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2 As novas tecnologias e o futuro dos arquivos caso brasileiro

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AS NOVAS TECNOLOGIAS 
-
DAINFO A AO E O 
FUT O DOS AR V OS 
o entrannos nos anos 90, temos com 
reqüência nos defrontado com os 
conceitos, símbolos e sentimentos do cha­
mado fun do século, um tempo que já se 
teria iniciado e cujo ténnino remete-nos 
sempre à idéia de uma nova etapa da his­
tória humana. 
Do tédio pós-modernista à conspiração 
aquariana de uma nova era, a ficção científica 
vai se tomando cada vez menos ficção, e a 
realidade cotidiana vai sendo alterada verti­
ginosamente, sobretudo nos países do pri­
meiro mundo, em razão dos avança; cientí­
ficos e da emergência de novas tecnologias. 
Estaríamos, assim, vivenciando uma 
Segunda Revolução buiustriol, com a cres­
cente automação do processo produtivo e 
o aporte de inteligências artificiais para 
substituir a mecanização característica da 
Primeira Revolução Industrial. 
Esta Segunda Revolução Industrial esta­
ria detenninando, )X)f sua vez, o que se con­
vencionou chamar de era da illformação, 
idéia consolidada ao longo dos últimos 30 
anos a partirda constatação edas col<;eqüên-
José Maria Jardim 
• 
cias sociais do fato de que jamais se produ­
lju, se. a.nnazel1ou e se dis.seminou tanta 
informação como nas sociedades atuais. Da 
mesma forma, jamais tantos recursos tecno­
lógicos foram direcionados especificamente 
para a criação e a gestão de informaçócs. 
A chamada era da illformação tem im­
posto desafios com dificuldades e comple­
xidades sem precedentes aos profissionais 
de arquivologia e biblioteconomia às suas 
respectivas instituições de formação e à 
sua ação profissional. 
Conforme Sluart-Stubbs (1989), até os 
anos 50 não se pensava em informação 
como uma entidade específica, mas apenas 
como manuscritos, livros, panfletos e ou­
tras variações documentais. O formato fí­
sico do documento praticamente se sobre­
punha ao seu conteúdo, e esta tendência 
represenlava uma orientação intelectual 
com inúmeras implicações sobre todo o 
processo de coleta, processamento técnico 
e disselninação de tais materiais. As pró­
prias instituiçôcs responsáveis por geren­
ciar inform.'ções foram historicamente 
Eslwlru Ui.rtórico.s, Rio de Janeir<\ vol. 5, n. 10, 1992, p. 251-260. 
252 FSlUDOS IDSroRICOS-1992/10 
configuradas sobretudo a partir dos meios 
usados para o registro da informaçao. 
As características físicas dessas institui­
ções, sua arquitetura e equipamento, os 
esquemas intelectuais que empregam para 
a organização da informação, a forma de 
supervisionar o uso dos materiais que cus­
todiam, e mesmo as diferentes profissões 
que aí se foljaram, todos esses aspectos se 
desenvolveram muito menos a partir do 
cOllteúdo que do formato documental. Du­
rante muitos anos, por exemplo, distin­
guia-se bibliotecas de arquivos com base 
principalmente nas distinções entre mate­
rial publicado e não-publicado. 
As alterações ocorridas nesse tipo de 
conceituação têm solicitado de nós - atual­
mente identificados como profissionais da 
informação - que pensemos não apenas no 
vefcu/o usado para registrar e comUlúcar 
fatos, pensamentos e expressões, mas Iam­
bém, em termos abstratos, no conjunto de 
símbolos que chamamos de informação. 
Cabe ressaltar que, para efeito destas refle­
xões, são considerados irúormação todos os 
fatos e idéias que tenham sido registrados, 
. comunicados e10u distribuídos formal ou 
informalmente em qualquer fornJato físico. 
