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Hepatites virais agudas Definição: infecção que leva à necroinflamação do fígado, com manifestações clínicas e laboratoriais relacionadas, sobretudo, às alterações hepáticas decorrentes deste processo inflamatório. As hepatites representam as principais causas de hepatopatias agudas e crônicas, tendo incidência variável com a região. Elas são semelhantes em muitos aspectos, no entanto apresentam diferenças na etiologia, nos aspectos epidemiológicos, imunológicos, clínicos, patológicos e evolutivos. O componente epidemiológico tem sofrido mudanças nos últimos anos no Brasil, em decorrência da cobertura vacinal contra a hepatite B, mais efetiva detecção por parte dos bancos de sangue por vírus C e substancial melhora das condições sanitárias. As hepatites virais causadas por vírus hepatotrópicos representam a principal causa de hepatite aguda (hepatites A, B, C, D e E). Os vírus não hepatotrópicos podem também ocasionar hepatite, entretanto, as manifestações clínicas se relacionam, na maioria das vezes, com quadro viral sistêmico. Exemplos de vírus não hepatotrópicos: rubéola, febre amarela, caxumba, sarampo, herpes, varicela, citomegalovírus. Quadro clínico Não há quadro clínico patognomônico para cada hepatite. O diagnóstico depende da interpretação correta dos sintomas, dos achados do exame físico e dos testes laboratoriais, os quais, dentro de um contexto clínico levam à suspeita de necrose hepatocelular. Não é possível haver a distinção entre as hepatites somente pelo quadro clínico. Além disso, se o diagnóstico for baseado em aspectos epidemiológicos haverá muito erro. Consequentemente, é necessária a confirmação diagnóstica com marcadores virais específicos. O quadro clínico é bem semelhante, apesar disso, há algumas peculiaridades. Por exemplo, na hepatite B é comum a presença de uma artralgia ocasional; a hepatite A cursa com forma mais aguda, enquanto a hepatite C, mais insidiosa. Período de incubação: pode variar de algumas semanas até 6 meses, de acordo com o agente etiológico viral. Fase pré-ictérica ou prodrômica: o paciente pode apresentar pródromos, como mal-estar, astenia, febre, anorexia, náuseas, vômitos, desconforto abdominal, mialgia, diarreia ou obstipação, rinorreia, tosse, artralgia, antes do aparecimento de colúria e icterícia. Costuma durar uma semana, mas pode se estender até 3 semanas. A presença de exantema, doença do soro, glomerulonefrite, artrite e urticária são mais comuns na hepatite B. Período ictérico: com o surgimento da icterícia, a febre tende a desaparecer, mas alguns sintomas da fase prodrômica ainda podem persistir, principalmente anorexia e sintomas digestivos. Acolia pode ser observada em uma parcela significativa de pacientes e tem duração de 7 a 14 dias, em média. Costuma durar em média alguns dias até uma semana. Na maioria das vezes, há evolução para a cura, entretanto, deve-se estar atento para o curso evolutivo da hepatite, com possibilidade de agravamento para a forma fulminante. A mudança no comportamento e ritmo de sono, além do prolongamento do tempo de protrombina, podem sugerir a instalação de insuficiência hepática aguda. A icterícia pode ser leve ou intensa, acompanhada de prurido, mas, em geral, os níveis de bilirrubina são inferiores a 20 mg/dL. Na hepatite A, o período ictérico é mais curto. Nesta fase, telangiectasias podem ser observadas, mas comumente estão relacionadas com o agravamento de um quadro de hepatite crônica. É importante questionar sobre a procedência, se teve contato com indivíduos com hepatite, transfusão ou procedimentos invasivos prévios, doenças de base, imunodeficiências, uso de medicamentos, comportamento sexual, adição a drogas. Exame físico: verificar estado nutricional, presença de eritema palmar, telangiectasias, característica do fígado e do baço, presença de ascite, circulação colateral e edema. Na hepatite aguda, há, em geral, hepatomegalia dolorosa, associada a um fígado de consistência elástica, superfície homogênea e bordas lisas. A esplenomegalia pode estar presente na minoria dos casos e raramente o paciente desenvolve edema ou ascite, quando presentes, sugere hepatite de evolução grave. Fase convalescente: a icterícia e as transaminases entram em declínio e o paciente torna-se assintomático. A normalização das enzimas e a cura são comuns na hepatite A e E. Na hepatite pelo HVC é