Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
2011 História da américa Prof. Manoel José Fonseca Rocha Prof. Anderson Nereu Galcowski Copyright © UNIASSELVI 2011 Elaboração: Prof. Manoel José Fonseca Rocha Prof. Anderson Nereu Galcowski Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: 980 R672h Rocha, Manoel José Fonseca História da América / Manoel José Fonseca Rocha; Anderson Nereu Galcowski. Indaial : UNIASSELVI, 2011. 192 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-391-4 1. História da América; I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. Ensino a Distância. II. Título. III apresentação Prezado(a) acadêmico(a)! Você está começando o estudo da disciplina de História da América. A partir desse momento, convidamos você a conhecer um pouco sobre a história do continente em que vivemos, dos seus primórdios até nossos dias. O conteúdo presente nesse caderno, e que você irá estudar, foi elaborado com uma linguagem simples, objetiva e dialógica. Você irá perceber que nossa preocupação será levá-lo a pensar e dialogar com os textos apresentados. Para melhor atingir os objetivos propostos, dividimos o caderno em três unidades, as quais estão subdivididas em quatro tópicos. A primeira unidade traz o processo que levou à colonização da América. Nesse sentido, caracterizaremos os motivos que levaram o europeu a colonizar o continente, bem como as civilizações que aqui viviam e, consequentemente, as populações que para cá vieram. Por fim, descreveremos os diversos tipos de colonização adotados pelo colonizador europeu. Nossa intenção, nessa unidade, será fornecer condições para que você possa compreender e refletir sobre o processo que levou à colonização da América. Na segunda unidade, nosso objetivo é apresentar a independência das colônias americanas, como sendo resultado de um processo norteado por interesses internos e externos. Nesse sentido, apresentaremos o processo que levou à independência da América inglesa e da América espanhola, procurando, sempre que for possível, estabelecer uma reflexão com o processo de independência do Brasil. Ainda nessa unidade, descreveremos e refletiremos sobre uma das guerras mais marcantes da história da América - a Guerra do Paraguai. Na terceira unidade, será apresentada a História mais recente da América. Aqui descreveremos e refletiremos sobre a Revolução Cubana, as Ditaduras da América Latina e sobre os Blocos Econômicos, que nortearam a economia americana nos séculos XX e XXI. Sempre que você precisar esclarecer dúvidas sobre os conteúdos ou sobre atividades presentes no seu caderno, entre em contato conosco! Não se esqueça de fazer as atividades, elas são importantes para o seu aprendizado. Um grande abraço. Prof. Manoel José Fonseca Rocha Prof. Anderson Nereu Galcowski IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS ........................ 1 TÓPICO 1 – A CRISE DO SISTEMA FEUDAL E O ACHAMENTO DE NOVAS TERRAS .... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 O FEUDALISMO .................................................................................................................................. 3 3 A CRISE DO FEUDALISMO .............................................................................................................. 8 4 A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: UMA SAÍDA PARA A CRISE EUROPEIA .................... 10 5 A EUROPA ENTRE OS SÉCULOS XI-XIII ...................................................................................... 11 6 A AMÉRICA COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL .................................................................. 14 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 15 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 16 TÓPICO 2 – A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS ...................................................................... 17 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 17 2 OS PRIMÓRDIOS DA MESOAMÉRICA ....................................................................................... 17 LEITURA COMPLEMENTAR 1 ............................................................................................................ 23 3 SOCIEDADES ANDINAS .................................................................................................................. 24 LEITURA COMPLEMENTAR 2 ............................................................................................................ 29 4 OS NATIVOS DO BRASIL EM 1500 ................................................................................................ 31 4.1 O COTIDIANO E SOBREVIVÊNCIA DOS NATIVOS ............................................................... 32 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 36 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 37 TÓPICO 3 – AMÉRICA PORTUGUESA ............................................................................................. 39 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 39 2 AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES.......................................................................................................... 39 3 A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA ....................................................................................... 41 4 OS MÉTODOS UTILIZADOS PARA A CONQUISTA ................................................................ 45 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................48 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 49 TÓPICO 4 – AMÉRICA ESPANHOLA ................................................................................................ 51 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 51 2 A CONQUISTA DO NOVO MUNDO ............................................................................................. 51 3 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA METROPOLITANA ....................................................................... 52 4 ESTRUTURA SOCIAL E ECONÔMICA NA AMÉRICA ESPANHOLA .................................. 53 4.1 CLASSES SOCIAIS E MÉTODOS DE TRABALHO NA COLÔNIA ........................................ 54 5 A CRISE COLONIAL ESPANHOLA ................................................................................................ 55 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 58 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 59 TÓPICO 5 – AMÉRICA INGLESA ....................................................................................................... 61 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 61 2 INGLESES NA AMÉRICA DO NORTE ........................................................................................... 61 sumário VIII 3 A ESTRUTURA COLONIAL .............................................................................................................. 63 4 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ............................................................................................ 65 RESUMO DO TÓPICO 5........................................................................................................................ 66 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 67 TÓPICO 6 – A AMÉRICA FRANCESA ............................................................................................... 69 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 69 2 A PRESENÇA FRANCESA NO BRASIL .......................................................................................... 69 3 OS FRANCESES NA AMÉRICA DO NORTE ................................................................................ 70 RESUMO DO TÓPICO 6........................................................................................................................ 71 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 72 UNIDADE 2 – DO PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA COLONIAL À GUERRA DO PARAGUAI ...................................................................................... 73 TÓPICO 1 – O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA INGLESA ......................... 75 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 75 2 AS INFLUÊNCIAS EXTERNAS ......................................................................................................... 75 3 AS ETAPAS DA INDEPENDÊNCIA ................................................................................................. 77 3.1 AS LEIS INTOLERÁVEIS .............................................................................................................. 77 3.2 O PRIMEIRO CONGRESSO CONTINENTAL DA FILADÉLFIA ............................................ 78 3.3 O SEGUNDO CONGRESSO CONTINENTAL DA FILADÉLFIA ........................................... 79 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 82 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 87 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 88 TÓPICO 2 – O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA ESPANHOLA .................. 