Buscar

Clamídias: Parasitas Intracelulares

Prévia do material em texto

INTRODUÇÃO
As clamí dias sã o parasitas intracelulares obrigató rios, isto é , cres-
cem somente no interior de cé lulas. Sã o os agentes de doenças 
sexualmente transmissíveis comuns, como uretrite e cervicite, 
bem como outras infecçõ es, como pneumonia, psitacose, traco-
ma e linfogranuloma vené reo.
Doenç as
A Chlamydia tra chomatis c ausa infecçõ es oculares (conjuntivite, 
tracoma), dos tratos respirató rio (pneumonia) e genital (uretrite, 
linfogranuloma venéreo). C. trachomatis é a causa mais comum 
de doenças sexualmente transmissíveis nos Estados Unidos. 
Infecções por C. trachomatis também estão associadas com a sín-
drome de Reiter, uma doença autoimune.
A Chlamydia pneumoniae (anteriormente denominada li-
nhagem TWAR) causa pneumonia atí pica. A Chlamydia psittaci 
causa a psitacose (Tabela 25-1).
C. pneumoniae e C. psittaci são suficientemente diferentes 
quanto ao aspecto molecular em relaçã o a C. trachomatis, de 
modo que foram reclassificadas em um novo gênero, denomi-
nado Chlamydophila. Taxonomicamente, esses organismos hoje 
sã o Chlamydophila pneumoniae e Chlamydophila psittaci. No en-
tanto, do ponto de vista mé dico, ainda sã o conhecidos como 
Chlamydia pneumoniae e Chlamydia psittaci, que sã o as denomi-
naçõ es utilizadas neste livro.
Caracterís ticas importantes
As clamí di as sã o bacté rias intracelulares obrigató rias. Elas são 
incapazes de produzir energia suficiente para o crescimento in-
dependente, e, por essa razã o, são capazes de crescer apenas no 
interior de cé lulas hospedeiras. Apresentam parede celular rí gida, 
mas nã o têm uma tí pica camada de peptideoglicano. Suas pare-
des celulares sã o similares às de bacté rias gram-negativas, mas 
desprovidas de á cido murâmico.
As clamí dias apresentam um ciclo replicativo diferente das 
demais bacté rias. O ciclo é iniciado quando o corpo elementar 
extracelular, metabolicamente inerte e semelhante a um “espo-
ro”, penetra na cé lula e reorganiza-se em um corpo reticulado 
maior e metabolicamente ativo (Figura 25-1). Este ú ltimo sofre 
repetidos ciclos de fissã o biná ria, originando corpos reticulados 
filhos, os quais sã o liberados da cé lula. No interior das cé lulas, o 
local de replicaçã o apresenta-se como um corpo de inclusã o, o 
qual pode ser corado e visualizado ao microscópio (Figura 25-2). 
Essas inclusõ es sã o ú teis na identificaçã o desses microrganismos 
no laborató rio clí nico.
Todas as clamí dias compartilham um antí geno polissacarí -
dico grupo-especí fico, o qual é detectado por testes de fixaçã o do 
complemento. Elas també m possuem antí genos (proteí nas) espé -
cie-especí ficos e imunotipo-especí ficos, os quais sã o detectados por 
imunofluorescência. C. psittaci e C. pneumoniae apresentam um 
imunotipo cada, ao passo que C. trachomatis exibe pelo menos 15.
Transmissão e epidemiologia
A C. trachomatis infecta apenas seres humanos, sendo, em geral, 
transmitida por cont ato pessoal pró ximo (p. ex., sexualmente 
ou pela passagem atravé s do canal de parto). Indiví duos com 
infecçõ es assintomá ticas do trato genital correspondem a um 
importante reservató rio de infecçã o para terceiros. No tracoma, 
C. trachomatis é transmitida pelo contato entre dedos e olhos ou 
entre fômites e olhos. C. pneumoniae infecta apenas seres huma-
nos e é transmitida de pessoa a pessoa por aerossó is. C. psittaci 
infecta aves (p. ex., papagaios, pombos e aves domésticas, além 
de muitos mamíferos). Os seres humanos sã o infectados prin-
cipalmente pela inalaçã o de microrganismos presentes em fezes 
ressecadas de aves.
A doença sexualmente transmissível causada por C. 
trachomatis ocorre mundialmente, poré m o tracoma ocorre com 
maior frequênci a nos paí ses em desenvolvimento, em regiõ es se-
cas e quentes, como as do Norte da Á frica. O tracoma correspon-
de à principal causa de cegueira nesses paí ses.
Intr odução
Chlamydia trachomatis
Chlamydia pneumoniae
Chlamydia psittaci
Aplique seu conhecimento
Resumos dos organismos
Questões para autoavaliação
C O N T E Ú D O D O C A P Í T U L O
Clamídias
C A P Í T U L O
25
CAPÍTULO 25 Clamídias 205
Pacientes acometidos por uma doença sexualmente 
transmissível sã o coinfectados por C. trachomatis e Neisseria 
gonorrhoeae em aproximad amente 10 a 30% dos casos.