Aconceituação de informação registra­
da, com uma especificidade que a diferen­
cia do formato e do suporte documental, 
relaciona-se, no iaúcio do anos 60, com a 
crescente consciência da infonnação como 
um produto econômico, ou seja, mercado­
ria com valor monetário. 
Em 1 %2, Fritz Machlup publicava The 
productioll alld distributioll of kllowledge 
ill the Ullited States, demonstrando que 
29% do Produto Nacional Bruto dos EUA 
em 1959 estavam vinculados ao setor de 
produção de conhecimento, e que 32% da 
força de trabalho encontravam-se engaja­
dos em atividades de produção de conbe­
cimento. Ainda em 1962, realiza-se na Vir­
giIúa, EUA, a primeira co,úerellcia refe­
rente à ciência da illfonnação sob o patro-
dnio da Força Aérea Americana e da Mitre 
Corporation. 
Em 1968, criava-se nos EUAa lnforma­
tion lnduslries Association com o objetivo 
de promover o desenvolvimento da empre­
sa privada no campo da informação. Nesse 
mesmo ano, o Americao Documentation 
lnstitute, criado em 1937, foi restabelecido 
como a American Society for lnformation 
Science and Automation Division, insi­
nuando para alguns que informação não 
vinculada ao computador não é informa­
ção. Este preconceito persiste e tende, em 
alguns casos, a aumentar. No Brasil, o 
mBD (Instituto Brasileiro de Bibliografia 
e Documentação), fundado em 1954, passa 
a se chamar, em 1976, lnstituto Brasileiro 
de lnformação em Ciência e Tecnologia. 
É iroportante ressaltar ainda que, nos 
Estados Unidos, a classe empresarial, além 
dos quadros executivos do setor público, 
adota amplamente esta nova conceituação 
de informação. Um marco importante, 
neste sentido, é a publicação, em 1969, da 
obra de Peter Druckee, T7.e age of discon­
tinuity, destacando a função dos sistemas 
de informação nas organizações como fon­
te de poder, decisão e controle. Cabe lem­
brar a esse respeito que os recursos desti­
nados pela mM para a pesquisa na área de 
gestão de recursos da informação têm sido 
concedidos não às escolas de bibliotecono­
mia, arquivologia ou ciência da informa­
ção, e sim às escolas de administração. 
A idéia de era da informação e os con­
ceitos daí derivados são também insepará­
veis das mudanças radicais oca.sionadas 
pelas novas tecnologias como a infonnáti­
ca, a biotecnologia e os novos materiais 
produtivos - para citar algumas. 
Nas últimas IIêsdécadas, a emergência de 
novas tecnologias tem reorientado acentua­
dame.tle o futuro social, econômico, políti­
co, cultural e ambiental das popUL1ções. 
Todas essas tecnologias são um produto 
da cultura. As raízes culturais que propi­
ciaram a emergência da informática, por 
o FUJ1JRO IX>S ARQUIVOS 253 
exemplo, remetem-nos às fontes gregas da 
racionalidade ocidental, passando pelo re­
conhecimento social da lucratividade e da 
gestão do tempo inerente ao capitalismo. 
Também contribuíram para o posterior de­
senvolvimento da informática as exigên­
cias de velocidade na produção, expressas 
nos métodos de organização e racionalida­
de do trabalho tayloristas e fordistas utili­
zados desde o início deste século. 
1à.is métodos começam a alcançar seus 
limites técnicos e sociais em meados dos 
anos 60, na medida em que não podem mais 
assegurar O nível e o ritmo de crescimento da 
produtividade. Neste quadro, a informática é 
introduzida no processo de trabalho, através 
da automação industrial (robótica), dos es­
criJórws (burótica) e das telecomw.icaçães 
(telemática), implicando várias alterações no 
modelo organizacional tradicional. 