menor, permanecendo a infecção de forma latente, assintomática e crônica em cerca de 55 a 80% dos casos. Cerca de 95% dos RN infectados pelo HVB, habitualmente assintomáticos, permanecem como portadores, enquanto 20% se tornam cronicamente infectadas. Cerca de 2 a 10% dos adultos persistem com o vírus cronicamente. Forma anictérica: é assintomática ou se apresenta de modo mais leve, e parece ser mais frequente que a forma ictérica. Não se sabe ao certo o por que alguns desenvolvem uma ou outra forma. Quando presentes, os sintomas são semelhantes a forma ictérica, à exceção da presença da icterícia. Quando o paciente está assintomático, o diagnóstico é feito pela elevação das transaminases e pela detecção de marcadores sorológicos para a infecção viral. Diagnóstico/exames complementares Alterações laboratoriais: as aminotransferases, TGO ou AST e TGP ou ALT, começam a se elevar precocemente, antes do início dos sintomas, tanto no paciente ictérico como no anictérico. Tipicamente, os níveis atingem 10 vezes o limite da normalidade, entretanto, podem se elevar para níveis muito superiores. Estão sempre aumentadas em algumas fases em todas as hepatites virais agudas. Os níveis da elevação das enzimas não se correlacionam com a gravidade da doença. Níveis de ALT acima de 80 vezes pode ocorrer, mas são mais indicativos de lesão tóxica ou vascular. A s BD e BI se elevam, todavia, há predomínio das conjugadas. Na maioria os níveis de bilirrubina permanecem inferiores a 20mg/dl. Após atingirem um pico, as taxas decrescem de 50% por semana, normalizando-se em média, 2 a 8 semanas após o início da icterícia. A maioria dos fatores de coagulação são produzidos no fígado e apresentam vida média curta, fazendo com que quando há alteração hepatocelular, ocorre a diminuição dos fatores de coagulação. O tempo de protrombina é útil na avaliação prognóstica. Nas formas habituais da hepatite o INR não apresenta alterações, entretanto nas formas graves ou fulminantes, observa-se o prolongamento em segundos. A fosfatase alcalina se eleva pouco, assim como o lactato desidrogenase. As proteínas totais e frações habitualmente estão normais. A presença de hipoalbunimenia significativa com hiperglobulinemia, logo no início da icterícia, é sugestiva de doença hepática crônica. Aspectos histológicos Há predomínio das lesões nas células hepáticas ao invés do mesênquima. Incluem tumefação, apoptose, necrose focal e confluente e regeneração hepatocelular. A tumefação, também chamada de degeneração balonizante, observa-se também retração dos hepatócitos. Notam- se áreas necrosantes do tipo submaciço o maciço. Nestas áreas há proliferação de células de Kupffer e de histiócitos. Tratamento O tratamento é baseado basicamente em medidas de suporte em nível domiciliar. Não é necessário, obrigatoriamente, que o paciente tenha suas atividades físicas restringidas. Mesmo a atividade física intensa parece não influenciar na evolução do quadro. Da mesma maneira, o tipo de alimentação não parece influenciar na evolução do quadro clínico. Portanto o tipo e alimentação deve permanecer de acordo com o paladar do paciente. A anorexia é menos intensa no início do dia, por isso deve oferecer maior quantidade de calorias. Não há necessidade de reposição de vitaminas. Quando as náuseas e vômitos são persistentes, pode ser necessária a reposição venosa de líquidos e eletrólitos. Os antieméticospodem ser utilizados com cautela. É prudente evitar o uso de analgésicos, sedativos, narcóticos e medicamentos em geral durante um quadro de hepatite aguda viral. O uso de álcool deve ser contraindicado. Os pacientes devem ser assistidos com exames laboratoriais uma a duas vezes por semana no início do quadro e, posteriormente, se a evolução for favorável, os exames podem ser feitos por intervalos maiores. É importante orientar quanto as formas e a possibilidade de transmissão para outras pessoas. O paciente só irá ser internado quando houver vômitos incoercíveis, prolongamento do tempo de protrombina, bilirrubinas com persistência elevada ou surgir encefalopatia grave. Já nos casos de hepatite fulminante, esses pacientes serão encaminhados para unidade terapia intensiva, preferencialmente que disponha de transplante hepático. HEPATITE A É um vírus de RNA de fita simples da família Picornaviridae. Apenas um sorotipo é reconhecido, o que permite a produção de imunoglobulina e de vacina. Nunca evolui para a