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Autora: ELZA BARACHO; 6ª EDIÇÃO; SÃO PAULO: EDITORA GUANABARA. INTRODUÇÃO O diabetes melito (DM) é uma doença de alta relevância que desperta continuamente a preocupação das autoridades da saúde pública em decorrência de sua morbidade e mortalidade, além dos consequentes impactos sociais e econômicos. O impacto do DM não decorre apenas do quadro clínico, mas também de alterações funcionais em diferentes órgãos e sistemas, as quais resultam em descontrole metabólico crônico. Conceitua-se diabetes melito gestacional (DMG) o quadro de intolerância glicêmica diagnosticado pela primeira vez durante a gestação. Apesar de a nomenclatura induzir à conclusão de que o DMG seja causado pela gravidez, isso não é totalmente correto, pois o conceito liga-se apenas à temporalidade do diagnóstico, incluindo tanto os casos de distúrbio do metabolismo glicídico não diagnosticados previamente à gestação como também aqueles deflagrados pela gravidez (Quadro 10.1). Por essa razão, só no período puerperal será possível reconhecer se o DMG foi realmente ocasionado pela gravidez. A reclassificação do distúrbio glicídico é realizada após 4 a 6 semanas após o parto. Nas pacientes de alto risco e que na primeira consulta pré-natal já preenchem os critérios para diabetes fora da gestação serão classificadas como diabetes melito tipo 2 e não como DMG. A incidência do DMG é variável, acometendo cerca de 1 a 14% de todas as gestações, com importantes repercussões para a mãe e o bebê, sendo no Brasil cerca de 7% das gestações complicadas pela presença de hiperglicemia gestacional. O diagnóstico precoce e uma assistência pré-natal multiprofissional adequada são fundamentais para a redução da morbidade e da mortalidade materna e perinatal. É indiscutível a contribuição que o fisioterapeuta pode agregar à melhora da qualidade de vida da mulher com DMG, a qual será obtida por meio de elaboração e supervisão de programas de exercícios específicos para obtenção da melhora objetiva dos níveis glicêmicos, se possível a euglicemia. As peculiaridades da doença devem ser lembradas, sem omitir a abordagem educativa e preventiva sobre algias posturais e preparo para o parto, já discutida em outras partes desta obra. Neste capítulo, além de aspectos básicos do DMG, essenciais para a abordagem fisioterapêutica, serão discutidos os principais protocolos de exercícios já testados e os principais parâmetros a serem considerados na prescrição e supervisão dos programas de exercício. FISIOPATOLOGIA DO DIABETES MELITO GESTACIONAL Durante a gravidez, ocorrem várias modificações endócrino-metabólicas cujo objetivo é atender às necessidades maternas e fetais. Essas demandas exigem adaptações no organismo da gestante que, quando não atendidas, podem acarretar prejuízos ao prognóstico materno e perinatal. No grupo de adaptações estão aquelas que exigem maior desempenho do pâncreas endócrino em comparação ao período não gravídico, o que pode causar intolerância à glicose. A placenta produz diversos hormônios essenciais à gestação normal, tais como gonadotrofina coriônica humana, hormônio lactogênio placentário, estrogênios e progesterona. Tais hormônios são contrainsulinêmicos e colaboram na caracterização da gravidez como um estado diabetogênico. No entanto, esse estado hiperglicemiante está sob o controle de mecanismos rigorosos de compensação metabólica, permitindo que a glicose desempenhe o papel de substrato energético essencial para o feto. Nessa situação, potenciais desequilíbrios metabólicos permitem o desajuste, e a gestante desenvolve o quadro de DM. Assim, considera-se que a gravidez seja um fator de risco para o desenvolvimento do DM, constituindo verdadeiro teste para a reserva pancreática materna. Em condições normais, no terceiro trimestre, a grávida desenvolve resistência periférica à insulina, provocando aumento da demanda de produção desse hormônio e consequente hiperinsulinemia. As gestantes cuja reserva pancreática é insuficiente para suportar a adicional demanda hormonal desenvolvem DMG. Ressalte-se, contudo, que o distúrbio glicídico poderia estar presente antes da gravidez. REPERCUSSÕES MATERNAS E FETAIS Sabe-se que o DMG aumenta o risco objetivo de complicações clínicas e