Da sociologia à antropologia, da histó­
ria à ciência da infonnação, diversos auto­
res reconhecem que as sociedades moder­
nas estão sob "choque ilÚOrmátiCO" ou 
• 
• • • 
• seja, suas estruturas ecollOlrucas. SOCiaIS e 
culturais estão sendo profundamente alte­
radas com as novas tecnologias da infor­
mação. Acrescenle ulilizaç.'io desses recur­
sos vem afetando hábitos, conhecimentos, 
competências, o universo cultural e mes­
mo a raz.1o de ser dos indivíduos. Duas 
teses opostas derivam desse quadro: 
-para os pessimistas, a introdução gene­
ralizada e rápida da itúonnação em todos os 
aspcdos da vida levará ao mundo desuma­
nizado descrito por Geo'1:e OJWeU em 1984; 
-para os otimistas, a Terceira OIula, des­
crita por A1vin Thffier, conduzirá, graças às 
tecnologias da infonnação, a um futuro eco­
nômico, sedutor, dinâmico, 00 qual se desen­volverá uma sociedade democrática. 
Entre estas dllas posições, nuem várias 
possibilidades que devem ser objeto da pes­
quisa científica e da própria tecnologia. Por 
outro lado, as conseqüências daí decorren-
• 
tes devem ser democraticamente controla-
das pela sociedade, considerando-se que as 
funções sociais das tecnologias da informa­
ção comprometem-nas com a promoção do 
atendimento às necessidades vitais da hu­
manidade que, em grande parte, carece das 
mais elementares condições de existência. 
Concluímos, neste ponto, que o concei­
to de informação desenvolvido a partir dos 
anos 60 -possibilitando inclusive a emer­
gência de uma chamada ciência da infor­
mação - é historicamente determinado por 
um quadro econômico e social de bllsca da 
otimização do processo produtivo no capi­
talismo avançado. É nesta mesma ambiên­
cia histórica que se torna evidente a proli­
feração de novas tecnologias da informa­
ção, gerando disciplinas recentes como a 
gestão de recursos da informação. 
Stuart-Stubbs (1989) analisa o futuro da 
gestão da informação registrada conside­
rando duas premissas fundamentais: 
-o meio no qual está registrada a infor­
mação ainda é o principal fator determi­
nante das operações e posturas das institui­
ções guardiàs de itlformaç.ão; 
-a escolha do meio de registro da infor­
mação é, cada vez mais, uma escolha do 
seu produtor. 
Os profissionais da informação lerão 
que reavaliar as teorias e os princípios sob 
os quais as instituições de documentação 
têm operado. Esse processo de adaptação 
afeta diversos aspectos, como por exemplo 
as áreas física, itltelectual, organizacional, 
e o perlil profISSional das instituições de 
infonnação. 
Do ponto de vista do supane material 
da informação, cabe o reconhecimento de 
que está mudando a natureza da documen­
tação, embora autores como Cbarles DoI­
lar (1990), Katharine Gavrel (1990) e Ro­
nald E.F. Weissman (1989) ressaltem que 
o papel MO someJlle persiste como tem 
aumeJllada em volume. Para Dollar, por 
254 ESTIJOOS IUSTÓRlCOS - 199:1110 
exemplo, é um mito a idéia, extremamente 
difundida dez anos atrás, do escritório sem 
papel, noção esta distinta da de escritório 
automatizado ou eletlÔnico. É incon­
testável porém que, progJessivamente, as 
il,lStituiçães de infonnação defrontam-se 
cOm os chamados documentos eletrtinicos, 
informáticos ou Ieg(veis por mJiquina, ou 
seja, documentos registrados sobre meios 
tais como discos magnéticos, fitas magné­
ticas, disquetes, discos óticos, cartões per­
furados etc., cujos conteúdos são acessí­
veis somente com a ajuda de um computa­
dor e dos softwares a ele associados. 
