paixão, amor); e a via intelectiva (sensação, percepção, imaginação, memória, ideias, associação de ideias). Estas três vias articulam-se em grandes sínteses mentais, tais como: atenção, linguagem e pensamento, inteligência, julgamento, raciocínio e personalidade (Meynard,1958). Essas funções também são conhecidas como cognitivas, afetivas e conativas. As cognições são as capacidades do intelecto, as afeições são os sentimentos e emoções, e a conação refere-se as nossas atividades, que são as respostas expressivas ou comportamentais. A conação como uma expressão de si para o outro traz sempre implicações, sejam boas ou más. Sabemos que a nossa história de vida caracteriza-se por um longo desenvolvimento físico e mental. Este desenvolvimento pode encontrar, em sua trajetória, fatores favoráveis e desfavoráveis. Ele recebe influências dos grupos sociais que nos envolvem em diferentes camadas e de diferentes modos. O desenvolvimento psicológico consiste na formação gradativa de sínteses mentais. Estas sínteses expressam-se no nosso modo de ser e de agir que juntamente com nossas características herdadas constituem a personalidade. Pode-se dizer, então, que o estudo da Psicologia organiza- se: no interesse do conhecimento das funções psicológicas básicas em suas Imagem disponível em:http:// atlanticofm.com/Novo_portal06/images/ stories/Psicologia.jpg 14 Psicologia da Educação três vias; no interesse de saber como estas funções se desenvolvem; no interesse de saber o que é facilitador ou impeditivo deste desenvolvimento (Seriam ambientais? Seriam neurofisiológicos? Seriam restritos à área dos afetos? Seriam problemas na formação de hábitos? Seriam existenciais? Seriam comportamentais? Seriam cognitivos? Seriam socioeconômicos? Seriam ecológicos?); no interesse de saber como propor tratamentos para os fatores impeditivos do desenvolvimento em todas as fases da nossa vida (pré-natal, infância, adolescência, adulto jovem, adulto, envelhecimento e morte). A Psicologia interessa-se ainda pelo ambiente em que vivemos, pelo arquitetura de nossa casa, pela organização da nossa cidade (vida comunitária, trânsito, ruídos, violência), por nosso desempenho na escola, pelo modo como os professores desenvolvem suas tarefas, pela nossa escolha profissional, pelo nosso relacionamento com a família e com os amigos, pela nossa adaptação e satisfação profissional, pela escolha de nossos parceiros afetivos (namoro, casamento, divórcio, relacionamento com os filhos) e pelos nossos desapontamentos e frustrações. O melhor modo de obter este conhecimento e de transformá-lo em ferramentas de atuação profissional é motivo de muita polêmica e inspiração para uma grande proliferação de teorias. Em outras palavras, ainda temos muito o que aprender sobre a complexidade deste homo sapiens. O campo da Psicologia é muito vasto. Inclui atividades consagradas como a Psicologia clínica, escolar, atividades em pesquisas básicas como o estudo dos processos psiconeurológicos e memória, e um enorme conjunto de possibilidades aplicadas e de pesquisa que inclui matemática, física, informática, engenharia, enfermagem, trânsito, ecologia, psicofísica, genética, administração, comunidade, sociologia, antropologia, educação e marketing. Um estudante de Psicologia que é naturalmente curioso, que gosta de desafios e que consegue antever os rumos do desenvolvimento social e econômico terá um papel destacado na profissão e muito sucesso. Na verdade, a Psicologia é uma ciência aplicada, mas também uma ciência básica de grande importância para qualquer campo de conhecimento. 15 FUESPI/NEAD - Pedagogia Uma maneira de entender o vasto campo da Psicologia é distinguir suas duas grandes tradições. De um lado, o interesse em saber o que é o nosso intelecto, isto é, a nossa capacidade de conhecer (via cognitiva). Do outro, o interesse em saber como e porque somos diferentes uns dos outros e respondemos de modos diferentes as influências ambientais (via afetiva e conativa). Por exemplo, por que de uma mesma família sai um filho altruísta e dedicado às soluções dos grandes problemas da humanidade e um outro delinquente e criminoso? Por que uma criança vai para a escola e aprende as lições com a maior facilidade e uma outra apresenta uma grande dificuldade no seu aprendizado? Neste contexto, é importante entendermos que a Psicologia que conhecemos hoje é o resultado da confluência de preocupações e métodos oriundos da filosofia e da fisiologia. Todas as funções psicológicas decorrem de processos orgânicos. Avanços nos campos da genética, neurofisiologia e bioquímica trouxeram importantes esclarecimentos sobre processos psicológicos básicos como, por exemplo, hereditariedade, agressividade, depressão e ansiedade. Por outro lado, o modo como formulamos perguntas, encaminhamos modos de resposta e organizamos nosso conhecimento é muito influenciado por toda a história da filosofia. 1.1 A ciência psicológica: conceito, objeto de estudo e relevância Iniciaremos a discussão acerca do que é a ciência psicológica, qual é o seu objeto de estudo e a sua importância, resgatando o próprio conceito de ciência. Segundo Bock (1999), ciência é um conjunto de conhecimentos sobre fatos ou aspectos da realidade obtidos de forma Imagem disponível em:http:// www.administradores.com.br/_resources/ _circuits/files/files_463.jpg 16 Psicologia da Educação sistemática e controlada, passíveis de verificação e expressos por meio de uma linguagem precisa e rigorosa. Estes conhecimentos devem ser obtidos de maneira sistemática e controlada para que a sua validade possa ser verificada, ou seja, a ciência aspira a objetividade e, como tal, as suas conclusões devem ser passíveis de verificação e isentas de emoção para se tornarem válidas para todos, podendo ser verificado, utilizado, transmitido e desenvolvido. A sua produção sempre se dá a partir de algo desenvolvido anteriormente, ou seja, negam-se ou se descobrem novos aspectos e, assim, a ciência avança. Essa característica da produção científica possibilita sua continuidade e a caracteriza como um processo. Um conhecimento para ser considerado científico requer, porém, um objeto de estudo específico. Assim, a ciência tem como característica fundamental a delimitação de seu objeto de estudo. A astronomia, por exemplo, tem como objeto de estudo os astros; a biologia os seres vivos; a física o movimento dos corpos. Qual será, então, o objeto de estudo da Psicologia? Antes de definir o objeto de estudo da Psicologia torna-se fundamental destacar que delimitar um objeto de uma área de conhecimento requer tratá- lo com uma certa distância, ou seja isolá-lo, garantindo a separação entre o cientista com o fenômeno que está sendo estudado. Essa situação, entretanto, não ocorre com as ciências humanas, tais como a Antropologia, a Sociologia, a Economia, a História e a própria Psicologia. Neste caso, o homem é, ao mesmo tempo, pesquisador e objeto pesquisado. Embora exista uma multiplicidade de ciências humanas, cada uma delas enfoca o homem de maneira particular, construindo conhecimentos distintos e específicos sobre ele. Nesse sentido, a definição da Psicologia como ciência humana é bastante ampla e não dá conta da sua especificidade, nem da sua identidade. É preciso definir que aspecto do homem ela estuda, ou seja, qual a sua identidade e em que ela se diferencia das outras ciências humanas. 17 FUESPI/NEAD - Pedagogia A respeito, Bock (1999) comenta que se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista ele dirá que o objeto da Psicologia é o comportamento humano, um psicólogo psicanalista dirá que é o inconsciente, outros dirão que é a consciência, que é a personalidade, etc. Esse fato leva a atribuir à Psicologia uma diversidade de objetos, dificultando a sua definição. A diversidade de objetos da Psicologia é explicada, segundo Bock, por três motivos: • pelo fato de este campo de conhecimento ter-se constituído como área do conhecimento científico recentemente, final do século XIX, muito embora os temas psicológicos já fossem estudados bem antes pela Filosofia e, assim sendo, não teve tempo suficiente deapresentar teorias acabadas e definitivas que permitam precisar seu objeto de estudo; • pelo fato de o cientista (pesquisador) se confundir com o objeto (fenômeno a ser pesquisado). No caso, o objeto de estudo da Psicologia é o homem e o pesquisador está inserido neste caso na categoria pesquisado. Assim, a concepção que o pesquisador tem acerca do homem termina contaminando a sua pesquisa. Conforme a concepção de homem adotada, teremos uma concepção de objeto que combine com ela. Considerando as várias concepções de homem existentes atualmente, a Psicologia se caracteriza por uma diversidade de objetos de estudo; • pelo fato de os fenômenos psicológicos serem diversos (memória, atenção, inteligência, consciência, representação, linguagem, comportamento, criatividade, entre outros...) não podendo ser acessíveis no mesmo nível de observação e, portanto, não podendo ser submetidos aos mesmos padrões de descrição, medida, controle e interpretação. Logo, ao estabelecer padrões de descrição, medida, controle e interpretação, o psicólogo também Imagem disponível em:http://www.univ- ab.pt/disciplinas/dcsp/psa3917/imgs/ Psicologia.gif 18 Psicologia da Educação estabelece um determinado critério de seleção dos fenômenos psicológicos, definindo seu objeto de estudo. Essa situação enfrentada pela Psicologia, diz Bock, leva ao questionamento da sua caracterização como ciência e a postular a existência de várias Psicologias em desenvolvimento, com diversos enfoques que trazem definições específicas do seu objeto (o comportamento, a consciência, a personalidade, o inconsciente...). Em meio a esta indefinição de objeto de estudo, Bock defende que o objeto de estudo da Psicologia deve ser aquele que aglutina uma ampla variedade de fenômenos psicológicos (os visíveis e os não visíveis, os relacionados ao corpo e à mente, os comportamentos e as emoções): a subjetividade. Mas o que é a subjetividade? Podemos definir a subjetividade como: A subjetividade é o mundo das ideias, significações e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de sua vivência e de sua constituição biológica. É a fonte das manifestações afetivas e comportamentais humanas. É a maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar amar e fazer de cada um. É o que constitui o nosso modo de ser, a nossa singularidade. É importante frisar, entretanto, que a subjetividade não é inata ao indivíduo, mas é construída aos poucos, à medida que este vai se apropriando do A síntese singular e individual que cada um de nós vai construindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, de outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social” (BOCK, 1999, p. 23). Imagem disponível em:http:// 1.bp.blogspot.com/_8jqW3L5TxXI/ SRzM8Ek2JCI/AAAAAAAAADY/ cZncHEnRGLs/s400/yoga_sonhos.jpg 19 FUESPI/NEAD - Pedagogia mundo social e cultural, que vai agindo sobre este mundo. O homem cria e transforma o mundo exterior e, nesse processo, constrói e transforma a si mesmo. Como esse processo de intervenção humana no mundo é inacabado, ou seja, o homem está sempre o modificando, o mundo vive em constante movimento e como nós, a cada dia, apropriamo-nos de novas coisas, vivenciamos novas experiências, o nosso conteúdo psicológico também vai sofrendo mudanças e novas subjetividades vão surgindo. Logo, a subjetividade não é somente construída, mas também reconstruída, ou seja, o homem pode promover novas formas de subjetividade em função das novas condições materiais, sociais e culturais de vida. Dessa forma, o movimento e a transformação são os elementos básicos de toda história do mundo e do homem. As pessoas não estão sempre iguais, as subjetividades não cessarão de se modificar, pois as experiências sempre trarão novos elementos para renová-las. Considerar a subjetividade como objeto de estudo da Psicologia significa, portanto: • Tentar compreender o homem em sua totalidade, enquadrando-o como ser concreto e multideterminado; • Estudar o homem em todas as suas expressões: visíveis (comportamentos)? e não visíveis (sentimentos), ?singulares (o que cada um é individualmente) e genéricas (o que todos são enquanto membros de uma mesma espécie ou de um mesmo grupo), ?corpo e mente, afetividade e atividade; • Desvelar as relações do cultural, do político, do econômico e do histórico na produção do que é mais íntimo e mais observável no homem; • Tentar compreender a produção de novos modos de serem, as subjetividades emergentes do mundo social e histórico. Nessa perspectiva, a Psicologia é a ciência que estuda o homem a partir do seu mundo interno, de sua subjetividade (fonte das ações, dos sonhos, 20 Psicologia da Educação dos desejos, da consciência, do inconsciente) com base em métodos e técnicas de investigação científica. É uma área que está sempre em movimento. Desde o seu surgimento até os dias atuais, vem produzindo novos conhecimentos, criando métodos próprios de investigação, elaborando diferentes teorias explicativas ou descritivas da realidade psicológica e modelos de intervenção que ajudam o indivíduo a compreender, organizar e aplicar o saber que tem sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca. 1.2 Psicologia da Educação: breve histórico O interesse pela educação, suas condições e seus problemas, foi sempre uma constante entre filósofos, políticos, educadores e psicólogos. Com o desenvolvimento da Psicologia como Ciência e como área de atuação profissional, no final do século XIX, várias perspectivas se abriram, fato que também ocorreu à chamada Psicologia Educacional. Durante as três primeiras décadas do século XX a Psicologia aplicada à educação teve enorme desenvolvimento. Nos EUA destacava-se a necessidade de um novo profissional, capaz de atuar como intermediário entre a Psicologia e a educação. Até a década de 50, a Psicologia da educação aparece como a 'rainha' das ciências da educação. Conceito: um ramo especial da Psicologia, preocupado com a natureza, as condições, os resultados e a avaliação e retenção da aprendizagem escolar. Ela deveria ser uma disciplina autônoma, com sua própria teoria e metodologia. http://3.bp.blogspot.com/_UbYo9I1p9Kw/ SdccmHsZ6aI/AAAAAAAAAQc/ rw5fXQX9Yug/s320/Multiculturalidade.bmp 21 FUESPI/NEAD - Pedagogia Durante a década de 50, o panorama muda. Começa-se a duvidar da aplicabilidade educativa das grandes teorias da aprendizagem, elaboradas durante a 1ª metade do século XX. Surgem outras disciplinas educativas tão importantes á educação quanto a Psicologia, e esta precisa ceder espaço. Na década de 70, assume o seu caráter multidisciplinar, que conserva até hoje. Não mais é considerada como a Psicologia aplicada à Educação. Atualmente, a Psicologia da Educação é considerada um ramo tanto da Psicologia quanto da Educação, e caracteriza-se como uma área de investigação dos problemas e fenômenos educacionais, a partir de um entendimento psicológico. A Psicologia da Educação tem por objeto de estudo todos os aspectos das situações da educação, sob a ótica psicológica, assim como as relações existentes entre as situações educacionais e os diferentes fatores que as determinam. Seu domínio é constituído pela análise psicológica de todas as facetas da realidade educativa e não apenas a aplicação da Psicologia à educação. Seu maior objetivo é constatar ou compreender e explicar o que se passa no seio da situação de educação. Por isso, tanto psicólogos quanto pedagogos podem possuir tal especialização profissional. A Psicologia da Educação faz parte dos componentes específicos das ciências da Educação, tal como a sociologia da educação ou a didática. Compõem um núcleo cuja finalidade éestudar os processos educativos. Atualmente, rejeita-se a ideia de que a Psicologia da Educação seja resumida a um simples campo de emprego da Psicologia; ela deve, ao Imagem disponível em: http://2.bp.blogspot.com/_LwfT5dSSUAE/ S7KfWGJRvnI/AAAAAAAADZ8/ bSt3W2CwxUk/s1600/educacao-a- distancia_final.jpg 22 Psicologia da Educação contrário, atender simultaneamente aos processos psicológicos e às características das situações educativas. Ela estuda os processos educativos com tripla finalidade: • Contribuir à elaboração de uma teoria explicativa dos processos educativos - nível teórico; • Elaborar modelos e programas de intervenção - nível tecnológico; • Dar lugar a uma práxis educativa coerente com as propostas teóricas formuladas - nível prático. 1.3 A Educação Escolar: paradigmas psicológicos Nenhuma das matrizes disciplinares da Psicologia foi criada com o intuito de responder a questões formuladas no terreno da educação em geral e, muito menos, no campo específico da educação escolar. A Psicanálise constitui a demonstração mais óbvia dessa afirmação, pois como se sabe o paradigma freudiano foi desenvolvido para atender a demandas oriundas da clínica psicológica, sendo seu propósito inicial encontrar um meio eficiente para curar neuroses (cf. Freud, 1978). Quanto ao Comportamentalismo, tratou-se originalmente de uma iniciativa para construir uma teoria geral que contemplasse as leis de regularidade e uniformidade do comportamento humano, em que estivessem descritas as relações entre as respostas emitidas por um organismo e os estímulos ambientais (cf. Skinner, 1967). Sobre a teoria piagetiana, é preciso lembrar que sua problemática primeira encontrava-se vinculada à área da epistemologia: o propósito de Piaget era "abordar o estudo do conhecimento através de uma epistemologia Imagem disponível em:http://sol.sapo.pt/photos/ postiteduc/images/362315/original.aspx 23 FUESPI/NEAD - Pedagogia de natureza biológica", o que se mostrou inviável por intermédio do uso exclusivo dos métodos da própria Filosofia. Assim, dada a necessidade de bases empíricas que permitissem "uma ponte sólida entre a biologia e a epistemologia", Piaget foi em busca da Psicologia (Coll & Gillièron, 1987, p.15). Toda a Psicologia piagetiana constitui, a bem da verdade, um conjunto de teses formuladas para responder a questões relacionadas com a origem e o desenvolvimento da capacidade cognitiva do ser humano, e, mais amplamente, para explicar como nasce e evolui a competência do indivíduo para apreender abstratamente o mundo que o cerca. É certo que alguns dos criadores dos paradigmas aqui analisados envolveram-se diretamente com os problemas da educação, aplicando suas formulações a "novas áreas de interesse", como diria Kuhn, procedendo deste modo, portanto, na condição de cientistas normais. Com eles começaram, então, as transposições de suas formulações paradigmáticas para o âmbito da escola. O caso de Skinner é exemplar, pois de certos princípios comportamentalistas decorrem sugestões de elevado interesse para organizar o processo de ensino e aprendizagem escolar. Uma das teses fundamentais desse paradigma diz que o organismo – seja ele animal inferior ou superior – responde a estímulos ambientais, o que permite ver o comportamento como resultado de arranjos no meio em que se localiza o indivíduo. O Comportamentalismo ensina como instalar respostas novas e modificar padrões de respostas já existentes, o que o torna, em suma, um paradigma facilmente aplicável à educação. A tal ponto que o próprio Skinner, em seu livro Tecnologia do Ensino (Skinner, 1972) elaborou propostas bem delineadas para o ambiente escolar, como o "ensino programado" e o emprego de "máquinas de ensinar". Imagem disponível em http:// 3.bp.blogspot.com/_ez76xH5_-xA/SYG4- fVaqiI/AAAAAAAAAKo/kKowOah4CBA/s320/ ESCOLA.bmp 24 Psicologia da Educação Assim, se é certo que os paradigmas psicológicos não nasceram para resolver problemas educacionais em geral ou problemas específicos da educação escolar, é preciso reconhecer, também, que toda e qualquer utilização educacional dos saberes oriundos da Psicologia é passível de discussão. Além disso, quando a Pedagogia tenta apossar-se dos conhecimentos científicos da Psicologia, pode fazê-lo sob a égide de orientações pedagógicas as mais diversas. Consequentemente, torna-se muito difícil, arriscado e, em alguns casos, leviano, vincular uma vertente do pensamento educacional a conceitos extraídos de uma teoria psicológica, como se algum saber deste terreno fosse responsável exclusivo pelas práticas contidas naquele. No entanto, é preciso admitir que alguns paradigmas contêm formulações que implicam reflexões problematizadoras e soluções de interesse inegável para os educadores. Mas, desenvolvida como atividade de ciência normal, esta empresa não se confunde com o estabelecimento das teses paradigmáticas, ainda que o fundador do paradigma tenha se envolvido pessoalmente nela. Para ficar no exemplo dado, as sugestões de Skinner quanto ao modo de organizar a educação escolar não são as únicas possíveis ou as únicas que devam ser consideradas pelos adeptos de seu paradigma. A tese de que o comportamento é algo que se pode instalar, controlar e modificar, sem levar em conta supostos fatores subjetivos, constitui uma ideia a ser necessariamente aceita pelos seguidores dessa corrente, mas o mesmo não se dá quando se trata de organizar o processo de ensino e aprendizagem. Ao admitir a noção de que o comportamento do educando é passível de controle por meio dos estímulos fornecidos em sala de aula, o professor torna- se comportamentalista, mas não se sente obrigado a concordar que a escola deva ser composta por alunos diante de máquinas de ensinar. Pode-se chegar à semelhante conclusão tomando o caso de Freud cujas teses a respeito da sexualidade infantil enfatizaram ser a constituição do ego um resultado do combate entre as pulsões do id e as restrições do 25 FUESPI/NEAD - Pedagogia superego, representante internalizado das imposições morais transmitidas, inicialmente, pela educação familiar e, mais adiante, pelos educadores profissionais. A teoria freudiana, ao versar sobre o desenvolvimento da personalidade, oferecia certa margem de reflexão a respeito dos procedimentos educacionais, e o próprio Freud o fez, em alguns textos e passagens de sua obra. Não sendo adepto, entretanto, de concepções ambientalistas, concluiu que pouco poderia ser conseguido por pais e professores, uma vez que o inconsciente é um território insondável. No final da vida, tornou-se totalmente descrente da possibilidade de a