obstétricas. Os distúrbios da glicemia, com risco constante de descompensação hiperglicêmica, são preocupações constantes. Adicionalmente, observa-se elevada frequência de distocias e tocotraumatismos maternos e perinatais. Outra variável que deve ser lembrada é a tendência aumentada que 10 a 63% dessas mulheres apresentam no sentido de desenvolverem diabetes permanente. Assim, toda mulher com DMG deve ter um seguimento regular de sua tolerância à glicose nos anos subsequentes à gestação, visando prevenir ou retardar o surgimento de diabetes melito tipo 2 (DM2). A hiperglicemia materna e o excessivo suprimento de glicose para o feto causam o hiperinsulinismo fetal, situação responsável por várias complicações gestacionais (embrionárias e fetais) e neonatais, principalmente no caso de o distúrbio glicêmico ser prévio à gravidez ou precocemente iniciado. As manifestações clínicas mais importantes são macrossomia, morte intraútero e graves distúrbios metabólicos do recém-nascido, liderados por hipoglicemia (secundária ao hiperinsulinismo), hipocalcemia e hipomagnesemia. Ademais, essas crianças têm sua morbimortalidade aumentada em decorrência do retardo na diferenciação funcional pulmonar. DIAGNÓSTICO De forma prática, para o diagnóstico do DMG, a Sociedade Brasileira de Diabetes recomenda os critérios aceitos pela Organização Mundial da Saúde em 2011, que considera os valores da glicemia plasmática em jejum maior que ou igual a 92 mg/dℓ e menor que 126 mg/dℓ. Segundo os critérios do Ministério da Saúde do Brasil, considera-se DMG quando há glicemia de jejum maior que 110 mg/dℓ, ou teste de tolerância à glicose com 75 g de glicose maior que 140 mg/dℓ na segunda hora. O ideal seria que a paciente pudesse avaliar sua glicemia antes da gravidez, corrigindo-a antes da concepção. Isso evitaria as malformações que a hiperglicemia no início da gestação pode causar nos sistemas nervoso central e urinário e no coração do feto. Se não houver tal oportunidade, a busca desse diagnóstico deverá fazer parte da primeira consulta de pré-natal, devendo ser repetida entre a 24ª e a 28ª semana. TRATAMENTO Abordagem multiprofissional A abordagem multiprofissional do DMG envolve a participação de obstetra, endocrinologista, nutricionista, psicólogo e fisioterapeuta, permitindo a adoção das medidas necessárias que objetivam o controle glicêmico. Essas medidas são plurais e de competência específica contextualizada em seus aspectos multiprofissionais. Se possível, o ideal é que o atendimento clínico seja realizado conjuntamente pela equipe multiprofissional na mesma visita pré-natal. Essas medidas tendem a aumentar a confiança da gestante e a aderência às orientações e tratamentos propostos. Não sendo possível a integração geográfica e temporal, recomenda-se a comunicação constante entre os profissionais que acompanham a paciente. Por meio de tal iniciativa facilita-se o entrosamento profissional, permitindo veicular as informações necessárias à paciente, esperando-se, com isso, aumentar as taxas de resultados satisfatórios. Modalidades terapêuticas O tratamento de rotina para o DMG inclui, obrigatoriamente, o monitoramento da glicemia, a prescrição de dieta e o uso de insulina, quando necessário. O suporte psicológico e o exercício físico também são considerados partes integrantes do tratamento. Monitoramento da glicemia O controle da glicemia é realizado com medidas da glicemia plasmática em sangue venoso ou glicemia capilar (utilizando glicosímetro) nos retornos depré-natal. Se a gestante não apresentar ganho de peso excessivo (controle diário do peso), não haverá necessidade de controle glicêmico diário, sendo suficiente apenas o controle do peso. No caso de pacientes com dificuldades de ajuste da glicemia, elas se beneficiam da glicemia capilar diária. Se o controle glicêmico for considerado satisfatório, o tratamento instituído deverá ser mantido. Em alguns atendimentos ambulatoriais realizados no Brasil, o controle metabólico é feito a cada 15 dias a partir do início da gestação, seguindo um roteiro determinado com início às 7 h da manhã. Ao chegar, a gestante tem sua glicemia de jejum aferida e recebe o café da manhã, com número conhecido de calorias (10 a 15% das calorias prescritas para a dieta diária total; normalmente, esse