Patogê nese e achados clí nicos
As clamí dias infectam principalmente as cé lulas epiteliais 
das membranas mucosas ou os pulmõ es. Raramen te causam 
infecçõ es invasivas e d isseminadas. A C. psittaci infecta princi-
palmente os pulmõ es. A infecçã o pode ser assintomá tica (detec-
tada apenas por uma elevaçã o no tí tulo de anticorpos) ou pode 
causar febre alta e pneumonia. A psitacose humana geralmente 
não é transmissí vel. A C. pneumoniae causa infecçõ es dos tra-
tos respirató rios superior e inferior, principalmente bronquite e 
pneumonia, em adultos jovens.
A C. trachomatis apresenta mais de 15 imunotipos (A a L). 
Os tipos A, B e C causam tracoma, uma conjuntivite crônica 
endêmica na Á frica e na Á sia. O tracoma pode recorrer ao lon-
go de vá rios anos e levar à cegueira, poré m nã o causa enfer-
midade sistêmica. Os tipos D a K causam infecçõ es do trato 
genital, que, ocasionalmente, sã o transmitidas aos olhos ou ao 
trato respirató rio. Em homens, é uma causa comum de uretrite 
nã o gonocó cica (frequentemente abreviada por UNG), a qual 
é caracterizada por corrimento uretral (Figura 25-3). Essa in-
TABELA 25-1 Clamí dias de importância mé dica 
 Espécies Doenç a
Hospedeiros 
naturais
Forma de 
transmissão 
a seres humanos
Número 
de tipos 
imunológicos Diagnóstico Tratamento
C. trachomatis Uretrite, pneumo-
nia, conjuntivi-
te, linfogranu-
loma venéreo, 
tracoma
Seres 
humanos
Contato sexual; 
transmissão 
perinatal
Mais de 15 Inclusões nas células 
epiteliais vistas com 
auxílio da coloração de 
Giemsa ou por imuno-
fluorescência; também 
por cultura de células
Doxiciclina, 
eritromicina
C. pneumoniae Pneumonia 
atípica
Seres 
humanos
Gotículas 
respiratórias
1 Teste sorológico Doxiciclina
C. psittaci Psitacose 
(pneumonia)
Aves Inalação de fezes 
secas de aves
1 Teste sorológico (cultura 
de células raramente 
é feita)
Doxiciclina
Fixação e entrada
do corpo elementar
Núcleo celular
Reorganização dos corpos
reticulados em corpos elementares
Cessação da
multiplicação
Corpos elementares
Desenvolvimento de
uma grande inclusão
citoplasmática
Liberação
Corpos elementares
extracelulares infecciosos
Multiplicação dos corpos
reticulados por fissão binária
Corpos reticulados
Formação do
corpo reticulado
FIGURA 25-1 Ciclo de vida da clamídia. O corpo elementar extracelular, inerte, entra na célula epitelial e transforma-se em corpo reticulado que 
se divide diversas vezes por fissão binária. Os corpos reticulados filhos transformam-se em corpos elementares e são liberados da célula epitelial. 
O corpo de inclusão citoplasmático, o qual é característico de infecções por clamídias, consiste em diversos corpos elementares e reticulados 
filhos. (Modificada e reproduzida, com permissão, de Ryan K et al. Sherris Medical Microbiology. 3rd ed. Publicada originalmente por Appleton & Lange. Copyright 
1994 por McGraw-Hill.)
206 PARTE II Bacteriologia Clí nica
fecção pode progredir para epididimite, prostatite ou proctite. 
Em mulheres, desenvolve-se cervicite, que pode progredir para 
salpingite e doença inflamató ria pé lvica (DIP). Episó dios repe-
tidos de salpingite ou de DIP podem resultar em infertilidade 
ou gravidez ectó pica.
Crianças nascidas de mã es infectadas frequentemente de-
senvolvem conjuntivite mucopurulenta (conjuntivite de inclusã o 
neonatal) sete a 12 dias apó s o parto, e algumas desenvolvem 
pneumonite clamidial duas a 12 semanas apó s o nascimento.A conjuntivite clamidial també m ocorre em adultos, como re-
sultado da transferência dos microrganismos a partir dos órgãos 
genitais para os olhos. Pacientes com infecçõ es do trato genital 
causadas por C. trachomatis apresentam uma alta incidência 
de sí ndrome de Reiter, que se caracteriza por uretrite, artrite 
e uveí te. A sí ndrome de Reiter é uma doença autoimune cau-
sada pela reaçã o cruzada entre os anticorpos formados contra 
C. trachomatis e os antí genos das cé lulas da uretra, articulaçõ es e 
trato uveal (ver Capí tulo 66).
Os imunotipos L1 a L3 de C. trachomatis causam linfogra-
nuloma vené reo, uma doença sexualmente transmissível que 
apresenta lesõ es nos órgãos genitais e nos linfonodos.
A infecçã o por C. trachomatis leva à form açã o de anticorpos 
e reaçõ es celulares, poré m nã o promove resistência à reinfecçã o 
nem eliminaçã o dos organismos.