Psicanálise contribuir para a educação de crianças e jovens, quer na escola, quer fora dela (cf. Kupfer, 1992). Suas opiniões neste terreno não impediram que muitos cientistas normais de orientação psicanalítica tratassem de fazer o que o mestre considerava impossível. O exemplo mais categórico foi sua própria filha, Anna Freud, com Psicanálise para Pedagogos (Freud, 1974). Mais recentemente, estudiosos, como Georges Mauco, têm admitido que a concepção freudiana não pode ser entendida como uma ciência psicológica, propriamente, "mas um método de investigação no domínio do simbolismo inconsciente", e que reduzi-la a "uma pedagogia apressada ou a um culturalismo simplista" seria inadequado (Mauco, s.d., p. 192). Mauco admite, entretanto, que a Psicanálise pode ser útil aos educadores, se não enquanto método de interpretação, cuja utilidade é evidentemente limitada aos domínios do consultório, ao menos como fonte para a compreensão do desenvolvimento psíquico e afetivo do ser humano; ao elucidar as relações da criança com a família, do educando com o educador e a economia psíquica do profissional da educação, a Psicanálise pode fornecer ao professor condições para lidar com indivíduos em situação de aprendizagem, capacitando- o parao melhor desempenho de suas funções próprias. Impossibilitada de inspirar métodos pedagógicos, mas apta a sustentar uma nova visão dos processos educacionais, a Psicanálise pode ser útil ao questionamento dos vínculos de autoridade na sala de aula em 26 Psicologia da Educação abordagens pedagógicas avessas aos moldes tradicionalistas. Ideia semelhante é defendida por Maria Cristina Kupfer(data??), para quem não é possível criar uma metodologia pedagógica fundamentada na Psicanálise porque todo método implica certo grau de ordenação e previsibilidade, algo inimaginável numa teoria que aceite a noção de inconsciente – o lugar do imponderável, do imprevisto, daquilo que escapa à linguagem da razão. À imagem do psicoterapeuta, o educador inspirado na Psicanálise deve renunciar ao controle intensivo sobre seus educandos; no processo de avaliação da aprendizagem, por exemplo, ele tem apenas uma vaga imagem do que pode estar ocorrendo com o aluno, pois não tem acesso direto à repercussão dos conteúdos escolares no inconsciente do aprendiz. Mais ainda, não tem como saber em que medida a relação transferencial estabelecida entre ele e o educando está interferindo no trabalho pedagógico. Pode-se dizer, por isso, que a Psicanálise pode transmitir ao educador (e não à Pedagogia, como um todo instituído) uma ética, um modo de ver e de entender sua prática educativa. É um saber que pode gerar, dependendo, naturalmente, das possibilidades subjetivas de cada educador, uma posição, uma filosofia de trabalho. Pode contribuir, em igualdade de condições com diversas outras disciplinas, como a Antropologia ou a Filosofia, para formar seu pensamento. Cessa aí, no entanto, a atuação da Psicanálise. Nada mais se pode esperar dela, caso se queira ser coerente com aquilo que se constituiu essencialmente: a aventura freudiana. (Kupfer, 1992, p.97). Quanto a Piaget, vale considerar aqui o depoimento colhido por Mário Sérgio Vasconcelos em que Imagem disponível em http:// forumdemulheresdofuturo.zip.net/images/ artforumeuroGarjan.jpg 27 FUESPI/NEAD - Pedagogia Therezinha Rey relata as impressões do pesquisador genebrino sobre sua visita ao Brasil, no ano de 1949. Piaget teria ficado descontente por ter sido abordado por pessoas cujo interesse exclusivo era a Educação, e por não terem ocorrido, como ele desejava, "debates mais profundos sobre biologia e epistemologia" (Vasconcelos, 1996, p.58). Embora estes fossem os interesses prioritários de Piaget, alguns textos sobre educação escolar foram por ele produzidos, sob a motivação dos encargos que assumiu junto ao "Bureau International d’Education", entre 1929 e 1967, e à Unesco, de 1946 a 1980 (idem, p. 53-5). Seus escritos educacionais continham três pontos comuns: a defesa dos métodos ativos, a revelação dos resultados da Psicologia genética como corroboradores dos princípios da Escola Ativa e a proposta de trabalho cooperativo, como estratégia pedagógica para o desenvolvimento do pensamento experimental, da razão, da autonomia e dos sentimentos de solidariedade. (idem, p.59) As formulações paradigmáticas de Piaget não foram transpostas, por ele mesmo, para a sala de aula; suas ideias permitiram-lhe distinguir entre diversas abordagens educacionais já existentes, tornando-se crítico dos métodos tradicionais de ensino e defensor da renovação educacional. Além disso, autorizou certos esforços destinados a essa transposição, como é o caso da obra de Hans Aebli, datada dos anos cinquenta e publicada no Brasil com o título Didática Psicológica. Aplicação à Didática da Psicologia de Jean Piaget (Aebli, 1971). Das teses piagetianas, entretanto, têm surgido diversas possibilidades de ação, que variam quanto ao modo de situar o valor dos conteúdos das matérias escolares, o papel do professor na sala de aula, os instrumentos de avaliação, enfim, sobre todos os componentes da situação de ensino e aprendizagem. César Coll, ao analisar algumas dessas vertentes, considera a existência de duas grandes interpretações. A primeira valoriza os aspectos endógenos do processo de construção do conhecimento e enfatiza a atividade livre e espontânea do aluno, o que impõe à escola criar ambientes estimulantes 28 Psicologia da Educação que permitam ao aprendiz desenvolver seu potencial, à sua maneira e em seu próprio ritmo. A segunda interpretação destaca o aspecto interacionista das ideias piagetianas, defendendo que a intervenção pedagógica deve consistir na elaboração de situações que permitam certo grau ótimo de desequilíbrio entre os esquemas de assimilação do educando e o objeto a ser assimilado (Coll, 1987, p.188-9). Na primeira vertente, caracterizada como "interpretação construtivista radical do processo de ensino-aprendizagem", o desenvolvimento operatório torna-se o objetivo único e exclusivo da educação, conferindo à Epistemologia Genética o papel de "uma espécie de Psicologia aplicada à educação", disciplina norteadora do processo educacional. Na segunda, chamada "desajuste ótimo", a ênfase desloca-se para a compreensão do processo educacional e suas questões específicas, como o valor social e cultural dos conteúdos escolares e da prática pedagógica, deixando aos saberes oriundos da Psicologia Genética a tarefa de contribuir para elaborar mais adequadamente os conhecimentos a serem ensinados – por exemplo, no trabalho de seleção e ordenamento desses conhecimentos de acordo com as diferentes etapas do desenvolvimento cognitivo dos educandos. Assim, num extremo o paradigma piagetiano é empregado para constituir um "polo psicologizante" em que os objetivos educacionais subordinam-se ao desenvolvimento individual; no outro, sustenta a elaboração de instrumentos de análise dos componentes psicológicos da educação, renunciando à tentação de reduzir os fenômenos escolares ao desenvolvimento operatório (idem, p.193). 1.4 Educação: paradigmas psicológicos e finalidades Se é verdade que existe certa independência entre as formulações de um paradigma científico e as aplicações do mesmo à Educação emerge inevitavelmente uma questão: onde se encontra a razão de ser da aplicação 29 FUESPI/NEAD - Pedagogia de um paradigma da Psicologia à prática pedagógica, ou, mais exatamente, quais são as razões que decidem entre as diversas possibilidades de apropriação de um mesmo paradigma pelos educadores? No âmbito do presente estudo, esta questão suscita as seguintes indagações. O que leva alguns educadores a se desprenderem do pessimismo de Freud e extrair contribuições da Psicanálise à prática educativa? O que explica a variedade de interpretações em torno da Epistemologia Genética de Piaget aplicada à situação escolar? O que determina o fato de comportamentalistas não adotarem o ensino programado e as técnicas de condicionamento como sustentáculos das práticas de sala de aula? Essas indagações remetem ao campo em que são discutidos os fins da educação, pois é ali, e só ali, que se encontra o fator de decisão para a escolha do paradigma a ser adotado; mais ainda, é nesse plano que se define a modalidade, dentre as muitas possíveis, de aplicação de um paradigma. É diante das finalidades almejadas para o empreendimento educacional que se dá a decisão quanto ao melhor paradigma psicológico a empregar, e a escolha – ou criação, quando for o caso – da maneira específica pela qual as formulações paradigmáticas serão transformadas em métodos de trabalho pedagógico, recontextualizadas de modo a constituir o discurso e as práticas escolares. Vejamos cada caso. Ao adotar o pressuposto de que todo e qualquer organismo pode ser conduzido a agir mediante condicionamento, o Comportamentalismo torna- se facilmente assimilável por aqueles que vêem a educação como um arranjo de estímulos ambientais dispostos corretamente para reforçar respostas Imagem disponível em:http:// escolaafranio.files.wordpress.com/2009/ 07/educacaodfsdf.jpg30 Psicologia da Educação adequadas. Os educadores que enfatizam a importância dos meios instrucionais e do compromisso primordial com produtividade e eficiência assumem a teoria comportamentalista como valiosa contribuição para deixar de lado quaisquer considerações relativas a fenômenos subjetivos, como aqueles que são vistos pela Psicanálise, por exemplo. Essa rejeição da possibilidade de investigar o universo psicológico invisível e a ênfase no controle dos organismos humanos levaram Skinner a visualizar a constituição de uma "ciência do comportamento", ciência planificadora da ordem social em cujas mãos estaria a potencialidade para reorgarnizar toda a cultura. Nesse empenho, reconheceu que "a concepção científica que emerge de uma análise científica é desagradável à maioria daqueles que foram afetados pelas filosofias democráticas" (Skinner, 1967, p.251). E, de fato, historicamente o Comportamentalismo tem sido fartamente utilizado por concepções educacionais que fortalecem as instituições de ensino, tornando-as analisáveis enquanto estruturas organizacionais, ao passo que colocam o indivíduo como simples elo funcional numa cadeia de ações coordenadas com vistas à produtividade do sistema. No bojo de "filosofias da eficiência", em que a educação escolar torna-se "uma área suscetível de previsão, intervenção e aperfeiçoamento", em que são necessários "dados observáveis ou manifestos que possam indicar as direções a seguir e se as direções desejadas foram seguidas", é nesse ambiente que o paradigma comportamentalista tem florescido (Grande, 1979, p.85-6). Transportada para o interior da escola, a ordem social e política converte-se em rigorosos e rígidos ordenamentos dos conteúdos a serem ensinados; a transmissão do conhecimento é mantida sob estrito controle; os valores morais presentes nos saberes ensinados são transformados em comportamentos observáveis, mensuráveis, objetivamente apreensíveis, com o que fica garantido o resultado do processo de aprendizagem. A abordagem skinneriana é lembrada – e, muitas vezes, criticada – no conjunto de Teorias Organizacionais, Abordagens Sistêmicas, Concepções Tecnológicas, 31 FUESPI/NEAD - Pedagogia Pedagogias Tecnicistas, tendências associadas, naturalmente, a projetos políticos autoritários de governo (cf. Kuenzer & Machado, 1986). Nessa perspectiva, adotar ou recusar esse paradigma, seja como metodologia de trabalho em sala de aula, seja como instrumento para compreender e organizar o sistema de ensino, não é algo que se faça em respeito ao que as pesquisas científicas comportamentalistas apresentam como resultado, mas uma atitude que se toma em face dos compromissos que o educador assume diante da coletividade. O que está em julgamento não é a capacidade, revelada cientificamente, de as estratégias comportamentalistas conseguirem resultados no tocante ao controle dos organismos; é o próprio controle, na qualidade de meio e fim educacional, que está em jogo. Com base nas concepções psicanalíticas de que o indivíduo é uma presa dos desejos de seu inconsciente e que o inconsciente é um território inatingível, chega-se à conclusão de que educar é, de certo modo, impossível. Mesmo o psicoterapeuta, que dispõe dos instrumentos que a Psicanálise designa para investigar o inconsciente – por excelência, a "interpretação" –, mesmo este profissional jamais pode afirmar com segurança que conhece a totalidade das forças que ali habitam. A psicoterapia de orientação psicanalítica não se enquadra na categoria das técnicas clínicas de natureza diretiva, podendo ser mais bem caracterizada como um esforço contínuo em busca de revelar os conteúdos inconscientes e não como um meio para dirigir o cliente numa direção determinada. Sob esse entendimento, o educador pode recusar o paradigma psicanalítico, pois este não traz nenhuma indicação quanto aos meios e fins da educação escolar. Essa atitude não era estranha a um escritor dos anos trinta e quarenta, como Renato Jardim, que, em seu Psicanálise e Educação, apontou os males da transposição das teses freudianas para o ambiente escolar. Sua recusa era motivada pela seguinte concepção: "A educação é obra eminentemente social, obra realizada pela e para a coletividade. (...) Uma doutrina educativa implica uma doutrina sociológica" (Jardim, s.d., p.172). 32 Psicologia da Educação Jardim apontava Dewey, Durkheim e Spencer entre os autores com quem preferia dialogar e formulava implicitamente a seguinte indagação: como o empreendimento pedagógico – obra que possui clara delimitação social – pode apoiar-se numa teoria que afirma ser o educador incapaz de influenciar os destinos dos alunos que lhe são confiados? Apenas se a educação fosse definida não como local de transmissão de saberes e valores morais, mas como ambiente físico, afetivo e social encarregado de propiciar manifestações de espontaneidade do espírito infantil, local ordenado exclusivamente pelo princípio de total liberdade para os agentes envolvidos no processo de ensinar e aprender, em que a cada um fosse garantido formular autonomamente valores éticos e morais e estabelecer livremente padrões de pensamento. A Psicanálise só poderia ser assumida por uma escola que aceitasse o pressuposto de que condições exteriores de menor repressão capacitam o pleno desenvolvimento das forças psíquicas do educando e, consequentemente, a aprendizagem. Mas onde ficariam, nesse projeto, os fins sociais ordenados pela sociedade e para a sociedade? Aceitar o paradigma psicanalítico na educação significa desprender-se de preocupações dessa natureza e enxergar que os saberes da Psicanálise, embora não conduzam a escola, com segurança e objetividade, numa direção claramente definível, podem, como alternativa, interferir na visão que o educador tem de si mesmo, de seus alunos e do sentido que a educação possui como processo constituidor da personalidade humana. Este é o ponto de vista que leva Mauco e Kupfer, cada qual à sua maneira, a enxergar uma filosofia educacional inspirada pela Psicanálise – não uma metodologia, mas uma ética. Pedagogos adeptos de correntes não- diretivistas, como a "abordagem centrada na pessoa", de Carl Rogers (cf. Rogers, 1975), ou como a que se implantou em Summerhill, na Inglaterra dos anos vinte, poderão absorver os conhecimentos psicanalíticos, recontextualizados para a consecução dos fins políticos e sociais que certos educadores almejam para a educação. 33 FUESPI/NEAD - Pedagogia Uma das concepções presentes no paradigma piagetiano é que o desenvolvimento é um percurso absolutamente individual, embora composto por determinados estágios que vão sendo superados, uns pelos outros, segundo uma ordem necessária. A realidade, embora já existente para o adulto, não é um dado para a criança; o real vai sendo construído à medida que o sujeito interage com o mundo que o cerca, e o conhecimento, portanto, torna-se uma construção feita por intermédio da ação, melhor dizendo, da interação do sujeito com os objetos e com outros sujeitos. Pela via da cooperação, cada indivíduo ascende ao patamar de onde visualiza a materialidade do mundo físico e o caráter social das regras morais. Esses postulados piagetianos tornam-se muito próximo das correntes educacionais construtivistas e interacionistas, hoje tão bem aceitas quanto discutidas pelos educadores. Mas, conforme já vimos assinalado por César Coll, a transposição do paradigma piagetiano para a educação comporta duas grandes vertentes. Na primeira – a "interpretação construtivista radical" –, o processo pedagógico prima pela liberdade do aluno e pela ausência de imposições oriundas do professor. Isto será melhor traduzido por um sistema de ensino em que o educando seja norteado exclusivamente por seus interesses, que brotarão espontaneamente em correspondência com o desenvolvimento de suas estruturas cognitivas; o que e como estudar são questões a seremdefinidas unicamente pelo aluno, pressuposto que implica a posição secundária dos saberes formalizados, tal como se encontram nas matérias escolares, e o professor torna-se um facilitador da aprendizagem, perdendo a primazia na disposição do conhecimento e na ordenação disciplinar dos alunos em sala de aula. Nessa posição extremada, somente uma escola orientada por princípios não-diretivistas seria capaz de fornecer ao aluno a oportunidade de participar ativamente na reelaboração do mundo. O conhecimento, os saberes objetivos e os valores morais, já dominados pelo adulto, e pelo professor em particular, seriam deixados em suspenso, não constituindo uma meta 34 Psicologia da Educação previamente formulada, posto que o mundo é dado como permanentemente mutável. Tais elementos, entretanto, continuariam compondo o horizonte a ser alcançado pela escola, pois é inegável que se espera tornar a criança um ser inteligente e socializado; o que a pedagogia fundamentada nessa visão construtivista se recusaria a fazer seria traçar o caminho para atingir esses fins. Na segunda vertente analisada por Coll tem-se algo diferente, no tocante às finalidades sociais da educação. A consideração pelo professor, como responsável pelo arranjo dos conteúdos em respeito às particularidades do desenvolvimento dos alunos, revela a importância que é explicitamente dada aos saberes formalizados. Compreende-se, neste caso, que elevar o educando à posição de indivíduo inteligente e socializado não é algo que possa ser feito exclusivamente pela via da espontaneidade de cada um, e que, para tanto, a cultura, a história e as noções específicas de cada área do conhecimento precisam ser transmitidas de modo sistemático. Em última instância, trata-se de dois modos de conceber a relação do indivíduo com a sociedade: no primeiro, acredita-se que basta prover um ambiente cooperativo e livre para que as crianças desenvolvam certos requisitos da ordem social; no segundo, essa crença no desenvolvimento espontâneo da sociabilidade não está presente, tornando-se necessário promover condições objetivas para a consecução do indivíduo socializado. Imagem disponível em: http://www.acores.net/ images/noticias/2_107_32133_professor.jpg 35 FUESPI/NEAD - Pedagogia 1.5 Educação: a opção entre paradigmas Os alunos que se preparam para a carreira docente, bem como os profissionais que ingressaram recentemente no magistério, por certo ficam inclinados a adotar um dos paradigmas da Psicologia para nortear sua prática pedagógica. Defrontam-se com um conjunto de argumentos, críticos e elogiosos, cada qual situado no interior de um paradigma em confronto com os demais. É preciso entender, antes de mais nada, que o debate entre concepções científicas consiste na circularidade dos argumentos postos em ação, uma vez que cada contendor toma o objeto em estudo a partir dos referenciais que adota e que não compartilha com seus opositores. Semelhante ao que ocorre no terreno das disputas políticas, segundo Kuhn, trava-se um "diálogo de surdos": Os proponentes dos paradigmas competidores praticam seus ofícios em mundos diferentes. Um contém corpos que caem lentamente; o outro pêndulos que repetem seus movimentos sem cessar. Em um caso, as soluções são compostos; no outro, misturas. Um encontra-se inserido numa matriz de espaço plana; o outro, em uma matriz curva. Por exercerem sua profissão em mundos diferentes, os dois grupos de cientistas vêem coisas diferentes quando olham de um mesmo ponto para a mesma direção. (Kuhn, 1990, p.190). No debate, não será vencedor o paradigma que demonstrar a maior competência lógica de seus argumentos, nem aquele que exibir coerência suficiente para suportar uma análise interna de seus pressupostos. Tampouco serão as atividades da ciência normal que sagrarão um vitorioso, posto que os experimentos levados a cabo pelo grupo de partidiários do paradigma visam apenas ao "trabalho de limpeza" do mesmo, conforme já visto acima. A bem da verdade, o debate entre paradigmas, na circularidade de argumentos em que se dá, visa essencialmente à persuasão dos ouvintes. "Na escolha de um paradigma", diz Kuhn, "não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante" (idem, p.128). Os estudantes são o 36 Psicologia da Educação alvo privilegiado do debate entre os paradigmas científicos, sendo vitorioso aquele que conquistar mais adeptos, e não necessariamente aquele que contiver maior número de "verdades". Enquanto cientistas normais, os conquistados engrossarão suas fileiras, desenvolvendo pesquisas, escrevendo teses e publicando artigos em revistas especializadas; irão lutar por financiamentos das agências de fomento, criar veículos próprios para difundir suas concepções paradigmáticas e, finalmente, formar novos adeptos que, por sua vez, colocarão em prática a doutrina nos vários campos de atuação profissional. E o que dizer dos cooptados que não se destinam às atividades de pesquisa científica, como é o caso dos professores? Será preciso verificar em que medida eles necessitam adotar um, e só um, paradigma e manter-se fiel a ele, como fazem os cientistas normais. Os professores não são, a rigor, cientistas normais, especialmente aqueles que seguem a carreira do magistério nos graus que antecedem ao ensino superior. É certo que os docentes universitários o são, na maioria das vezes, na medida em