número varia de 250 a 300 calorias). Ela recebe um lanche às 10 h (aproximadamente 100 calorias), e nova glicemia é realizada. Entre 11h30 e 12h, a paciente terá um almoço também balanceado (700 a 900 calorias). Duas horas após almoçar, tem a glicemia avaliada novamente. Consideram-se normais os três valores glicêmicos quando estiverem entre 92 e 125 mg/ℓ. Fora desses parâmetros, deve-se procurar adaptar a dieta ou a dieta mais insulina às alterações detectadas. Casos de hipo e hiperglicemia são igualmente importantes e precisam ser corrigidos. Medidas glicêmicas acima de 200 mg/dℓ ou abaixo de 50 mg/ℓ indicam necessidade de internação para ajuste metabólico. Dieta A intervenção nutricional é decisiva no controle do DMG. Sua prescrição é feita pelo obstetra em conjunto com o endocrinologista e controlada pelo nutricionista. O cálculo do valor calórico total da dieta da gestante deve basear-se índice de massa corporal, frequência e intensidade da atividade física da gestante e padrão de crescimento fetal. De maneira geral: A dieta terá 25 a 40 kcal/kg de peso ideal, na dependência do índice de massa corporal (IMC). Quanto maior o IMC, menor a quantidade de kcal liberada Idealmente, a composição da dieta deverá ser de 15 a 20% de proteínas, 40 a 45% de glicídios (absorção lenta) e 30 a 40% de gordura Para gestantes obesas com IMC > 29 kg/m2, a dieta não deve ultrapassar 30 kcal/kg/dia A inserção ao programa dietético é aferida por meio de diário alimentar e do ganho de peso Em média, o ganho de peso semanal não deve ultrapassar 300 a 400 g. Insulinoterapia A insulinoterapia é utilizada sempre que, apesar da dieta e do programa de exercícios, a média glicêmica diária (MG) estiver acima de 100 mg/dℓ, com glicemia de jejum maior ou igual a 95 mg/dℓ e glicemias pós-prandiais acima de 120 mg/dℓ. Acompanhamento pré-natal O acompanhamento pré-natal é essencial, devendo coincidir os retornos para avaliação obstétrica com os retornos para avaliação metabólica. O intervalo deverá ser de 2 a 3 semanas até a 32a semana de gestação e semanal após esta idade gestacional. Do ponto de vista obstétrico, objetiva-se evitar ou diagnosticar precocemente as alterações morfológicas fetais (malformações e fetos grandes para a idade gestacional), prematuridade e sofrimento fetal. Resolução da gravidez As gestantes que apresentam bom controle metabólico e que não apresentam antecedentes obstétricos como macrossomia, morte prinatal ou complicações associadas podem aguardar a evolução espontânea para o parto a termo. Não se indica cesariana pelo DMG, sendo a via de parto uma decisão obstétrica. DIABETES E EXERCÍCIO As respostas hormonais deflagradas com o exercício físico incluem, entre outras, a redução da insulinemia e a elevação dos hormônios contrarreguladores, os quais ajustam a produção hepática às captações de glicose, mantendo constante a glicemia e a queda dos níveis de insulina, provocando também a mobilização de ácidos graxos. No indivíduo normal, a redução no nível de insulina decorrente da atividade física promove ainda melhor utilização da glicose. O exercício físico também potencializa o efeito hipoglicemiante da insulina, reduzindo, assim, as doses diárias necessárias para o controle metabólico. Entretanto, em diabetes mal controlado, o exercício pode elevar a glicemia e a cetonemia; além disso, o exercício vigoroso pode precipitar arritmias, variações acentuadas nos níveis pressóricos, infarto miocárdico e até morte súbita em diabéticos nas fases mais avançadas da doença. Nesses pacientes, o excesso de exercício pode provocar hemorragias retinianas, exacerbar proteinúria em nefropatas e causar lesões ortopédicas e dermatológicas em portadores de neuropatias periféricas sensoriais. Por essas razões, os exercícios devem ser orientados por profissionais treinados. De acordo com Silva et al. (2004), um programa de exercício é de grande importância no controle glicêmico do indivíduo diabético do tipo 2, tratado e não tratado com insulina, pois diminui a glicemia e a hemoglobina glicosilada. Considerando que as gestantes diabéticas gestacionais comportam-se como pacientes diabéticas do tipo 2, a prática de exercícios físicos apresenta-se de grande valia para o controle glicêmico e, consequentemente, para a