forma crônica. A hepatite A ocorre de maneira esporádica e epidêmica. Os padrões epidemiológicos são consistentes com a contaminação fecal-oral e de pessoa para pessoa. A infecção é frequente na vigência de condições sanitárias precárias. Apresenta-se mundialmente, e os surtos epidêmicos ocorrem da contaminação fecal de água e alimentos, principalmente em conglomerados, como escolas, prisões e pessoal militar durante períodos de guerra. A hepatite A é mais frequente em crianças e adolescentes em regiões pouco desenvolvidas e tropicais. O consumo de mariscos crus ou inadequadamente cozidos, cultivados em águas poluídas, está associado com elevado risco para hepatite A. Parece ser ocasionado pela expressão de antígeno nos hepatócitos, do que a lesão direta do vírus nestas células. A evolução da hepatite A para a cura é a regra, embora em poucos casos essa infecção adquira caráter protraído. O anticorpo anti-VHA é detectável no soro no início da doença, em média em uma a duas semanas após aumento das transaminases. Existem dois tipos: anti-VHA da classe IgM e IgG. O diagnóstico é estabelecido pelo IgM. Seu pico atinge dentro de poucas semanas após o início dos sintomas, declinando progressivamente. Em 4 a 5 meses, cerca de metade dos pacientes não apresentam mais o IgM detectável no soro. Já o IgG atinge seu pico em 3 a 12 meses após o início da doença persistindo permanentemente. A vacinação contra hepatite A foi incorporada no Calendário Nacional de Vacinação em julho de 2014 e beneficia crianças a partir dos 12 meses de idade até 2 anos (dose única). A imunoglobulina é utilizada antes da exposição ao VHA ou após (seis a sete dias), conferindo proteção em cerca de 80 a 90% dos casos. Não impede a infecção mas atenua as manifestações clínicas. HEPATITE B O VHB pode determinar um espectro amplo de infecção aguda e crônica. O principal determinante para a sua evolução é a idade de aquisição do vírus. Quando adquirida no período pré-natal e na infância precoce, a infecção tem maior chance de se tornar crônica. O VHB é do tipo DNA da família Hepadnaviridae com envelope que infecta, preferencialmente, o fígado. É classificado em genótipos (de A a H). O VHB é transmitido por via sexual (hetero e homossexual, sendo esta ainda a via principal e m nosso meio), por via parenteral (transfusões e uso de drogas intravenosas). Em relação à hepatite B, a OMS considera o Norte do Brasil como de alta endemicidade e as demais regiões, como de baixa. O genoma do VHB apresenta 4 regiões abertas para leitura: S, C, P e X. O gene S codifica as proteínas do antígeno de superfície, encontradas no envelope viral e nas formas virais incompletas. Essas proteínas são: proteína maior (S), proteína média (M) e proteína grande (L) e constituem o antígeno de superfície da hepatite B (AgHBs), utilizado como marcador dessa infecção. O gene C codifica polipeptídeo que constitui o núcleo capsídeo viral, denominado antígeno core da hepatite B (AgHBc) e pela codificação também do antígeno e do AgHBe (traduz a presença de vírion infectante). O gene P codifica a polimerase viral e o gene X codifica a proteína X. O VHB não exerce efeito citopático (não altera a morfologia da célula). O diagnóstico é baseado na presença de AgHBs. Este antígeno aparece antes mesmo da elevação das transaminases, entretanto não esclarece se a doença é aguda ou crônica. O diagnóstico de um quadro agudo é feito pela detecção do antígeno core (anti-HBC- IgM). Ele se mantém em títulos elevados na fase aguda, declinando após 3 meses, tornando-se pouco perceptível após 6 meses. Em pacientes que desenvolvem infecção crônica, pode permanecer em baixos títulos enquanto a replicação viral persistir. O anti-HBC da classe IgG alcança rapidamente títulos elevados na hepatite aguda permanecendo por toda a vida mesmo após a cura. O AgHBe está relacionado com a replicação viral, por isso desaparece antes da infecção completar 10 semanas de elevação das transaminases. A presença do anti-HBe sugere parada da replicação viral. O anti-HBs indica controle imunológico da infecção e imunização à reinfecção. A conduta deve ser expectante devido a maioria apresentar cura espontânea (mais de 95%). O tratamento antiviral com lamivudina só é feito em casos de hepatite fulminante, em imunodeprimidos e coinfectados por outros vírus. Vacina e HBIG HEPATITE C O VHC é do tipo RNA, da família Flaviridae. Apresenta diversidade genética