que, além de suas atividades de sala de aula, estão continuamente envolvidos com projetos de pesquisa, sendo naturalmente levados, portanto, a optar por um dos paradigmas científicos. Mesmo eles, na relação pedagógica que estabelecem cotidianamente com seus educandos, não precisam portar-se de acordo com as prescrições paradigmáticas. Podem pesquisar dentro dos limites de um paradigma, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da ciência normal, e atuar na esfera do ensino sem as amarras impostas pelo mesmo. É sabido que nem todo pesquisador comportamentalista utiliza rigidamente estratégias de reforçamento para controlar a aprendizagem de seus alunos e que nem todo pesquisador da área da Psicanálise transforma sua sala de aula num campo para interpretações sobre o conteúdo do inconsciente dos que o cercam. Aprende-se o ofício de pesquisador, durante os anos de formação universitária, dentro de regras muito estritas que ditam a necessidade de seguir determinado paradigma, e proceder deste modo, enquanto cientista normal, 37 FUESPI/NEAD - Pedagogia nos laboratórios e gabinetes de pesquisa. Os trabalhos que o pesquisador realiza, os artigos e livros que escreve, as comunicações científicas que apresenta em congressos, enfim, toda sua produção é julgada dentro do arcabouço metodológico e lógico do paradigma ao qual se filia. Seus pares são rigorosos, no tocante a isto, de modo que se tornam inadmissíveis deslizes como falta de orientação teórico-metodológica e ausência de pressupostos claros e objetivos. Muitos trabalhos acadêmicos ainda são obrigatoriamente introduzidos por dezenas de páginas destinadas a mostrar suas filiações, com citações e mais citações dos autores em que se fundamentam. O ofício de ensinar, no entanto, é aprendido em contexto totalmente diverso. Embora as ciências da educação estejam presentes na formação pedagógica, não há qualquer exigência de que o professor venha a tomar atitudes condizentes com este ou aquele paradigma científico dentro da sala de aula. A não ser excepcionalmente, não há qualquer semelhança entre os laços que unem o pesquisador aos seus pares, de um lado, e os vínculos que ligam o professor aos seus, de outro. Incoerências metodológicas, ecletismo e falta de solidez teórica são "defeitos" somente detectados quando o professor encontra-se submetido à análise crítica de seus gerenciadores científicos – dentre os quais incluem-se os cientistas incumbidos de avaliar o ensino com o intuito de contribuir para seumelhor funcionamento. Em que pese a má qualidade de certos cursos de formação de professores, muitas vezes de fato incompetentes para fornecer qualquer orientação científica aos estudantes, penso que a questão central esteja localizada na natureza intrínseca do trabalho pedagógico, que depende grandemente, queiramos ou não, das características pessoais de quem o executa. Muito já se disse que ensinar é uma arte e muito já se tentou, também, enquadrar essa arte nos domínios da tecnologia para evitar que as flutuações subjetivas de quem ensina acabem por tornar-se o único parâmetro da escola – empenho, aliás, que está presente no movimento educacional renovador desde os anos vinte, pelo menos (cf. Cunha, 1995). Mas o que se observa no 38 Psicologia da Educação dia a dia das salas de aula é que os professores possuem uma capacidade insuperável para transformar os pressupostos de qualquer ciência da educação e adequá-los às suas características e possibilidades pessoais. Nada é acrescentado em contrário ao esforço empreendido para fornecer recursos científicos aos professores, por meio de cursos de formação de quadros para o magistério e projetos acadêmicos destinados a dar formação continuada a estes profissionais; é de fato importante tornar a atividade pedagógica cada vez mais sustentada na ciência, cada vez mais apoiada em paradigmas, psicológicos ou outros. Evidentemente, é preferível ter na escola um professor que fundamente sua prática em teorias discutidas e validadas do que alguém que se diga conduzido exclusivamente pelo senso comum, pela intuição ou pela tradição cega. O que interessa discutir aqui é o modo como os paradigmas são apresentados aos professores. Excetuando- se o caso em que a formação desse profissional tenha em vista finalidades científicas – quando tratar-se de integrá-lo a projetos de pesquisa ou experimentações pedagógicas – penso que os conhecimentos compreendidos pelos vários paradigmas devam ser ministrados juntamente com a explicitação de que se trata de promover um debate – no sentido apontado por Kuhn – cuja definição acontecerá no íntimo de cada educador. Mais ainda, que cada profissional irá encontrar os critérios para julgar e escolher seu paradigma predileto no interior das finalidades educacionais a que se filie, na discussão que possa desenvolver junto aos que o cercam quanto aos destinos que esperam para as default fonts gerações de crianças e jovens que educam. Consequentemente, defende-se que se deva atuar, na formação dos profissionais do ensino, muito mais sobre o âmbito pessoal em que se dão as concepções relativas às finalidades educacionais. Sem colocar em plano secundário as informações científicas, deve-se trabalhar no terreno em que se constitui a consciência do futuro professor como cidadão, pois é, nessa arena, que ele encontrará recursos para escolher dentre as várias alternativas científicas que lhe forem apresentadas. Trata-se de colocar o profissional da 39 FUESPI/NEAD - Pedagogia educação em condições de compreender que não é a ciência que lhe dará o norte de sua atuação, pois as decisões pertinentes ao campo da educação são da alçada exclusiva dos educadores. 1.6 Contextos e finalidades educacionais Com base na análise sucinta feita acima a respeito dos paradigmas aqui em foco, é possível traçar um quadro, também sucinto, das finalidades educacionais. De um lado, uma educação que coloca as exigências da sociedade como superiores às flutuações do espírito do educando; de outro, uma educação que privilegia a liberdade individual acima das imposições sociais. Postas desse modo, em extremos, atualmente é possível descartar, sem receio, a primeira vertente, pois ela representa um pensamento educacional que só sobrevive nas esperanças daqueles que sonham com o retorno a um tempo perdido, um tempo em que não se admitia o fator humano como parte integrante e indispensável da instituição de ensino. Quanto ao outro extremo, que se inclina a exacerbar a liberdade do educando em detrimento do saber formalizado nas matérias escolares, é preciso notar, antes de mais nada, que é uma alternativa em que o educador exime-se de impor a seu aluno um caminho, deixando à mercê da criança a escolha do destino a seguir. Se de fato não há imposição explícita, é preciso admitir que esse mesmo educador é sempre animado pela esperança de que seu educando vá trilhar um "bom" caminho, isto é, que vá conseguir socializar-se adequadamente, tornar-se uma pessoa capaz de respeitar o próximo, de acordo com as normas mais civilizadas de convivência, e que, além disso, irá alcançar determinados padrões de conhecimento que lhe possibilitem dispor de saberes úteis para sua vida – não necessariamente aqueles saberes eruditos que a sociedade acumulou ao longo das épocas passadas. Todas as experiências registradas pela bibliografia especializada que enaltece tais preceitos metodológicos para a educação apresentam apenas 40 Psicologia da Educação resultados dignos de aplauso. São crianças e jovens que chegam espontaneamente, sem ajuda diretiva do professor, aos melhores princípios democráticos; compreendem e praticam uma ética que rejeita atitudes racistas e preconceituosas; tornam-se solidários e cooperativos; tudo isto, e muito mais, conseguido por meio da concessão para que os educandos vivenciem experiências coletivas em que a liberdade seja o parâmetro fundamental. Curiosamente, não são narradas ocorrências em que esta pedagogia tenha produzido, por exemplo, estudantes armados em defesa do nazi-fascismo ou em perseguição a grupos raciais minoritários (Cf. Snyders, 1974). Pode-se considerar que a base de sustentação dessa pedagogia seja a esperança de que um ambiente de liberdade conduza necessariamente a fins positivos e sadios, o que não passa de uma esperança a ser confirmada empiricamente. Acredita-se que seja mais razoável pensar que os bons resultados da pedagogia não-diretivista devam ser atribuídos ao fato de que ela não está disposta, verdadeiramente, a não dirigir os alunos. Por trás das aparências, existe um professor que possui metas, por vezes mal delineadas, que servirão de ponto de chegada para o "livre" aprendizado dos educandos. Todo o aparato educativo centrado na pessoa torna-se, quando esta pessoa é um aluno, uma arte de conduzir sem declarar que está conduzindo. Se não for este o caso, somos levados a conclusões que dispensam maiores comentários: a educação, abdicar de fins sociais e políticos, admite que formar cidadãos democráticos tenha o mesmo valor que formar indivíduos racistas, pois o que importa é que eles encontrem livremente o caminho a seguir. Resta, ainda, uma outra possibilidade salvadora em que esta pedagogia poderá apoiar-se. Trata-se da crença na afirmação de que cada pessoa possui uma diretriz previamente determinada a encaminhá-la para o "bem". Como toda crença, esta passa ao largo de qualquer modalidade de análise racional. É importante notar, também, que toda educação formal precisa colocar o educando em contato com a esfera "não-cotidiana", isto é, com habilidades 41 FUESPI/NEAD - Pedagogia e conhecimentos que não podem ser adquiridos natural e espontaneamente pelo aprendiz. Dispensar a ação educativa fundamentada nessa esfera é um recurso com o qual apenas a educação informal, levada a cabo pela família, poderia contar, o que foi efetivo, historicamente falando, numa época em que os saberes necessários à vida adulta emanavam diretamente das relações sociais da criança com os mais velhos. Atualmente, dada a complexidade do cenário social, profissional e ideológico, a pedagogia estaria fora de seu tempo ao insistir na possibilidade de educar crianças e jovens partindo apenas da espontaneidade de seus espíritos, pois a esfera "não-cotidiana" não emerge naturalmente da vivência "cotidiana". Além disso, adotar a perspectiva extremada do não-diretivismo em educação significao educador abdicar de sua responsabilidade perante o mundo, de cuja construção, bem ou mal, participa. Eximir-se de transmitir os conhecimentos que se encontram consolidados nas matérias escolares é uma atitude somente aceitável por aqueles que não vêem sentido em tudo o que a humanidade já construiu. Vale lembrar, a propósito, a análise feita por Hanna Arendt a respeito da crise na educação norte-americana de algumas décadas atrás. Para a autora, o fracasso da educação contemporânea deve ser compreendido em vista de alguns pressupostos, todos eles equivocados, sobre a relação entre adultos e crianças e sobre o conceito de autoridade. Em primeiro lugar, uma concepção acerca da separação entre a infância e o mundo adulto, segundo a qual os mais jovens devem ser libertados dos adultos em benefício das leis que regem o universo infantil. Uma vez emancipada da autoridade dos mais velhos, diz Hanna Arendt, as crianças são entregues à tirania de seu próprio grupo, contra o qual, por sua superioridade numérica, elas não podem se rebelar, contra o qual, por serem crianças, não podem argumentar, e do qual não podem escapar para nenhum outro mundo por lhes ter sido barrado o mundo dos adultos. A reação das crianças a essa pressão tende a ser ou o conformismo ou a delinquência juvenil, e frequentemente é uma mistura de ambos. (Arendt, 1972, p.231) 42 Psicologia da Educação O segundo pressuposto, estruturado "sob a influência da Psicologia moderna e dos princípios do Pragmatismo" (idem, p.231), coloca o professor apartado da necessidade de dominar a matéria que lhe cabe ensinar. Com isto, o trabalho de quem ensina não repousa mais na posse de conhecimentos que o aprendiz não detém, o que deixa este último abandonado a seus próprios recursos na tarefa de compreender o mundo. Esse negligenciamento da coisa a ensinar em proveito dos métodos de ensino assenta-se numa certa teoria da aprendizagem, o terceiro pressuposto criticado por Hanna Arendt. Acredita- se que só é possível compreender alguma coisa por meio da ação pessoal e única, ideia que, levada ao extremo, resultou no descrédito total dos conhecimentos elaborados historicamente pela humanidade. A educação, ao tornar-se promotora do desenvolvimento de habilidades, deixou de ser fundamentada em conteúdos curriculares para fazer predominar o lazer e o brinquedo, atividades características da infância. Seja qual for a conexão entre fazer e aprender e qualquer que seja a validez da fórmula pragmática, sua aplicação à educação, ou seja, ao modo de aprendizagem da criança, tende a tornar absoluto o mundo da infância exatamente da maneira como observamos no caso do primeiro pressuposto básico. Também aqui, sob o pretexto de respeitar a independência da criança, ela é excluída do mundo dos adultos e mantida artificialmente no seu próprio mundo, na medida em que este pode ser chamado de um mundo. Essa retenção da criança é artificial porque extingue o relacionamento natural entre adultos e crianças, o qual, entre outras coisas, consiste do ensino e da aprendizagem, e porque oculta ao mesmo tempo o fato de que a criança é um ser humano em desenvolvimento, de que a infância é uma etapa temporária, uma preparação para a condição adulta. (idem, p.233) Ao mencionar o pensamento de Hanna Arendt, coloca-se ênfase no intrincado problema da autoridade, tópico tão intensamente rejeitado por todas as modernas correntes da pedagogia, especialmente por aquelas que se situam no polo extremo em que as finalidades educacionais privilegiam o 43 FUESPI/NEAD - Pedagogia desenvolvimento do indivíduo acima das imposições sociais. Hanna Arendt é taxativa, neste ponto. Segundo ela, é preciso que o educador assuma sua parcela de responsabilidade pelo mundo que aí está, "embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é". No campo educacional, prossegue Arendt, "essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade" (idem, p.239). A qualificação para ensinar – que depende do domínio dos conteúdos das matérias escolares – engendra autoridade, sim, e esta encontra-se assentada fundamentalmente no ato em que o educador assume-se como representante do mundo adulto e por ele responsável, membro vivo do mundo a que a criança é apresentada na condição de novo integrante. Ao admitir que os conhecimentos acumulados pela sociedade não podem ser desprezados e que a autoridade do professor é indispensável, inclina-se a educação em favor da imposição da ordem social sobre o valor individual, colocando as finalidades educacionais em oposição ao princípio de respeito à pessoa? Não, se houver compreensão de que educar implica sempre um caráter conservador e, ao mesmo tempo, transformador. A convivência entre conservação e transformação – de difícil entendimento fora de uma perspectiva dialética – significa que a educação precisa conservar para poder transformar. Não é possível superar este mundo, construído pelos adultos e corroído a cada dia, sem que os alicerces desta construção que desaba sejam assimilados e, em parte, aproveitados na edificação do novo. Não basta, portanto, que os professores digam a seus alunos: "Eis o mundo! Ele é de vocês, entendam-no da forma como seus desejos ordenarem, pois eu não me responsabilizo pelo que aí está”.Quem procede assim não pode, mais tarde, exigir das novas gerações atitudes conscientes, críticas e transformadoras. Na esfera política, em que adultos agem diante de iguais, o conservadorismo representa estagnação, aceitação do status quo; por inércia, então, o mundo diariamente corroído acabará por desabar. No âmbito da educação, diferentemente, em que adultos convivem com crianças, seres 44 Psicologia da Educação recém-chegados a um universo desconhecido, conservar traduz-se em oferecer um terreno sólido sobre o qual uma nova construção poderá ter início. Qual é o paradigma científico que contempla alguma contribuição para a consecução destas finalidades? Nenhum deles, inteiramente, e todos eles, de certo modo. Se Comportamentalismo deixar de ser visto apenas com os olhos críticos que o consideram propriedade dos sistemas autoritários, se a Psicanálise deixar de representar um recurso facilitador da irracionalidade e do não-diretivismo, se as teses piagetianas não forem adotadas como promotoras do espontaneismo pedagógico, enfim, se o educador tiver a ousadia de estudar cada contribuição científica e delas apropriar-se segundo as metas sociais que possui e os compromissos que almeja estabelecer com os educandos e com o mundo que os cerca, poderá encontrar nos paradigmas psicológicos – e também nas contribuições de outras áreas científicas – algo que seja útil a um projeto pedagógico renovador. 1.7 Os paradigmas da Psicologia: uma perspectiva construtivista Um interessante exemplo desse tipo de procedimento encontra-se no estudo de César Coll e Isabel Solé, em que os autores definem sua concepção de "construtivismo", não uma teoria, mas um "referencial explicativo" fundamentado na "consideração social e socializadora da educação escolar". Esta definição torna-se relevante por assumir que o construtivismo pode integrar "contribuições diversas", desde que estejam alinhadas com os "princípios construtivistas", isto é, que haja coerência quanto às finalidades propostas para a educação escolar (Coll & Solé, 1996, p.10). No caso, têm utilidade todas as "teorias que não Imagem disponível em:http:// 4.bp.blogspot.com/_rE6CQkxW0A8/ SK3A8rBCxeI/AAAAAAAAAHk/ Rqh0q6T5Prc/s400/construtivismo.JPG 45 FUESPI/NEAD - Pedagogia oponham aprendizagem, cultura, ensino e desenvolvimento; que não ignorem suas vinculações, mas que as integrem em uma explicação articulada" (idem, p.14). Assim, é o projeto pedagógico que comanda o arranjo das contribuições que chegam ao campo pedagógico, definido este pelo acordo entre os educadores sobre o significadode seus componentes – a escola, o indivíduo escolarizado, a posição do professor, dos conteúdos escolares e da própria instituição formal de ensino diante da sociedade e da organização da cultura. Uma análise dos demais estudos que compõem o livro O Construtivismo na Sala de Aula, em que o escrito de Solé e Coll encontra-se publicado, revela a concretização dessa proposta. Nos trabalhos de Mariana Miras (1996) e de Teresa Mauri (1996) há referências às "estruturas de conhecimento" e aos processos de "assimilação, acomodação e equilibração", componentes do paradigma piagetiano, ao passo que no artigo de Javier Onrubia (1996) vê-se a aplicação de conceitos vygotskyanos, como "zonas de desenvolvimento proximal". No texto de Isabel Solé (1996), que analisa o que conduz o indivíduo ao conhecimento e menciona processos afetivos e motivacionais, encontram-se referenciais que não causariam estranheza a adeptos da Psicanálise e de outros paradigmas envolvidos na busca dos determinantes mais profundos da personalidade. No livro Psicologia e Currículo, César Coll oferece outra demonstração desse mesmo procedimento: Ainda não dispomos de uma teoria compreensiva da instrução com base empírica e teórica suficiente para ser utilizada como fonte única de informação. (...) Ante esse estado de coisas, a alternativa consiste em fugir tanto do ecletismo fácil, no qual podem ser justificadas práticas pedagógicas contraditórias, quanto do excessivo purismo que, ao centrar-se numa única teoria psicológica, ignore contribuições substantivas e pertinentes da pesquisa psicoeducativa contemporânea. (Coll, 1997, p.49-50) A única exigência estabelecida por esse tipo de abordagem é que os princípios integradores dessa pedagogia, embora possam apresentar-se 46 Psicologia da Educação discrepantes no campo de sua produção original, vale dizer, no campo em que foram produzidos enquanto paradigmas, sirvam para consagrar outros princípios, desta feita aqueles definidos pela visão elaborada pelos educadores quanto às finalidades educacionais. Coll assinala que qualquer proposta curricular "comporta sempre um projeto social e cultural, uma visão do tipo de sociedade e de pessoa que se pretende promover com a escola". Definindo a educação escolar como "uma atividade de natureza social com uma função basicamente socializadora", o autor deixa clara a perspectiva que comanda seu olhar sobre os paradigmas científicos: A qualidade de uma proposta curricular depende, em última instância, da qualidade do projeto social e cultural que reflete e que contribui para tornar realidade através deste poderoso instrumento de socialização que é a educação escolar. (idem, p.30). Nessa perspectiva, Coll rompe os limites tradicionalmente estabelecidos entre os paradigmas psicológicos e suas aplicações à educação escolar para assimilar contribuições as mais variadas, todas elas dirigidas para a composição de uma proposta de currículo – elemento decisivo da prática pedagógica. Seu procedimento consiste em depurar visões tradicionalmente estabelecidas quanto aos vínculos entre a educação escolar e a Psicologia; desfaz associações que já eram dadas como formalizadas, em benefício de compreender o desenvolvimento mais recente da área e colocar estes novos saberes a serviço das finalidades educacionais expressas em seu projeto pedagógico. Imagem disponível em:http://3.bp.blogspot.com/ _MUa6zKxFE4I/S8nhGvktMmI/AAAAAAAACb0/- Mb6aULax3k/s320/claudiomoura1.jpg 47 FUESPI/NEAD - Pedagogia Como julgar o construtivismo proposto por César Coll e os demais autores mencionados? Os cientistas adeptos dos diversos paradigmas por eles agrupados para constituir sua pedagogia poderão exasperar-se ao ver as teorias que adotam colocadas lado a lado, redispostas, redefinidas, recontextualizadas, posto que é comum encontrá-las em conflito umas com as outras, no eterno "diálogo de surdos" a que se refere Thomas Kuhn. Os professores, entretanto, deverão verificar em que medida tal alinhamento de princípios científicos consegue ser efetivo para atingir as metas estritamente pedagógicas que propõem. Visto que estas metas situam a educação escolar como prática social e socializadora, a indagação relevante transfere-se do debate entre paradigmas para a arena filosófica e política, em que a educação escolar é vista na qualidade de uma prática – ou, quem sabe, uma ciência da prática – formadora de indivíduos/cidadãos para atuar diante dos desafios postos pela sociedade. GLOSSÁRIO CONSTRUTIVISMO – concepção teórica que considera a ação do indivíduo como fundamental para a aprendizagem. NÃO-DIRETIVISMO – ação na qual o professor-facilitador promove situações espontâneas de aprendizagem. PARADIGMA – modelo, padrão. SAIBA MAIS! • No construtivismo, o foco é no aluno e em suas operações mentais. O papel do professor é observar o aluno, investigar quais são os seus conhecimentos prévios, seus interesses e, a partir dessa bagagem, procurar apresentar diversos elementos para que o aluno construa seu conhecimento. O professor cria situações para que o aluno chegue ao conhecimento. 