redução de complicações maternas, fetais e neonatais. O exercício físico reduz os níveis de glicemia em diabéticos, em virtude de melhor utilização da insulina na captação de glicose pelos tecidos. Para obter um bom controle glicêmico, deve-se ajustar a dose da insulina e a ingestão calórica ao gasto energético da atividade física. Isso reforça a necessidade de uma atuação multiprofissional que inclua a participação de fisioterapeuta e nutricionista. O estudo retrospectivo de Wang et al. (2015) com 2.750 gestantes com DMG, das quais 2.061 (74,9%) realizaram programas de exercício com início na 25,8 ± 3,7 semana de gestação, demonstrou que o exercício reduziu o aumento de índice de massa corporal, o baixo peso ao nascimento, o parto pré-termo e a macrossomia. Em uma avaliação prospectiva de 33 pacientes portadores de diabetes, usuários ou não de insulina, Silva et al. (2004) observaram melhora nos níveis glicêmicos de jejum, hemoglobina glicosilada, lipídios plasmáticos, frequência cardíaca de repouso e índice de massa corporal, além de relatarem que indivíduos diabéticos com músculos treinados apresentam utilização da glicose notavelmente maior em comparação a indivíduos não treinados. Programas de exercício devem ser continuados para que se perceba o benefício sustentado dos valores da glicemia dentro do esperado, das taxas de hemoglobina, do perfil lipídico e da frequência cardíaca. Além disso, a intensidade, a frequência e a duração do exercício devem ser mensuradas e analisadas, pois determinadas atividades são mais efetivas que outras, promovendo melhor utilização glicêmica. PROTOCOLOS DE EXERCÍCIOS TESTADOS NO DIABETES MELITO GESTACIONAL Os resultados da pesquisa realizada por Durak et al. (1990) nortearam a realização de um importante estudo realizado por Jovanovic-Peterson e Peterson. (1991) sobre a efetividade de um programa de exercícios realizado com os membros superiores por gestantes com DMG. Nesse estudo de Durak et al. (1990), foram avaliados 5 tipos de exercícios, realizados por 95 gestantes de baixo risco. Durante a realização dos exercícios, eram monitorados a pressão arterial materna, a atividade uterina e os batimentos cardíacos fetais (BCF). O exercício realizado em bicicleta ergométrica causou contração uterina nas gestantes participantes (50% das 25 sessões de exercício). Por sua vez, a caminhada desencadeou contração uterina nas participantes em 40% de 10 sessões. O exercício realizado com os membros superiores com movimentos de remar, com as gestantes sentadas e recostadas, desencadeou contração uterina nas mesmas em 10% de 20 sessões. A utilização de aparelho ergométrico para exercícios com os membros superioresnão desencadeou contração uterina nas participantes em 20 sessões. Os autores concluíram que os exercícios com menor risco de causarem contrações uterinas, elevação da pressão arterial materna ou alteração do batimento cardíaco fetal são os realizados com os membros superiores, mantendo as gestantes sentadas e recostadas, com menor sobrecarga ao tronco. Em 1991, Jovanovic-Peterson e Peterson. estudaram 20 mulheres diabéticas, no terceiro trimestre gestacional, que foram distribuídas aleatoriamente em grupo- controle (dieta durante 6 semanas) e grupo experimental (dieta e exercícios durante o mesmo período). Os exercícios, com duração de 20 min, por 3 vezes na semana, durante 6 semanas, foram restritos aos membros superiores, realizados com as gestantes sentadas e recostadas. As gestantes exercitaram-se até atingir 70% da frequência cardíaca máxima (FCM), sob supervisão. Os resultados relacionados aos níveis glicêmicos nos dois grupos começaram a divergir a partir da 4ª semana de estudo. Na 6ª semana, as gestantes submetidas ao exercício apresentaram melhora significativa dos níveis glicêmicos quando comparadas às do grupo-controle. Em estudo realizado por Bung et al. (1993), foram incluídas 34 gestantes portadoras de diabetes com idade gestacional entre 28 e 33 semanas. Apesar da dieta adequada, essas gestantes continuavam com hiperglicemia de jejum de 105 a 140 mg/dℓ. As integrantes do grupo-controle foram tratadas com insulina e, as do grupo experimental, com exercício e dieta. O programa de exercícios foi realizado em laboratório, 3 vezes/semana, utilizando