Conforme levantamento do NARA, 
National Archives and Records Adminis­
tration, o governo dos EUA tinha aproxi­
madamente 12.600 computadores de mé­
dia e larga escala em 1980. Este número 
aumentou para 18.200 em 1985 e foi esti­
mado em 25 mil em 1990. Não estão aí 
incluídos cerca de 320 mil microcomputa­
dores. Aqui, vale observar, confonne Gra­
vei (1990) que o uso crescente de micro­
computadores afetou a centralização dos 
serviços de processamente de dados, des­
centralizando, por sua vez, as possibilida­
des de criação de documentos eletlÔnicos 
entre os membros de uma organização. Em 
proporções diferenciadas, esta tendência 
ao crescimento na produção de documen­
tos eletlÔnicos apresenta-se nas adminis­
trações públicas e privadas de muitos paí­
ses, inclusive o Brasil. 
A maior parte dos documentos eletlÔni­
cos apresenta analogias com o documento 
papel, embora atualmente esta analogia 
esteja sendo bruscamente alterada com as 
novas tecnologias da infonnação cujo ob­
jetivo é representar o mundo da maneira 
mais realística possível, sem fronteiras ar­
tificialmente impostas. Thxtos, gr.I ficos, 
imagens fixas, vídeo, som estão sendo in­
terligados eletronicamente num único do­
cumento chamado documento composto 
ou documento hipermúJia. Toma-se, as­
sim, cada vez mais difícil, com a quebra 
das fronteiras que estabelecem tipologias 
documentais, definir exatamente o que é 
um documento, onde começa e termina. 
Do ponto de vista da arquivologia, al­
guns conceitos básicos estão sendo reexa­
minados como, por exemplo, os de ordem 
original e documento origina� proveniên­
cia, e instituições arquivfsticas camo de­
pósitos centrais de documentos. Por con­
seqüência, práticas como avaliação, ar­
ranjo e descrição, preservação e uso estão 
sendo também repensadas. 
O conceito de documento original não é 
aplicável na gestão dos documentos eIetrô­
ni<n; que, ao contrário dos papéis, não são 
entidades f"icas, mas sim entidades lógicas. 
As dificuldades de conceituação neste senti­
do são ainda mais evidentes, por exemplo, 
em relação às bases de dados inter-organi23-
cionais onde bits e peças de informação po­
dem ser selecionadas de outras bases e incor­
poradas ao documento eletlÔnico. Daí, a im­
portãncia de os arquivos reterem as 
infonnaçães sobre as relações lógicas refe­
rentes aos documentos eletrônicos. 
Os documentos eletrônicos compõem­
se de sinais eletlÔnicos cuja localização 
geralmente não transmite conteúdo inte­
lectual, o que torna também praticamente 
impossível a aplicação do conceito de pro­
veniência. Esta dificuldade de conceituali­
zação se agrava nos casos de largas e com­
plexas redes de informação, envolvendo 
várias organizações ligadas por meio de 
telecomunicações. As ligações entre com­
putadores dissolvem, neste caso, as tradi­
cionais fronteiras entre organizações, o 
que confronta o arquivista com a especifi­
cidade do contexto administrativo gerador 
do documento. Os efeitos desta tendência 
de se criar bases de dados inter-organiza­
cionais permitem um uso mais amplo do 
conceito de proveniência. Conforme 
K.Gavrel (1990), o termo muúiproveniên­
cia tem sido usado por algumas institui­
ções arquiv"ticas para designar a prove­
niência de uma série de documentos ele-
o FlJIVRO DOS AIlQUlVOS 255 
trônicos produzidos por bases de dados 
inter-organizacionais. Um swvey realiza­
do em 1974 pelo Alquivo Nacional da 
Austrália indicava a multiproveniência em 
27% das séries. 
Um outro aspecto a ser considerado, 
segundo DoUar (1990), é a centralização 
dos documentos e/etrlinicos em institui­
ções arquivfsticas, devido ao alto custo de 
sua conservação, que requisita programas 
constantes de migração de documentos 
eletrônicos de antigos sistemas para novos. 