48 Psicologia da Educação LEITURA COMPLEMENTAR http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/indexpo.htm http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 71822007000200017 ATIVIDADE COMPLEMENTAR Fórum de discussão: De que forma a Psicologia pode contribuir com o trabalho pedagógico? Assista ao filme “Patch Adams – o amor é contagioso” e estabeleça relações com a temática discutida nesta unidade. PARA APRENDER MAIS DAVIDOFF, Linda L. Introdução à Psicologia. Trad. Lenke Peres. 3.ed. São Paulo: Pearson Makron, 2006. FIGUEIREDO, Luis Cláudio M.; SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. Psicologia: uma (nova) introdução: uma visão histórica da Psicologia como ciência. São Paulo: PUC, 2007. 7exs. RESUMO Nesta unidade foi apresentado o surgimento da Psicologia como ciência bem como sua natureza e objeto de estudo. Além disso, foi enfatizado a relação da Psicologia com o processo educacional. ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM 1. Após a leitura da unidade, elabore um conceito para Psicologia. 2. A Psicologia está presente na vida das pessoas em várias situações. Neste contexto, reflita sobre situações vivenciadas por você e identifique nelas a presença da Psicologia. 3. Dentre os paradigmas psicológicos, descreva as características mais relevantes em cada um deles. 49 FUESPI/NEAD - Pedagogia PARA FINALIZAR Na unidade que estamos concluindo, destacamos pontos relevantes e fundamentais para a compreensão da Psicologia enquanto ciência enfatizando características pertinentes à sua natureza. Explicitamos, ainda, o objeto de estudo da ciência psicológica e abordamos aspectos importantes relacionados à aplicabilidade no contexto educacional. Agora é sua vez! Releia o texto e elabore um fichamento. Capriche! OBJETIVOS • Identificar as concepções de leitura refletindo sobre sua relevância para a realização plena do ato de ler. • Correlacionar as concepções de leitura com os vários momentos em que nos deparamos com a necessidade de ler. UNIDADE 2 AS TEORIAS PSICOLÓGICAS E O DESENVOLVIMENTO HUMANO 53 FUESPI/NEAD - Pedagogia 2 As teorias psicológicas e o desenvolvimento humano Até o século XIX, a Psicologia era considerada um ramo da Filosofia, já que seus temas eram tratados pelos filósofos. Foi somente a partir deste século, com os estudos de Wundt, Weber e Fechner, Tichener, Wiliam James e Torndike, através das escolas psicológicas, que os conhecimentos relativos a esse campo passaram a ser ligados à medicina, sendo produzidos em laboratório, com o uso de instrumentos de observação e medição, métodos de investigação das ciências naturais considerados critérios rigorosos para a construção do conhecimento e fundamentais para dar status de ciência a esta área. A cientificidade da Psicologiaé garantida, pois, no final do século XIX a partir do surgimento das primeiras abordagens ou escolas Psicológicas: o funcionalismo, o estruturalismo e o associacionismo. Essas três escolas psicológicas foram substituídas no século XX por novas teorias que as ampliaram, ressignificaram-nas ou a elas se contrapuseram. Veremos a seguir as principais teorias da Psicologia do século XX, abordando seus conceitos básicos e as suas implicações na educação. É importante entender, inicialmente, algumas correntes de conhecimento que contribuem para a fundamentação da Psicologia. São elas: Empirismo e racionalismo. Na sequência, trataremos de outras correntes que também fazem parte do campo da ciência psicológica. 2.1 Empirismo Doutrina definida explicitamente, pela primeira vez, pelo filósofo inglês John Locke, no século XVII e que é a escola de Epistemologia (na filosofia ou Psicologia) . Locke argumentou que a mente seria, Imagem disponível em:http:// charlottehutson.files.wordpress.com/ 2009/08/locke.jpg 54 Psicologia da Educação originalmente, um "quadro em branco" (tábula rasa), sobre o qual é gravado o conhecimento. A base é a sensação. Ou seja, todas as pessoas, ao nascer, o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impressão nenhuma, sem conhecimento algum. Todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro. O Empirismo defende que as nossas teorias devem ser baseadas nas nossas observações do mundo, em vez da intuição ou fé. Defende a investigação empírica e o raciocínio dedutivo. O Empirismo diz que a origem das Ideias é o processo de abstração que se inicia com a percepção que temos das coisas através dos nossos sentidos. Daí diferencia-se o Empirismo: não preocupado com a coisa em si, nem tão pouco com a ideia que fazemos da coisa atribuída pela Razão, como ensina o Racionalismo; mas puramente como percebemos esta coisa, ou melhor dizendo, como esta coisa chega até nós através dos sentidos. Esta corrente nega uma identidade permanente, pois o conteúdo da nossa consciência varia de um momento para outro de tal forma que ao longo do tempo essa consciência teria, em momentos diferentes, um conteúdo diferente. A explicação está no fato de que a consciência, como sendo um conjunto de representações, dependeria das impressões que temos das coisas, mas sendo impressões estariam sujeitas a variações. O Empirismo, apesar de não possuir pensamento contraditório, entende a razão de forma diferente: ela é dependente da experiência sensível, logo não vê dualidade entre espírito e extensão (como no Racionalismo), de tal forma que ambos são extremidades de um mesmo objeto. Como experiência é o ponto de partida do conhecimento, não há necessidade de fazer hipóteses. Caracteriza-se, assim, o método indutivo que parte do particular (experiências) para a elaboração de princípios gerais. Historicamente, o Empirismo se opõe à escola conhecida como racionalismo, segundo a qual o homem nasceria com certas ideias inatas. Tais ideias iriam "aflorando" à consciência e constituiriam as verdades acerca 55 FUESPI/NEAD - Pedagogia do Universo. A partir dessas ideias, o homem poderia entender os fenômenos particulares apresentados pelos sentidos. O conhecimento da verdade, portanto, não dependeria dos sentidos físicos. O grande mérito do empirismo consiste em ter salientado a importância da experiência no conhecimento humano. Seus limites, entretanto, apontam que, na medida em que todos os conteúdos do conhecimento procedem da experiência, o conhecimento fica encerrado nos limites do mundo empírico (o que traz algumas consequências menos positivas). Rejeitando a razão como fonte do conhecimento, o empirismo não pode aspirar ao conhecimento universal e necessário e, por isso, não oferece qualquer espécie de segurança ou certeza, pois o conhecimento está sujeito à mobilidade das impressões sensoriais desencadeadas pelos objetos. Além disso, o conhecimento empírico, baseando-se em raciocínios indutivos, não nos dá rigor nem certezas, antes pelo contrário, este tipo de raciocínio possibilita o erro. Pela indução apenas podemos acreditar, pela experiência do passado, que determinados fenômenos que se foram repetindo, continuarão a repetir-se no futuro. 2.2 Racionalismo Racionalismo é a corrente central no pensamento liberal que se ocupa em procurar, estabelecer e propor caminhos para alcançar determinados fins. Tais fins são postulados em nome do interesse coletivo base do próprio liberalismo e que se torna assim, a base também do racionalismo. O racionalismo, por sua vez, fica à base do planejamento da organização econômica e espacial da reprodução social. Imagem disponível em:http:// www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/ c_deak/CD/4verb/racio/1vitruviu1.jpg 56 Psicologia da Educação O postulado do interesse coletivo elimina os conflitos de interesses (de classe, entre uma classe e seus membros e até de simples grupos de interesse) existentes em uma sociedade, seja em nome do princípio de funcionamento do mercado, seja como princípio orientador da ação do Estado. Abre espaço para soluções racionais a ‘problemas’ econômicos (de alocação de recursos) ou urbanos (de infraestrutura, da habitação, ou do meio ambiente) com base em soluções técnicas e eficazes. Uma ideologia difere do mundo concreto não naquilo que afirma, senão no que cala – não nega, apenas escamoteia a existência conflitos na sociedade. Um ‘apelo à razão’ é um convite a esquecer a existência de conflitos sociais. Os racionalistas consideram que só é verdadeiro conhecimento aquele que for logicamente necessário e universalmente válido, isto é, o conhecimento matemático é o próprio modelo do conhecimento. Assim sendo, o racionalismo tem que admitir que há determinados tipos de conhecimento, em especial as noções matemáticas, que têm origem na razão. Não quer isso dizer que neguem a existência do conhecimento empírico - admitem-no. Consideram-no, porém, como simples opinião, desprovido de qualquer valor científico. O conhecimento, assim entendido, supõe a existência de ideias ou essências anteriores e independentes de toda a experiência. 2.3 Behaviorismo O behaviorismo surgiu nos Estados Unidos, com os estudos de John Watson que buscava definir o fato psicológico de modo concreto, a partir da noção de comportamento (behavior), daí a denominação de teoria comportamentalista. Ao postular o comportamento como objeto da Psicologia em substituição à consciência, Watson dava a esta área a consistência necessária para que ela alcançasse status de ciência, uma vez que o comportamento se 57 FUESPI/NEAD - Pedagogia tratava de um objeto que poderia ser observado, mensurado e passível de experimentos laboratoriais. Partindo das ideias de Pavlov de que os estímulos podiam ser condicionados pela ação do meio, Watson defendeu a tese de que animais e homens adquiriam novos comportamentos através do condicionamento e continuavam a se comportar enquanto os estímulos apropriados estivessem agindo. Assim, defendeu a objetividade científica e o estudo dos comportamentos observáveis que pudessem ser descritos por meio do mecanismo estímulo-resposta. Com este propósito, passou a estudar o homem naquilo que lhe é observável: o comportamento. A Psicologia Behaviorista surgiu com os estudos de Watson mas sua expansão se deu com Skinner, seu maior representante, que, apesar de se fundamentar em Watson no que se referia ao estudo científico do homem, criticou o reducionismo da relação estímulo-resposta, alegando não ser suficiente para explicar a complexidade desse objeto. Considerou o comportamento não como uma ação isolada, mas como resultado da interação entre organismo e meio ambiente, a qual engloba três aspectos: a ocasião na qual ocorreu a resposta, a própria resposta e as consequências reforçadoras. São as relações oupossibilidades estabelecidas nessa tríade que constituem, segundo Skinner, as contingências de reforço. Assim, Skinner se contrapõe à visão de homem como um ser passivo, um mero reagente a estímulos, defendida por Watson, definindo-o como um ser que interage com o mundo, que muda e é constantemente mudado pelo ambiente. Além disso, se contrapõe, também, ao behaviorismo de Watson Skinner. Imagem disponível em: http:// www.uni-konstanz.de/ag-moral/images/ skinner3.jpg 58 Psicologia da Educação porque não se limitou a estudar os fatos observáveis, mas apresentou explicações científicas sobre sentimentos e fenômenos mentais ancoradas nos princípios do reforço. Por essas diferenças, o Behaviorismo de Skinner passou a ser conhecido como “behaviorismo radical”. O Behaviorismo radical defendido por este teórico considera os acontecimentos privados como produtos da história genética e ambiental da pessoa. Todo comportamento (inclusive os considerados “processos de pensamento”) é produto das contingências de reforço e pode ser observado e controlado por meio da manipulação. O homem é, pois, um objeto que pode ser estudado e manipulado através da análise experimental do comportamento. Segundo Skinner, existem três tipos de comportamento: o comportamento reflexo, o comportamento condicionado e o comportamento operante. O primeiro é uma ação não-voluntária, não intencional, não aprendida porque inclui respostas que são produzidas por estímulos do ambiente e que o organismo responde automaticamente a eles. Ex: a contração da pupila na incidência de luz sobre o olho, a salivação quando vemos comida, entre outros. O comportamento condicionado ou ação reflexa condicionada (descrita por Pavlov e Watson) se refere a uma mera reação involuntária do indíviduo condicionada pelo estímulo ambiental resultante da substituição de um estímulo neutro por outro capaz de produzir respostas semelhantes ao estímulo original. É uma resposta a um estímulo puramente externo passível de condicionamento. Como exemplo temos a salivação de um cão ao ouvir o simples toque da campainha, em função de ter sido, em vários momentos, apresentado a ele um pedaço de carne associado ao toque de tal campainha. Nesse caso, o estímulo original (carne) foi substituído pelo estímulo neutro (campainha), gerando um comportamento condicionado. O comportamento operante é uma ação voluntária, resultante das consequências reforçadoras da ação do sujeito sobre o meio. É um hábito adquirido pela ação do indivíduo, ação esta que sugere uma modificação no ambiente para produzir consequências que agem (novamente) sobre os 59 FUESPI/NEAD - Pedagogia indivíduos, alterando a probabilidade de ocorrência ou a extinção futura do comportamento inicial. Esse tipo de comportamento, segundo Skinner, é complexo e predominante no homem. Ao explicar o comportamento operante como resultante da aprendizagem, Skinner (1972) terminou elaborando uma definição para esse processo, a qual trouxe implicações para a educação escolar. Segundo ele, a aprendizagem é mudança de comportamento produzida pelas contingências de reforço. Estas contingências, por sua vez, implicam no controle de estímulos para modelar determinados comportamentos. No âmbito escolar, as contingências de reforço constituem as relações entre a ocasião em que o comportamento do aprendente ocorre, o próprio comportamento deste e as consequências reforçadoras desse comportamento. Nessa ótica, a aprendizagem não depende exclusivamente do aprendente, da sua ação sobre o meio ou da sua estrutura mental, mas das contingências de reforço. Segundo o teórico, em condições adequadas, qualquer indivíduo é capaz de aprender. O aprender está relacionado às contingências de ensino. 2.4 Gestalt O termo “gestalt’ é um termo alemão de difícil tradução. O mais próximo em português seria forma ou configuração, mas não é utilizado, pois não corresponde ao seu real significado em Psicologia. A Gestalt teve seu surgimento na Europa e buscava compreender o homem em sua totalidade, como forma de negar a Imagem disponível em:http:// markket.files.wordpress.com/2009/12/ gestalt-3.jpg 60 Psicologia da Educação fragmentação das ações e processos humanos realizados pela Psicologia do século XIX, a Psicologia Behaviorista. Os estudos psicofísicos de Wertheimer, Köller e Koffka relacionavam a forma à sua percepção e foram a base dessa teoria psicológica. Eles iniciaram seus estudos pela percepção e sensação dos movimentos, buscando compreender os processos psicológicos envolvidos na ilusão de ótica, quando o estímulo físico é percebido pelo sujeito como uma forma diferente do que tem na realidade. A gestalt veio se contrapor ao princípio behaviorista de causa e efeito porque, segundo ela, entre os estímulos que o meio ambiente fornece e as respostas do sujeito encontra-se o processo de percepção. O que o individuo percebe e como percebe são dados importantes para a compreensão do comportamento humano. Assim, a partir da percepção, a gestalt encontrou a explicação para o comportamento humano, tornando-se o tema central dessa teoria. Segundo os gestaltistas, a maneira como percebemos determinado estimulo irá desencadear nosso comportamento. A ilusão de ótica surge quando não alcançamos a boa forma do objeto percebido em função da falta de equilíbrio, simetria, estabilidade e simplicidade nos elementos desse objeto, ocasionando um comportamento equivocado. Podemos dizer que o comportamento é determinado pela percepção do estímulo e, portanto, está submetido à lei da boa forma. A compreensão de determinado objeto exige, portanto, que ele seja apresentado em aspectos básicos que permitam a sua decodificação, ou seja, a percepção da boa forma. O conjunto de estímulos determinantes do comportamento é chamado, para a Gestalt, de meio ambiente. Existem dois tipos de meio ambiente: o geográfico e o Imagem disponível em:http:// www.nwlink.com/~donclark/ hrd/history/gestalt.gif 61 FUESPI/NEAD - Pedagogia comportamental. O primeiro corresponde ao meio físico em termos objetivos; já o segundo é resultante da interação do individuo com o meio físico e implica a interpretação desse meio através das forças que regem a percepção (equilíbrio, simetria, estabilidade e simplicidade). Para a gestalt, a Psicologia é a ciência que estuda o comportamento humano. Contudo, diferentemente do behaviorismo que estuda o comportamento através da relação estímulo-resposta, procurando isolar o estímulo que produz a resposta, a gestalt estuda o comportamento através da percepção. O estudo da percepção se dá em função dos gestaltistas considerarem que o comportamento, quando estudado isolado de um contexto mais amplo, pode perder seu significado. Para eles, o comportamento deve ser estudado nos seus aspectos mais globais, levando em consideração as condições que alteram a percepção do estímulo. A explicação de que qualquer padrão de estímulo tende a ser visto conforme as condições dadas permitem e de que a unidade se constitui pela integração de suas partes levou a gestalt a elaborar uma concepção de aprendizagem oposta à concepção behaviorista. Para o behaviorismo, a aprendizagem ocorre através da relação (associação) que estabelecemos dos objetos mais simples com os mais complexos. Já a gestalt vê a aprendizagem como resultante da relação estabelecida entre o todo e as partes, tendo o todo um papel fundamental na compreensão das partes. Os gestaltistas explicam que como nem sempre as situações vividas pelos indivíduos se apresentam de forma clara, permitindo a sua percepção imediata, surgem as dificuldades de aprendizagem. Essas situações dificultam o processo de aprendizagem porque não possibilitam uma clara definição da figura-fundo, impedindo a relação parte-todo. Contudo, às vezes ocorre de estarmos diante de uma figura ou objeto que não tem sentidoalgum para nós e, de repente, sem termos realizado nenhum esforço para isso, a relação parte- todo, figura-fundo é estabelecida e o objeto ou figura é elucidada. Nesse caso, houve o que a gestalt chama de insight, um entendimento interno súbito, uma 62 Psicologia da Educação compreensão imediata. A resolução de um quebra-cabeça é um exemplo de um insight. A concepção de aprendizagem da Gestalt traz para a educação escolar implicações significativas. Ao abordar a individualidade do sujeito e a sua forma peculiar de perceber e apreender o objeto de conhecimento valoriza o contato deste com o meio e o próprio objeto de conhecimento, identificando como ele integra a sua totalidade por meio da aprendizagem e postulando- o como um sujeito ativo nesse processo. Se o pensamento se processa em termos de todo, se as resoluções só são possíveis por meio da apreensão dessa totalidade e se esta apreensão da totalidade exige que o real seja apresentado de maneira que permita a percepção da boa-forma, no que tange à pratica docente, podemos inferir que para o aluno considerar a situação como um todo e, portanto, apreender determinado objeto, o professor deverá apresentar-lhe a situação como um todo, ou seja, de forma contextualizada e não fragmentada. Por fim, vale ressaltar as ideias de Kurt Lewin. Embora este teórico tenha trabalhado com os pioneiros da gestalt, seus estudos seguiram outro rumo, abandonando a preocupação com a percepção e se voltando para a fenomenologia. Fundamentado na teoria de campo, formulou o conceito espaço vital como a totalidade dos fatos que determinam o comportamento do indivíduo num certo momento. Para Lewin, o campo psicológico é o espaço dinâmico de vida, no qual inclui não apenas o indivíduo e o meio, mas também a totalidade dos fatos coexistentes e mutuamente interdependentes. Este campo, contudo, não deve ser visto como uma unidade física, mas fenomênica, visto que se constitui não apenas de fatos físicos, mas de fatos subjetivos como amizade, objetivos conscientes e inconscientes, sonhos, medos, entre outros. Assim, o campo psicológico que produz efeito sobre o comportamento humano deve ser representado tal como existe para o indivíduo em determinado momento e não como ele é em si. 63 FUESPI/NEAD - Pedagogia O campo fenomênico de Lewin é, pois, o meio comportamental da gestalt, ou seja, a maneira particular como o indivíduo interpreta uma dada situação. Contudo, Lewin não se referia apenas à percepção como um fenômeno psicofisiológico, mas também se referia a características de personalidade do indivíduo, a componentes emocionais ligados ao grupo e a própria situação vivida, bem como a situações passadas ligadas ao acontecimento, na forma em que são representadas no espaço de vida atual do indivíduo. No processo de apreensão da totalidade, portanto, os aspectos motivacionais e emocionais do indivíduo direcionarão a atenção, a percepção e a memória relevantes a sua aprendizagem. Dessa forma, diante da totalidade que compreende o ambiente social, físico e psicológico do contexto escolar, é o mundo interior do aluno, sua percepção e o significado que ele atribui que determinarão a figura e o fundo do fenômeno estudado. Em outras palavras, é o aluno que, de acordo com as suas necessidades e interesses, identificará e direcionará a sua percepção para aspectos específicos do que lhe é oferecido pelo professor e pela escola. Nesta perspectiva, o aluno é agente do seu conhecimento, visto que no seu processo de aprendizagem procura se ajustar às situações apresentadas, reestruturando e re-significando seu campo perceptual em busca da totalidade do objeto, a partir de suas necessidades e interesses. O processo de aprendizagem (e de ensino) não começa, pois, no conteúdo a ser estudado, mas nas possibilidades e necessidades dos alunos. Logo, ensinar implica criar situações que permitam, a este aluno, uma aprendizagem repleta de sentido por meio de vivências e experiências. Fonte: http://www.cres.org/star/ RubinGestalt.gif 64 Psicologia da Educação A compreensão de que o comportamento deve ser visto em sua totalidade levou Lewin a formular o conceito de grupo. Segundo ele, todos os momentos de vida do indivíduo ocorrem no interior dos grupos. A característica definidora do grupo é a interdependência de seus membros e não a soma desses. Nesse sentido, a mudança de um membro de um grupo pode alterar completamente a dinâmica deste. Essa ideia nos leva a considerar que a as relações estabelecidas, no contexto escolar, entre alunos e professores e entre alunos e alunos interferem no processo de ensino e aprendizagem e na dinâmica escolar como um todo. Outra característica do grupo definida por Lewin foi o clima social, no qual uma liderança (seja autocrática, democrática ou não) determinará o desempenho do grupo. A definição dessa característica levou-o a criar o conceito de campo social, formado pelo grupo e seu ambiente, e a realizar estudos e pesquisas acerca da dinâmica grupal. Os estudos de Lewin trouxeram muitas contribuições à Psicologia e à educação, de tal modo que é considerado, ainda hoje, como um dos mais importantes psicólogos, sendo suas ideias embasadoras de muitas teorias e técnicas de trabalho com os grupos na atualidade, tanto no campo da Psicologia clínica, como no campo da Psicologia social e educacional. É importante destacar, ainda, que a Gestalt, enquanto base psicofisiológica, praticamente desapareceu. Contudo, a fenomenologia que a fundamentou avançou por caminhos diferentes, buscando, como diz Bock (1999), a compreensão do ser no mundo de forma totalitária e sendo aplicada ao campo da Psicologia Existencialista, da Gestalt terapia, da educação holística, da Psicopedagogia, entre outros. Na Psicologia, muitas teorias tentam explicar o desenvolvimento humano. Algumas, entretanto, por suas significativas contribuições ao campo educacional, tornam-se centro das discussões e configuram-se imprescindíveis no estudo de Psicologia da Educação. A questão central da disciplina é compreender a dimensão subjetiva da educação tendo como eixo teórico tais 65 FUESPI/NEAD - Pedagogia teorias (Carvalho, 2009). Vale a pena ressaltar que há teorizações diferenciadas a serem analisadas. A seguir, abordaremos um pouco das teorias que ganharam mais relevância nos cursos de formação de professores no Brasil. 