bicicleta ergométrica com recosto, durante 45 min. A intensidade do exercício era moderada (50% do consumo máximo de oxigênio), e as gestantes foram orientadas a manterem as atividades rotineiras. Observou-se controle glicêmico nos dois grupos estudados. Não foram encontradas diferenças quanto aos escores de Apgar e ao peso do recém-nascido. A efetividade de um programa de exercício parcialmente realizado em casa por portadoras de DM sobre a redução dos níveis glicêmicos foi avaliada por Avery et al. (1997). Foram incluídas 29 gestantes diabéticas que fizeram parte do grupo-controle ou do grupo experimental após sorteio. As do grupo-controle fizeram dieta e, as do grupo experimental, além de dieta, exercitavam-se durante 30 min, 3 a 4 vezes/semana, até o término da gravidez. Por 2 vezes/semana os exercícios eram realizados em uma bicicleta ergométrica sob supervisão do pesquisador, com monitoramento contínuo dos batimentos cardíacos maternos. Em uma das sessões, também era realizado o monitoramento fetal antes e depois do exercício. Uma ou 2 vezes/semana, as gestantes exercitavam-se em casa, sem supervisão, mas com registro do quanto haviam se exercitado, facultando-lhes a escolha entre caminhar ou pedalar em uma bicicleta ergométrica. Houve melhora do condicionamento cardiovascular nas gestantes do grupo experimental, entretanto, os dois grupos não diferiram em relação aos níveis glicêmicos e às complicações fetais. Os autores acreditam que a falta de efetividade do programa na melhora do perfil glicêmico possa ter decorrido da supervisão deficiente, uma vez que “muitos sujeitos no estudo perceberam que as sessões realizadas em casa eram menos intensas que as supervisionadas”. Torna-se importante observar que, apesar da não efetividade desse programa em relação aos níveis glicêmicos, ele se mostrou seguro quando levados em consideração os escores de Apgar, a idade gestacional no parto e as menores taxas de cesárea entre os grupos estudados. Analisando um grupo de 20 gestantes diabéticas, García-Patterson et al. (2001) avaliaram o efeito do exercício físico sobre a glicemia de jejum 1 e 2 h após o café da manhã (20 g de carboidrato). Em um dia as pacientes permaneciam sentadas durante o período do estudo (dia-controle) e, em outro, elas se exercitavam (dia de estudo). Neste dia, elas caminhavam em uma superfície plana durante 1 h, depois do café da manhã, a uma velocidade de 2,52 km/h e incremento de 9 batimentos cardíacos por minuto (bpm). Houve redução significativa na dosagem da glicose sanguínea 1 h após o café da manhã nos dias de estudo. Esse efeito foi mais pronunciado naquelas mulheres que apresentavam maiores valores de glicemia nos dias-controle. Concluiu- se que gestantes diabéticas podem beneficiar-se com caminhadas pós-prandiais de baixa intensidade, visando otimizar os efeitos dos exercícios sobre os níveis glicêmicos. Em 2001, Avery et al. avaliaram o efeito de uma única sessão de exercício sobre a glicemia e a insulinemia em 30 mulheres portadoras de DMG que não se exercitavam regularmente e não faziam uso de insulina. Durante a sessão de exercício, elas se exercitavam 15 min em baixa intensidade (50 a 60% da FCM) e 15 min em intensidade moderada (60 a 70% da FCM), seguindo-se período de descanso de 2 h após o exercício. Uma amostra de sangue era colhida antes do início do exercício e a cada 15 min até o final da segunda hora de descanso. Os níveis de glicose sanguínea foram significativamente mais baixos depois da atividade, redução proporcional à intensidade do exercício. A avaliação de 45 min após o exercício demonstrou que as taxas glicêmicas eram praticamente idênticas para todas as grávidas do estudo. Em 2004, Brankston et al. estudaram os efeitos de um programa de exercícios resistidos em mulheres com DMG sobre a necessidade do uso de insulinoterapia. Participaram 32 mulheres com esse diagnóstico, randomicamente distribuídas para serem tratadas somente com dieta ou com dieta e exercícios. As gestantes do grupo- controle (sem DMG) seguiram o mesmo protocolo de exercícios. Um instrutor experiente supervisionou 3 sessões iniciais de exercícios e, posteriormente, fez contato semanal com as participantes para estimular a adesão ao programa. As mulheres foram orientadas a realizar os