A este respeito, KeteUar (1988) assinala 
que as vantagens e desvantagens da cria­
ção de serviços especializados em função 
dos chamados "novos documentos" en­
contram-se relacionadas com a natureza 
destes, devendo ser avaliadas "em função 
das necessidades do usuário e não, priori­
tariamente, dos custos de funcionamento". 
Recomenda este arquivista holandês que a 
exploração dos documentos eletrônicos 
seja integrada aos serviços arquivísticos 
desde que estes possam assumir tais res­
ponsabilidades. No caso de outras institui­
ções (eventualmente os próprios órgãos 
produtores) assumirem a guarda desse ma­
terial, esta deve ser uma alternativa provi­
sória, e é importante que ocorra sob o 
controle físico e intelectual da instituição 
arquivfstica responsável. 
Um documento eletrônico não pode es­
perar anos nas prateleiras até ser avaliado 
sob o ponto de vista de seu interesse arqui­
vfstico como documento de terceira idade. 
Além de bllscar detectarseu valor informa­
tivo, a avaliação de documentos eletrôni­
cos considera necessariamente aspectos 
técnicos ligados à sua legibilidade e adap­
tabilidade a outros sistemas. O processo de 
avaliação do valor informativo deve assim 
ser realizado a partir da produção do do­
cumento informático, o que divide os está­
gios do seu ciclo vital em produção, ava­
liação, uso e destinação final. No caso das 
bases de dados inter-organizacionaisque 
resultam em multi proveniência, a avalia-
ção do valor informativo coloca-se acima 
das fronteiras institucionais, baseando-se, 
sobretudo, nas júnções das organizações 
envolvidas. Cada vez mais, portanto, tor­
na-se imperativa a participação do profis­
sional de arquivo junto aos órgãos no de­
senvolvimento e instalação de sistemas in­
formáticos. 
Em relação ao a"anjo e descrição dos 
documentos eletrônicos, sobretudo para os 
resultantes das tecnologias de informação 
mais Itcentes, Dollar (1990) ressalta a ne­
cessidade de se ir além da mera produção 
de instrumentos de pesquisa de modo a se 
garantir também uma ampla visão sobre os 
sistemas de informação dos quais são de­
correntes os docume�tos processados. Des­
ta forma, torna-se importante que a descri­
ção ocorra a partir do desenho dos sistemas 
de informação. Para otimizar a acessibili­
dade, mostra-se também essencial a imple­
mentação de um sistema Diretório sobre 
Recursos de Gestão da Informação (bases 
de dados sobre outras bases de dados). 
O impacto de novas tecnologias da in­
formação está se refletindo também na 
perspectiva de conservação permanente 
de documentos informáticos. A fragilidade 
dos meios eletrônicos de armazenamento 
de informações tem se constituído numa 
das maiores preocupações do universo ar­
quivfstico. Até o momento, o meio mais 
aceitável tem sido a fita magnética por 
demonstrar ser o mais estável fISicamente 
e O menos custoso, embora sua conserva­
ção represente um gasto significativo em 
termos de recursos humanos e financeiros 
para as instituições arquivísticas. 
Além do controle ambiental, o ponto 
principal de um programa de conservação 
de documentos eletrônicos tem sido um 
ativo processo onde a equipe responsável 
rehobina todo o material geralmente a cada 
dois anos para evitar problemas de junção 
de suportes, e promove a reprodução das 
fitas periodicamente,já que sua durabilida­
de máxima é de dez anos. A ausência de 
256 ES1UDOS HlSTÓRlCOS -1992110 
padroes na indústria infomJática, assim co­
mo a obsolescência tecnológica, gera pro­
blemas para a preservação de documentos 
eletronicos a longo prazo, provocando um 
alto custo devido à migração de dados de 
documentos eletronicos de velhos siste­
mas para novos. 
Os recentes meios óticos de armazena­
gem têm garantido um aumento significa­
tivo da capacidade de annazenagcm e, no 
caso dos discos óticos, têm a vantagem de 
não requererem controle ambiental. A re­
cente criação de um novo tape ótico flexí­
vel pennite que um único rolo de 12 pole­
gadas armazene o equivalente a 5 mil fitas 
magnéticas. 
