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FISIOLOGIA GASTRINTESTINAL Princípios Gerais de Função Gastrintestinal- Motilidade, Controle Nervoso e Circulação Sanguínea Transporte e Mistura do Alimento no Tubo Alimentar Funções Secretoras do Tubo Alimentar Digestão e Absorção no Tubo Gastrintestinal Fisiologia dos Distúrbios Gastrintestinais Princípios Gerais de Função Gastrintestinal Motilidade, Controle Nervoso e Circulação Sanguínea O tubo digestivo fornece ao organismo um suprimento contínuo de água, eletrólitos e nutrientes. Para desempenhar essa função, é necessário (1) o movimento do alimento ao longo do tubo digestivo; (2) a secreção de sucos digestivos e a digestão do alimento; (3) a absorção dos produtos digestivos, da água e dos vários eletrólitos; (4) a circulação do sangue pelos órgãos gastrintestinais para transportar as substâncias absorvidas; e (5) o controle de todas essas funções pelo sistema nervoso e pelo sistema hormonal. A Fig. 62.1 ilustra o aparelho digestivo completo. Cada parte está adaptada para desempenhar funções específicas, algumas para a simples passagem do alimento, como o esôfago; outras para o armazenamento do alimento, como o estômago; e outras para a digestão e absorção, como o intestino. No presente capítulo, discutiremos os princípios básicos da função do tubo alimentar; nos capítulos seguintes, analisaremos as funções específicas de diferentes segmentos do aparelho digestivo. PRINCÍPIOS GERAIS DE MOTILIDADE GASTRINTESTINAL CARACTERÍSTICA DA PAREDE GASTRINTESTINAL As funções motoras do intestino são executadas pelas diferentes camadas de músculo liso. As características gerais do músculo liso e sua função foram discutidas no Cap. 8. Todavia, as características específicas do músculo liso no intestino são as que se seguem. Músculo liso gastrintestinal - sua função como sincício. As fibras musculares lisas isoladas no tubo gastrintestinal têm entre 200 e 500 mV de comprimento e 2 e 10 mV de diâmetro, e estão dispostas em feixes de até 1.000 fibras paralelas. Na camada muscular longitudinal, esses feixes estendem-se longitudinalmente pelo tubo intestinal; na camada muscular circular, estendem-se ao redor desse tubo. No interior de cada feixe, as fibras musculares estão eletricamente conectadas umas às outras por meio de grande número de funções abertas que permitem o movimento com baixa resistência de íons de uma célula para outra. Por conseguinte, os sinais elétricos podem passar rapidamente de uma fibra para outra. Cada feixe de fibras musculares lisas é separado do próximo por tecido conjuntivo frouxo; todavia, os feixes fundem-se entre si em numerosos pontos, de modo que, na realidade, cada camada muscular representa uma malha ramificada de feixes musculares lisos. Por conseguinte, cada camada muscular funciona como um sincício - isto é, quando um potencial de ação é desenca- deado em qualquer parte no interior da massa muscular, dirige-se em geral em todas as direções pelo músculo. Todavia, a distância que ele percorre depende da excitabilidade do músculo; algumas vezes, cessa depois de alguns milímetros e, outras vezes, percorre muitos centímetros ou até mesmo toda a extensão do tubo intes- tinal. Além disso, existem algumas conexões entre as camadas musculares longitudinal e circular, de modo que a excitação de uma das camadas excita habitualmente a outra. Atividade elétrica do músculo liso gastrintestinal O músculo liso do tubo gastrintestinal apresenta atividade elétrica quase contínua, porém lenta. Essa atividade tende a apresentar dois tipos básicos de ondas elétricas: (1) ondas lentas e (2) pontas, ambas ilustradas na Fig. 62.3. Alem disso, a voltagem do potencial de membrana em repouso do músculo liso gastrintestinal pode variar para diferentes níveis, sem a geração de ondas; isso também pode exercer efeitos importantes no controle da atividade motora do tubo gastrintestinal. As ondas lentas. A