exercícios 3 vezes/semana. O programa constava de 8 tipos de exercícios com intervalos curtos (< 1 min) entre as séries. Os exercícios envolviam grupos musculares dos membros inferiores e superiores e eram feitos com faixas de borracha. Na primeira e na segunda semanas, foram executadas 2 séries de 15 repetições para cada tipo de exercício. Na terceira semana, 3 séries de 15 repetições e, da quarta semana até o final da gestação, 3 séries de exercícios com 20 repetições. As pacientes foram ensinadas a monitorar a própria frequência cardíaca durante o exercício e a não permitir que esta ultrapassasse 140 bpm. Os resultados mostraram que o número de mulheres que necessitaram de insulina foi o mesmo nos dois grupos. Contudo, nas grávidas com sobrepeso, a necessidade de insulina foi menor entre aquelas do grupo que recebeu dieta e exercícios. Os autores concluíram que exercícios resistidos podem ajudar a evitar e/ou postergar a insulinoterapia em gestantes diabéticas com sobrepeso. Em estudo realizado por Barros et al. (2010) foram propostos exercícios resistidos, realizados com faixa elástica. Selecionaram-se 64 mulheres com DMG distribuídas randomicamente em um grupo experimental (GE), que realizou exercício (n = 32) e em um grupo-controle (GC), que não realizou (n = 32). As mulheres foram incluídas na pesquisa no momento do diagnóstico de DMG. As pacientes eram orientadas a iniciar o protocolo de exercícios 90 min após alguma refeição. Se os valores da glicemia capilar ficassem entre 100 e 250 mg/dℓ, as mulheres do GE iniciavam o protocolo; se aferidos valores inferiores, eram orientadas a fazer o exercício no dia seguinte e, se superiores, eram encaminhadas ao acompanhamento obstétrico. O protocolo utilizado incluía exercícios para bíceps, tríceps, deltoide, quadríceps, músculos da coxa e panturrilha. Eram realizadas 15 repetições e o tempo de repouso entre as séries era de 30 s a 1 min. Nas primeiras 2 semanas,foram realizadas 2 séries dos exercícios e, a partir da terceira, 3 séries, o que era mantido até o final da gestação. A intensidade foi controlada por uma escala de percepção, e foi solicitada a manutenção entre 5 e 6, o que corresponde a “um pouco pesado”. As voluntárias voltavam ao serviço 1 vez/semana para acompanhamento e recebiam um folheto de orientação para realizarem os exercícios em domicílio, em dias alternados. Concluiu-se que os exercícios foram eficazes na redução da necessidade de insulina nas mulheres com DMG e na diminuiçao dos níveis de glicose no sangue. Recente revisão sistemática com metanálise conduzida por Harrison et al. (2016) incluiu oito ensaios clínicos randomizados e controlados com 588 gestantes com DMG, submetidas a protocolos de exercício de baixa intensidade, incluindo exercícios na bicicleta ergométrica, caminhada ou ioga na frequência de mais de uma vez/semana. A metanálise mostrou que os exercícios juntamente aos cuidados usuais aumentaram significativamente o controle da glicemia pós-prandial (média –0,33 mmol/ℓ, intervalo de confiança [IC] 95% –0,49 a –0,17) quando comparada apenas aos cuidados usuais, sem aumento dos eventos adversos. Efeitos similares foram observados para os exercícios aeróbicos e resistidos, se executados em uma intensidade moderada a forte, por 20 a 30 min, 3 a 4 vezes/semana. Todos os estudos relataram que complicações ou efeitos adversos tiveram redução com os exercícios. Portanto, exercícios realizados em intensidade moderada pelo menos três vezes na semana ajudam na redução do controle da glicemia pós-prandial e de outras medidas de controle glicêmico nas mulheres com DMG. VANTAGENS DOS PROGRAMAS DE EXERCÍCIOS SUPERVISIONADOS Os programas de exercícios supervisionados por profissionais qualificados parecem ser mais eficazes na melhora dos níveis glicêmicos, uma vez que permitem às mulheres se exercitarem em uma intensidade adequada, fazendo com que elas se sintam mais seguras. Outras vantagens apontadas por Durak et al. (1990) são: o fato de as sessões serem monitoradas; a prescrição dos exercícios ser individualizada e alterada conforme as necessidades das gestantes; o fato de haver maior segurança na realização dos exercícios, proporcionada pela correção da mecânica corporal durante a execução, e indicação de interrupção quando