2.5 A Epistemologia Genética de Piaget Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, em 9 de agosto de 1896, na Suíça. Sua formação inicial foi em Biologia e, posteriormente, tornou-se psicólogo do desenvolvimento. Estudou na Universidade de Neuchâtel e doutorou-se em Ciências Naturais em 1918. Piaget preocupou-se em elaborar uma teoria do conhecimento, em quais processos mentais ajudam uma criança a resolver um problema. A Epistemologia Genética foi elaborada pelo autor em tela no início do século XX. Refere-se a uma teoria que explica a gênese e a evolução do conhecimento e das estruturas cognitivas, ou seja, a inteligência. Piaget buscou criar uma ciência que desse sustentação experimental aos seus interesses investigativos: saber como os conhecimentos se originam e evoluem. Para isso, tomou como referência as premissas de que as ações do indivíduo obedecem a uma organização lógica (conhecimento) e de que a formação desse conhecimento dependeria da adaptação do organismo ao meio. Assim, recorreu a Psicologia como forma de estabelecer conexão entre a Filosofia e a Biologia. Neste contexto, elaborou a Psicologia Genética. Os conceitos da Biologia, Filosofia e Psicologia foram articulados de forma que teorias e métodos investigativos próprios fossem elaborados. A ideia era a superação do dualismo existente entre as posições inatistas e empiristas da época, a partir da apresentação de uma visão interacionista (construtivista) do conhecimento. Imagem disponível em: http:// www.sk.com.br/sk-piage.html66 Psicologia da Educação Para Piaget, a criança, ao interagir com o meio, constrói não só conhecimentos, mas também estruturas cognitivas (inteligência). Assim elaborou, simultaneamente, uma teoria epistemológica do conhecimento e uma teoria do desenvolvimento da inteligência: a Epistemologia Genética. Segundo essa teoria, o homem não nasce com ideias prontas nem com inteligência, mas as constrói a partir de um processo adaptativo, no qual age sobre os objetos, coordena e reorganiza suas ações, criando e recriando suas estruturas cognitivas. Tal processo de adaptação é concebido como a busca, pelo indivíduo, de estados de equilíbrio diante dos desafios e das situações novas vivenciadas por ele no meio em que vive. A adaptação acontece a partir de dois processos simultâneos: a assimilação e a acomodação. O primeiro se refere à incorporação pelo indivíduo dos objetos do meio mediante estruturas cognitivas já formadas; o segundo se refere à reorganização ou modificação das estruturas cognitivas já formadas, em vistas à resolução de um novo problema ou situação. Os processos descritos acima são complementares e propiciam ao indivíduo o alcance do estado de adaptação intelectual, isto é, de equilíbrio cognitivo em suas trocas com o meio. Esse equilíbrio acontece quando o indivíduo consegue adaptar seu pensamento a uma situação particular conflituosa. Assim, ao vivenciar situações novas, o indivíduo se depara com desafios e conflitos cognitivos, rompendo seu estado de equilíbrio. Em resumo, o processo de construção do conhecimento e o desenvolvimento da inteligência são resultantes da adaptação do indivíduo ao meio, sendo que o primeiro ocorre durante toda a vida do indivíduo, enquanto o desenvolvimento da inteligência se constitui num processo finito que tende para um forma final, que é o pensamento formal. Para Piaget, o desenvolvimento da inteligência é visto como um processo de construção de estruturas cognitivas (mentais) resultantes da interação indivíduo-meio. Estas estruturas são formas de organização da 67 FUESPI/NEAD - Pedagogia atividade mental. Sua origem se dá nos reflexos inatos que vão se aperfeiçoando e solidificando até atingir um equilíbrio superior. Há, no entanto, fatores determinantes desse desenvolvimento: maturação biológica, transmissão social, experiência com os objetos e equilibração. A maturação biológica está relacionada com as estruturas genéticas (sensoriais e neurológicas) do sistema nervoso que vão amadurecendo no processo de interação do indivíduo com o meio e que são condições para a gênese das estruturas cognitivas. A transmissão social refere-se à transmissão da variedade de situações, comportamentos, atitudes e conhecimentos que precisam ser aprendidos pela criança para que ela possa se adaptar ao meio social. Ela se dá mediante a interação com as pessoas. As experiências da criança com os objetos são resultantes de sua ação sobre esses objetos e constituem condições para o desenvolvimento da inteligência, visto que este só ocorre a partir da ação do sujeito sobre o mundo. Tais experiências podem ser de dois tipos: as experiências físicas (ação da criança sobre os objetos, como pegar , bater, jogar, etc... ) e as experiências lógico-matemáticas (ações sobre os objetos que as propiciam refletir sobre essas ações). A equilibração consiste no processo de auto-regulação, inerente ao indivíduo, que lhe permite superar as situações desafiadoras e ultrapassar de um estágio inferior de equilíbrio para um estágio superior, constituindo o próprio desenvolvimento da inteligência. Tal desenvolvimento ocorre por meio de estágios ou períodos que se caracterizam pelo surgimento de estruturas cognitivas originais. Segundo Piaget, os estágios que compreendem o processo de desenvolvimento cognitivo são quatro e se apresentam numa ordem sucessiva fixa e universal, muito embora as idades que demarcam cada um deles possam variar conforme as características individuais, a experiência com os objetos e a interação social vivenciadas pelos sujeitos. 68 Psicologia da Educação O primeiro estágio do desenvolvimento da inteligência é o sensório- motor e estende do nascimento até os dois anos de idade. Recebe este nome porque toda a atividade intelectual da criança é de natureza sensória e motora, estando a inteligência inteiramente associada ao plano da experiência imediata, da presença física dos objetos. É uma inteligência prática, não verbalizada, não interiorizada e se refere à manipulação dos objetos. Os esquemas que predominam, neste estágio, são esquemas de ação (sugar, chupar, agarrar, pegar, olhar, morder, empurrar, entre outros.). O segundo estágio é o pré-operatório que vai, aproximadamente, dos dois aos seis anos de idade. Se caracteriza primordialmente pela transformação (interiorização) dos esquemas de ação em esquemas representativos ou simbólicos. Estes esquemas capacitam a criança a diferenciar um significante (imagem, palavra o símbolo) do significado (objeto ausente). O principal progresso deste período é o aparecimento da função representativa (simbólica) que consiste na capacidade de representar objetos e eventos ausentes através de símbolos e signos diferenciados. Ela propicia as condições para aquisição da linguagem, acarretando modificações profundas nos aspectos intelectual, social e afetivo. Um outro fato que merece destaque é a aquisição da linguagem. A partir disso, a criança é capaz de sistematizar de forma verbal suas ações passadas e antecipar ações futuras pela mesma forma. Nesta etapa, surgem a imitação, o jogo simbólico (a brincadeira do faz-de-conta) e o desenho, que reforçam mais ainda a passagem da representação em ato para a representação em pensamento, ajudando a criança a se adaptar a um mundo físico e social ainda desconhecido.Vale ressaltar que o pensamento que predomina neste estágio é o egocêntrico e o intuitivo. Imagem disponível em: http:// img.youtube.com/vi/k0bpfDuMfzA/ 0.jpg 69 FUESPI/NEAD - Pedagogia O próximo estágio, o das operações concretas, tem início por volta dos sete anos, estendendo-se até os onze ou doze anos de idade. Tem como principal característica o aparecimento de operações como comparar, agrupar, classificar, estabelecer relações entre os elementos da realidade, coordenar pontos de vista diferentes e organizar elementos de um modo lógico. O grande diferencial nesta fase é a reversibilidade operatória, que consiste no desenvolvimento das noções de classificação, seriação, número, conservação e velocidade, e da capacidade de descentração, ou seja, se colocar no lugar do outro. O último estágio, das operações formais inicia na adolescência. Nesta fase, as estruturas cognitivas atingem seu nível mais elevado de desenvolvimento e dão lugar a uma abstração total do pensamento. Torna o adolescente capaz de pensar logicamente, de formular hipóteses e buscar soluções sem depender da observação da realidade. Além disso, o jovem torna- se capaz de pensar por meio de proposições separadas da percepção concreta. Neste estágio, as operações formais se formam sobre hipóteses e não sobre os objetos, como no estágio anterior e representam a passagem do nível real para o possível, por meio do pensamento combinatório. Aqui se dá a aquisição da forma final de equilíbrio, já que construiu as estruturas cognitivas necessárias para se adaptar ao meio. O seu desenvolvimento intelectual dar-se-á em ampliar seus conhecimentos qualitativamente e quantitativamente, tomando como base as estruturas cognitivas já construídas. Os estudos de Piaget acerca da inteligência e do conhecimento tiveram uma grandiosa repercussão, servindo de referência para diversas áreas, como a Filosofia, a Psicologia e a Educação. A preocupação com as questões educacionais, bem como as implicações de seus postulados no contexto educativo fizeram de Piaget um dos maiores representantesdo pensamento pedagógico em muitos países, em especial no Brasil, com contribuições inigualáveis para a reflexão sobre o papel da escola, do aluno e do professor no processo de aprendizagem. 70 Psicologia da Educação Entre as contribuições do pensamento piagetiano na educação escolar, destacamos: • A aprendizagem passa a ser vista como construção (e não retenção) de conhecimento; • O aluno passa a ser sujeito, e não objeto, do seu conhecimento, assumindo uma postura de ser ativo e experimentador de soluções para os desafios propostos; • O professor deve propor estratégias desafiadoras para o aluno buscar por si só as soluções; • A utilização de métodos de ensino ativos, entre eles a ludicidade ganha destaque; • A escola passa a ter a tarefa de propor situações desafiadoras para o aluno; • A interação entre professor-aluno e aluno-aluno na sala de aulan deve ser favorecida; • O ensino deve ser de acordo com o nível de desenvolvimento cognitivo do aluno; • Os erros dos alunos passa a ser vistos com uma certa lógica e como etapas do processo de aprendizagem; Para concluir, é importante destacar que as implicações da teoria piagetiana para o contexto da sala de aula são amplas e não se esgotam nas citadas acima. 2.6 A abordagem histórico-cultural de Vigotski Lev Seminovitch Vigotski (1896/1934) nasceu na Bielo-Rússia em 5 de novembro de 1896. Formou- se em literatura e direito na Universidade de Moscou e, posteriormente, estudou medicina. Pesquisou sobre Imagem disponível em:http:// www.neaad.ufes.br/subsite/ Psicologia/fotos/VIGOTSKI.jpg 71 FUESPI/NEAD - Pedagogia literatura, Psicologia, deficiência física e mental e educação, mas dedicou-se à pedagogia e à Psicologia. Foi professor do ginásio e se questionava de que forma o homem cria cultura. Buscou a resposta na Psicologia e acabou por elaborar uma teoria do desenvolvimento intelectual, sustentando que todo conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações humanas. Sua teoria tem por base o desenvolvimento do indivíduo como consequência de um processo sócio-histórico. Dá ênfase ao papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento. Assim, a teoria é considerada histórico-social. Morreu de tuberculose em 1934, aos 38 anos. No Brasil, sua obra só começou a ser divulgada, de fato, nos anos 80, ao mesmo tempo em que a linha educacional construtivista se expandia. Embora não tenha elaborado uma pedagogia, Vigotski deixou ideias sugestivas para a educação. As concepções de Vigotski sobre o funcionamento do cérebro sinalizam este órgão como a base biológica. Suas peculiaridades definem limites e possibilidades para o desenvolvimento humano. Tais concepções fundamentam sua ideia de que a criança nasce dotada apenas de funções psicológicas elementares. Com o aprendizado cultural e, principalmente, com a aquisição da linguagem, parte dessas funções básicas transforma-se em funções psicológicas superiores - a consciência, o planejamento e a deliberação são exemplos delas. Estas funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do homem, em sua relação com o mundo e referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais. Vigotski defendeu que o próprio desenvolvimento da inteligência é produto da convivência cultural do homem. Enquanto sujeito do conhecimento, o homem não tem acesso direto aos objetos, mas um acesso mediado. A mediação, aliás, é um conceito fundamental nesta teoria. Diz respeito ao 72 Psicologia da Educação A cultura fornece ao indivíduo um repertório de sistemas simbólicos de representação da realidade. Um universo de significações que permite construir a interpretação do mundo real. A linguagem se constitui em um sistema simbólico dos grupos humanos e representa um salto qualitativo na evolução da espécie. É a linguagem que fornece conceitos, formas de organização do real, a mediação entre sujeitos e o objeto do conhecimento. A linguagem, na perspectiva sócio-histórica, é fundamental por ser o principal instrumento de intermediação do conhecimento entre os seres humanos. Além disso, ela tem relação direta com o próprio desenvolvimento psicológico. O processo de internalização é primordial para o desenvolvimento do funcionamento psicológico humano. Envolve uma atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna, ou seja, é interpessoal e se torna intrapessoal. O sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É nesta troca com os outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais. Para o teórico, o desenvolvimento cultural da criança aparece segundo a lei da dupla formação: todas as funções aparecem duas vezes - primeiro entre as pessoas (interpsicológica, nível social) e ,posteriomente, no interior da criança (intrapsicológica, nível individual). Assim, os processos psíquicos ocorrem por assimilações de ações exteriores, interiorizações desenvolvidas através da linguagem interna que possibilita formar abstrações. processo de intervenção de um elemento intermediário em uma relação, que deixa se ser direta e passa a ser mediada por um elemento interposto. Esse elemento constitui ferramenta auxiliar da atividade humana, seja a técnica, seja a psicológica. (IBIAPINA e CARVALHO, 2009, p. 167-168) Imagem disponível em: http:// textosdaoficina.files.wordpress.com/ 2009/10/iclinguagemoral.jpg 73 FUESPI/NEAD - Pedagogia O que nos faz pensar que esse processo de aprendizagem se desenvolve do concreto (segundo as variáveis externas) a abstrata (as ações mentais), com diferentes formas de manifestações, tanto intelectual, verbal e de diversos graus de generalizações e assimilações. Segundo Vigotski, existem pelo menos dois níveis de desenvolvimento: o desenvolvimento real, determinado por aquilo que a criança é capaz de fazer por si própria, pois já tem um conhecimento consolidado, e o desenvolvimento potencial, quando a criança realiza tarefas mais complexas, com a ajuda de um adulto ou por resultado da interação com iguais. A evolução intelectual é caracterizada por saltos qualitativos de um nível de conhecimento para outro. A esse processo ele chamou de ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL, que seria a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo disponibilidade nas zonas de desenvolvimento proximal - nas quais as interações sociais são centrais - estando então, ambos os processos, aprendizagem e desenvolvimento, interrelacionados. Carvalho e Ibiapina (2009) destacam a importância dessas ideias para a educação, argumentando que mostram a necessidade de a escola e os professores conceber os alunos como seres potencialmente capazes de aprender e de se desenvolver, à medida que interagem com os sistemas simbólicos existentes no seu meio, com os outros e consigo mesmo e, ainda, a necessidade de planejarem atividades que promovam a apropriação dos sistemas simbólicos da cultura na qual os alunos estão inseridos. A intervenção do professor no aprendizado e desenvolvimento dos alunos deve ser organizada com base na mobilização dos conhecimentos prévios que estes possuem acerca do conteúdo a ser ensinado e no conhecimento, por parte deste profissional, acerca de como ocorre o processo de internalização e quais as atividades favorecedoras deste processo. 74 Psicologia da Educação Sobre o assunto, Carvalho e Ibiapina (2009) elencam algumas condições necessárias e suficientes para que o ensino promova aprendizagem e faça o aluno avançar para a nova zona de desenvolvimento psíquico: • A utilização de ajuda, com a colaboração entre pares com diferentes níveis de experiências; • O emprego de instrumentospsicológicos como a linguagem que no âmbito escolar é o instrumento que fornece a base para a formação de conceitos científicos; • O conhecimento das funções e dos processos que motivam e favorecem o aprendizado, bem como a qualidade dos procedimentos e recursos didáticos que são utilizados para organizar o ensino e aprendizagem. Finalmente, é importante ressaltar a impossibilidade de destacar as inúmeras contribuições que a abordagem histórico-cultural tem trazido para a educação. Apresentam-se aqui algumas considerações referentes ao seu modo de entender as relações entre desenvolvimento e aprendizagem e que, de acordo com Carvalho e Ibiapina (2009), podem constituir uma das saídas possíveis para a superação de alguns desafios postos pelo processo de escolarização. 2.7 A teoria psicanalítica de Sigmund Freud Sigmund Freud nasceu em 1856 na pequena cidade de Freiberg, na Morávia (atualmente é a República Checa). Seu pai, Jacob, era um modesto comerciante e sua mãe, Amália, era a terceira esposa de Jacob. Freud nasceu de uma família judaica e foi o primogênito de sete irmãos. Desde criança, Freud era brilhante nos estudos e primeiro da classe. Devido ao seu ótimo desempenho acadêmico, Freud teve o privilégio de ter um quarto só para si, onde pôde estudar tranquilo. Em 1873, aos 17 anos, ingressou na faculdade de Medicina da Universidade de Viena. Nos anos de faculdade trabalhou em um laboratório de neurofisiologia, até sua formatura, em 1881. 