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A Formação do Educador: de quem é a responsabilidade? Ligia Beatriz Goulart* * Vem de muito tempo a tradição da escola como espaço para ensinar. Por ensinar se entendia ocupar o aluno com atividades disciplinadoras e informativas. Criou-se um modelo de escola preocupada em organizar seu currículo de forma aproximá-lo daquele desenvolvido na academia. A função da escola era a preparação para o ensino superior, mesmo que a maioria dos alunos não chegasse nesse nível de ensino. A fragmentação e hierarquização do currículo, assim como os conteúdos desenvolvidos, se justificam por si mesmo. Um currículo formador de trabalhadores e não de cidadãos. Por isso, um bom ensino era aquele que exigia esforço, com aulas cansativas em que todos se mantinham em silêncio, para escutar o professor e reproduzir na prova o que “aprendeu”. Os alunos deviam falar pouco e escutar muito, de preferência sem intervenções, pois um bom aluno precisava estar atento ao que dizia o professor, para reproduzir na prova, elemento exclusivo de avaliação, o ensinado. Estudar significava ler e memorizar os assuntos trazidos pelo professor, tendo como objetivo a prova. O professor deveria manter distância de seus alunos e puni-los quando não soubessem a “lição”. Como o detentor do conhecimento, a ele cabia ensinar, mesmo que em muitas situações o ensinado não fosse aprendido. Indivíduo com grande credibilidade social e autoridade, conferida, especialmente, pelas famílias dos estudantes, o professor tinha destaque na comunidade onde vivia sendo respeitado e valorizado. E hoje, quem é o professor? O que ensina? Como ensina? Para que ensina? Aprende? O que conhece sobre a comunidade onde ensina? Que papel desempenha na comunidade que vive? Que credibilidade e autoridade possui? O professor contemporâneo vive em uma sociedade do conhecimento, que já lhe destituiu a função que lhe conferiam status, transmitir informações. Vive os tempos da velocidade das descobertas e da provisioridade do conhecimento. A variedade e acessibilidade das informações disponibilizadas implica na pouca relevância de seu papel como repassador de informação. Alguns alunos possuem informações mais atualizadas, pois dominam a linguagem dos multi-meios e desfrutam do seu acesso. A família nuclear é diferente, no que diz respeito a organização interna e relações de parentesco. A entrada das mulheres e, dos próprios alunos, no mercado de trabalho e a ressignificação da condição feminina trouxe um novo conceito de família. As realidades, antes vistas como homogêneas, passam a se destacar em suas singularidades e, as diferenças culturais adquirem um papel relevante. A contemporaneidade impõe um novo professor. Um sujeito que possua atributos desse tempo, o da mudança muito rápida. Alguém que se coloque não como repassador de informações, mas como articulador de conhecimentos empíricos e científicos, tornando-os significativos no contexto das novas aprendizagens, favorecendo a inserção, participação e intervenção dos sujeitos na sociedade. Também oferece espaços de interação, onde a troca e o compartilhamento sejam vistos como determinantes para aprender. Transforma a sala de aula em um espaço sem fronteiras, um lugar em que todos têm vez e voz e, nada é proibido, tudo é negociado. Tem no aprender a sua marca. Seu objetivo é a formação de sujeitos autônomos, responsáveis e solidários, identificados com as realidades e com o mundo, atores sociais produtivos. É !! Ser professor passa a ter um outro sentido. Exige-se, agora, um sujeito que não só informa, mas também provoca, instiga e “incomoda” seus alunos e o contexto escolar, comprometendo-se com a formação cidadã. Como, então, formar o professor para esses novos contextos? A resposta está na construção permanente. O mundo é outro, a educação tem nova dimensão e o professor outro papel, portanto sua formação precisa ser repensada. Que papel passa a ser atribuído às escolas de formação de professores, à academia, ao poder público e ao próprio sujeito? As qualidades exigidas do educador são aquelas capazes de produzir, como diz MORIN, cabeças- bem- feitas. Repensar sua formação é incluir situações de aprendizagem que valorizem o questionamento, a investigação, a ligação dos saberes e a transdisciplinariedade, nas práticas da instituição formadora e no ambiente escolar. É emergente oportunizar a discussão das práticas pedagógicas dos estudantes e dos professores estabelecendo as relações entre o que se estuda (leituras, seminários, palestras acadêmica, etc.) e o que está sendo implementado nas salas de aula, tanto do ensino fundamental e médio, quanto do terceiro grau. A postura reflexiva precisa estar presente também nas escolas de formação. Como o futuro professor irá ensinar algo que não viveu que não experenciou? A proposta de leitura de mundo é condição, também, para a formação acadêmica. Viver a autonomia, a responsabilidade, a solidariedade e o compartilhamento, é fundamental. Poder perceber que diferentes aprendizagens acontecem nos diversos ambientes e que são igualmente significativas. Exercitar a pesquisa investigativa e apropriar-se dessa forma de aprendizagem, mais condizente com os tempos atuais, é condição básica. A formação do educador precisa estender-se para além das portas e edifícios das universidades. É preciso que o educador se construa no mundo, em contato com diferentes realidades, estar em diferentes ambientes de aprendizagem formais e informais. A trajetória para um sujeito constituir-se em educador precisa, necessariamente, passar pelas práticas transgressoras que rompem com a fragmentação do currículo, com as práticas discriminatórias e buscam promover a integração da sociedade. O novo professor precisa saber quem são os seus alunos, e em que contextos vivem e, como inserí-los na sociedade, como sujeitos participantes, cooperativos e intervencionistas. Para o educador aprender é mais importante que ensinar. Aprender é perceber que as informações com sentido tornam-se conhecimentos, ampliam a leitura de mundo e, é o seu permanente exercício que constrói um professor. Ele está em todas as situações vividas. Nessa perspectiva deve ser entendido para efetivar seu trabalho junto aos aprendizes. Como formar esse sujeito, o professor? A escola que cria cidadãos precisa de professores com competências para ensinar nessa direção. Entre elas as que dizem respeito a formação permanente. Nesse processo precisam ser adquiridas competências para a construção e execução propostas reflexivas, inovadoras e integradoras, valorizando o cotidiano e as situações de desafio, bem como a auto-formação, pois é esse o novo papel da escola. Essas se constituem em competências especiais, diferentes daquelas desenvolvidas até então. Precisam ter em vista para quê e o quê se ensina, nos três níveis de escolarização. Para que se ensina? Qual o papel social da escola, nos três graus de ensino, deve nortear a formação do educador, é sua bússola. Nessa trajetória está contemplado todo o processo, o que inclui os desafios permanentes e as construções propostas na formação inicial. Ensinar é tornar as situações vividas espaços para a reflexão, para aprendizagem e inserção dos sujeitos no mundo. Caracteriza-se pela mobilização de interesses e necessidades, valorização e respeito às histórias individuais; é desafiar. O professor para essa escola é alguém especial, formado também na mesma lógica em que irá atuar. Possui um diferencial, pois aprendeu a aprender, a ressignificar o ensinar, e a criar ambientes formadores. Busca a inserção dos sujeitos como atores sociais produtivos, competentes, singulares, solidários e responsáveis. * Representante da Associação dos Geógrafos Brasileiros- AGB - Porto Alegre * Professora da Faculdade Cenecista de Osório
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