89 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 89 2 AS INFLUÊNCIAS EXTERNAS ......................................................................................................... 89 3 A INDEPENDÊNCIA GRADUAL E A FRAGMENTAÇÃO POLÍTICA ................................... 91 3.1 JOSÉ DE SAN MARTÍN ................................................................................................................. 92 3.2 SIMON BOLÍVAR ............................................................................................................................ 93 4 A NECESSIDADE DE CONSOLIDAR A INDEPENDÊNCIA .................................................... 95 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 97 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................101 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................102 TÓPICO 3 – OS ESTADOS UNIDOS: “OS GUARDIÃES DA AMÉRICA” ..............................103 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................103 2 A DOUTRINA MONROE .................................................................................................................103 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................106 3 O BIG STICK ........................................................................................................................................108 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................110 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................111 TÓPICO 4 – GUERRA DO PARAGUAI ............................................................................................113 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................113 2 AS CAUSAS DA GUERRA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS ................................................113 2.1 O PARAGUAI DEPOIS DA GUERRA ........................................................................................119 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................121 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................125 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................126 IX UNIDADE 3 – A AMÉRICA NO SÉCULO XX .................................................................................127 TÓPICO 1 – A ARGENTINA E O PERONISMO ............................................................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1292 ARGENTINA E BRASIL: UMA BREVE COMPARAÇÃO .........................................................129 3 A ASCENSÃO DO PERONISMO ...................................................................................................132 3.1 A DÉCADA INFAME ....................................................................................................................133 3.2 OS DOIS MANDATOS DE PERÓN ............................................................................................134 4 A ARGENTINA LOGO APÓS PERÓN ..........................................................................................136 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................138 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................139 TÓPICO 2 – A REVOLUÇÃO CUBANA ...........................................................................................141 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................141 2 O QUADRO SOCIOECONÔMICO DE CUBA ANTES DA REVOLUÇÃO ..........................141 3 CUBA NO PERÍODO REVOLUCIONÁRIO .................................................................................144 3.1 A SIERRA MAESTRA E FIDEL ...................................................................................................145 3.2 CUBA APÓS A REVOLUÇÃO.....................................................................................................148 4 CUBA HOJE: UM BREVE RETRATO .............................................................................................151 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................154 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................158 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................159 TÓPICO 3 – AS DITADURAS DA AMÉRICA LATINA................................................................161 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................161 2 CARACTERÍSTICAS .........................................................................................................................161 2.1 A ARGENTINA DE GALTIERI A ALFONSÍN ..........................................................................162 2.2 O CHILE DE PINOCHET .............................................................................................................164 LEITURA COMPLEMENTAR 1 ..........................................................................................................169 2.3 O PARAGUAI DE STROESSNER ................................................................................................171 LEITURA COMPLEMENTAR 2 ..........................................................................................................173 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................176 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................177 TÓPICO 4 – OS BLOCOS ECONÔMICOS AMERICANOS ........................................................179 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................179 2 BLOCOS ECONÔMICOS .................................................................................................................180 2.1 O NASCIMENTO ..........................................................................................................................180 2.2 OBJETIVOS .....................................................................................................................................180 3 O MERCOSUL .....................................................................................................................................182 3.1 O NASCIMENTO ..........................................................................................................................182 3.2 OBJETIVOS .....................................................................................................................................183 4 OUTROS BLOCOS ECONÔMICOS ..............................................................................................183 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................185 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................187 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................188 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................189 X 1 UNIDADE 1 A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • identificar as razões que levaram à colonização do continente americano; • compreender a estrutura colonial portuguesa, espanhola, inglesa, francesa e holandesa; • refletir, a partir do contexto colonial, sobre a situação atual do nativo americano; • conhecer e comparar as diferenças existentes entre o processo de coloniza- ção inglesa, espanhola, francesa, holandesa e portuguesa e refletir sobre suas influências na realidade atual. Esta unidade está dividida em seis tópicos. Em cada um deles, você encontrará atividades que contribuirão para a apropriação dos conteúdos. TÓPICO 1 – A CRISE DO SISTEMA FEUDAL E O ACHAMENTO DE NOVAS TERRAS TÓPICO 2 – A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS TÓPICO 3 – AMÉRICA PORTUGUESA TÓPICO 4 – AMÉRICA ESPANHOLA TÓPICO 5 – AMÉRICA INGLESA TÓPICO 6 – A AMÉRICA FRANCESA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A CRISE DO SISTEMA FEUDAL E O ACHAMENTO DE NOVAS TERRAS 1 INTRODUÇÃO A colonização da América está atrelada às transformações econômicas e políticas ocorridas na Europa a partir do século XII. Neste sentido, consideramos relevante analisar, mesmo que brevemente, tais transformações. Esta análise deve proporcionar uma aproximação entre você, acadêmico (a), e os fundamentos culturais recorrentes na Europa neste período. Assim, consideramos elementar iniciar esta reflexão a partir das principais características do feudalismo e, sobretudo, os motivos que ocasionaram a ruína desse sistema. Nessas primeiras páginas, estudaremos sobre a constituição do feudalismo, sua concepção e seus agentes predominantes. Em seguida, será observado o período caracterizado pela crise do sistema feudal e suas consequências que culminaram na “necessidade” da exploração de novos territórios a fim de satisfazer as necessidades da economia europeia. Portanto, através desta unidade, objetivamos compreender os motivos que ocasionaram a vinda dos europeus para a América. 2 O FEUDALISMO Considerando a crise do sistema feudal, fator preponderante para o processo de expansão marítima e imperialista europeia no final da Idade Média, nos parece coerente iniciar nossa leitura relembrando e até mesmo aprofundando nossa reflexão acerca das principais características pertinentes ao feudalismo. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 4 FIGURA 1 – EXEMPLO DE FEUDO FONTE: Disponívelem: <http://www.professoraclara.com/imagens/feudal/feudo-des.JPG>. Acesso em: 27 out. 2010. O sistema feudal emerge a partir do século X atingindo seu apogeu entre fins do século XII e início do século XIII. Assim, Pelo século XIII, o feudalismo europeu já havia produzido uma civilização unificada e desenvolvida, que registrava um enorme avanço em relação às comunidades rudimentares e fragmentadas da Idade Média. Eram muitos os índices deste avanço. O primeiro e mais fundamental deles foi o grande salto para frente que produziu o excedente agrícola no feudalismo. Isto porque as novas relações de produção rural haviam permitido um impressionante aumento na produtividade agrícola. As inovações técnicas que eram os instrumentos materiais deste aumento foram basicamente o arado de ferro para lavrar, os arreios firmes para tração equina, o moinho de água para a força mecânica, o adubo calcário para a melhoria do solo e o sistema de três campos para a rotação de semeaduras. (ANDERSON, 2004, p. 177-178). TÓPICO 1 A CRISE DO SISTEMA FEUDAL E O ACHAMENTO DE NOVAS TERRAS 5 FIGURA 2 – DIAGRAMA DE UM FEUDO FONTE: Burns, 1993 E sobre isto Perry Anderson nos alerta para que de fato não foi o “simples” advento de novas tecnologias voltadas à produção agrícola que estimularam esse emergente sistema social. Somente após a consolidação do sistema feudal, ou seja, as configurações das relações sociais de produção é que esses elementos associados foram amplamente implementados. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 6 Em suma, este autor defende a tese de que a simples invenção desses implementos não foi suficiente para alavancar a constituição de um novo modelo social, pelo contrário, ganhou significado a partir da consolidação das relações sociais que caracterizaram o feudalismo como as concessões de posse da terra, dependência entre servos e senhores entre outras. Ao longo da conhecida Idade Média Ocidental, o feudalismo apresentou- se como o resultado do processo de aculturação entre as sociedades romana e bárbara, fato resultante da invasão desses ao território ocupado por aquela. Sua estrutura baseava-se em alguns pilares dentre os quais: o social, o político, o econômico e o religioso. NOTA Segundo o Dicionário Aurélio, aculturação é o “processo decorrente do contato mais ou menos direto e contínuo entre dois ou mais grupos sociais, pelo qual cada um desses grupos assimila, adota ou rejeita elementos da cultura do outro, seja de modo recíproco ou unilateral, e podendo implicar, eventualmente, subordinação política”. FIGURA 3 – SÍNTESE DA SOCIEDADE FEUDAL Clero Nobreza Camponeses e Servos FONTE: Disponível em: <http://www.asdicas.com.br/wp-content/uploads/2010/03/feudalismo. png>. Acesso em: 27 out. 2010. TÓPICO 1 A CRISE DO SISTEMA FEUDAL E O ACHAMENTO DE NOVAS TERRAS 7 A seguir caracterizamos de maneira sucinta quatro desses pilares: ● Social: as relações de poder manifestavam-se através da posse da terra. O poder em questão estava vinculado ao fato de ter ou não a posse desta. Aqueles que dependiam de um senhor - proprietário de terras – encontravam-se em uma situação de submissão. ● Político: representa um período em que o poder político estava descentralizado com relação ao rei. Os reis, em virtude das práticas de susserania e vassalagem, perderam parte considerável do poder político, agora nas mãos dos senhores, figura mais próxima e presente no cotidiano da vila. ● Econômico: caracterizava-se pela autossuficiência econômica e pela ausência quase total do comércio e de intercâmbios monetários. A produção era predominantemente agropastoril, voltada para a subsistência, e as trocas eram feitas com produtos, não com dinheiro. ● Religioso: a Igreja se tornou proprietária de uma grande quantidade de feudos, e consequentemente, exerceu forte poder político e econômico na sociedade, exercendo inclusive controle sobre a produção científica e cultural da época. Estes quatro pilares, somados, foram fundamentais para que o feudalismo mantivesse suas sólidas estruturas por basicamente mil anos. A sociedade concentrava-se no âmbito rural e era no feudo que gravitava a vida social do homem medieval. Num único feudo existiam campos cultiváveis, a capela (para os habitantes dos feudos rezarem), os bosques (para os senhores feudais promoverem suas caçadas), as vilas (onde camponeses moravam). Aqui, o senhor feudal era realmente, nas palavras de Marx, ‘o manipulador e controlador do processo de produção e de todo o processo da vida social’ – ou seja, uma necessidade funcional do avanço agrícola. Naturalmente, este avanço era obtido ao mesmo tempo para benefício do proprietário do moinho e à custa do vilão. Outras banalités tinham caráter mais puramente confiscatório, mas a maioria era derivada do uso coercitivo dos meios de produção superiores controlados pela nobreza. As banalités foram profundamente odiadas durante toda a Idade Média e eram sempre um dos primeiros objetivos de ataques populares durante os levantes camponeses. O papel direto do senhor na administração e supervisão do processo de produção naturalmente declinava, enquanto o próprio excedente aumentava: desde cedo bailios e intendentes administravam grandes propriedades para uma nobreza mais elevada que se havia tornado economicamente parasitária. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 8 NOTA Significado de bailio: s. m. Nome dado em diversos países a magistrados com várias atribuições e hierarquias. Comendador, nas antigas ordens militares. FONTE: Disponível em:< http://www.dicionarioweb.com.br/bailio.html>. [...] “O camponês típico devia proporcionar rendas em trabalho na propriedade senhorial – muitas vezes até três dias por semana – e muitas obrigações adicionais; no entanto, ele estava livre para tentar aumentar a produção em sua própria faixa de terra no resto da semana”. (ANDERSON, 2004, p. 179). 3 A CRISE DO FEUDALISMO É comum encontrarmos sites e até mesmo livros didáticos descreverem de maneira pragmática as causas do esfacelamento do sistema feudal, porém vários debates historiográficos já denunciaram as dificuldades de padronização desses conceitos. Durante o período medieval, o sul da Europa ocidental apresentou traços peculiares que diferenciavam essa região das áreas mais centrais e daquelas situadas ao norte. Neste sentido, concordamos com Hilário Franco Júnior (2006, p. 46), quando afirma que “Importa-nos mais buscar o entendimento da essência da crise. Sem dúvida, podemos afirmar que após uma fase A de crescimento econômico (1200-1316), a Europa ocidental entrou numa fase B depressiva, que se estenderia até fins do século XV no Sul e princípios do XVI no Centro e no Norte”. Evidentemente que as limitações técnicas relativas à produção agrícola, os baixos índices de reeinvestimentos pelos senhores de terra, o crescimento populacional colaboraram para que “entre meados do século XIV a fins do século XV, [Portugal conhecesse] 21 crises de subsistência. Ademais, verificaram- se pelo menos cinco períodos de fome generalizada em quase todo o Ocidente, cada um deles de anos” (FRANCO JÚNIOR, 2006, p. 47), denunciando assim a precariedade e vulnerabilidade do setor primário. O setor secundário observou uma retração muito provavelmente ocasionada pela elevação dos preços dos alimentos. Assim, os recursos financeiros disponíveis para consumir bens industriais eram diminutos. TÓPICO 1 A CRISE DO SISTEMA FEUDAL E O ACHAMENTO DE NOVAS TERRAS 9 Afetado pelos motivos anteriores, o setor terciário é atingido por uma redução da margem de lucro tanto das atividades comerciais quanto das financeiras. No caso dos bancos italianos, a lucratividade atingiu no começo do século XIV cerca da metade ou um terço do quefora anteriormente. As dificuldades econômicas das monarquias agravaram ainda mais o setor, sobretudo na França e na Inglaterra, envolvidas na Guerra dos Cem Anos. Precisando de recursos para a luta, os reis lançavam impostos extraordinários sobre o comércio, quando não simplesmente confiscaram mercadorias e dinheiro. Ou então contraíam empréstimos que não podiam saldar, como os que levaram à falência as casas bancárias dos Bardi e dos Peruzzi em 1345 e dos Acciaiuoli em 1347. (FRANCO JÚNIOR, 2006). Esses fatos revelam o clima de insegurança que por sua vez propiciava o desmantelamento de um sistema financeiro fragilizado pelas constantes mutações monetárias impostas pelos soberanos. Sempre necessitados de dinheiro, os monarcas diminuíam a proporção de metal precioso das moedas e mantinham seu valor nominal, cunhando assim um maior número de peças com a mesma quantidade de metal nobre. Mas dessa forma recebiam impostos em moeda desvalorizada, o que os levava a efetuar nova desvalorização, e assim sucessivamente. Para lembrar apenas o caso francês, entre 1330 e 1380, o Gros perdeu 80% de seu valor real. (FRANCO JÚNIOR, 2006, p. 47). Essas políticas monetárias eram ocasionadas pelos ônus das várias guerras, retração comercial – e não sua total estagnação – escassez de metais preciosos necessários à cunhagem de novas moedas e à diminuta circulação monetária. “Por fim, o entesouramento: percebendo que tanto as moedas ricas em metal precioso quanto as já manipuladas e desvalorizadas tinham o mesmo valor nominal, os usuários usavam estas e guardavam aquelas, forçando, portanto novas manipulações por parte do Estado”. (FRANCO JÚNIOR, 2006, p. 48). Esse fato reforça os conceitos cristalizados, inclusive em livros didáticos, acerca da necessidade de governos europeus encontrarem novas fontes de metais preciosos. Desse período de crise e desestabilização socioeconômica irá emergir a economia moderna. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 10 4 A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: UMA SAÍDA PARA A CRISE EUROPEIA Na medida em que chegavam, apropriavam-se das terras por onde passavam, portanto, especula-se que a vinda dos europeus para a América não foi outra senão a necessidade de estabelecer novas relações comerciais e extrativistas como nos lembra Jaime Pinsky (2007, p. 23), ao afirmar que: A descoberta da América por Cristóvão Colombo faz parte do processo de expansão do capitalismo europeu. O comércio, renascido em fins da Idade Média e desenvolvido no interior da Europa entre as cidades italianas e flamengas, foi deslocado, no século XIV, para o litoral atlântico. A escassez de metais preciosos provocava a falta de moeda em circulação, agravando os problemas já existentes. As nações da costa atlântica (Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda), detentoras do comércio sobrevivente, eram as que mais sofriam com a crise e, para superá-la, precisavam encontrar metais preciosos para valorizar suas moedas. Por outro lado, dependiam das cidades italianas para o fornecimento das mercadorias orientais trazidas pelos árabes, que dominavam o comércio no Mediterrâneo. Assim, a busca de novos caminhos para atingir o Oriente, terra encarada como fonte de riquezas, passou a constituir uma questão de sobrevivência. Era preciso enfrentar o Atlântico, explorá-lo, buscando saídas, e para financiar um empreendimento desse porte era condição prévia a existência de Estados Nacionais com poder político centralizado e recursos financeiros volumosos. Portugal e Espanha formaram os primeiros Estados Nacionais. Estavam, portanto, prontos para liderar o expansionismo marítimo e, levados pela necessidade, assim o fizeram. Ou seja, a crise europeia associada à decadência do sistema feudal e a ascensão das relações pré-capitalistas de produção provocaram a necessidade, por parte dos europeus, de dominar novas rotas marítimas com destino às Índias ou regiões a partir das quais fosse viável a extração de algum tipo de riqueza. Neste contexto, foram os países ibéricos – Portugal e Espanha – os pioneiros em se aventurar por mares desconhecidos além de interagir com povos e culturas diferentes daquelas observadas na Europa. O contexto citado acima se refere ao período transitório entre Idade Média e Idade Moderna. Aproveitando a oportunidade convido você, a analisar o texto a seguir de Pazzinato & Senise (2002, p. 72), pertinente às relações pré-capitalistas de produção e suas origens. TÓPICO 1 A CRISE DO SISTEMA FEUDAL E O ACHAMENTO DE NOVAS TERRAS 11 No século XIII, com o predomínio das atividades comerciais sobre o trabalho dos artesãos, iniciaram-se os choques entre a burguesia e os trabalhadores. Isso provocou a desagregação das comunas como forma de organização política que unificava todos os habitantes do burgo. Com o declínio das comunas, o governo das cidades passou a ser exercido pelos representantes dos grupos burgueses mais poderosos. Ao mesmo tempo, dois outros processos contribuíam para o aparecimento de um novo grupo social. Um deles foi o enfraquecimento das corporações, que já não podiam competir com a produção em maior escala do trabalho em domicílio organizado pelos mercadores. Com isso, muitos de seus oficiais, companheiros e aprendizes e até mesmo mestres artesãos tornaram-se trabalhadores assalariados a serviço dos grandes comerciantes. Na Inglaterra essas mudanças foram acompanhadas pela expulsão dos camponeses das terras em que trabalhavam. Obrigados a migrar para as cidades, esses camponeses passaram a trabalhar em troca de um salário na produção manufatureira. Esses dois contingentes de assalariados – camponeses sem terra e antigos trabalhadores das corporações de ofício – dariam origem a um novo grupo social ligado ao trabalho urbano. Assim, apesar do feudalismo permanecer como sistema dominante no interior da sociedade medieval, percebe-se, entre os séculos XI e XIII, o início do desenvolvimento de uma nova configuração de ordem social. 5 A EUROPA ENTRE OS SÉCULOS XI-XIII O aumento populacional observado desde meados do século X ocasionou a divisão dos antigos mansos pertinentes à época carolíngia em lotes menores, com cerca de 3 ou 4 hectares, denominados tenências. Porém, de acordo com Hilário Franco Júnior (2006, p. 37), não só os lotes camponeses viram sua área diminuir na Idade Média Central. A reserva senhorial também se viu reduzida em razão de vários fatores. Primeiro, a necessidade de criação de novas tenências camponesas, o que apenas o desmembramento dos mansos não fazia na quantidade desejada. Segundo, o progresso das técnicas agrícolas permitia ao senhor obter maior produção com menos terra. Terceiro, os rendimentos senhoriais vinham então bem mais do exercício dos direitos de ‘ban’ do que da exploração direta do solo (daí as baixas exigências feitas aos camponeses em troca de suas tenências). Quarto, na nova ordem social que se implantava desde fins do século X – o feudalismo – para estabelecer relações de vassalagem o senhor cedia terras sob forma de feudo. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 12 NOTA Ban: no começo da Idade Média, este termo designava o poder de comando do chefe militar. Depois, o conjunto de poderes regalianos (de rei) que a partir do século X foi confiscado e explorado por grandes latifundiários: julgar, punir, tributar. Essas alterações proporcionaram uma drástica diminuição do trabalho escravo no norte europeu em decorrência do barateamento da mão de obra ocasionada por sua vez pelo já mencionado aumento populacional. Além disso, o aumento da produtividade agrícola e seu consequente excedente oportunizaram o revigoramento do comércio. Como afirma Franco Júnior (2006, p. 187), “a repercussão desse fato extrapolou a esfera econômica, tendo como pontosde convergência as feiras, dentre as quais se destacam as ocorridas na região de Champanhe”. Outra transformação econômica denominada por Jean Gimpel como Revolução Industrial Medieval é identificada durante a Idade Média Central, assim: Seu ponto de partida foi o crescimento demográfico e comercial, fomentador do desenvolvimento urbano. Estimuladas pela chegada de camponeses que conseguiam romper os laços servis, as cidades localizadas próximas a rios ou estradas frequentadas por comerciantes logo começaram a crescer. Noutros pontos, sem uma célula urbana a desenvolver, surgiram cidades praticamente do nada: entre 1100 e 1300 apareceram cerca de 140 novas cidades no Ocidente. Algumas eram de iniciativa senhorial (para poder taxá-las), outras nasciam de um entreposto comercial ou de um mercado rural. Todas elas, qualquer que fosse sua origem, precisavam oferecer ao campo alguns bens em troca de alimentos e de matérias-primas. Dessa maneira o artesanato urbano logo conheceu seu primeiro impulso, prolongado pelas crescentes necessidades de uma população (rural e urbana) em expansão e mais exigente em função do progresso econômico. A partir dessa pressão do mercado consumidor e aproveitando o avanço cultural que ocorria paralelamente, a Cristandade ocidental criou e aperfeiçoou dezenas de técnicas. (FRANCO JÚNIOR, 2006, p. 41- 42). Esses fatores contribuem para uma acentuada monetarização da economia europeia, avessa ao o que ocorrera nesta região num período anterior (séculos IV- X), no qual o entesouramento era prática predominante. Considerando nossa leitura até este ponto, podemos perceber uma correlação entre os fatos apresentados e os motivos que ocasionaram a chegada dos europeus ao Novo Mundo, posteriormente reconhecido como Continente Americano. TÓPICO 1 A CRISE DO SISTEMA FEUDAL E O ACHAMENTO DE NOVAS TERRAS 13 Aquilo que Jean Gimpel denominou de Revolução Industrial Medieval e a consequente monetarização da economia provocou a busca por novos entrepostos comerciais, mercados consumidores e metais preciosos, dentre eles ouro e prata utilizados, sobretudo, na cunhagem de moedas. Neste sentido, [...] percebeu-se que as antigas espécies monetárias não satisfaziam naquele contexto diferente. Um primeiro problema era a grande diversidade, a existência de centenas de moedas senhoriais, cada uma delas circulando numa área restrita. Um segundo problema era o baixo valor das espécies, resultado da reforma monetária carolíngia do século VIII, que implantara o monometalismo de prata: o denarius, moeda