75 FUESPI/NEAD - Pedagogia Em 1886, Freud casou-se com Martha Bernays. Tiveram seis filhos. A mais nova, Ana, confidente, enfermeira, secretária, discípula e do pai, também se tornou psicanalista. Freud trabalhou durante seis meses em Paris com o neurologista francês Jean-Martin Charcot, com quem observou o uso da hipnose no tratamento da histeria e despertou seu interesse para os distúrbios mentais. Nos anos seguintes, tornou-se especialista em doenças nervosas e fundamentou a teoria psicanalítica da mente. Na tentativa de entender melhor seus pacientes, Freud iniciou um difícil processo de auto-análise. Trabalhou com introspecção e interpretação de seus próprios sonhos. Em 1896, Freud utilizou pela primeira vez o termo psicanálise. Freud acreditava que a histeria era uma forma de manifestação da neurose, em que emoções reprimidas levariam aos sintomas da histeria. Tais sintomas poderiam desaparecer se o paciente conseguisse expressar as emoções reprimidas que lhe impediam de lidar com uma vida normal. Com isso, Freud trabalhou no desenvolvimento de estratégias que atingissem essas emoções reprimidas. Freud desenvolveu a livre associação; uma técnica psicanalítica onde o paciente fala tudo que lhe vem à mente e, ao falar, surgem sentimentos e memórias reprimidas. A livre associação é considerada uma das formas de se penetrar no inconsciente, podendo assim trabalhar pela terapia em cima dessas experiências e entender a causa da neurose. O autor acreditava, ainda, que outra forma de penetrar no inconsciente seria através dos sonhos, os quais, segundo ele, eram uma manifestação de nossos desejos. Outra manifestação de desejos reprimidos surge através de Fonte:http://2.bp.blogspot.com/_VOwi9EbaIFw/ RxxDxHWDJqI/AAAAAAAAAPw/58UIggcRHak/S740/ Freud+1931.jpg 76 Psicologia da Educação lapsos de língua e esquecimentos. Nos procedimentos mentais ele não admitia a existência de meros acidentes: o pensamento aparentemente mais sem sentido, o lapso mais casual, o sonho mais fantástico possuem um significado que pode servir para desvendar os segredos da mente. Enquanto teoria, a Psicanálise caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. Ao elaborar tal teoria, Freud explicara que a vida mental se estrutura a partir de três sistemas: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. O consciente é o sistema que abarca os conteúdos que se tem acesso livremente. O pré-consciente refere-se ao sistema em que permanece aqueles conteúdos (fatos, lembranças, ideias) que não estão na consciência, mas que podem ser disponibilizados desde que a pessoa faça um pequeno esforço. O inconsciente é um sistema que engloba os conteúdos reprimidos, que não são acessíveis à consciência pela ação de censuras internas. Posteriormente, o teórico reorganizou sua teoria, descrevendo que a estrutura e o funcionamento psíquico se dá a partir da dinâmica estabelecida entre três sistemas da personalidade: id, ego e superego. O id é o reservatório de energia psíquica, onde localizam os instintos, desejos, fantasias e as vontades reprimidas. É regido pelo princípio do prazer, não existindo proibições e sentimentos de culpa. Esse sistema deseja satisfação imediata para seus desejos e não tolera frustração. É irracional, alógico e impulsivo, não conhecendo nem a moral nem a ética. O ego é o sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências do id, da realidade e as regras do superego. É regido pelo princípio da realidade e tem a finalidade de buscar a satisfação dos desejos e necessidades considerando as condições objetivas da realidade, ou seja, conciliar as exigências do id com as proibições do superego, exercendo controle sobre o id de modo a conseguir realizá-los de forma realista. É responsável pela conduta consciente do indivíduo. Já o superego se origina a partir da internalização das proibições, dos limites, dos valores e normas e o seu conteúdo refere-se às 77 FUESPI/NEAD - Pedagogia exigências sociais e culturais. Entra sempre em conflito com o id. Esses conflitos são mediados pelo ego, que tenta adequá-los à realidade. Freud pontua, ainda, que a satisfação dos desejos, instintos e necessidades representam para o indivíduo a felicidade. Em contrapartida, a não-satisfação desses sentimentos, em função do mundo externo, traz frustração, dor e sofrimento. Nesse caso, o indivíduo deforma ou suprime a realidade como forma de evitar, de se defender do desprazer e da angústia. Esse tipo de defesa contra o sofrimento foi denominado pelo teórico como mecanismo de defesa. O teórico fez referência, em seus estudos, a vários mecanismos de defesa, que são dispositivos mentais protetores, postos em funcionamento pelo ego, inconscientemente, ou seja, independente da vontade do indivíduo, que atuam na redução da angústia e sofrimento. Eles são inconscientes, ou seja, ocorrem independentemente da vontade do indivíduo quando este se encontra em momentos de conflitos e sofrimentos psíquicos. A seguir,a definição dos principais mecanismos de defesa. Repressão – atua impedindo que sentimentos, lembranças, ideias ou desejos inaceitáveis sejam conscientes para o indivíduo. É considerado o principal mecanismo de defesa, dando origem a todos os outros mecanismos. Negação – implica em negar situações, sensações, pensamentos e lembranças dolorosas, alterando a realidade, fantasiando-a, negando-a. Neste caso, o indivíduo não vê ou não ouve o que ocorre. Racionalização – refere-se a uma explicação (argumentação) intelectualmente convincente e aceitável para uma atitude, ação, ideia ou sentimento que, na verdade, é inaceitável e causadora de angústia para o indivíduo. Projeção – o indivíduo localiza (projeta) no mundo externo (outra pessoa) algo de si que considera indesejável. Regressão – trata-se de um retorno do indivíduo a etapas de desenvolvimento anteriores, evitando o confronto com o momento atual e, consequentemente, reduzindo sua angústia. 78 Psicologia da Educação Sublimação – canalização da inclinação sexual que não pode ser realizada em atividades socialmente construtivas. Deslocamento – trata-se do deslocamento de um impulso, normalmente agressivo, de um objeto ou pessoa considerado ameaçador para outro que não é. Formação reativa – refere-se à adoção, por parte do indivíduo, de uma postura oposta ao seu desejo. Identificação – surgeem função do sentimento de inferioridade que induz o indivíduo a internalizar características de outra pessoa que é socialmente valorizada. É considerado natural no processo de desenvolvimento, contudo, poderá levar o indivíduo a perder a sua identidade. O uso desses mecanismos de defesa não é, em si, patológico, mas a utilização abusiva tende a empobrecer a personalidade do indivíduo, uma vez que distorce a realidade, impedindo que ele lide com o sofrimento, tente superá-lo e, consequentemente, cresça psicologicamente. Freud partiu do pressuposto de que a função sexual apareceria, no homem, logo após o nascimento e não somente na puberdade. A sexualidade, vista sob esta perspectiva, se constitui num processo longo, que engloba várias fases ou períodos. Seria a teoria psicossexual de desenvolvimento humano. Pela teoria citada, a energia afetiva voltada para a obtenção do prazer (libido) sofre progressivas organizações ao longo do tempo, apoiando-se em diferentes zonas erógenas do corpo. Cada organização caracteriza uma fase ou período do desenvolvimento psíquico do indivíduo. Assim, aponta as seguintes fases do desenvolvimento psicossexual: Fase oral – tem início no nascimento e vai até os dois anos de idade. Nesta fase, a libido se organiza na boca, tendo em vista que é através do sugar, do mamar que a criança estabelece o primeiro vínculo afetivo (prazeroso), o qual será a base para futuras relações que ela irá estabelecer com as outras pessoas. Através da boca, ela passa a conhecer os objetos do 79 FUESPI/NEAD - Pedagogia mundo, daí a criança levar a boca tudo que vê. Neste período reina o id, muito embora o ego já comece a se desenvolver. Fase anal – nesta fase, que inicia aos dois anos estendendo até o terceiro ano de vida, a energia libidinal se desloca para o ânus, nádega e esfíncteres. A criança já tem um certo controle do aspecto psicomotor: começa a engatinhar e andar e são treinadas a controlar suas esfíncteres. É um momento de conquistas, pois desenvolve a fala, o que representa para ela, um novo modo de se apropriar do mundo e o momento em que desenvolve a fantasia de que produz seus primeiros produtos. A obtenção do prazer se dá na eliminação das fezes e urina (considerados, por ela, como produções suas) ou na sua retenção. Fase fálica – a organização da libido se dá nos órgãos genitais e se inicia por volta do terceiro ou quarto ano de vida. Nesta fase, tem-se o desenvolvimento da curiosidade em relação ao sexo, sendo corriqueiras as perguntas sobre gravidez, namoro, diferenças entre os sexos, a manipulação dos órgãos genitais e as brincadeiras com crianças de outro sexo. A forma com os pais lidam com a sexualidade da criança nesta fase levam ao desenvolvimento de certas atitudes e sentimentos por parte da criança, como a vergonha, o sentimento de culpa, entre outros. Período de latência – este período ocorre entre cinco e dez anos e é marcado pela diminuição das atividades sexuais e pelo interesse na escola e nos amigos. Nesta fase, os aspectos morais, sociais e cognitivos adquirem maior evidência e por não haver uma reorganização da libido. Freud não o considerou um estágio propriamente dito. É um momento em que o ego passa a exercer maior controle sobre a personalidade. Fase genital – ocorre na adolescência, quando o processo maturacional provoca mudanças profundas tanto corporais como intelectuais. O instinto sexual volta a se manifestar com intensidade e a libido não mais se direciona para uma zona específica do corpo do indivíduo, mas para um objeto externo – o outro. O adolescente está, pois, pronto para a reprodução e para 80 Psicologia da Educação vivenciar o prazer sem culpa e sem neuroses, caso seu desenvolvimento nas outras fases tenha sido tranquilo. As ideias freudianas aqui destacadas trazem contribuições para os diferentes campos de conhecimento e atuação humanos. A partir da teoria psicanalítica, Freud explicou o funcionamento do psiquismo humano, as causas aparentes e latentes de certos comportamentos humanos, bem como a origem de muitos problemas e patologias mentais, apresentando concepções sobre a cultura, a sociedade, a religião, a política e a educação familiar e escolar. No que tange à educação escolar, defendeu que a Psicanálise seria um subsídio importante na compreensão da ação educativa. O papel da escola seria oferecer condições necessárias para que os alunos pudessem canalizar seus instintos para fins culturais e intelectuais. É importante destacar que, embora a representação social da Psicanálise tenha sido, durante muito tempo, negativa e estereotipada na nossa sociedade, seus aportes teóricos originaram inúmeras abordagens como a Psicologia Analítica de Jung e de Reich, a de Klein e a de Lacan e trouxeram contribuições inegáveis. Em relação à instituição escolar, tem sido um importante instrumento, teórico e metodologicamente, para a elucidação e resolução das questões educativas, principalmente no que concerne à dimensão subjetiva evocada através de desejos inconscientes presentes nos sujeitos envolvidos tanto em situações de ensino como de aprendizagem. Fonte:http://3.bp.blogspot.com/_PVbqH6DjSNI/ SBMNMrgPo4I/AAAAAAAAAG8/D53q85mkIJY/ s320/Sem+t%C3%ADtulo.JPG 81 FUESPI/NEAD - Pedagogia GLOSSÁRIO ASSOCIACIONISMO – sistema em que todos os movimentos psíquicos são explicados por associações. ESTRUTURALISMO – tendência comum às ciências humanas que visa definir os fatos humanos em função de um conjunto organizado e a identificá-los com os modelos matemáticos. FUNCIONALISMO - ramo da Antropologia e das Ciências Sociais que procura explicar aspectos da sociedade em termos de funções realizadas por instituições e suas consequências para sociedade como um todo SAIBA MAIS! Quadro comparativo entre as ideias de Piaget e Vigotski. LEITURA COMPLEMENTAR http://www.nce.ufrj.br/ginape/publicacoes/trabalhos/renatomaterial/ teorias.htm http://www.robertexto.com/archivo5/aprendizagem.htm 82 Psicologia da Educação ATIVIDADE COMPLEMENTAR Chat: Discuta as contribuições da Epistemologia Genética e Perspectiva histórico-cultural para a Educação. PARA APRENDER MAIS Assista aos filmes “Jean Piaget” (documentário apresentado pelo professor Yves de La Taille); “Freud além da alma” (1962) e L.S. Vygotsky (2006). RESUMO Nesta unidade destacou-se as principais correntes teóricas da Psicologia e suas contribuições para a Educação. Buscou-se responder à indagação sobre como o sujeito constrói o conhecimentos nas perspectivas apresentadas. ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM 1. Ilustre uma situação na qual você possa demonstrar os três tipos de comportamento apresentados na teoria behaviorista. 2. Destaque os pontos em que a Gestalt se contrapôs à teoria behaviorista. 3. Explique e exemplifique os conceitos de assimilação, acomodação e equilibração destacados na teoria piagetiana. 4. Explique sua compreensão sobre o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, apresentado por Vigotski. 5. Explique os conceitos de inconsciente, consciente e pré-consciente em Freud. PARA FINALIZAR Mais uma etapa chega ao fim! Você já é capaz de destacar as principais teorias do desenvolvimento humano e suas contribuições para a aprendizagem. Agora é com você! Releia o texto e elabore um fichamento. Organize suas ideias e mãos à obra! OBJETIVOS • Identificar as concepções de leitura refletindo sobre sua relevância para a realização plena do ato de ler. • Correlacionar as concepções de leitura com os vários momentos em que nos deparamos com a necessidade de ler. UNIDADE 3 A APRENDIZAGEM ESCOLAR E OS DISTÚRBIOS PSÍQUICOS 85 FUESPI/NEAD - Pedagogia 3 A aprendizagem escolar e os distúrbios psíquicos Os distúrbios psíquicos integram um tema relevante para educadores e pais porque, embora grande parte dos casos requeiram acompanhamento especializado,a criança que tem o distúrbio continua em sala de aula, mesmo durante a efetivação do tratamento. Torna-se importante que o professor esteja atento, pois as condições físicas, mentais, psicológicas e sócio-culturais da criança intervem no seu desenvolvimento, podendo interferir na aprendizagem escolar. Os professores não devem eximir-se da responsabilidade pelo bem-estar social da criança, devendo focar seu trabalho na observação, detecção de distúrbios e orientação no encaminhamento dos mesmos. Na escola é o professor quem possui as maiores condições de observar os seus alunos e de tomar providências junto aos pais e aos órgãos de atendimento buscando a solução de problemas. A possibilidade de encaminhar para tratamento um problema que os pais nem perceberam coloca o professor numa ponte entre a família e o especialista. Quem recebe as vantagens, nesse caso, é a criança, que se beneficia na aprendizagem escolar e na saúde de forma mais ampla. A faixa etária em que o aluno se encontra é o primeiro ponto a ser observado pelo professor, devendo atentar para o que é próprio do desenvolvimento do indivíduo em cada fase. Uma ficha cumulativa de observações deve ser elaborada, sendo necessário que a ficha seja encaminhada a outra escola em caso de transferência. O registro das Fonte:http://1.bp.blogspot.com/ _WmIyaZPESuQ/SaAicxWPT0I/ AAAAAAAAESU/-r7APqZJaCU/ s400/Image157.gif 86 Psicologia da Educação observações deve contemplar detalhes da vida da criança, evidenciando aspectos de sua evolução, os problemas que surgiram na vida escolar, assim como doenças, medicamentos, alergias etc. Todos esses são pontos que não devem ser esquecidos pela escola. É importante lembrar que os momentos em que a criança está na sala de aula, no pátio, momentos de brincadeira, quando está trabalhando em grupos ou individualmente, são momentos que possibilitam a observação. Em todas essas situações podem ser demonstradas necessidades, desejos e os distúrbios que podem acarretar prejuízos para o seu ajustamento social e aprendizagem escolar. Assim, vale ressaltar que o pensar, a capacidade de utilizar uma linguagem escrita, falada ou ainda de experimentar sentimentos não nascem com a criança, estando profundamente relacionados a seu desenvolvimento. Desde o nascimento, o bebê vai tendo experiências na relação com a mãe ou com quem o cuida que lhe vão permitindo, de forma rudimentar, classificar "o que é igual ou diferente". Ao cuidar do bebê, a mãe deverá ser capaz de "traduzir", à sua maneira, as necessidades do mesmo. Os gestos ou tipos de cuidados fazem com que o bebê aprenda a discriminar as suas sensações do ambiente externo. Dessa maneira, é de suma importância que o cuidador tolere sensivelmente o desconforto do bebê, administrando os cuidados necessários afetivamente, para que dessa maneira a criança construa uma integrada condição emocional. 3.1 Transtornos psíquicos: definições e características Existem, entretanto, problemas psiquicos que podem ocorrer no desenvolvimento da criança, os quais examinaremos a seguir e que são: • transtornos de tique • transtornos de conduta • transtornos depressivos 87 FUESPI/NEAD - Pedagogia • transtornos da excreção • fobia social e fobias específicas • transtorno da ansiedade de separação • transtorno do déficit de atenção-hiperatividade • transtornos globais do desenvolvimento-autismo infantil • transtornos da aprendizagem, das habilidades motoras e da comunicação Transtornos da aprendizagem, transtornos das habilidades motoras e transtornos da comunicação (linguagem) Os transtornos da aprendizagem referem-se a dificuldades na leitura, na capacidade matemática ou nas habilidades de escrita, medidas por testes padrões que estão substancialmente abaixo do esperado, considerando-se a idade da criança, seu quociente de inteligência (QI ) e grau de escolaridade. No transtorno das habilidades motoras, o desempenho em atividades diárias que exigem coordenação motora está abaixo do esperado para a idade, como por exemplo atraso para sentar, engatinhar, caminhar, deixar cair coisas, fraco desempenho nos esportes ou caligrafia insatisfatória. Muitas vezes essa criança é vista como desajeitada, tropeçando com frequência ou inábil para abotoar suas roupas ou amarrar os cadarços do sapato. Nos transtornos da comunicação a perturbação pode manifestar-se por sintomas que incluem um vocabulário limitado, erros grosseiros na conjugação de verbos, dificuldade para evocar palavras ou produzir frases Fonte: http://cabecascaninas.files. wordpress.com/2009/06/o-grito.jpg 88 Psicologia da Educação condizentes com sua idade cronológica. Os problemas de linguagem também podem ser causados por perturbações na capacidade de articular sons ou palavras. Não é raro a presença de mais de um desses transtornos de aprendizagem em uma mesma criança, muitas vezes estando associados com o transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. O tratamento das dificuldades de aprendizagem inclui muitas vezes reforço escolar, tratamento psicopedagógico ou até mesmo encaminhamentos para escolas especiais, dependendo da gravidade do problema. A baixa auto-estima, a repetência escolar e o abandono da escola são complicações comuns nesses transtornos. Assim, a abordagem psicopedagógica e o aconselhamento escolar são cruciais. Pode estar indicada também tanto a psicoterapia individual quanto a de grupo ou familiar, conforme a situação. O tratamento com medicação está indicado apenas em casos comprovadamente associados a transtorno de hiperatividade e/ou déficit de atenção. Transtorno do déficit de atenção-hiperatividade As crianças com esse transtorno são consideradas, com frequência, crianças com um temperamento difícil. Elas prestam atenção a vários estímulos, não conseguindo se concentrar em uma tarefa única e, assim, cometendo erros muitas vezes grosseiros. É comum terem dificuldade para manter a atenção, mesmo em atividades lúdicas e com frequência parecem não escutar quando chamadas. Muitas vezes não conseguem terminar seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais. Têm dificuldade para organizar tarefas, evitando, antipatizando ou relutando em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante. Costumam perder facilmente objetos de uso pessoal. Esquecem facilmente atividades diárias. A hiperatividade aparece como uma inquietação, manifesta por agitação de mãos ou pés e não conseguir permanecer parado na cadeira. São crianças que quase sempre saem de seus lugares em momentos não 89 FUESPI/NEAD - Pedagogia apropriados, correm em demasia, têm dificuldade de permanecer em silêncio, estando frequentemente "a mil". Outra característica desse transtorno é a impulsividade, que aparece em respostas precipitadas mesmo antes de as perguntas terem sido completadas. Com frequência, são crianças que têm dificuldade de aguardar sua vez, interrompendo ou intrometendo-se em assuntos alheios. O transtorno deve ser diagnosticado e tratado ainda na infância para não causar maiores prejuízos ao desenvolvimento interpessoal e escolar da criança. O tratamento inclui psicoterapia individual e, às vezes, terapia familiar. Quase sempre faz-se necessário o uso de medicação com um resultado muito satisfatório. Transtornos de Conduta Os transtornos de conduta são caracterizados por um padrão repetitivo e persistente de comportamento agressivo, desafiador, indo contra as regras de convivência social. Tal comportamento deve ser suficientemente grave, sendo diferente de travessuras infantis ou rebeldia "normal" da adolescência. Esses transtornos estão frequentemente associados à ambientes psicossociais adversos, tais como: instabilidade familiar, abuso físico ou sexual, violência familiar, alcoolismo e sinais de severa perturbação dos pais. Ocorre mais (com mais frequência) frequentementeno sexo masculino. São crianças que agridem pessoas e animais, envolvem-se em brigas, em destruição de propriedade alheia, furtos ou ainda agressão sexual. Sérias violações de regras, como fugir de casa, não comparecimento sistemático à aula e enfrentamento desafiador e hostil com os pais, também são sinais da doença. A perturbação no comportamento causa prejuízo significativo no funcionamento social, escolar ou ocupacional. O tratamento baseia-se em remédios e psicoterapia individual e familiar, sendo que em casos mais graves está indicada a institucionalização ou internação em unidades corretivas por períodos bastante prolongados. 