maioria das contrações gastrintestinais ocorre de maneira rítmica, sendo esse ritmo determinado principalmente pela freqüência das denominadas "ondas lentas" no potencial de membrana do músculo liso. Essas ondas, ilustradas na Fig. 62.3, não são potenciais de ação. Na verdade, trata-se de alterações lentas e ondulantes no potencial de membrana em repouso. Em geral, sua intensidade varia entre 5 e 15 mV, e sua freqüência oscila nas diferentes partes do tubo gastrintestinal humano entre 3 e 12 por minuto: cerca de três no corpo do estômago, até 12 no duodeno e cerca de 8 ou 9 no íleo terminal. Por conseguinte, o ritmo de contração do corpo do estômago costuma ser de cerca de 3 por minuto, o do duodeno, de cerca de 12 por minuto, e o do íleo, de 8 a 9 por minuto. Desconhece-se a causa das ondas lentas. Todavia, conforme discutido no Cap. 8, acredita-se que possam ser causadas por lenta ondulação da atividade da bomba de sódio-potássio. Em geral, as ondas lentas não causam por si diretamente a contração muscular. Entretanto, controlam o aparecimento de potenciais intermitentes em ponta e estes, por sua vez, causam de fato a contração muscular. Potenciais em ponta. Os potenciais em ponta são verdadeiros potenciais de ação. Ocorrem automaticamente quando o poten- cial de membrana em repouso do músculo liso gastrintestinal torna-se mais positivo do que cerca de menos de 40 mV (o potencial de membrana de repouso normal situa-se entre -50 e -60 mV). Assim, observe que, na Fig. 62.3, toda vez que os picos das ondas lentas se elevam temporariamente acima do nível de -40 mV - isto é, tornam-se menos negativos do que -40 mV - surgem potenciais em ponta sobre esses picos. E, quanto maior a elevação do potencial das ondas lentas acima desse nível, maior será a freqüência dos potenciais em ponta, variando geral- mente entre 1 e 10 pontas por segundo. Os potenciais em ponta duram 10 a 40 vezes mais no músculo gastrintestinal do que os potenciais de ação nas grandes fibras nervosas, tendo cada um deles duração de até 10 a 20 milisse- gundos. Outra diferença muito importante entre os potenciais de ação do músculo liso gastrintestinal e os das fibras nervosas diz respeito ao modo pelo qual são gerados. Nas fibras nervosas, os potenciais de ação são produzidos quase totalmente pela rápida entrada de íons sódio através dos canais.de sódio para o interior das fibras. No músculo liso gastrintestinal, os canais responsáveis pelos potenciais de ação são muito diferentes; permitem a entrada de quantidades especialmente grandes de íons cálcio, juntamente com quantidades menores de íons sódio, sendo, portanto, deno- minados canais de cálcio- sódio. A abertura e o fechamento desses canais são muito mais lentos do que os canais rápidos de sódio, explicando a maior duração dos potenciais de ação. Além disso, o movimento de grandes quantidades de íons cálcio para o interior da fibra muscular durante o potencial de ação desempenha papel especial na contração do músculo liso intestinal, como veremos adiante. Alterações na voltagem do potencial de membrana em repouso. Além das ondas lentas e dos potenciais em ponta, o nível da voltagem do potencial de membrana em repouso também pode variar. Em condições normais, o potencial de membrana em repouso atinge, em média, cerca de -56 mV; todavia, esse nível pode ser modificado por diversos fatores. Quando o potencial se torna mais positivo, fenômeno conhecido como despolarização da membrana, a fibra muscular fica mais excitável. Quando o potencial se torna mais negativo, fenômeno conhecido comohiperpolarização,a fibra fica menos excitável. Os fatores que despolarizam a membrana - isto é, que a tornam mais excitável -são: fl) distensão do músculo, (2) estimulação pela acetileolina, (3) estimulação pelos nervos paras- simpáticos que secretam acetileolina em suas terminações, e (4) estimulação por vários hormônios gastrintestinais específicos. Os