Diagnó stico laboratorial
As clamí dias fo rmam inclusõ es citoplasmá ticas, as quais po-
dem ser visualizadas mediante o uso de corantes especiais (p. ex., 
corante de Giemsa) ou imunofluorescência (Figura 25-2). A co-
loraçã o de Gram nã o é ú til. Em exsudatos, o organismo pode 
ser identificado dentro de células epiteliais por meio do uso de 
anticorpos fluorescentes ou por hibridização com uma sonda 
de DNA. Os antí genos clamídios també m podem ser detectados 
em exsudatos ou na urina por ELISA (ensaio imunoadsorven-
te ligado à enzima). Testes de amplificação de ácidos nucleicos 
(NAATs, nucleic acid amplification tests), a partir da urina de pa-
cientes, são amplamente utilizados para o diagnóstico de doenças 
clamidiais sexualmente transmissíveis. Testes que não envolvam 
cultura, como o NAAT, são agora mais comumente realizados 
que os testes baseados em cultura (ver a seguir).
As clamí dias podem ser cultivadas em culturas celulares tra-
tadas com ciclo-heximida, que inibe a sí ntese proteica das cé lu-
las hospedeiras mas nã o a síntese das clamí dias, intensificando, 
assim, a replicaçã o clamídia. Em cultura, C. trachomatis forma 
incl usõ es contendo glicogênio, ao passo que C. psittaci e C. pneu-
moniae formam inclusõ es que nã o contêm glicogênio. As inclu-
sõ es contendo glicogênio sã o visualizadas pela coloraçã o com 
iodo. Exsudatos derivados dos olhos, do trato respirató rio ou do 
trato genital originam culturas positivas em aproximadamente 
metade dos casos.
Testes soroló gicos sã o utilizados para o diagnó stico de infec-
çõ es por C. psittaci e C. pneumoniae. Entretanto, raramente sã o 
ú teis para o diagnó stico de doença causada por C. trachomatis, 
uma vez que a frequência de infecçã o é tã o elevada que vá rios 
indiví duos já apre sentam anticorpos.
Tratamento
Todas as clamí dias sã o suscetí veis a tetraciclinas, como doxici-
clina, e a macrolí dios, como eritromicina e azitromicina. A azi-
tromicina é o fá rmaco de escolha para doenças sexualmente 
transmissíveis causadas por C. trachomatis. Devido à alta taxa 
de coinfecção com gonococos e C. t rachomatis, qualquer pacien-
te com diagnó stico de gonorreia també m deve ser tratado para 
C. trachomatis com azitromicina.
O fármaco de escolha para tratamento da conjuntivite de in-
clusã o neonatal e da pneumonia é eritromicina oral. O fá rmaco 
de escolha para tratar infecçõ es por C. psittaci e C. pneumoniae, 
bem como para o linfogranuloma vené reo, é uma tetraciclina, 
como a doxiciclina.
Prevenç ã o
Nã o há vacina contra qualqu er doença clamídia. A melhor me-
dida preventiva contra doenças sexualmente transmissíveis 
causadas por C. trachomatis consiste em limitar a transmissã o 
pelo pronto tratamento tanto do paciente quanto dos parceiros 
FIGURA 25-2 Chlamydia trachomatis – imagem obtida por micros-
copia óptica de uma cultu ra celular. A seta longa aponta para o cor-
po de inclusão citoplasmático de C. trachomatis; a seta curta aponta 
para o núcleo da célula. (Figura cortesia do Dr. E. Arum e Dr. N. Jacobs, Public 
Health Image Library, Centers for Disease Control and Prevention.)
FIGURA 25-3 Uretrite não gonocócica. Observa-se o corrimento 
aquoso não purulento causado por Chlamydia trachomatis. O corri-
mento uretral causado por Neisseria gonorrhoeae é mais mu coide e 
purulento. (Cortesia do Seatle STD/HIV Prevention Training Center.)
CAPÍTULO 25 Clamídias 207
sexuais, incluindo os indiví duos assintomá ticos. Os contatos s e-
xuais devem s er localizados, e indivíduos que mantiveram conta-
to no decorrer de um perí odo de 60 dias devem ser tratados. Com 
frequência, vá rios tipos de doenças sexualmente transmissíveis 
estã o presentes de forma simultânea. Desse modo, o diagnó stico 
de uma delas requer uma pesquisa por outros agentes etioló gicos. 
A administraçã o de eritromicina oral a crianças recé m-
-nascidas de mã es infectadas pode prevenir a conjuntivite de in-
clusã o e a pneumonite causadas por C. trachomatis. Observa-se 
que eritromicina pomada utilizada na prevenção de conjuntivite 
gonocócica neonatal é muito menos efetiva contra conjuntivite 
clamidial neonatal. A eritromicina oral deverá ser utilizada.
A psitacose em seres humanos é controlada pela restrição 
da importaçã o de psitacídeos, pela eliminaçã o de aves doentes, e 
pela adição de tetraciclina à raçã o das aves. Rebanhos domésticos 
de perus e patos sã o testados quanto à presença de C. psittaci.

Mais conteúdos dessa disciplina