90 Psicologia da Educação Transtornos Depressivos na Infância O reconhecimento de transtornos depressivos na infância ocorreu no final da década de 60. Surgiram então três conceitos: 1. sintomas depressivos análogos aos dos adultos não existem; 2. a depressão manifesta-se por sintomas específicos nessa faixa etária; 3. a sintomatologia depressiva surge mascarada por outros sintomas ou síndromes, tais como hiperatividade, enurese, encoprese, déficit de aprendizagem e transtorno de conduta. Transtornos depressivos ocorrem tanto em meninos quanto em meninas. Os sintomas de depressão podem ser: isolamento, calma excessiva, agitação, condutas auto e hetero-agressivas, intensa busca afetiva, alternando atitudes prestativas com recusas de relacionamento. A socialização está geralmente perturbada: pode haver recusa em brincar com outras crianças e dificuldade para aquisição de habilidades. As queixas somáticas são frequentes: dificuldade do sono (despertar noturno, sonolência diurna), alteração do padrão alimentar. Queixas de falta de ar, dores de cabeça e no estômago, problemas intestinais e suor frio também são frequentes. A criança deprimida apresenta incapacidade para divertir-se, algumas vezes queixando-se de estar aborrecida. Assistem muita televisão não se importando qual seja o programa. A baixa auto-estima e a culpa excessiva, além da diminuição do rendimento escolar são característicos da depressão. Apresentam também muita irritabilidade, sendo descritas pelos pais como mal humoradas. Os transtornos depressivos da infância podem ser classificados em duas formas bem distintas. A primeira delas, a distimia que, etimologicamente Fonte: http:/medicalizacao.files.wordpress. com/2009/10/depressao-12.jpg 91 FUESPI/NEAD - Pedagogia significa "mal-humorado", é uma forma crônica de depressão com início insidioso, podendo durar toda a vida da pessoa. Para firmar este diagnóstico é preciso que o humor seja depressivo ou irritável e esteja presente quase todos os dias por pelo menos um ano. A outra forma de depressão, transtorno depressivo maior é caracterizada por períodos ou crises apresentando uma síndrome depressiva completa (todos os sintomas descritos anteriormente) por pelo menos duas semanas, causando importantes prejuízos na vida da criança. Podem estar presentes alucinações, ideação ou condutas suicidas. Essa crise é nítidamente diferente do funcionamento habitual da criança. Os transtornos depressivos são bastante tratáveis hoje em dia, obtendo-se bons resultados. Pais que desconfiem que um filho sofra desse mal devem levá-lo a um psiquiatra ou serviço de psiquiatria para uma avaliação. O tratamento utiliza medicações antidepressivas e acompanhamento psicológico. Internações são necessárias em duas situações: quando o paciente fica psicótico (fora da realidade), o que é raro, ou quando existe risco de suicídio. Transtornos Globais do Desenvolvimento (Autismo Infantil) Esse grupo de transtornos é caracterizado por severas anormalidades nas interações sociais recíprocas, nos padrões de comunicação estereotipados e repetitivos, além de um estreitamento nos interesses e atividades da criança. Costumam se manifestar nos primeiros cinco anos de vida . Existem várias formas de apresentação dos transtornos globais, não havendo até o presente momento um consenso quanto à forma de classificá- los. A forma mais conhecida é o Autismo Infantil, definido por um desenvolvimento anormal que se manifesta antes dos três anos de vida, não havendo em geral um período prévio de desenvolvimento inequivocamente normal. As crianças com transtorno autista podem ter alto ou baixo nível de 92 Psicologia da Educação funcionamento, dependendo do QI, da capacidade de comunicação e do grau de severidade nos seguintes itens: • prejuízo acentuado no contato visual direto, na expressão facial, posturas corporais e outros gestos necessários para comunicar-se com outras pessoas. • fracasso para desenvolver relacionamentos com outras crianças, ou até mesmo com seus pais. • falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por exemplo: não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse ). • atraso ou ausência total da fala ( não acompanhado por uma tentativa para compensar através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímicas ). • em crianças com fala adequada, acentuado prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversa. • uso repetitivo de mesmas palavras ou sons. • ausência de jogos ou brincadeiras variadas de acordo com a idade. • a criança parece adotar uma rotina ou ritual específico em seu ambiente, com extrema dificuldade e sofrimento quando tem que abrir mão da mesma. • movimentos repetitivos ou complexos do corpo. • preocupação persistente com partes de objetos. Outras formas de transtornos globais do desenvolvimento são: • Autismo atípico, • Síndrome de Rett, • Transtorno desintegrativo da infância, • Síndrome de Asperger. O tratamento do transtorno autista visa principalmente uma educação especial com estimulação precoce da criança. A terapia de apoio familiar é muito importante: os pais devem saber que a doença não resulta de uma 93 FUESPI/NEAD - Pedagogia criação incorreta e necessitam de orientações para aprenderem a lidar com a criança e seus irmãos. Muitas vezes se faz necessário o uso de medicações para controlar comportamentos não apropriados e agressivos. O prognóstico desses transtornos é muito reservado e costumam deixar importantes sequelas ou falhas no desenvolvimento dessas pessoas na idade adulta. Transtornos de Tique A manifestação predominante nessas síndromes é alguma forma de tique. Um tique é uma produção vocal ou movimento motor involuntário, rápido, recorrente (repetido) e não rítmico (usualmente envolvendo grupos musculares circunscritos), sem propósito aparente e que tem um início súbito. Os tiques motores e vocais podem ser simples ou complexos. Os tiques simples em geral são os primeiros a aparecer. Podem ser: • tiques motores simples: piscar os olhos, balançar a cabeça, fazer caretas. • tiques vocais simples: tossir, pigarrear, fungar. • tiques motores complexos: bater-se, saltar. • tique vocal complexo: coprolalia (uso de termos chulos), palilalia (repetição das próprias palavras), ecolalia (repetição de palavras alheias). O tratamento requer medicação e psicoterapia, principalmente para diminuir o isolamento social que comumente ocorre nesse transtorno. Transtornos da Excreção Esse transtorno inclui a enurese e a encoprese . A enurese é caracterizada por eliminação de urina de dia e/ou a noite, a qual é anormal em relação à idade da criança e não decorrente de nenhuma patologia orgânica. A enurese pode estar presente desde o nascimento ou pode surgir seguindo-se a um período de controle vesical adquirido. A enurese não costuma ser diagnosticada antes da criança completar cinco anos de idade e requer, para ser caracterizada, uma frequência de duas vezes por semana, por pelo menos três meses. 94 Psicologia da Educação A encoprese é a evacuação repetida de fezes em locais inadequados (roupas ou chão), involuntária ou intencional. Para se fazero diagnóstico é preciso que esse sintoma ocorra pelo menos uma vez por mês, por no mínimo três meses em crianças com mais de quatro anos. Ambas patologias podem ocorrer pelo nascimento de um irmão, separação dos pais ou outro evento que possa traumatizar a criança. A encoprese deliberada pode significar grave comprometimento emocional. Ambas podem durar anos, mas acabam evoluindo para uma remissão espontânea. Esses transtornos comumente geram intenso sofrimento na criança, levando a uma estigmatização, com consequente baixa da auto-estima. Geram também isolamento social e perturbações no ambiente e nas relações familiares. O tratamento abrange psicoterapia e utilização de medicamentos. Transtornos de Ansiedade na Infância A ansiedade é um sentimento vago e desagradável de medo e apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivados de uma antecipação de perigos. As crianças em geral não reconhecem quando seus medos são exagerados ou irracionais. Uma maneira prática de diferenciar ansiedade normal de ansiedade patológica é avaliar se a reação ansiosa é de curta duração, auto limitada e relacionada ao estímulo do momento. Os sintomas de ansiedade podem ocorrer em varias outras condições psiquiátricas tais como: depressões, psicoses, transtornos do desenvolvimento, transtorno hipercinético, entre outros. A causa dos transtornos ansiosos infantis é muitas vezes desconhecida e provavelmente multifatorial, incluindo fatores hereditários e ambientais diversos, com o peso relativo de cada fator variando de caso a caso. Transtorno da Ansiedade de Separação Esse é o mais comum dos transtornos de ansiedade, acometendo 4% das crianças. Caracteriza-se por uma ansiedade não apropriada e excessiva em relação à separação do lar (pais) ou de figuras importantes 95 FUESPI/NEAD - Pedagogia cuidadoras para a criança, inadequada para a fase do desenvolvimento da criança. Essas crianças, quando ficam sozinhas, temem que algo possa acontecer para elas ou para seus cuidadores (acidentes, sequestro, assaltos, ou doenças) que os afastem definitivamente de si. Demonstram um comportamento excessivo de apego aos seus cuidadores, não permitindo o afastamento desses ou telefonando repetidamente para eles afim de tranquilizar-se sobre seus temores. É comum nessas crianças a ocorrência de recusa escolar. Se a criança sabe que seus pais vão se ausentar apresenta manifestações somáticas de ansiedade (dor abdominal, dor de cabeça, náusea, vômitos, palpitações, tonturas e sensação de desmaio). Em muitos casos de crianças afetadas os pais foram ou são portadores de algum transtorno de ansiedade. A perturbação tem uma duração mínima de quatro semanas e causa sofrimento significativo no funcionamento da vida da criança. O tratamento requer psicoterapia individual com orientação familiar e intervenções farmacológicas quando os sintomas são graves e incapacitantes. Quando há recusa escolar, o retorno às aulas deve ser o mais rápido possível para evitar cronicidade e evasão. É muito importante haver uma sintonia entre pais, escola e terapeuta. Fobias específicas e Fobia social As fobias específicas são definidas pela presença de medo excessivo e persistente, relacionado a um determinado objeto ou situação. Exposta ao estímulo fóbico, a criança procura correr para perto de um dos pais ou de alguém que a faça sentir-se protegida. Pode apresentar crises de choro, Imagem disponível em: http://2.bp.blogspot.com/ _E_Ez18PGqZM/S2Su0X7a09I/AAAAAAAAASU/ LHNNsFwa4Us/s400/ separa%C3%A7%C3%A3o.png 96 Psicologia da Educação desespero, imobilidade, agitação psicomotora ou até mesmo ataque de pânico. Os medos mais comuns na infância são de pequenos animais, injeções, escuridão, altura e ruídos intensos. Essas fobias diferenciam-se dos medos normais da infância por serem reações excessivas, não adaptativas e que fogem do controle da criança. Na fobia social a criança apresenta um medo persistente e intenso de situações onde julga estar exposta à avaliação de outros , tendendo a sentir- se envergonhada ou humilhada. Essas crianças relatam desconforto em situações como : • falar em sala de aula, • comer junto a outras crianças, • ir a festas, • escrever na frente de outros colegas, • usar banheiros públicos. Quando expostas a essas situações, é comum apresentarem sintomas físicos como palpitações, tremores, calafrios, calores, sudorese e náusea. O tratamento mais utilizado para essas fobias tem sido a psicoterapia cognitivo-comportamental. 3.2 Transtornos psíquicos no espaço da sala de aula A escola oferece um ambiente propício para a avaliação emocional das crianças e adolescentes por ser um espaço social relativamente fechado, intermediário entre a família e a sociedade. É na escola onde a performance Imagem disponível em:http://www.novotempo.org.br/50minutos/wp- content/woo_uploads/9-hiperactivity1.jpg 97 FUESPI/NEAD - Pedagogia dos alunos pode ser avaliada e onde eles podem ser comparados estatisticamente com seus pares, com seu grupo etário e social. Com algum preparo e sensibilidade o professor estaria mais apetrechado do que os próprios pediatras, dispondo de maior oportunidade para detectar problemas cruciais na vida e no desenvolvimento das crianças. Dentro da sala de aula, há situações psíquicas significativas, nas quais os professores podem atuar tanto beneficamente quanto, consciente ou inconscientemente, agravando condições emocionais problemáticas dos alunos. Os alunos podem trazer consigo um conjunto de situações emocionais intrínsecas ou extrínsecas, ou seja, podem trazer para escola alguns problemas de sua própria constituição emocional (ou personalidade) e, extrinsecamente, podem apresentar as consequências emocionais de suas vivências sociais e familiares. O preparo e bom senso do professor é o elemento chave para que essas questões possam ser mais bem abordadas. A problemática varia de acordo com cada etapa da escolarização e, principalmente, de acordo com os traços pessoais de personalidade de cada aluno. De um modo geral, há momentos mais estressantes na vida de qualquer criança, como por exemplo, as mudanças, as novidades, as exigências adaptativas, uma nova escola ou, simplesmente, a adaptação à adolescência. As crianças e adolescentes, como ocorre em qualquer outra faixa etária, reagem diferentemente diante das adversidades e necessidades adaptativas, são diferentes na maneira de lidar com as tensões da vida. É exatamente nessas fases de provação afetiva e emocional que vêem à tona as características da personalidade de cada um, as fragilidades e dificuldades adaptativas. Erram, alguns professores menos avisados, ao considerar que todas as crianças devessem sentir e reagir da mesma maneira aos estímulos e às situações ou, o que é pior, acreditar que submetendo indistintamente todos alunos às mais diversas situações, quaisquer dificuldades adaptativas, sensibilidades afetivas, traços de retraimento e introversão se corrigiriam diante desses “desafios” ou diante da possibilidade do ridículo. Na realidade podem 98 Psicologia da Educação piorar muito o sentimento de inferioridade, a ponto da criança não mais querer frequentar aquela classe ou, em casos mais graves, não querer mais ir à escola. Para as crianças menores, por exemplo, existem as ameaças ou a ridicularização pelas mais velhas, e esse sentimento de ridicularização é tão mais contundente quanto mais retraída e introvertida for a criança. Já, para os adolescentes, as ameaças de ansiedade geradas em ambiente intraclasse são o desempenho aquém da média nos times esportivos, nos trabalhos em grupo, as diferenças socioeconômicasentre os colegas, as diferenças no estilo e nas possibilidades de vida, no vestuário, etc. Como se sabe, a escola é um universo de circunstâncias pessoais e existenciais que requerem do educador (professor, dirigente ou staffescolar), ao menos uma boa dose de bom senso, quando não, uma abordagem direta com alunos que acabam demandando uma atuação muito além do posicionamento pedagógico e metodológico da prática escolar. O tão mal afamado "aluno-problema", pode ser reflexo de algum transtorno emocional, muitas vezes advindo de relações familiares conturbadas, de situações trágicas ou transtornos do desenvolvimento, e esse tipo de estigmatização docente passa a ser um fardo a mais, mais um dilema e aflição emocional agravante. Para esses casos, o conhecimento e sensibilidade dos professores podem se constituir em um bálsamo para corações e mentes conturbados. GLOSSÁRIO DISTÚRBIO – perturbação; ocorrência de anormalidade em um processo. FOBIA – receio, medo. PSICOTERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL – integra técnicas e conceitos vindos de duas principais abordagens tais como a cognitiva e a comportamental. 99 FUESPI/NEAD - Pedagogia SAIBA MAIS! Transtornos de aprendizagem Transtorno da Leitura - também conhecido como dislexia, é um transtorno caracterizado por uma dificuldade específica em compreender palavras escritas. Dessa forma, pode-se afirmar que se trata de um transtorno específico das habilidades de leitura, que sob nenhuma hipótese está relacionado à idade mental, problemas de acuidade visual ou baixo nível de escolaridade. Transtorno da Matemática - também conhecido como discalculia, não é relacionado à ausência de habilidades matemáticas básicas, como contagem, e sim, na forma com que a criança associa essas habilidades com o mundo que a cerca. A aquisição de conceitos matemáticos e outras atividades que exigem raciocínio são afetadas neste transtorno, cuja baixa capacidade para manejar números e conceitos matemáticos não é originada por uma lesão ou outra causa orgânica. Em geral, o Transtorno da Matemática é encontrado em combinação com o Transtorno da Leitura ou Transtorno da Expressão Escrita. É caracterizado pela capacidade matemática para a realização de operações aritméticas, cálculo e raciocínio matemático, encontra-se substancialmente inferior à média esperada para a idade cronológica, capacidade intelectual e nível de escolaridade do indivíduo. As dificuldades da capacidade matemática apresentadas pelo indivíduo trazem prejuízos significativos em tarefas da vida diária que exigem tal habilidade. Em caso de presença de algum déficit sensorial, as dificuldades matemáticas excedem aquelas geralmente a este associadas.veja se não falta algo. Diversas habilidades podem estar prejudicadas nesse Transtorno, como as habilidades linguisticas (compreensão e nomeação de termos, operações ou conceitos matemáticos, e transposição de problemas escritos em símbolos matemáticos), perceptuais (reconhecimento de símbolos numéricos ou aritméticos, ou agrupamento de objetos em conjuntos), de 100 Psicologia da Educação atenção (copiar números ou cifras, observar sinais de operação), e matemáticas (dar sequência a etapas matemáticas, contar objetos e aprender tabuadas de multiplicação). Transtorno da Expressão Escrita - um transtorno apenas de ortografia ou caligrafia, na ausência de outras dificuldades da expressão escrita, em geral, não se presta a um diagnóstico de Transtorno da Expressão Escrita. Neste transtorno geralmente existe uma combinação de dificuldades na capacidade de compor textos escritos, evidenciada por erros de gramática e pontuação dentro das frases, má organização dos parágrafos, múltiplos erros ortográficos ou fraca caligrafia, na ausência de outros prejuízos na expressão escrita. Em comparação com outros Transtornos de Aprendizagem, sabe-se relativamente menos acerca do Transtorno da Expressão Escrita e sobre o seu tratamento, particularmente quando ocorre na ausência de Transtorno de Leitura. Existem algumas evidências de que déficits de linguagem e percepto- motores podem acompanhar este transtorno. LEITURA COMPLEMENTAR CONDEMARÍN, Mabel, BLOMQUIST, Marlys. (1989). Dislexia; manual de leitura corretiva. 3ª ed. Tradução de Ana Maria Netto Machado. Porto Alegre: Artes Médicas. ELLIS, Andrew W. (1995). Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. 2 ed. Tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas. ATIVIDADE COMPLEMENTAR Fórum: Você considera importante que os educadores estudem os distúrbios psíquicos? Por quê? 101 FUESPI/NEAD - Pedagogia PARA APRENDER MAIS Assista ao filme “Uma mente brilhante”SERIA LEGAL DIZER POR QUÊ, O QUE ELE DEVE ANALIASAR AO ASSISTIR ETC (2001) RESUMO Nesta unidade elencou-se alguns distúrbios psíquicos e suas interferências na aprendizagem. Buscou-se fazer uma relação desses distúrbios com os contextos de aprendizagem apresentando características e formas de ajuda. ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM 1. Faça entrevistas com psicólogos, neurologistas, psicopedagogos e pedagogos sobre o autismo e distúrbios psíquicos em geral. 2. Elabore um quadro-resumo com os transtornos apresentados e suas respectivas características. 3. Conceitue hiperatividade citando suas principais características. PARA FINALIZAR Chegamos ao final de mais uma unidade. Dessa vez, estudamos sobre os distúrbios psíquicos caracterizando cada um deles. Vamos sistematizar esse conhecimento? Para isso, elabore o fichamento. OBJETIVOS • Identificar as concepções de leitura refletindo sobre sua relevância para a realização plena do ato de ler. • Correlacionar as concepções de leitura com os vários momentos em que nos deparamos com a necessidade de ler. UNIDADE 4 APRENDIZAGEM E PROCESSOS PSICOLÓGICOS 105 FUESPI/NEAD - Pedagogia 4 Aprendizagem e processos psicológicos Nesta unidade trataremos dos conceitos da inteligência, criatividade, memória e motivação. Estes se constituem em processos psicológicos que refletem diretamente na aprendizagem. A forma como isto acontece é o nosso foco de estudo a partir de agora. 