fatores importantes que tornam o potencial de membrana mais negativo - que hiperpolarizam a membrana e tornam a fibra muscular menos excitável - são (1) o efeito da norepinefrina ou da epinefrina sobre a membrana muscular e (2) a estimulação dos nervos simpáticos, que secretam norepinefrina em suas termi- nações. Íons cálcioecontração muscular. A contração muscular ocor- re em resposta à entrada do cálcio na fibra muscular. Conforme explicado no Cap. 8, acredita-se que, no músculo liso, os íons cálcio, ao atuarem através do mecanismo de controle da calmo- dulina, ativam os filamentos de miosina nas fibras, gerando forças de atração entre esses filamentos e os de actina, ocasionando a contração do músculo. As ondas lentas não são responsáveis pela entrada de íons cálcio na fibra muscular lisa, mas apenas pela entrada de íons sódio. Por conseguinte, em geral as ondas lentas não causam por si contração ou determinam contração muito pequena. Na verdade, é durante os potenciais em ponta gerados nos picos das ondas lentas que grandes quantidades de íons cálcio penetram nas fibras, causando sua contração. Contração tônica do músculo liso gastrintestinal. Em geral, o músculo liso do tubo gastrintestinal exibe contração tônica, bem como contrações rítmicas. A contração tônica é contínua, não está associada ao ritmo elétrico básico das ondas lentas, mas quase sempre dura vários minutos ou até mesmo algumas horas. Em certas ocasiões, a contração tônica aumenta ou diminui de intensidade, mas prossegue. Algumas vezes, a contração tônica é causada por séries repetitivas de potenciais em ponta - quanto maior a freqüência, maior o grau de contração. Todavia, outras vezes, a contração tônica éproduzida por hormônios ou outros fatores que desencadeiam despolarização contínua da membrana do músculo liso, sem causar potenciais de ação. Uma terceira causa de contração tônica consiste na entrada contínua de cálcio no interior da célula, determinada por processos que não estão associados a alterações do potencial de membrana. Infelizmente, os detalhes desses mecanismos ainda estão muito obscuros. CONTROLE NEURAL DA FUNÇÃO GASTRINTESTINAL O tubo gastrintestinal possui um sistema nervoso próprio, denominado sistema nervoso entérico. Esse sistema situa-se total mente na parede intestinal, começa no esôfago e estende-se até o ânus. O número de neurônios nesse sistema entérico é da ordem de cerca de 100.000.000, quase exatamente igual ao número em toda a medula espinhal, ilustrando a importância do sistema entérico para o controle da função gastrintestinal. Controla, em particular, os movimentos e a secreção gastrintestinais. O sistema entérico é formado principalmente por dois plexos, como ilustra a Fig. 62.2: um plexo externo, situado entre as camadas musculares longitudinal e circular, denominado plexo mioentérico ou plexo de Auerbach; e (2) um plexo interno, deno- minado plexo submucoso ou plexo de Meissner. As conexões nervosas entre esses dois plexos, bem como no seu interior, estão ilustradas na Fig. 62.4. O plexo mioentérico controla principalmente os movimentos gastrintestinais, enquanto o plexo submucoso controla sobretudo a secreção gastrintestinal e o fluxo sanguíneo local. Observe, na Fig. 62.4, as fibras simpáticas e parassimpáticas que conectam com os plexos mioentérico e submucoso. Embora o sistema nervoso entérico possa funcionar por si próprio, inde- pendentemente desses nervos extrínsecos, a estimulação dos siste mas parassimpático e simpático pode ativar ou inibir ainda mais as funções gastrintestinais, como veremos adiante. A Fig. 62.4 também mostra a existência de terminações nervosas sensitivas que se originam no epitélio gastrintestinal ou na parede intestinal e, a seguir, emitem fibras aferentes para ambos os plexos do sistema entérico, bem como para os gânglios pré-vértebra is do sistema nervoso simpático, algumas das quais seguem seu trajeto pelos nervos