Para Dollar (1990), o conceito dedocu­
mefÚO permanefÚe é relativo quando os 
altos custos de preservação da vida útil dos 
documentos eletronicos se sobrepõem aos 
beneficios da sua retenção definitiva. Se­
gundo este mesmo autor, a preocupação 
arquivística com os documentos eletroni­
cos deve deslocar sua ênfase da preserva­
ção dos meios físicos de armazenagem 
para os aspectos intelectuais que envolvem 
o acesso às infonnações registradas em 
suportes magnéticos. 
A maior parte dos documentos eletrôni­
cos sob a guarda de instituiçiíes arquivísti­
cas refere-se a dados estatísticos e tem se 
mostrado especialmente interessante para 
estudos de história demográfica através de 
infonnaçôes relativas a casamento, morte 
e outras relacionadas com censos popula­
cionais. No Canadá, por exemplo, os arqui­
vos infomJáticos têm sido mais utilizados 
por sociólogos do que por historiadores. 
Prevê-se que uma nova geração de pes­
quisadores, fanúliarizada com aplicações 
informáticas, estabelecerá novas demandas 
de consulta por meio eletronico aos arqui­
vos. A aplicação do disco ótico também 
afetará o uso de documentos textuais, per­
mitindo ao consulente um amplo acesso a 
grandes quantidades de informação. Do 
ponto de vista intelectual, esta tendência 
requisitará dos arquivos instrumentos de 
pesquisa mais normatizados e completos. 
As novas tecnologias estão tomando 
possível a utilização dos novos arquivos à 
distllncia, ou seja, através de redes de in­
formação. 
As crescentes facilidades de uso de mi­
crocomputadores, cada vez mais possan­
tes, sem a necessidade de vastos conbeci­
mentos infomJáticos por parte do usuário, 
contribuirão também para tal utilização fo­
ra dos arquivos. Apesar disso, Ketellar 
(1988) não acredita que a utilização dos 
arquivos possa ser confiada inteiramente 
aos sistemas infonnalizados: "A pesquisa 
da infonnação não é somente um procedi­
mento lógico, analítico e linear, o arquivis­
ta e o pesquisador apelam um ao outro 
através de percepções balísticas, intuitivas 
e criativas." 
Diante das possibilidades geradas pelas 
novas tecnologias de informação, Charles 
Dollar (1990) propõe a redefinição dos 
serviços de referência arquivística em três 
aspectos: 
- estes serviços devem nortear sua ação 
mais para o acesso às informações regis­
tradas no documento do que para o docu­
mento em si, com O auxIlio de arquivistas 
especializados em sistemas eletrônicos de 
informaçiíes; 
- as instituições arquivísticas terão que 
se envolver na configuração de padrões de 
tecnologia da informação de modo a ga-
" 
. .. 
. 
. ranttr que os IDteresses arqulvlShcos selam 
assegurados; 
- os arquivos terão de ampliar seu de­
sempenho na proteção da privacidade e 
liberdade pessoal prevenindo o uso inade­
quado da informação arquivística, particu­
lannente quando muitas informações de 
interesse social estão sendo coletadas e 
preservadas. 
Considerando.,<;c os custos de conserva­
ção e processamento técnico dos documen-
o fUIURO DOS ARQUIVOS 257 
tos eletrônicos, algumas instituições aIqui­
vÍ'lticas na Europa e América do Norte de­
bontam-&e com a nece<sidade de o usuário 
pagar alguma taxa de utilinção desses acer­
vos, de modo a amortin, lima parte dos 
investimentos realindos para o seu adequa­
do tratamento arquivÍ'ltico. Embora o prin­
cfpio de livre acesso seja comiderado funda­
mentai na democratinção da informação, o 
conceito de consulta gratuita já tinha sido 
alterado em razão das demandas de trata­
mento técnico de documenta; audiovisuais. 