de pequeno valor, adequava-se melhor àquela economia pouco produtiva e de lenta circulação. De um lado, a solução veio do fortalecimento do poder monárquico que então começava a ocorrer. Na França, por exemplo, as 300 oficinas de cunhagem existentes no início do século XI foram sendo reduzidas, até restarem apenas 30 no início do século XIV. De outro, os metais preciosos que tinham sido entesourados foram aos poucos reentrando em circulação. Graças à expansão mercantil, entre início do século XII e meados do século XIII um afluxo de ouro muçulmano contribuiu para alargar o estoque metálico ocidental. Graças às novas técnicas de mineração, cresceu bastante a produção de prata da Europa central. Enfim, respondendo melhor às condições da época, em meados do século XIII reinstaurou-se o bimetalismo. Significativamente, as moedas de ouro reapareceram nas cidades mercantis italianas e só depois no resto do Ocidente cristão. (FRANCO JÚNIOR, 2006, p. 44). Eis alguns fatos preponderantes vinculados à crise do sistema feudal: ● Decadência do feudalismo em decorrência do renascimento urbano e comercial. Neste cenário, a posse da terra perde o significado mantido até então em detrimento dos avanços das práticas mercantis. ● Escassez de metais preciosos para cunhar moedas e consequentemente dinamizar as relações comerciais. ● Necessidade de expandir a fé católica em novas terras em resposta ao avanço da religião protestante. Portanto, o continente americano, objeto de nosso interesse neste Caderno de Estudos, foi observado como fonte das mais diversas riquezas naturais, necessárias à sustentação dos novos padrões econômicos emergentes no Velho Mundo. É a partir deste contexto que podemos analisar o processo de colonização da América e consequentemente toda a estrutura econômica, política e social organizada estruturada nesta região. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 14 6 A AMÉRICA COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL O achamento do então desconhecido Continente Americano pelos europeus no final do século XV foi encarado como uma alternativa viável aos já expostos problemas enfrentados na Europa, especialmente aqueles de caráter econômico. Neste sentido, é importante analisar os motivos pelos quais os habitantes do Velho Mundo pressionados inclusive pelos seus governantes sentiram-se obrigados a desbravar um mar tenebroso, desconhecido e extremamente perigoso e posteriormente iniciar outro processo, este em terra firme, caracterizado pelo reconhecimento de territórios e culturas diferentes. A compreensão e utilização dos termos “achamento” e “culturas diferentes” revelam nossas perspectivas em relação a este processo. Para tal, consideramos as novas correntes historiográficas que posicionam o Continente Americano, enquanto uma região autêntica em seus mais variados aspectos sociais, culturais e ambientais. Assim, o nativo não é analisado como um indivíduo inferior tampouco superior ao europeu ou qualquer outro povo. Por outro lado, o próprio europeu deverá aqui ser analisado a partir da sua concepção antropológica pertinente ao período em questão, sem vulgarizá- lo, julgá-lo, desmerecê-lo ou enaltecido. Houve nesse período uma convergência de culturas, de seres distintos e concepções a respeito da própria existência completamente antagônicas. 15 Neste tópico, você viu que: ● Os motivos que ocasionaram o colapso do feudalismo, dentre eles, foi a diminuta circulação monetária e a desvalorização da moeda como um dos fatores preponderantes que ocasionaram a crise desse sistema. ● A concepção do europeu em relação ao novo Continente a partir da perspectiva econômica, social e cultural. ● As necessidades europeias e viabilidade de ocupação do Novo Mundo com vistas ao saneamento das questões econômicas. RESUMO DO TÓPICO 1 16 1 Descreva os motivos pelos quais os governos europeus optaram por desbravar novas terras com o intuito de encontrar metais preciosos em fins da Idade Média e início da Idade Moderna, ou seja, durante o período de crise do sistema feudal. 2 Discorra sobre a viabilidade de colonização da América por parte dos europeus a partir do final do século XV. AUTOATIVIDADE 17 TÓPICO 2 A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Os países situados atualmente na América Latina e que foram colonizados por espanhóis revelam suas origens nas civilizações pré-colombianas. Assim, a proposta deste tópico é analisar as origens dos povos situados nesta região no período anterior ao estabelecimento dos mexicas (astecas), em seguida verificar as particularidades dos próprios mexicas, além de fazer uma observação da região durante o período imediatamente anterior à chegada dos primeiros europeus. Ressaltarmos a importância em se considerar as diversas culturas localizadas neste Continente no período que antecedeu a chegada dos europeus. O conjunto de povos citados neste texto, embora compreendam uma parcela significativa desta diversidade, expressam suas lacunas oportunizadas pela marginalização e exclusão de alguns. Não é novidade, que ao longo dos últimos séculos, o europeu foi considerado superior e civilizado quando comparado com o nativo americano, concepção que vem sendo combatidapor algumas correntes historiográficas recentes e que lentamente observam o resultado de suas pesquisas serem publicadas inclusive em novos livros didáticos. Voltaremos a refletir sobre estas questões no momento da apresentação dos povos nativos que ocupavam o território que mais tarde se tornou colônia portuguesa, ou seja, o Brasil. 2 OS PRIMÓRDIOS DA MESOAMÉRICA Embora seja corrente, os testemunhos acerca da presença humana em território ocupado pelo atual México a partir de 20.000 a.C. e até mesmo antes disso, por volta de 35.000 a.C. chegando neste Continente através do estreito de Bering, os fósseis encontrados no sítio arqueológico de Tepexpan, situado a cerca de 40 quilômetros da Cidade do México, datam de no máximo 9.000 a.C. Durante um longo período habitaram a terra apenas alguns bandos de caçadores e coletores de alimentos. Seriam necessários mais três ou talvez quatro milênios para que o homem da Mesoamérica iniciasse, por volta de 5.000 a.C, o processo que veio desembocar na agricultura. Achados em várias UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 18 cavernas de Sierra de Tamaulipas e em Cozcátlan (Puebla) mostram como pouco a pouco os antigos coletores iniciaram o cultivo da abóbora, da pimenta malagueta, do feijão e do milho. A produção cerâmica teve início muito mais tarde, por volta de 2.300 a.C. Em várias partes do México central e meridional e na América Central, começaram a proliferar aldeias de agricultores e artesãos de cerâmica. Algumas dessas aldeias, situadas em ambientes provavelmente mais adequados, como às margens de um curso d’água ou junto ao mar, experimentaram muito cedo um crescimento populacional. Muitas vezes os habitantes dessas aldeias espalhadas por um território tão vasto diferiam étnica e linguisticamente. Dentre esses, cedo se destacou um grupo em particular. Achados arqueológicos revelam que uma série de mudanças extraordinárias começaram a surgir, a partir de mais ou menos 1.300 a. C., numa região próxima ao Golfo do México, ao sul de Veracruz e no estado vizinho de Tabasco. Essa região era conhecida desde os tempos pré-colombianos pelo nome de “Terra da Borracha”, Olman, terra dos olmecas. (BETHELL, 2004, p. 27). Acredita-se que foram os olmecas os primeiros povos situados na região da Mesoamérica e construir grandes complexos voltados em sua maioria para práticas religiosas. A existência de grandes praças públicas indica que determinados rituais religiosos eram realizados ao ar livre. FIGURA 4 – ESCULTURA OLMECA FONTE: Disponível em: <http://static.infoescola.com/wp-content/uploads/2010/04/olmecas-300x293. jpg>. Acesso em: 27 out. 2010. TÓPICO 2 | A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS 19 “É possível supor algum tipo de divisão de trabalho. Enquanto muitos indivíduos continuaram a trabalhar na agricultura e em outras atividades de subsistência, outros se especializaram em artes e ofícios diferentes, em garantir a defesa do grupo, em empreendimentos comerciais, no culto aos deuses e no governo, que estava provavelmente nas mãos dos chefes religiosos”. (BETHELL, 2004, p. 28). Há indícios que através das práticas comerciais e religiosos tenham influenciado várias regiões próximas ao golfo do México e no Planalto Central, regiões ocupadas pelos Maias além do oeste mexicano. Por volta de 600 a.C., a influência da cultura olmeca começou a se fazer sentir em locais como Tlatilco, Zacatenco e outros, nas proximidades do que séculos mais tarde veio a ser Cidade do México. Processos paralelos desenvolveram-se em outras regiões da Mesoamérica central e meridional. A agricultura se expandiu e diversificou; entre outras culturas, o algodão foi cultivado com sucesso. As aldeias cresceram, dando lugar a centros maiores. (BETHEL, 2004, p. 29). Esses avanços e sua notória influência na região da Mesoamérica revelam a capacidade desses povos em transpor as dificuldades ocasionadas pelo desconhecimento dos usos da roda, metalurgia e domesticação de animais. No planalto central desenvolveu-se uma verdadeira “metrópole dos deuses” na qual além das construções destinadas aos eventos religiosos percebe-se o cuidado com o planejamento urbano. Esta cidade que contava com bairros extensos, bem organizados e eficientes sistemas de drenagem chegou a comportar em seu apogeu – entre os séculos V e VI d. C. – uma população de aproximadamente 50 mil habitantes. Paralelamente ao desenvolvimento de Teotihuacán, surgiu uma civilização em outras sub-regiões da Mesoamérica. Um dos primeiros exemplos foi Monte Albán, em Oaxaca central, cujo surgimento remonta a cerca de 600 d. C. Nesse local, além do centro religioso construído no topo de uma colina, a presença de numerosas estruturas em suas encostas sugere a existência de um núcleo urbano relativamente grande. (BETHELL, 2004, p. 30-31). Os maias ocuparam as regiões de Guatemala e Belize, estendendo-se pela península de Yucatán e pelas planícies e montanhas dos estados do atual México denominados Tabasco e Chiapas além de porções de El Salvador e Honduras. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 20 FIGURA 5 – OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO DE CHICHÉN ITZÁ, CIVILIZAÇÃO MAIA FONTE: Disponível em: <http://static.blogstorage.hipi.com/spaceblog.com.br/t/tu/turma/images/ mn/1226679307.jpg>. Acesso em: 27 out. 2010. Graças à arqueologia, sabemos da existência de mais de 50 centros maias de importância considerável, que foram ocupados durante todo o Período Clássico. Alguns dos mais famosos são Tikal, Uaxactún, Piedras Negras e Ouiriguá na Guatemala; Copán em Honduras; Nakum em Belize; Yaxchilám, Palenque e Bonampak em Chiapas; Dzibilchaltún, Cobá, Labná, Kabah e os primórdios de Uxmal e Chichén-Itzá na península de Yucatán. [...] Na sociedade maia clássica coexistiam dois estratos sociais claramente distintos: o povo comum, ou plebeu (devotados, em sua maioria, à agricultura e à execução de vários serviços pessoais), e o grupo dominante, composto de governantes, sacerdotes e guerreiros de alta posição. (BETHELL, 2004, p. 31). Especula-se a respeito do desaparecimento dessas civilizações, porém o fato é que este episódio ocorreu entre 650 e 950 d. C. Os avanços culturais promovidos ao longo do Período Clássico (650 d.C. – 950 d.C.) foram preservados pelas civilizações posteriores até a chegada dos espanhóis em 1519. Apesar de conhecerem metais preciosos como ouro e prata não se destacaram na produção de ferramentas. Seus martelos, raspadores e facas, por exemplo, eram feitos de pedra e os instrumentos para trabalhar o couro de ossos. Manipulavam a madeira e posteriormente desenvolveram pertinentes à metalurgia. TÓPICO 2 | A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS 21 As técnicas agrícolas eram variadas. Além do cultivo sazonal, no qual às vezes empregavam algum tipo de fertilizante, as sociedades da Mesoamérica fizeram uso de sistemas de irrigação, terraceamento e, principalmente na região central, introduziram os famosos chinampas, descritos muitas vezes como ‘jardins flutuantes’. Eram estruturas artificiais de junco, cobertas com terra fértil, fundeadas nos leitos dos lagos por meio de estacas de madeira. Nos chinampas eram plantados salgueiros para segurá-los no lugar. Sobre o excelente solo dos chinampas, os mexicas cultivavam flores e legumes frescos em abundância. (BETHELL, 2004, p. 53-54). Em ocasião de sua chegada, o europeu demonstrou-se impressionado pela estrutura comercial organizada pelos pochtecas em praças de mercado e comércio. “Além de comprar e vender, os comerciantes também lidavam com vários tipos de contratos e empréstimos no sentido de viabilizar seus negócios”. (BETHELL, 2004, p. 55). Outro aspecto relevante da cultura presente em Tenochtitlán era a religião, caracterizada pela diversidade de elementos oriundos de povos e civilizaçõessubmetidas e antecessoras processadas arduamente pelos sacerdotes a fim de melhor externar as visões de mundo dos mexicas. FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO DE TENOCHTITLÁN FONTE: Disponível em: <http://civilizacoesantigas.pbworks.com/f/tenochtitlan-2.jpg>. Acesso em: 27 out. 2010. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 22 No período imediatamente anterior à chegada dos espanhóis, percebe-se que Tenochtitlán caracterizava-se como o centro de referências para os povos que margeavam essa região, como ressalta Bethell (2004, p. 59): “às vésperas da invasão espanhola, Tenochtitlán-México, a metrópole asteca, era o centro administrativo de um vasto e complexo conglomerado político e socioeconômico. Vários autores, ao descrever a natureza política dessa entidade, utilizaram termos como império, reino ou confederação de senhoriais e mesmo tribos”. [...] Não há registros de qualquer tentativa de expandir rumo ao norte no período de Tenochtitlán-México. Foi deixada aos espanhóis (acompanhados pelos tlaxcalanos e pelos mexicas) a conquista e a colonização da vasta extensão de territórios para além da Mesoamérica. Assim, um mosaico de povos, culturas e línguas possuíam a terra em que Hernán Cortés e seus seiscentos homens logo iriam desembarcar. O conquistador cedo ficaria sabendo da existência dos mexicas. Foram feitas referências a eles pelos maias de Yucatán, pelos chontals de Tabasco e pelos totonacas de Veracruz. Por intermédio dos últimos, e particularmente dos tlaxcalanos, Cortés foi informado do poder e da riqueza da metrópole asteca e de seus governantes, em especial de Moteuczoma. Em seus escritos (e nos dos outros ‘cronistas soldados’), podem-se encontrar inúmeras referências aos aspectos mais óbvios da estrutura política, religiosa e socioeconômica que sustentavam a grandeza dos mexicas. (PAZZINATO; SENISE, 2002, p. 72). Prezado(a) acadêmico(a)! As informações acima pertinentes as diversidades dos povos mesoamericanos, considerando o Período Clássico até a chegada dos espanhóis, nos fornece subsídios teóricos para compreender as estratégias utilizadas por Cortés com o intuito de desestabilizar os astecas. Exercendo seu poder “imperialista” sobre os demais povos desta região, os astecas não eram bem vistos pelos seus vizinhos, e Cortés soube articular essas forças em benefício dos próprios europeus, fazendo com que os próprios nativos se articulassem contra os poderosos mexicas (astecas), facilitando o propósito de dominação daqueles. TÓPICO 2 | A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS 23 LEITURA COMPLEMENTAR 1 A VISÃO ASTECA DA CONQUISTA O primeiro traço fundamental da visão asteca da Conquista é o que se poderia descrever como o quadro mágico no qual esta haveria de desenvolver-se. Os astecas afirmam que, alguns anos antes da chegada dos homens de Castela, houve uma série de prodígios e presságios anunciando o que haveria de acontecer. No pensamento do senhor Motecuhzoma, a espiga de fogo que apareceu no céu, o templo que se incendiou por si mesmo, a água que ferveu no meio do lago, a voz de uma mulher que gritava noite adentro, as visões de homens que vinham atropeladamente montados numa espécie de veados, tudo isso parecia avisar que era chegado o momento, anunciado nos códices, do regresso de Quetzalcóatl e dos deuses. Mas, quando chegaram as primeiras notícias procedentes das margens do Golfo sobre a presença de seres estranhos, chegados em barcas grandes como montanhas, que montavam uma espécie de veados enormes, tinham cães grandes e ferozes e possuíam instrumentos lançadores de fogo, Motecuhzoma e seus conselheiros ficaram em dúvida. De lado, talvez Quetzalcóatl houvesse regressado. Mas, de outro, não tinham certeza disso. No coração de Motecuhzoma nasceu, então, a angústia. Enviou, por isso, mensageiros que suplicaram aos forasteiros para que regressassem ao seu lugar de origem. A dúvida a respeito da identidade dos homens de Castela subsistiu até o momento em que, já hóspedes dos astecas em Tenochtitlán, perpetraram a matança do templo maior. O povo em geral acreditava que os estrangeiros eram deuses. Mas quando viram seu modo de comportar-se, sua cobiça e sua fúria, forçados por esta realidade mudaram sua maneira de pensar: os estrangeiros não eram deuses, mas popolocas, ou bárbaros, que tinham vindo destruir sua cidade e seu antigo modo de vida. As lutas posteriores da Conquista, registradas pelos historiadores indígenas, testemunham o heroísmo da defesa. Mas a derrota final, ao ser narrada nos textos astecas, já é depoimento de um trauma profundo. A visão final é dramática e trágica. Pode-se ver isto claramente no seguinte “canto triste” ou icnocuícatl: Nos caminhos jazem dardos quebrados. Os cabelos estão espalhados. Destelhadas estão as casas, Incandescentes estão seus muros. Vermes abundam por ruas e praças, E as paredes estão manchadas de miolos arrebentados. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 24 Vermelhas estão as águas, como se alguém as tivesse tingido, E se as bebíamos, era água de salitre. Golpeávamos os muros de abobe em nossa ansiedade E nos restava por herança uma rede de buracos. Nos escudos esteve nosso resguardo, Mas os escudos não detêm a desolação... As palavras anteriores encontram novo eco na resposta dos sábios aos doze franciscanos chegados em 1524: Deixem-nos, pois, morrer, Deixem-nos perecer, Pois nossos deuses já estão mortos! Muitas outras citações poderiam acumular-se para mostrar o que foi o trauma da Conquista para a alma indígena. (...) a experiência do povo que, após resistir com armas desiguais, viu-se a si mesmo vencido. Não se deve esquecer que os astecas eram seguidores do deus da guerra, Huitzilopochtli; que se consideravam escolhidos do sol e que, até então, sempre creram ter uma missão cósmica e divina de submeter a todos os povos dos quatro cantos do universo. Quem se considera invencível, o povo do sol, o mais poderoso da Mesoamérica, teve de aceitar sua derrota. Mortos os deuses, perdidos o governo e o mando, a fama e a glória, a experiência da Conquista significou algo mais que tragédia: ficou cravada na alma e sua recordação passou a ser um trauma. OBS.: “Manuscrito Anônimo de Tratelolco” (1528), edição fac-símile de E. Mengin, Copenhague, 1945, fl. 33. O “Libro de los Coloquios de los Doce” não foi integralmente traduzido para o castelhano. Existe apenas um resumo dele em espanhol, preparado pelo Frei Bernardinho de Sahagún. A tradução dada aqui foi preparada pelo autor do texto. FONTE: León-Portilla, Miguel. A conquista da América Latina vista pelos índios. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 16-18. 3 SOCIEDADES ANDINAS Há indícios que revelam o interesse e incursões de europeus estabelecidos na mesoamérica à região Andina anos antes da chegada de Pizarro no início do século XVI. Nesta ocasião, este território era descrito como rico, próspero e assim sendo, atendia aos interesses dos invasores espanhóis. Porém, esses relatos, como outros concernentes ao período são fragmentados e não encontram na arqueologia contemporânea o suporte necessário para serem analisados e interpretados em sua totalidade. TÓPICO 2 | A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS 25 Considerando as dificuldades em compreender determinados aspectos das sociedades Andinas, assim como ocorre, por exemplo, com os astecas, não podemos descartar cartas, relatos e outros documentos produzidos por aqueles que estiveram na região em ocasião do contato desses povos com os europeus, pois foi através desses que construímos o conhecimento atual sobre as populações Andinas. Em linhas gerais, a antiga civilização inca ocupou os territórios do atual Peru, Bolívia, Chile e Equador. Cuzco, considerada sagrada, foi fundada durante o século XIII perdurando até o domínio espanholocorrido em 1532. FIGURA 7 – IMPÉRIO ANDINO Atlantic Ocean Lima Tumbes Pacific Ocean Amazon R. Cajamarca Cuzco Titicaca Valley The Inca Empire 1463-1532 Caribbean Sca FONTE: Disponível em: <http://static.infoescola.com/wp-content/uploads/2010/02/mapa-incas- 262x300.gif>. Acesso em: 27 out. 2010. Assim como os faraós, o imperador inca, denominado Sapa era reconhecido como um deus. A organização social apresentava estratificação, ou seja, classes determinadas nas quais os nobres compreendiam governantes, guerreiros e sacerdotes. Os funcionários públicos, como por exemplo, os cobradores de impostos, além de trabalhadores especializados em determinadas funções formavam uma classe intermediária. E por fim, na base da pirâmide social inca, encontramos artesãos e camponeses, submetidos à cobrança de tributos. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 26 Destacaram-se na arquitetura por construírem edificações a partir de blocos de pedras encaixadas. A cidade de Machu Picchu foi descoberta em 1911 e revelou a concepção urbana presente na sociedade inca. FIGURA 8 – MACHU PICCHU FONTE: Disponível em: <http://img.wallpaperstock.net:81/the-lost-city-of-incas- wallpapers_3682_1600.jpg>. Acesso em: 27 out. 2010. A agricultura, embora enfrentasse condições climáticas desfavoráveis, era extremamente eficiente. Os terraços, construídos nas encostas das montanhas, possibilitavam o cultivo e aproveitamento das águas das chuvas, além disso, construíram canais de irrigação. Dentre as culturas mais comuns destacam-se as de feijão, milho e batata. Conforme já destacamos, o seu desenvolvimento e domínio de técnicas de exploração e manipulação de metais preciosos foram externados na arte, através da qual se observa a produção de joias, instrumentos e outros objetos decorativos. A domesticação da lhama possibilitou a sua utilização como meio de transporte, fonte de lã, carne e leite. Cabe ressaltar que as fezes desse animal eram utilizadas para alimentar fogueiras. As alpacas e vicunhas também faziam parte do rol de animais utilizados pelos incas. A religião, prática recorrente entre eles, destacava o deus Sol como sua principal figura divina. Outros animais como o condor e o jaguar também eram considerados sagrados e consequentemente cultuados. Desenvolveram um sistema de registro denominado quipo, que era caracterizado por cordões que podiam ou não ser coloridos e nos quais se davam nós para registrar determinadas informações. TÓPICO 2 | A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS 27 Em ocasião da chegada dos europeus, constataram em primeiro lugar que: [...] a paisagem não se assemelhava a nada que já houvessem visto antes ou do que tivessem ouvido falar, embora alguns fossem soldados que haviam lutado na Itália, no México, na Guatemala, Flandres ou na África do Norte. Nos Andes, as montanhas eram mais altas, as noites mais frias e os dias mais quentes, os vales mais profundos, os desertos mais secos, as distâncias maiores do que as palavras poderiam descrever. Em segundo lugar, o país era rico e não apenas em termos do que podia ser levado embora. Havia riqueza na quantidade de pessoas e em suas habilidades, nas maravilhas tecnológicas observáveis na edificação, na metalurgia, na construção de estradas, na irrigação ou nos produtos têxteis (‘depois que os cristãos levaram tudo o que queriam, ainda parecia que nada havia sido tocado’). Em terceiro lugar, o domínio estava sob o controle de um príncipe havia pouco tempo, cerca de três ou quatro gerações antes de 1532. E desde os primeiros dias após a vitória espanhola em Cajamarca, pessoas mais atentas se perguntavam como havia ruído com tanta facilidade essa autoridade que governava tantos povos distintos por sua geografia particular. (BETHELL, 2004, p. 65-66). Mesmo enfrentando condições das mais adversas, desde o início do século XVI, observa-se uma maior concentração populacional na região do alto planalto ao redor do lago Titicaca do que em qualquer outra lugar da região andina. Essas regiões, que aguçam a curiosidade de estudiosos comprometidos com a compreensão de suas origens e por motivos pelos quais esses povos escolheram essa área para se estabeleceram, formam pradarias tropicais, situadas na altitude e de clima frio, são cultiváveis há muito tempo, “talvez antes mesmo que todas as árvores fossem cortadas. Durante milênios, a maioria dos povos andinos viveram nesse local. Não apenas os incas, porém as mais antigas estruturas políticas (Tihuanaco, Huari) surgiram na puna – savana do Peru”. (BETHELL, 2004, p. 67). Embora tenha despertado o interesse de agrônomos recentemente, a agricultura andina é caracterizada por culturas resistentes às condições locais além da adaptação de variedades europeias e africanas como a cevada, cana-de- açúcar, uva e banana. É difícil precisar quantas dessas variedades eram cultivadas no início do século XVI. Quando se estudam os muitos tubérculos (dos quais a batata é apenas o mais famoso) ou o tarwi (um tremoço rico em gorduras) ou a kinuwa (um cereal cultivado em grandes altitudes e rico em proteínas) ou a folha de coca que sacia a sede, percebe-se o quão autóctone e quão antigo era o complexo agrícola andino. (BETHELL, 2004, p. 67). UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 28 O cultivo do milho e da batata-doce eram verificados em todo o continente, embora no Sul nenhuma delas fosse produzida em quantidades expressivas. Além das diversidades e adversidades geográficas, a agricultura andina teve que enfrentar ainda as drásticas variações climáticas ocorridas num intervalo de 24 horas. No âmbito de tais adaptações e transformações do ambiente, as dimensões das comunidades políticas andinas variavam de algumas centenas de famílias a 25 ou 30 mil, com totais populacionais que chegavam talvez a 150 mil; quando reunidas num Estado como a Tahuantinsuyo dos incas, seu total podia alcançar cinco milhões ou mais. Aumentos nas dimensões da comunidade política causavam mudanças na localização e nas funções das colônias espalhadas. No vale de Huallaga, no que hoje é o Peru central, as primeiras investigações europeias identificaram vários grupos étnicos, o maior dos quais, o Chupaycho, alegava ter quatro mil famílias no sistema inca de contagem decimal. (BETHELL, 2004, p. 68). TÓPICO 2 | A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS 29 LEITURA COMPLEMENTAR 2 INCAS: QUEM MANDA, QUEM OBEDECE O caráter despótico da dominação está bastante claro nas seguintes palavras