simpáticos da medula espinhal, enquanto outras o fazem pelos vagos, até o tronco cerebral. Esses nervos sensitivos desencadeiam reflexos locais no próprio intestino, bem como reflexos que são transmitidos para o intestino a partir dos gânglios pré-vertebrais ou do sistema nervoso central. Diferenças entre as características dos plexos mioentérico e submucoso O plexo mioentérico consiste principalmente em cadeias lineares de numerosos neurônios interconectados, que se estendem por todo o comprimento do tubo gastrintestinal. Uma dessas cadeias lineares é mostrada na Fig. 62.4; cadeias semelhantes localizam-se paralelamente entre si, separadas por alguns milímetros, ao redor de toda a parede intestinal. As cadeias distintas também possuem conexões por fibras laterais entre si, bem como conexões com o plexo submucoso mais profundo. Como o plexo mioentérico é um plexo linear que se estende por toda a parede intestinal, e pelo fato de estar situado entre as camadas longitudinal e circular de músculo liso intestinal, ele está principalmente relacionado com o controle da atividade motora ao longo de todo o intestino. Quando estimulado, seus principais efeitos consistem em: (1) aumento da contração tônica ou "tônus da parede intestinal", (2) maior intensidade das contrações rítmicas, (3) ligeiro aumento da freqüência do ritmo de contração, e (4) maior velocidade de condução das ondas excita- tórias ao longo da parede intestinal, causando o movimento mais rápido das ondas peristálticas. Todavia, o plexo mioentérico não deve ser considerado como totalmente excitatório, visto que alguns dos neurônios são inibitó- rios; suas fibras secretam um transmissor inibitório, possivel- mente o polipeptídio intestinal vasoativo (VIP) ou algum outro peptídio. Os sinais inibitórios resultantes são especialmente úteis para inibir alguns dos músculos esfincterianos intestinais contraí- dos que impedem o movimento do alimento entre os segmentos sucessivos do tubo gastrintestinal, como o esfíncter pilórico, que controla o esvaziamento do estômago, e o esfincter da válvula ileocecal, que controla o esvaziamento do intestino delgado no ceco. Ao contrário do plexo mioentérico, o plexo submucoso está principalmente relacionado com o controle da função no interior da parede interna de cada segmento do intestino. Por exemplo, muitos sinais sensitivos originam-se do epitélio gastrintestinal, e, a seguir, são integrados no plexo submucoso para ajudar a controlar a secreção intestinal local, a absorção local e a contração também local do músculo submucoso, responsável pelos vários graus de pregueamento da mucosa gástrica. T i p os de neurotransmissores secretados pelos neurônios entéricos Na tentativa de melhor compreender as múltiplas funções do sistema nervoso entérico, os pesquisadores em todo o mundo identificaram recentemente uma dúzia ou mais de diferentes substâncias neurotransmissoras que são liberadas pelas terminações nervosas de diferentes tipos de neurônios entéricos, Duas dessas substâncias - acetileolina enorepinefrina - já são bem conhecidas. Outras são trifosfato de adenosina, serotonina, dopamina, colecistocinina, substância P, polipeptídio intestinal vasoativo, so- matostatina, leu-encefalina, met- encefálina, e bombesina. As funções específicas da maioria dessas substâncias ainda não são conhecidas o suficiente para justificar uma exposição extensa, anão ser para frisaros seguintes aspectos: com mais freqüência, a acetileolina excita a atividade gastrintestinal. Por outro lado, a norepinefrina quase sempre inibe a atividade gastrintestinal. Essa ação também é exercida pela epinefrina, que atinge o tubo gastrintestinal por meio do sangue circulante, após ter sido secre-tada pela medula supra- renal na circulação. As outras substâncias transmissoras supracitadas consistem em mistura de agentes excitalórios e inibitórios, mas sua importância e até mesmo suas funções ainda não