Conforme ICeteUar (1988), "se a sociedade 
como um todo deseja aproveitar as vanta­
gem que oferecem os novos arquivos, terá 
que pagar o preço". A este respeito o arqui­
vista sueco Granstrom (1989), assinala que 
"tantos recur.ros têm sido investidos na pro­
dução da informação que uma parte deles 
merece ser gasta em esforça; para resolver 
problemas de avaliação, processamento téc­
nico, preservação, armazenagem e recupera­
ção de informações". 
Ainda do ponto de vista do usuário, 
Peter Mcincke (1989), sublinha que "defi­
nir as reais necessidades e demandas do 
usuário é um dos mais imPortantes aspec­
tos do desenvolvimento e implementação 
de qualquer inovação tecnológica, espe­
cialmente quando é certo que as novas 
tecnologias provocarão grandes transfor­
mações". Alguns responsáveis pela produ­
ção de novas tecnologias da informação, 
no entanto, têm negligenciado seu impacto 
social e o papel da interferência dos usuá-
• • • nos potenCIaIS. 
Os desa fios impostos pelo impacto de 
novas tecnologias da informação no traba­
lho arquivlstico refletem-se diretamente 
sobre os profissionais de arquivologia. 
Qual seria o papel deste profissional na era 
dos sistemas automatizados da informa­
ção? Conforme Kesner (1984), se os arqui­
vistas não mudarem a maneira de enfocar 
o propósito e a natureza de s\las fuOÇÕes no 
âmbito das organinÇÕes arquivÍ'lticas, 
dentro em pouco estarão relegados ao pa-
pel de conservadores de antiquários, pers­
pectivas esta sistematicamente recusada 
no passado por ser uma noção eITÔnea do 
que um arquivista desenvolve pela socie­
dade. Neste sentido, a alternativa para osarquivistas seria atuarem como especialis­
tas da informação, desenvolvendo um pa­
pei ativo na sua criação, distribuição e 
conservação mediante a utilinção de um 
grande conjunto de instrumentos automa­
tindos e técnicas analíticas. 
Destaca-se, neste processo de transfor­
mação, a imperiosa necessidade do profIS­
sional de arquivologia participar da pro­
dução dos documelltos ele/rôllicos, coope­
rando, como já foi mencionado, na concep­
ção e no desenvolvimento de sistemas 
automatizados de informação. Daí a im­
portância de se formar e requalificar pro­
lissionais de aIquivologia que possam de­
sempenhar-se da gestão de recursos da in­
formação, respondendo nos níveis tcórico, 
metodológico e organizacional às diversas 
questões provocadas pelas novas tecnolo­
gias da informação. 
Da mesma forma, colocam-se as orga­
nizações arquivfslicas diante da necessida­
de de operacionalizar transformaÇÕes as­
sumindo novas posturas institucionais. Se 
as novas responsabilidades que resultam 
da moderna gestão da informação não fo­
rem incorporadas pelos aIquivos, outras 
instituições o farão, mesmo porque os pró­
prios usuários buscarão auxilio em outra 
parte, caso não obtenham os serviços in­
formativos de que necessitam. Nãose trata, 
portanto, de uma mera adaptação às novas 
tecnologias da informação, mas de buscar 
influenciar o seu desenvolvimento. 
Os arquivos nacionais que estão logran­
do avanços neste sentido evidenciam a ab­
soluta necessidade de· uma política de in­
formação governamental consistente, so­
cialmente aprovada e compatível com in­
teresses arquivísticos. Alguns aspectos 
dessa política envolvem a ação dos arqui­
vos nacionais, como por exemplo: 
258 ESlUOOS I-DsTóRlcos - 1992110 
-legislação adequada dispondo sobre a 
função do Estado na produção e uso de 
infonnações resultantes das novas tecno­
logias e resguardando o direito do cidadão 
à infonnação e à sua privacidade; 
- cooperação entre agências governa­
mentais responsáveis pelo tratamento e 
acesso à infonnação, desenvolvimento ad­
muústrativo e assuntos jurídicos, além de 
organismos privados; 
- treinamento de especialistas e usuá­
rios da infonnação; 
-elaboração de diretrizes sobre destina­
ção, processamento técnico e padrões téc­
nicos sobre os novos tipos de documentos 
eletrônicos; 
-pesquisa na área de gestão de recursos 
infonnativos e da infonnação; 
- supervisão e assistência técnica aos 
órgãos governamentais na produção e uso 
de documentos eletrô,úcos. 