em pelo menos 7 genótipos. Os linfócitos citotóxicos exercem importante papel na resposta imune. As CTL podem lesar diretamente os hepatócitos por apoptose. Apesar disso, a resposta imune é em geral menor, sendo rara a hepatite fulminante. A evolução da hepatite para a cronicidade é frequente (55 a 88%), mas a chance de resolução aumenta significativamente quando acompanhada de icterícia, o que corresponde a uma lesão hepatocelular acentuada. São indivíduos de alto risco para hepatite C aqueles que recebem sangue e derivados, particularmente hemofílicos e transplantados, toxicômanos, profissionais de saúde, dialisados, e com menos frequência, parceiros sexuais, familiares e filhos de infectados. Em cerca de 40% dos casos a fonte de infecção é desconhecida. Pessoas de nível socioeconômico mais baixo apresentam maior risco de desenvolver hepatite C. A transmissão ocorre mais por seringas, sangue, material contaminado, transplantes de órgãos, transmissão sexual e vertical, contato íntimo. Na hepatite aguda, o anti-HVC sérico é detectado cerca de um a dois meses após a exposição ao vírus. É importante que, quando se suspeita, deve ser feito a dosagem no início do quadro e dois meses após. O RNA por sua vez, pode ser detectado no soro poucas semanas após a exposição ao vírus, pelo método de PCR. Sua presença indica replicação viral e infecção inativa. Os níveis séricos de RNA podem variar podendo apresentar-se negativo. A persistência após 2 a 3 meses após o início do quadro, indica maior chance de evolução para hepatite C crônica. A maior parte dos casos é assintomática. Recomenda-se aguardar 12 semanas após o início dos sintomas. Caso não ocorra a clareamento viral espontâneo, está indicado o uso do interferon convencional por 24 semanas, independentemente do genótipo viral. Em pacientes assintomáticas recomenda o uso logo após o diagnóstico, cerca de 4 semanas após a exposição, principalmente nas populações de maior risco. Este tratamento tem como objetivo reduzir as chances de progressão para a fase crônica. Não há vacina e nem profilaxia para a hepatite C. HEPATITE D O genoma é composto por uma única fita de RNA pertencente à família Deltaviridae. É um vírus defectivo, por isso necessita do VHB para infectar e sobreviver no organismo humano. Apresentaenvelope composto por lipídios e pelo antígeno de superfície (AgHBs). Análises genéticas demonstraram a presença de 3 genótipos. A hepatite aguda pelo VHD tende a ser grave, evoluindo para óbito em cerca de 5%. No Brasil, a infecção predomina na região amazônica. Os grupos com maior risco para a aquisição de hepatite D incluem usuários de drogas intravenosas, contato sexual com indivíduos com hepatite B e pacientes com infecção crônica pela hepatite B, imunossuprimidos, homens homossexuais e população carcerária. Há dois mecanismos de infecção pelo vírus: coinfecção VHB+VHD ou infecção do VHD em portadores de VHB. Na coinfecção há evolução clínica bifásica com dois picos de aminotransferases. Na maioria dos casos, se manifesta com uma hepatite aguada benigna. Já nos casos de infecção em portadores de hepatite B, o quadro clínico é exacerbado, pois o vírus D apresenta boas condições para iniciar a replicação intensa produzindo grave dano hepático. Geralmente manifesta-se como uma hepatite fulminante, acometendo crianças e adultos jovens, e com características histológicas de necrose hepática maciça. Os principais marcadores utilizados para o diagnóstico são o anti-VHD-IgG e o anti-VHD-IgM que podem identificar infecção em andamento ou infecção passada. Altos títulos indicam replicação viral. HEPATITE E O VHE é transmitido via fecal-oral, sendo a água contaminada a principal fonte de transmissão. A contaminação de pessoa para pessoa pode ocorrer, embora pouco frequente. Apresenta 4 genótipos, sendo o 1 e 2 restritos aos humanos e frequentemente associados aos surtos, sendo epidêmicos em países subdesenvolvidos. Já os genótipos 3 e 4 infectam humanos, especialmente suínos, e correspondem aos casos esporádicos de hepatite E. O VHE-3 representa a maioria dos genótipos no ocidente em países desenvolvidos. Na maioria dos casos, apresenta-se de forma assintomática, com curso insidioso e autolimitado. Os testes sorológicos utilizados para o diagnóstico é pesquisa de anti-VHE-IgM, presente na fase aguda, permanecendo por cerca de 3 a 4 meses.
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