que o inca Atahualpa dirigiu ao conquistador Pizarro: “No meu reino, nenhum pássaro voa nem folha alguma se move, se esta não for minha vontade”. Nos postos mais elevados da hierarquia social e política, encontramos uma autocracia teocrática hereditária. O Inca, soberano supremo, é ao mesmo tempo uma divindade e transmite o poder a seus filhos. Na presença dele humilham-se até os mais altos e nobres dignatários, obrigados a apresentarem-se descalços, curvados e carregando um peso nas costas. Os direitos de vida e morte sobre seus súditos são absolutos, qualquer que seja o nível social deles. O mito dessa divindade foi habilmente construído e melhor ainda difundido entre o povo. Historiadores oficiais, escolhidos pelo Inca, escreviam duas histórias diferentes: uma para a nobreza e a hierarquia, outra para o povo. Esta última, cuidadosamente elaborada, excluía tudo o que pudesse diminuir o respeito e a fidelidade ao soberano. Contadores de história e cantadores populares (hoje seriam enquadrados na categoria de meios de comunicação de massa) eram instruídos convenientemente sobre os temas de suas histórias e canções e sobre o tratamento que devia ser dado a elas. A derrota do Inca Urco frente aos chancas foi totalmente ignorada pela história oficial. Assim, religião,mitos, lendas e história foram deliberadamente fabricadas por especialistas, visando a divinizar o Inca, fazendo que sua vontade – e seus excessos – aparecesse como a vontade de um deus. Abaixo do soberano vinha uma complexa burocracia administrativa e militar que chegou a constituir, por seu caráter hereditário, de fato, uma casta. Os descendentes dessa casta recebiam uma educação adequada para o mando e a administração. Era uma educação complexa e bastante rigorosa, que compreendia o estudo intensivo da versão oficial da história, tal qual havia sido escrita para esses nobres. Dado o caráter guerreiro dos incas, o preparo físico para a milícia era privilegiado; era o que hoje chamaríamos de ciência militar: a arte da defesa e do ataque, das fortificações e cercos, a espionagem e a diplomacia, a correta disposição e utilização dos soldados etc. Os escolhidos para mandar adoravam deuses que não eram os do povo ou povos dominados. Estes conservavam a liberdade de adorar suas antigas e originais divindades, ainda que tivessem de aceitar como divindade suprema o Sol, o deus dos que mandavam, e o Inca, representante do Sol na terra. Havia, pois, uma religião dos dominadores e múltiplas religiões dos dominados. Existem, ademais, boas razões para crer que além do deus Sol, o Inca e seus nobres adoravam uma divindade mais transcendental e definitiva chamada Viracocha ou Pachacamac, senhor supremo da criação e criador do próprio Sol. UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 30 A faustosa corte do Inca, com seus milhares de servidores, e a hierarquia civil e religiosa viviam dos tributos que milhões de seres humanos de todo o império entregavam ao Inca. Este recompensava seus dignatários de acordo com méritos militares, religiosos e administrativos, sendo que as recompensas consistiam em terras, rebanho de lhama, objetos de arte, mulheres, roupas de luxo e o direito de viajar em liteiras conduzidas por carregadores, exibir certos ornamentos e ocupar lugares privilegiados nas grandes cerimônias. A propriedade privada dos dignatários podia ser transmitida por herança não a herdeiros determinados pelo proprietário antes de sua morte, mas todo conjunto de seus descendentes. Considerava-se, assim, que os méritos acumulados antes da morte deveriam ser socializados. Dessa maneira, todos os parentes interessavam- se para que, enquanto o dignatário fosse vivo, servisse ao Inca da melhor forma possível, porque dele dependiam a riqueza e as honras de todos. O clero, da mesma maneira que a burocracia civil estava diretamente subordinado ao Inca. Mais ainda, era costume que o supremo sacerdote fosse um irmão ou primo do próprio soberano, designado em assembleia de notáveis. Essa espécie de papa era chamada Villac Umu e, logo abaixo, na hierarquia, havia dez prelados que poderíamos comparar ao que se tem hoje por bispos. O Villac Umu designava essas dez personagens e essas, por sua vez, escolhiam o clero para os escalões inferiores. Faziam parte do aparato sacerdotal: feiticeiros, oráculos, adivinhos, sacrificadores, intérpretes de sonhos, curandeiros etc. Era uma imensa e intrincada rede que assegurava o culto ao Sol e a seu representante vivo, o Inca. Os dominados O camponês comum, aquele que no império era chamado Llacta Runa, tinha obrigações, poucos direitos e muitos deveres. Abaixo dele, existia uma categoria social chamada de Yanaconas, formada por membros de uma sublevação da cidade de Yanacu, quando foram derrotadas pelas tropas do Inca e condenados à servidão ou à escravidão que se tornava extensivos a seus descendentes. De certa maneira, poderíamos dizer que viviam fora dos quadros sociais, que não dependiam, como os Llacta Runa, dos funcionários ou clérigos e que eram simplesmente propriedade de determinadas pessoas. Não eram escravos ou servidores para a produção, mas servidores domésticos. Não durou muito tempo e muitos deixaram essa condição, passando a fazer parte das famílias às quais serviam. Excepcionalmente, alguns alcançavam méritos ou mostravam condições que os elevaram a altas posições. Não faziam parte dos censos, talvez por serem considerados menos humanos, no entanto, ao que tudo indica, seu destino foi menos árduo que o dos escravos nos impérios espanhol e português. FONTE: Adaptado de: POMER, Léon. Os incas. In: História da América hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 32-34. TÓPICO 2 | A AMÉRICA ANTES DOS EUROPEUS 31 4 OS NATIVOS DO BRASIL EM 1500 Na época da chegada dos primeiros portugueses ao território, no qual hoje se encontra o Brasil, depararam-se com grupos humanos organizados socialmente, porém com hábitos considerados por aqueles como primitivos. Interessa-nos aqui revelar alguns aspectos das sociedades nativas que interagiram com português e salientar a visão preconceituosa perpetuada ao longo dos séculos desde o ocorrido. Esses nativos, tratados como uma massa homogênea através da qual suas diversidades culturais são ignoradas não dominavam nenhuma técnica de escrita e assim sendo, os relatos que nos foram transmitidos são originados de viajantes europeus que estiveram presentes nas primeiras expedições ao Novo Mundo. Antes de examinar com maiores detalhes o que se conhece sobre os índios brasileiros às vésperas da invasão europeia, é importante observar alguns problemas históricos. Naturalmente, os índios desconheciam a escrita e qualquer sistema de numeração. Suas lendas e tradições orais, apesar de ricas em criatividade, são quase inúteis como testemunhos históricos. Eram artesãos de grande habilidade, mas construíam, decoravam e pintavam quase que somente sobre materiais perecíveis. (BETHELL, 2004, p. 104). Considerando as palavras de Leslie Bethell expostas acima, cremos ser relevante uma reflexão sobre as diversidades concernentes a cada segmento ou grupo nativo estabelecido no atual território brasileiro, embora o mesmo possa ser feito acerca dos demais povos nativos da América. Por exemplo, os índios carijós, apresentam características peculiares como costumes, tradições e rituais que os diferenciam de todas as outras nações indígenas. Evidentemente, há características semelhantes e até mesmo comuns entre essas nações, porém devemos atentar para os conceitos generalistas. Acredita-se que o povoamento da América do Sul teve início por volta de 20.000 a. C., com os vestígios de presença humana no Brasil variando de 16.000 a.C. a 12.800 a.C aproximadamente. Os sítios arqueológicos espalhados pelo Brasil como os de Ibicuí (RS) e Lagoa Santa (MG) nos fornecem informações a respeito da propagação desses grupos humanos pelo território brasileiro a partir de 9.000 a. C. Pesquisas recentes indicam que o surgimento dos dois troncos indígenas Macro-Tupi e Macro-Jê tenha ocorrido justamente durante esse processo de dispersão dessas populações primitivas a partir de 9.000 a. C. Entre os séculos VIII e IX as nações Tupi e Guarani originaram-se do tronco Macro- Tupi, transformando-se posteriormente nos dois grupos indígenas que mais se destacaram nos primeiros séculos após a colonização do Brasil. Em ocasião da chegada dos primeiros colonizadores portugueses ao Brasil, estima-se que a população indígena era composta de aproximadamente cinco milhões de pessoas. As duas nações originárias do tronco Macro-Tupi, os tupis e os UNIDADE 1 | A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA: OS PRIMEIROS TEMPOS 32 guaranis estavam dispostos no território nacional da seguinte forma: Os guaranis localizavam-se basicamente no litoral Sul da colônia e a região interiorana próxima à bacia dos rios Paraguai e Paraná. Por sua vez, os tupis, estabeleceram-se na costa entre o Ceará e a Cananeia, atual estado de São Paulo. As demais tribos dispersas pelo território da então colônia eram denominadas tapuias, assim conhecidos pelos tupis por serem
Compartilhar