Evidentemente estamos nos referindo a 
arquivos nacionais e outras instituições ar­
quivístiOls de países do primeiro mundo com 
larga tradição democr.ítica e que, como prin­
cipais produtores dessas novas tecnologias, 
compartilham IÚveis semelhantes em tennos 
de divisão u.temacional do trabalho. A esta 
divisão internacional do trabalho colIUlpon­
de uma ordem internacional da infonnação 
na qual as chamadas indústrias de infonna­
ção são controladas principalmçnte pelos 
países centrais, com enonnes desigualdades 
entre o Norte e o Sul. Tomando""" como 
exemplo os bancos de dados, sabemos que 
"os EUA detêm 60% dos bancos de dados 
existentes, contra 26% controlados pela Co­
mUlúdadeEconôllÚca Européia e 14% petas 
instituições intemaciolL11s e 'resto do mun-
do'" (Bcnakouche, 1985). . 
Este novo colonialismo via novas tec­
nologias como as da infonnação apresenta 
implicações econ(jllÚcas culturais que per­
passam O universo arquivístico brasileiro, 
já que a gestão da infonnação a ser adotada 
por nossas instituiçóes acabará por se pau-
tar - em muitos casos - pelos padrôes 
básicos gerados em países do primeiro 
mundo. Esta tendência, é claro, não exclui 
a contribuição da arquivologia brasileira 
nas reflexões sobre a gestão de novos re­
cursos infonnativos. 
A experiência das instituições arquivís­
ticas e dos cursos de arquivologia no Brasil 
- centros naturais de produção e acumula­
ção de conhecimento -é ainda quase nula 
a este respeito. Isto talvez se explique pela 
própria precariedade institucional de nos­
sas instituiçóes e centros de formação ar­
quivísticos, alguns dos quais vêm tentando 
desenvolver um processo modellÚzante ca­
paz de romper com um estancamento jurí­
dico, técnico e organizacional de dezenas 
de anos. Os enonnes problemas que ainda 
nos colocam a avaliação, recolhimento, 
processamento e guarda dos chamados do­
cumentos arquivísticos tradicionais não 
justificam, porém, negligeuciannos as no­
vas questões resultantes do processo elelrô­
JÚco de produção documental, sob pena de 
contribuinnos para ampliar ainda mais as 
dificuldades de preservação e acesso ao 
patrimôJÚo arquivístico do país. 
Este enonne vazio na arquivologia bra­
sileira certamente não será preenchido pela 
ação de uma instituição arquivística ou 
curso de arquivologia isoladamente. A reu­
nião de profissionais de diversas ulStitui­
ções públicas e privadas, bem como de 
cursos de arquivologia, poderia, de fonna 
dinãllÚca e criativa, conduzir a estudos e 
propostas básicas sobre a gestão arquivís­
tica dos documentos eletrônicos em seus 
diversos aspectos. 
Apesar de uma defasagem de no mÍIÚ­
mo duas décadas, ainda não é demasiado 
tarde para iniciativas neste sentido ou ou­
tras que possam compatibilizar a arquivo­
logia brasileira com as novas demandas da 
gestão da informação. Esta é uma respon­
sabilidade social dos profISSionais de ar­
quivologia no Brasil para com seu tempo 
e seu país. 
o FlTlUR.O DOS ARQUIVOS 259 
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José Maria Jardim é professor do Departa­
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