estão bem determinadas. Controle autonômico do tubo gastrintestinal Inervação parassimpática. A inervação parassimpática do intestino é dividida em craniana e sacra, conforme discutido no Cap. 60. À exceção de algumas fibras parassimpáticas para a boca e a região faríngea do tubo alimentar, as fibras parassimpáticas cranianas são transmitidas quase inteiramente pelos nervos vagos. Essas fibras fornecem extensa inervação para o esôfago, o estômago, o pâncreas e a primeira metade do intestino grosso (porém com pouca inervação para o intestino delgado). O parassimpático sacro origina-se nos segundo, terceiro e quarto segmentos sacros da medula espinhal e passa, pelos nervos pélvicos, para a metade distai do intestino grosso. As regiões sigmóide, retal e anal do intestino grosso são consideravelmente mais supridas por fibras parassimpáticas do que as outras porções. Essas fibras funcionam especialmente nos reflexos de defecação, que serão discutidos ainda neste capítulo. Os neurônios pós-ganglionares do sistema parassimpático localizam-se nos plexos mioentérico e submucoso, de modo que a estimulação dos nervos parassimpáticos causa aumento geral da atividade de todo o sistema nervoso entérico. Por sua vez, isso intensifica a atividade da maioria das funções gastrintestinais, porém nem todas, visto que alguns dos neurônios entéricos são inibitórios e, portanto, inibem algumas dessas funções. Inervação simpática. As fibras simpáticas para o tubo gastrin- testinal originam-se na medula espinhal entre os segmentos T-5 e L-2. As fibras pré-ganglionares, após deixarem a medula espi- nhal, entram nas cadeias simpáticas e passam, através delas, para os gânglios situados fora delas, como o gânglio celíaco e os vários gânglios mesentéricos. Nesses gânglios fica localizada a maioria dos corpos dos neurônios pós-ganglionares, e, a partir daí, as fibras pós-ganglionares disseminam-se e acompanham os vasos sanguíneos por todas as partes do intestino, terminando principalmente em neurônios do sistema nervoso entérico. O simpático inerva praticamente todas as porções do tubo gastrin- testinal, em lugar de suprir extensamente as porções mais orais e anais, como o faz o parassimpático. As terminações nervosas simpáticas secretam norepinefrina. Em geral, a estimulação do sistema nervoso simpático inibe a atividade do tubo gastrintestinal, causando efeitos essencial- mente opostos aos do sistema parassimpático. Exerce seus efeitos de duas maneiras diferentes: (1) em pequeno grau, através de efeito direto da norepinefrina sobre o músculo liso, inibindo-o (exceto a muscular da mucosa, que ele excita) e (2) em maior grau, através de efeito inibidor da norepinefrina sobre os neurô- nios do sistema nervoso entérico. Por conseguinte, uma forte estimulação do sistema simpático pode bloquear por completo o trânsito do alimento pelo tubo gastrintestinal. Fibras nervosas aferentes do intestino Muitas fibras aferentes originam-se no intestino. Algumas delas têm seus corpos celulares localizados no próprio sistema nervoso entérico. Esses nervos podem ser estimulados por (1) irritação da mucosa intestinal, (2) distensão excessiva do intes- tino, ou (3) presença de substâncias químicas específicas no intes- tino. Os sinais transmitidos por essas fibras podem causar excita- ção ou, em certas condições, inibição dos movimentos ou das secreções intestinais. Além das fibras aferentes que terminam no sistema nervoso entérico, aínda dois outros tipos de fibras aferentes estão associa- dos a esse sistema. Um deles possui seus corpos celulares no sistema nervoso entérico, mas envia os axônios pelos nervos auto- nômicos para os gânglios simpáticos pré-vertebrais, isto é, os gânglios celíacos, mesentéricos e hipogástricos. O outro tipo de fibras aferentes tem seus corpos celulares localizados nos gânglios das raízes dorsais da medula espinhal ou nos gânglios dos nervos cranianos; essas fibras transmitem