4.1 Inteligência Na intenção de prever o sucesso das crianças nas escolas, os liceus e as autoridades francesas, no início do século XX, solicitaram a Alfredo Binet que elaborasse um instrumento que pudesse indicar em que nível tais crianças deveriam ser inseridas. O instrumento criado por Binet buscava as respostas das crianças nas áreas linguística e matemática, pois os currículos franceses privilegiavam tais disciplinas. Tal instrumento deu origem ao primeiro teste de inteligência, desenvolvido por Terman na Universidade de Stanford, na Califórnia: a Escala de Inteligência de Stanford- Binet. Diversos outros testes de inteligência vieram à tona a partir de Binet, formando uma ideia que se tem de inteligência, embora o próprio Binet tenha declarado que um único número, derivado do desempenho de uma criança em um teste, não poderia retratar uma questão tão complexa quanto o desenvolvimento da inteligência humana. Albert Einstein Disponível em:http://www.portalibahia.com.br/ blogs/empregos/wp-content/uploads/2009/07/ foto-albert-einstein.jpg 106 Psicologia da Educação O conceito de inteligência tem sido usado de forma muito diversa na Psicologia. Quanto à natureza do fenômeno, alguns autores têm relacionado o conceito a características biológicas dos indivíduos, a processos cognitivos, ou, ainda, a construtos teóricos. Outros autores têm abordado os fenômenos relacionados ao conceito de inteligência decompondo o desempenho de tarefas complexas em componentes cognitivos. Os fenômenos relacionados ao conceito de inteligência têm sido também abordados, há muito tempo, pela psicometria, também deixando margem para divergências teóricas. Um outro conceito utilizado é aquele que dá ideia do temo como adjetivo ao invés de um substantivo (Howard, 1993). Nesta perspectiva, inteligência seria uma característica de alguns comportamentos e seriam considerados inteligentes aqueles comportamentos do indivíduo bem adaptados às exigências do meio.Além dessas diferentes maneiras de teorizar sobre o conceito de inteligência, sua definição também parece ser influenciada por diferenças culturais. As noções ocidentais sobre o fenômeno nem sempre são compartilhadas por outras culturas. Enquanto a cultura norte-americana enfatiza principalmente aspectos cognitivos da inteligência, algumas subculturas africanas, por exemplo, dão maior ênfase a habilidades sociais. Estas diferentes formas de interpretar o conceito em diferentes culturas e subculturas pode ter sido, em parte, responsável pelas intensas contradições em torno da utilização dos testes, cujos resultados fundamentaram discriminações raciais, étnicas, e sexuais, principalmente nos Estados Unidos. O conceito de inteligência também se mistura a outros conceitos na literatura psicológica, particularmente com raciocínio. Os dois conceitos têm sido concebidos como sinônimos em várias teorias psicológicas. Sternberg (1982) inicia um de seus trabalhos afirmando que esses dois conceitos são tão próximos que se torna difícil diferenciá-los. Posição semelhante foi apresentada por Spearman (1923) que definiu inteligência como a capacidade 107 FUESPI/NEAD - Pedagogia de raciocínio geral ou capacidade de apreender e estabelecer relações. Almeida (1988), afirma que o raciocínio consiste na aptidão intelectual por excelência, que integra os processos cognitivos mais elaborados do ponto de vista intelectual, porém é apenas um dos componentes da inteligência. É fundamental expor, também, a Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner (1985). Esta é uma alternativa para o conceito de inteligência como uma capacidade inata, geral e única, que permite aos indivíduos uma performance, maior ou menor, em qualquer área de atuação. A insatisfação do autor com a ideia de QI e com visões unitárias de inteligência, que focalizam, sobretudo, as habilidades importantes para o sucesso escolar, o levou a redefinir inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver problemas. Através da avaliação das atuações de diferentes profissionais em diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres humanos na busca de soluções, culturalmente apropriadas, para os seus problemas, Gardner trabalhou no sentido inverso ao desenvolvimento, retroagindo para eventualmente chegar às inteligências que deram origem a tais realizações. As inteligências identificadas por Gardner são as seguintes: Inteligência linguística - Os componentes centrais desta inteligência são a sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade de usar Disponível em:http://2.bp.blogspot.com/_87Ixif9tqGk/ Rrd8EG_MDJI/AAAAAAAABJA/4iccdWelMgA/s400/ inteligencias_multiplas.JPG 108 Psicologia da Educação a linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Gardner indica que é a habilidade exibida na sua maior intensidade pelos poetas. Inteligência musical - Esta inteligência se manifesta através de uma habilidade para apreciar, reproduzir ou compor uma peça musical. Inclui a discriminação de sons, a habilidade para perceber temas musicais, a sensibilidade para ritmos, texturas e timbre, e a habilidade para produzir e/ou reproduzir música. A criança com habilidade musical especial percebe desde cedo diferentes sons no seu ambiente. Inteligência lógico-matemática - Os componentes centrais desta inteligência seria a sensibilidade para padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações, categorias e padrões, através da manipulação de objetos ou símbolos, lidar com séries de raciocínios, reconhecer problemas e resolvê-los. É a inteligência característica de matemáticos e cientistas. A criança com especial aptidão nesta inteligência demonstra facilidade para contar e fazer cálculos matemáticos e para criar notações práticas de seu raciocínio. Inteligência espacial – esta inteligência diz respeito à capacidade de perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. Além disso, manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criar tensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial são componentes desta inteligência. Artistas plásticos, engenheiros e arquitetos destacar-se-iam aqui. Nas crianças, o potencial desta inteligência é percebido através da habilidade para quebra-cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a detalhes visuais. Inteligência cinestésica - Essa inteligência se refere à habilidade para resolver problemas ou criar produtos através do uso de parte ou de todo o corpo. A habilidade de usar a coordenação motora grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou plásticas de controle dos movimentos do corpo e da manipulação de objetos com destreza. A criança especialmente dotada desta inteligência se move com graça e expressão a partir de estímulos musicais ou verbais, possui habilidade atlética ou coordenação fina apurada. 109 FUESPI/NEAD - Pedagogia Inteligência interpessoal - Essa inteligência pode ser descrita como uma habilidade para entender e responder adequadamente a humores, temperamentos motivações e desejos de outras pessoas. Ela é mais bem apreciada na observação de psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores. As crianças dotadas desta inteligência demonstram habilidade para liderar outras crianças, já que são extremamente sensíveis às necessidades e sentimentos de outros. Inteligência intrapessoal - Esta inteligência é o correspondente interno da inteligência interpessoal. Constitui a habilidade de ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. Essa inteligência é a mais pessoal de todas e só é observável através dos sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, através de manifestações linguísticas, musicais ou cinestésicas. 4.2 Criatividade Formular uma definição de criatividade tem sido tentativa de várias áreas: Filosofia, Psicanálise, Neurologia, Psicologia, Sociologia, entre outras tem se destacado nesta perspectiva. Ver se está completo o raciocínio Há que se considerar que a imaginação é um dos principais combustíveis para a criatividade. É um aspecto intrínseco ao ser humano que lhe possibilita trabalhar e combinar ideias e fatos conhecidos a fim de gerar novas ideias. A imaginação permite ao indivíduo formar ideias abstratas e está intimamente associado à capacidade de criação. Pessoas criativas têm níveis de consciência e atenção maior do que as demais, o que dá a elas uma sensibilidade elevada e disposição para Disponível em:http:// ferrazlucas.files.wordpress.com/ 2010/03/criatividade211.jpg 110 Psicologia da Educação vislumbrar novas possibilidades e novas relações entre as coisas. Tais pessoas apresentam duas linhas de raciocínio: O raciocínio divergente, que faz parte da natureza humana. São as ideias simples usadas pelo indivíduo para desenvolver ideias mais complexas. Durante o processo criativo, faz-se uso de componentes da criatividade que auxiliam o momento criativo. Pessoas criativas têm um comportamento investigativo e colocam questões, buscando detalhamento nas respostas, geram muitas ideias e avaliam soluções alternativas, buscam soluções inovadoras e até então não imaginadas, são ousados na busca de soluções, além de ter facilidade de abstrair e conceituar novas ideias. O raciocínio convergente, que é um modo de pensar no qual o indivíduo procura a solução correta para um problema. É similar a solucionar um problema de física ou matemática como apresentado num livro. Nesta perspectiva, o indivíduo faz uso do raciocínio lógico e avaliativo com o objetivo de reduzir o universo de soluções adequadas ao problema. Essa forma de pensar é utilizada quando se deseja apreciar e avaliar um conjunto de dados e ideias a seremempregados na solução de um problema ou na geração de uma nova ideia. O momento de criação de um indivíduo é parecido com o momento de descoberta de uma criança. Ambos encontram-se com tempo ilimitado, sem pressão por resultados, sem vigilância e com imaginação e percepção aguçadas. A ingenuidade de uma criança pode auxiliar no processo de descoberta e aprendizagem dela. O mesmo se dá no momento criativo, nas situações de descoberta. Disponível em:http://www.vitrolavelha.com.br/ vitrola/wp-content/uploads/2009/05/ criatividade.gif 111 FUESPI/NEAD - Pedagogia O comportamento de um indivíduo criativo é resultado da combinação de traços de personalidade. Seu comportamento se molda a partir do desenvolvimento de suas habilidades. Isso se dá com o exercício e incorporação de determinados padrões de comportamento inerentes ao processo criativo. Tais padrões podem ser exemplificados como: curiosidade extrema; persistência diante de obstáculos; independência em suas atitudes; tolerância a situações de ambiguidade; adaptação de ideias e soluções com adoção de novas ideias e formas de pensar, utilização de raciocínio divergente e convergente, desenvoltura e desembaraço na execução de atividades, entre outros. Vale ressaltar que pessoas criativas apresentam uma mobilidade de raciocínio muito grande. Conseguem perceber e encontrar novas abordagens e perspectivas onde ideias e soluções podem ser empregadas e fazem uso de analogias e metáforas quando em busca de uma solução ou quando tentam contestar alguma suposição. È importante destacar, ainda, que inteligência não é evidência de criatividade. Inteligência compreende a capacidade de aprender e raciocinar. Criatividade, entretanto, é a capacidade de gerar novas ideias, conhecimentos e produtos. Pensar e elaborar ideias e soluções com facilidade. 4.3 Memória Memória é frequentemente definida como sendo a retenção da aprendizagem. Se assim fosse, o estudo da memória deveria ser apenas um aspecto do estudo da aprendizagem, o que não é. O cérebro possui múltiplos sistemas de memória, com diferentes características e envolvendo diferentes redes neuronais. As memórias são extremamente importantes para a nossa Disponível em:http://.bp.blogspot.com/ _lrmt-SsR0EQ/S3yAf-pRBrI/ AAAAAAAAAQQ/CuOJ0y_0wz0/s400/ juliosaens-memoria.jpg 112 Psicologia da Educação individualidade. Aquilo que cada um de nós recorda é diferente daquilo de que os outros se lembram, mesmo no que diz respeito a situações em que estivemos juntos. Entretanto, apesar da individualidade das nossas memórias, todos nós recordamos eventos, fatos, emoções e desempenhos – alguns por um período curto, outros para toda a vida. A formação de novas memórias depende da plasticidade sináptica, mas ainda não se conhece bem os mecanismos neuronais envolvidos na recordação. Todos nós nos queixamos de falhas de memória, mas na maior parte dos casos a memória é eficiente. Falhas mais sérias de memória acontecem quando a idade avança ou quando surgem alguns tipos de doenças neurológicas. Se aumentássemos a capacidade ou persistência da nossa memória, poderíamos ter dificuldade em esquecer todas as banalidades que nos acontecem diariamente e que não nos trazem vantagem nenhuma em serem memorizadas. Uma boa memória envolve um equilíbrio entre recordar e esquecer. 4.4 Motivação É difícil definir exatamente o conceito de motivação, uma vez que esse termo tem sido utilizado com diferentes sentidos. De modo geral, motivação é tudo aquilo que impulsiona a pessoa a agir de determinada forma ou, pelo menos,que dá origem a uma propensão a um comportamento específico. Este impulso pode ser provocado por um estímulo externo (provindo do ambiente) ou também ser gerado Disponível em:http://turosadm.files.wordpress.com/ 2009/11/motivacao-3.jpg 113 FUESPI/NEAD - Pedagogia internamente (motivos internos). Os primeiros podem ser os estímulos ou incentivos que o ambiente oferece ou objetivos que a pessoa persegue porque satisfazem a uma necessidade, despertam um sentimento de interesse porque representam a recompensa a ser alcançada. Já os motivos internos são as necessidades, aptidões, interesses e habilidades do indivíduo, que o fazem capaz de realizar certas tarefas e não outras; que o fazem sentir-se atraído por certas coisas e evitar outras; o que o fazem valorizar certos comportamentos e menosprezar outros. Podem ser definidos ainda como os impulsos interiores, de natureza fisiológica e psicológica, afetados por fatores sociológicos: necessidades, frustração, aptidão, habilidades, atitudes e interesses. Estão ligados à tendência do ser humano para agir deliberadamente, intervir no meio por iniciativa própria. A ação humana caracteriza-se por ser voluntária e intencional, implica deliberação e decisão. A atividade voluntária são os atos em que a pessoa elege os objetivos ou fins que (com os quais) deseja prosseguir, seleciona os meios que considera adequadas para alcançá-los e prevê as consequências dos atos que tenciona realizar. Os seres humanos manifestam tendências, ou seja, disposições internas para efetuar determinadas ações ou facilitar a sua execução. As tendências têm a ver com carências, faltas ou necessidades que desequilibram o organismo e o deixam em estado de tensão. Como o organismo não consegue subsistir em estado de desequilíbrio, da necessidade surgem impulsos, ou pulsões, que o leva a agir, ou seja, a fazer qualquer coisa para satisfazer a necessidade. A seguir, veremos como se dá o ciclo motivacional: 1.º Necessidade – que é o estado de desequilíbrio provocado por uma carência ou privação. Ex.: falta de alimento 2.º Impulso ou pulsão – que é caracterizado por um estado energético capaz de ativar e dirigir o comportamento. Ex.: a força que move o indivíduo para obter comida. 114 Psicologia da Educação 3.º Resposta – que consiste na atividade desenvolvida e desencadeada pela pulsão. Ex.: a busca de alimento. 4.º Objetivo – que diz respeito à finalidade ou à meta que se procura atingir com a atividade. Ex: a ingestão de alimento. 5.º Saciedade – que se refere à redução ou eliminação da pulsão. Ex.: depois do alimento ser ingerido, a fome atenua-se ou desaparece. Embora a motivação seja apenas um dos fatores internos que influenciam o comportamento humano, a ela é dada tanta importância porque atua, em geral, sobre as necessidades dos indivíduos, a fim de supri-las para atingir os objetivos. Essas necessidades humanas, tidas como forças ativas e impulsionadoras do comportamento, apresentam uma enorme diversidade porque as pessoas são diferentes entre si. Podem ser definidas três suposições para explicar o comportamento humano, das quais a análise nos é válida, pois elas estão intimamente relacionadas com o processo de motivação: O comportamento humano é causado, ou seja, existe uma causalidade do comportamento. Tanto a hereditariedade como o meio ambiente influem decisivamente sobre o comportamento das pessoas. O comportamento é motivado, ou seja, há uma finalidade em todo comportamento humano. O comportamento não é causal, nem aleatório, mas sempre orientado e dirigido para algum objetivo. O comportamento humano é orientado para objetivos pessoais. Subjacente a todo comportamento existe sempre um impulso, um desejo, uma necessidade, uma tendência. Fonte: www.merkatus.com.br/10_boletim/ maSLOW.gif 115 FUESPI/NEAD - Pedagogia A compreensão da motivação do comportamento exige o conhecimento das necessidades humanas, por se tratar de um dos motivos internos mais importantes que orientam o comportamento e o desempenho do indivíduo. As necessidades são classificadas e diferenciadas assim: Necessidades fisiológicas - constituem as necessidades primárias, essenciais à sobrevivência do indivíduo. São inatas e instintivas, estão relacionadas no nível maisbaixo na classificação hierárquica e exigem satisfação periódica e cíclica. As principais são: alimentação, sono, atividade física, satisfação sexual, abrigo e proteção contra os elementos e de segurança física contra os riscos. Necessidades psicológicas - podem ser definidas como as necessidades secundárias e exclusivas do homem. São aprendidas e adquiridas no decorrer da vida e representam um padrão mais elevado e complexo. Raramente são satisfeitas em sua plenitude, porque o homem, por natureza está sempre buscando maiores satisfações dessas necessidades, que vão se desenvolvendo e se sofisticando gradativamente. Constituem-se as principais necessidades psicológicas: segurança, participação, autoconfiança,afeição e auto-realização. GLOSSÁRIO INATO – característica inerente a pessoa, que faz parte da sua personalidade. Que vem do nascimento e não é adquirido. INSTINTIVO – que se faz ou se fez por instinto; o que é espontâneo, impensado, natural. PROCESSOS COGNITIVOS – realização das funções estruturais da representação (ideia ou imagem que concebemos do mundo ou de alguma coisa) ligadas a um saber referente a um dado objeto. PSICOMETRIA – é o registro e medida dos fenômenos psíquicos por meio de métodos. 116 Psicologia da Educação SUBCULTURA - um grupo de pessoas com características distintas de comportamentos e credos que os diferenciam de uma cultura mais ampla da qual elas fazem parte. São pequenos "grupos" ou uma cultura não totalmente desenvolvida. SAIBA MAIS! Classificação das tendências Quanto à origem Individuais Visam os interesses relacionados com a conservação e crescimento ou progresso do indivíduo Sociais Visam o estabelecimento de relações com os outros, sendo a base da vida social Ideais Visam promover os valores Quanto ao objeto Tendências primárias Correspondem às necessidades naturais;são independentes da aprendizagem Tendência à preservação da espécie; reprodução Tendência à preservação do indivíduo; conservação, nutrição, defesa, movimentos Tendências secundárias Correspondem a necessidades sociais;são adquiridas por aprendizagem Tendência para a música, desporto, vocação para medicina, etc. Orgânicas – alimento, saúde, descanso, atividade, conforto, etc. Psíquicas – amor próprio, posse, ambição, competição, etc. • Inserção e promoção social, partilhas, atividades conjuntas, gregarismo, objetivos comuns, cidadania, patriotismo, consciência cósmica e ecológica, solidariedade, filantropia, etc. • Intelectuais – conhecimento, curiosidade, compreensão, verdade, etc. • Morais – Bem,justiça, liberdade, solidariedade, igualdade, etc. • Estéticos – inclinação para a beleza e para a arte 117 FUESPI/NEAD - Pedagogia Esforço de realização: As pessoas só tendem a atingir um nível superior de motivação se as necessidades de nível anterior estiverem satisfeitas. As necessidades de nível superior dependem da satisfação das necessidades básicas. À medida que se sobe a escala hierárquica de tendência, vai crescendo a diferença entre o que é comum aos homens e animais e aquilo que é específico dos seres humanos. As necessidades dos níveis inferiores são sentidas pela totalidade dos seres humanos, enquanto as necessidades superiores surgem apenas num número cada vez mais reduzido de pessoas. Abraham Maslow comentou que todos os seres humanos nascem com um senso inato de valores pessoais positivos e negativos. Somos atraídos por valores pessoais positivos tais como justiça, honestidade, verdade, beleza, humor, vigor, poder (mas não poder abusivo), ordem (mas não preciosismo), inteligência (mas não convencimento). Da mesma forma, somos repelidos por injustiça, morbidez, feiura, fraqueza, falsidade, engano, caos etc. Maslow também declara que valores pessoais positivos são definíveis somente em termos de todos os outros valores pessoais positivos, ou seja, não podemos maximizar qualquer virtude e deixar que ela contenha quaisquer valores pessoais negativos sem repulsa. HIERARQUIA DAS NECESSIDADES (MASLOW) 1 – Necessidade de realizar todas as potencialidades desenvolver talentos e criatividade individual 2 – Necessidades de estima auto-estima, reconhecimento, prestígio, competência, autonomia 3 – Necessidades de amor e pertença aceitação, afecto, afiliação, amor, pertença 4 – Necessidades de segurança estabilidade, protecção, ausência de medo, ordem 5 – Necessidades orgânicas - comida e abrigo 118 Psicologia da Educação Por exemplo, a beleza que está associada com o engano torna-se repulsiva. A justiça associada com a crueldade é repulsiva. Essa capacidade inata de sentir atracção ou repulsa é o fundamento da moralidade, ou seja, sentimentos bem entendidos formam a capacidade interior com a qual nascemos para chegar ao que pensamos ser bom/mau e certo/errado. LEITURA COMPLEMENTAR http://scholar.google.com.br/scholar?q=inteligencia+multiplas&hl=pt- BR&as_sdt=0&as_vis=1&oi=scholart ATIVIDADE COMPLEMENTAR Chat: Como a criatividade e a motivação podem influenciar na aprendizagem? PARA APRENDER MAIS Assista aos filmes “Clube do Imperador” (ano) MESMA SUGESTÃO RESUMO Conceitos de inteligência, criatividade, memória e motivação foram apresentados na unidade que ora se encerra. Além disso, destacamos a relação entre tais fatores e a aprendizagem. ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM 1. Descreva os diversos conceitos de inteligência apresentados no texto. 2. Cite as múltiplas inteligências apresentando as características de cada uma. 3. Dê exemplos de pessoas famosas que você considera criativas justificando sua escolha. 119 FUESPI/NEAD - Pedagogia 4. Na sua opinião, de que forma os conhecimentos sobre a memória humana podem auxiliar o professor em sua prática pedagógica. 5. Explicite a sua compreensão de motivação extrínseca e intrínseca, exemplificando-as. PARA FINALIZAR Para concluir esta unidade, na qual destacamos os conceitos de inteligência, criatividade, memória e motivação e fizemos relação com os processos de aprendizagem, é importante o seu empenho na realização das atividades propostas. Para que as ideias fiquem mais claras, é hora de fazer o fichamento. Então, vamos lá! Bons estudos! 121 FUESPI/NEAD - Pedagogia REFERÊNCIAS ARANHA, M. L. A. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 1996. ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. BOCK, A. M. B; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T.PSICOLOGIAS: uma introdução ao estudo de Psicologia. Editora Saraiva, 1999. CARVALHO, M. 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Quanto às atividades do material, estão relacionadas aos conteúdos estudados e compreensíveis para possíveis respostas. ( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM 4. Coloque abaixo suas sugestões para melhorar a qualidade deste e de outros materiais. ____________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________