necessário. Além disso, o contato com a paciente permite o desenvolvimento de atividade educativa com o fornecimento de informações que podem contribuir para a melhora na qualidade de vida dela. PRESCRIÇÃO DE EXERCÍCIOS À PACIENTE COM DIABETES MELITO GESTACIONAL A indicação de exercício para gestante de baixo risco já foi motivo de controvérsias, amenizadas atualmente pelo último parecer do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), divulgado em 2002. Respaldado em inúmeras pesquisas realizadas nos últimos 40 anos, o ACOG definiu importantes parâmetros de segurança para realização dos exercícios. Para a American Diabetes Association (ADA), o exercício é uma valiosa forma de terapia de suporte para o DMG. A prescrição de exercícios a grupos especiais, como gestantes diabéticas, com obesidade mórbida e hipertensão crônica, deve ser necessariamente individualizada. Na prescrição de exercícios físicos a portadoras de DMG, é importante a consideração tanto de parâmetros que garantam o máximo de segurança na execução do programa, quanto dos aspectos relacionados à otimização dos efeitos benéficos. O ideal é que os níveis de glicemia sejam monitorados antes e depois de cada sessão de exercício. Frequência e duração do exercício É importante que a gestante se exercite com uma frequência de 3 a 4 vezes/semana, intensidade moderada (regulada pela frequência cardíaca e escala para percepção do esforço) e duração de 15 a 30 min (exercício aeróbico). Deve-se, contudo, levar em consideração o nível de atividade física pré-gestacional. Intensidade do exercício As gestantes devem exercitar-se em uma faixa entre 65 e 75% da frequência cardíaca máxima para garantir uma intensidade adequada na redução dos níveis de glicose sanguínea, sem causar fadiga excessiva. Escolha da modalidade do exercício Parece que os exercícios realizados primordialmente com os membros superiores desencadeiam menor número de contrações uterinas do que aqueles realizados com os membros inferiores. Entretanto, os protocolos já testados que utilizaram caminhadas e bicicleta ergométrica não evidenciaram maiores taxas de parto pré-termo e/ou outras complicações obstétricas. Portanto, essas são também opções a serem consideradas, dependendo da preferência de cada gestante. A prescrição de exercícios resistidos também tem sido estudada e parece auxiliar no manejo do DMG. No entanto, mais estudos são necessários antes de tecerem-se conclusões precisas sobre tal tipo de exercício. Sinais de alerta para interrupção do exercício Os sinais de alerta para interrupção dos exercícios ou do programa de exercícios são: sangramento vaginal; dispneia antes do esforço; cefaleia; dor no peito; fadiga muscular; contrações uterinas rítmicas (mais de 3 contrações em 10 min); trabalho de parto pré-termo; diminuição dos movimentos fetais; perda de líquido amniótico e sintomas de hipoglicemia, tais como náuseas e tonturas. Orientações importantes A orientação dietética é essencial, bem como a hidratação adequada durante o exercício As gestantes diabéticas devem ser incentivadas a manter uma vida ativa. Orientar caminhada leve progressiva de 15 min a 1 h após as refeições As gestantes devem ser orientadas a identificar e relatar a ocorrência de contrações uterinas durante a realização do exercício. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de a literatura mundial sobre exercícios físicos e DMG ser relativamente escassa, deixando uma série de importantes questões ainda sem respostas, a ADA sustenta a indicação de exercícios como terapia complementar à dieta. Adicionalmente, o ACOG destaca a importância da individualização dos programas de exercícios para as gestantes com DMG, bem como a utilização dos parâmetros de segurança já estabelecidos. O fisioterapeuta que atua na área de Saúde da Mulher é o profissional que possui os pré-requisitos necessários para compor a equipe multiprofissional que presta assistência à gestante diabética, devendo conhecer tanto os aspectos peculiares do DMG quanto da prescrição de exercícios à gestante, qualificando-o para elaborar e supervisionar programas de exercícios específicos que consigam aliar segurança e eficácia na busca do controle da glicemia materna.
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