seus sinais diretamente para a medula espinhal ou para o tronco cerebral, seguindo seu trajeto pelos mesmos troncos nervosos por onde passam as fibras nervosas simpáticas ou paras simpáticas. Por exemplo, 80% das fibras nervosas nos nervos vagos são aferentes, e não eferentes. Essas fibras transmitem sinais aferentes para o bulbo que, por sua vez, desencadeia muitos sinais reflexos vagais que retomam ao tubo gastrintestinal para controlar muitas de suas funções. Reflexos gastrintestinais A disposição anatômica do sistema nervoso entérico e de suas conexões com os sistemas simpático e parassimpático constitui o suporte de três tipos diferentes de reflexos gastrintestinais, essenciais para o controle gastrintestinal: 1. Reflexos que ocorrem totalmente no sistema nervoso entérico. Incluem os reflexos que controlam a secreção gastrintestinal, o peristaltismo, as contrações de mistura, os efeitos inibitórios locais etc. 2. Reflexos do intestino para os gânglios simpáticos pré-ver- tebrais e que retornam para o tubo gastrintestinal. Esses reflexos transmitem sinais por longas distâncias no tubo gastrintestinal, como os sinais provenientes do estômago que causam a evacuação do cólon (reflexo gastrocólico), os sinais provenientes do cólon e do intestino delgado que inibem a motilidade e a secreção gástrica (reflexos enterogástricos) e os reflexos que têm origem no cólon inibindo o esvaziamento do conteúdo ileal para dentro do cólon (reflexo colonoileal). 3. Reflexos do intestino para a medula espinhal ou para o tronco cerebral e que retornam para o tubo gastrintestinal. Incluem, especialmente: (a) os reflexos provenientes do estômago e do duodeno para o tronco cerebral, que retornam ao estômago para controlar a atividade gástrica motora e secretora; (b) os reflexos dolorosos que causam inibição geral de todo o tubo gastrintestinal; e (c) os reflexos de defecação que chegam à medula espinhal e retornam para produzir as poderosas contrações colônicas, retais c abdominais necessárias para a defecação (refle xos de defecação). CONTROLE HORMONAL DA MOTILIDADE GASTRINTESTINAL No Cap. 64, frisamos a extrema importância de vários hormônios para o controle da secreção gastrintestinal. A maioria desses mesmos hormônios também afeta a motilidade de algumas partes do tubo gastrintestinal. Apesar de os efeitos sobre a motilidade serem menos importantes do que os efeitos secretores dos hormônios, alguns dos mais importantes são os que se seguem. A colecistocinina, secretada principalmente pela mucosa do jejuno em resposta à presença de substâncias gordurosas no con- teúdo intestinal, exerce efeito muito poderoso para aumentar a contutilidade da vesícula biliar, expelindo, assim, a bile para o intestino delgado, onde ela desempenha importante papel na emulsificação das substâncias gordurosas, permitindo sua diges- tão e absorção. A colecistocinina também inibe moderadamente a motilidade gástrica. Por conseguinte, ao mesmo tempo que esse hormônio provoca esvaziamento da vesícula biliar, ele tam- bém retarda o esvaziamento do alimento do estômago, permi- tindo um tempo adequadopara a digestão das gorduras no tubo intestinal superior. A secretina, secretada pela mucosa do duodeno em resposta ao suco gástrico ácido esvaziado pelo estômago através do piloro, possui ligeiro efeito inibidor sobre a motilidade da maior parte do tubo gastrintestinal. O peptidio gástrico inibidor, secretado pela mucosa da parte superior do intestino delgado, principalmente em resposta à gor- dura, porém, em menor grau, em resposta aos carboidratos, exerce efeitos ligeiros ao reduzir a atividade motora do estômago e, portanto, ao reduzir a velocidade de esvaziamento do conteúdo gástrico no duodeno, quando o intestino delgado proximal deve estar demasiado repleto com produtos alimentares. TIPOS FUNCIONAIS DE MOVIMENTOS NO TUBO GASTRINTESTINAL Ocorrem dois tipos básicos de movimentos no tubo gastrin- testinal: (1) movimentos propulsivos, que impelem o alimento ao longo do tubo digestivo com velocidade apropriada para que ocorram a digestão e a absorção e (2) movimentos de mistura, que mantêm o conteúdo intestinal sempre misturado. Movimentos propulsivos - peristaltismo O movimento propulsivo básico do tubo gastrintestinal é o peristaltismo, ilustrado na Fig. 62.5. Um anel contrátil aparece em torno do intestino, e, a seguir, move-se para adiante: esse movimento é análogo a colocar os dedos ao redor de um tubo distendido, apertando-os e movendo-os para a frente, ao longo do tubo. Naturalmente, qualquer material que estiver à frente do anel contrátil será movido para adiante. O peristaltismo é propriedade inerente de muitos tubos de músculo liso sincicial; a estimulação em qualquer ponto determina o aparecimento de um anel contrátil que, a seguir, se propaga ao longo do tubo. Por conseguinte, o penstaltismo ocorre no tubo gastrintestinal, nos dutos biliares, em outros dutos glandu- lares do organismo, nos ureteres e em muitos outros tubos de músculo liso do organismo. A distensão é o estímulo habitual para o peristaltismo. Isto é, quando grande quantidade de alimento se acumula em qual- quer ponto do intestino, a distensão da parede intestinal estimula o intestino 2 a 3 cm acima desse ponto, e surge um anel contrátil que desencadeia o movimento peristáltico. Outros estímulos pas- síveis de desencadear o peristaltismo incluem irritação do epitélio que reveste o intestino e sinais nervosos extrínsecos, particu- larmente parassimpáticos, que excitam o intestino. Função do plexo mioentérico no peristaltismo O peristaltismo só ocorre fracamente, se é que ocorre, em qualquer porção do tubo gastrintestinal com ausência congênita do plexo mioentérico. Além disso, apresenta-se muito deprimido ou totalmente blo- queado em todo o intestino quando a pessoa é tratada com atro- pina para paralisar as terminações nervosas colinérgicas do plexo mioentérico. Por conseguinte, o peristaltismo efetivo requer um plexo mioentérico ativo. Movimento direcional das ondas peristálticas em direção ao ânus. Teoricamente, o peristaltismo pode ocorrer em ambas às direções a partir do ponto estimulado; todavia, em condições normais, ele desaparece rapidamente na direção oral, enquanto prossegue por distância considerável na direção anal. A causa exata dessa transmissão direcional do peristaltismo nunca foi estabelecida, embora resulte, provavelmente, do fato de o próprio plexo mioentérico ser "polarizado" na direção anal, o que pode ser explicado da seguinte maneira: Reflexoperistáltico e "leido intestino". Quando um segmento do tubo intestinal é excitado por distensão e, por conseguinte, inicia o peristaltismo, o anel contrátil que o provoca surge pouco acima no lado oral do segmento distendido; a seguir, desloca-se em direção ao segmento distendido, empurrando, assim, o con- teúdo intestinal na direção anal. Ao mesmo tempo, o intestino por vezes se relaxa por vários centímetros distalmente em direção ao ânus, o que é denominado "relaxamento receptivo", permitindo, assim, que o alimento seja propelido mais facilmente na direção anal do que na direção oral. Esse padrão complexo não ocorre na ausência do plexo mioentérico. Por conseguinte, o complexo é quase sempre deno- minado reflexo mioentérico ou, simplesmente, reflexo peristáltico. O reflexo peristáltico, juntamente com a direção anal do movi- mento do peristaltismo, é conhecido com "lei do intestino". Movimentos de mistura Os movimentos de mistura são bastante diferentes nas diver- sas partes do tubo alimentar. Em algumas áreas, as próprias contrações peristálticas provocam a maior parte da mistura, o que ocorre principalmente quando a progressão do conteúdo intestinal para a frente é bloqueada por um esfíncter, de modo que a onda peristáltica só pode misturar e comprimir o conteúdo intestinal, em vez de propeli-lo para frente, Outras vezes, ocor- rem contrações constritivas locais, a intervalos de poucos centíme- tros na parede intestinal. Essas constrições duram, em geral, apenas alguns segundos; a seguir, novas constrições aparecem em outros pontos do intestino, "cortando" os conteúdos aqui e ali. Esses movimentos peristálticos e constritivos são modifi- cados em diferentes partes do tubo gastrintestinal para propulsão e mistura adequadas, conforme discutido em relação a cada parte do tubo gastrintestinal no capítulo seguinte. FLUXO SANGUÍNEO GASTRINTESTINAL Os vasos sanguíneos do sistema gastrintestinal fazem parte de um sistema mais extenso, denominado circulação esplanênica, ilustrada na Fig. 62.6. Inclui o fluxo sanguíneo pelo tubo alimen- tar, juntamente com o fluxo sanguíneo pelo baço, pâncreas e fígado. A disposição desse sistema é tal que todo o sangue que flui pelo intestino, pelo baço e pelo pâncreas chega imediatamente ao fígado pela veia porta. No fígado, o sangue flui por milhões de finos sinusóides hepáticos e, por fim, deixa o órgão pelas veias hepáticas que deságuam na veia cava da circulação geral. Esse fluxo secundário de sangue passando pelo fígado permite às células reticuloendoteliais que revestem os sinusóides hepáticos remover as bactérias e outros materiais particulados que possam ter penetrado no sangue a partir do tubo gastrintestial, impe- dindo, assim, o acesso direto de agentes potencialmente nocivos ao resto do organismo. Muitos dos nutrientes absorvidos pelo intestino também são transportados no sangue venoso porta até os mesmos sinusóides hepáticos. Nesses sinusóides, tanto as células reticuloendoteliais quanto as células parenquimatosas principais do fígado, as células hepáticas, absorvem do sangue e armazenam temporariamente cerca de metade a três quartos de todos os nutrientes absorvidos. Além disso, grande parte do processamento intermediário desses nutrientes também ocorre no fígado. Essas funções nutricionais do fígado serão abordadas nos Caps. 67 a 71. Anatomia do suprimento sanguíneo gastrintestinal A Fig. 62.7 ilustra o plano geral de suprimento sanguíneo para o intestino, mostrando as artérias mesentéricas superior e inferior que irrigam as paredes do intestino delgado e do intes- tino grosso por meio de um sistema arterial em arco. A figura não mostra a artéria celíaca que propicia suprimento sanguíneo semelhante para o estômago. Ao penetrarem na parede intestinal, as artérias se ramificam e emitem artérias menores que circundam o tubo digestivo em ambas as direções, sendo que as pontas desses vasos unem-se no lado da parede intestinal oposta à fixação mesentérica. A partir das artérias, artérias ainda muito menores penetram na parede intestinal e disseminam-se (1) ao longo dos feixes muscu- lares, (2) nas vilosidades, e (3) nos vasos da submucosa, sob o epitélio,para atender a funções secretoras e absortivas do intestino. A Fig. 62.8 ilustra a organização especial do fluxo sanguíneo pela vilosidade intestinal, mostrando pequenas arteríola e vênula que possuem interconexões por meio de um sistema de múltiplos capilares em alça. As paredes das arteríolas são altamente muscu- lares, sendo também extremamente ativas no controle do fluxo sanguíneo da vilosidade. feito da atividade e dos fatores metabólicos intestinais sobre o fluxo sanguíneo gastrintestinal Em condições normais, o fluxo sanguíneo em cada área do tubo gastrintestinal, bem como em cada camada da parede intes- tinal, está diretamente relacionado ao nível de atividade local. Por exemplo, durante a absorção ativa, o fluxo sanguíneo au- menta acentuadamente nas vilosidades e regiões adjacentes da submucosa. De forma semelhante, o fluxo sanguíneo nas camadas musculares da parede intestinal aumenta com a maior atividade motora no intestino. Assim, por exemplo, após uma refeição, aumentam as atividades motora, secretora e absortiva, e, de modo semelhante, o fluxo sanguíneo aumenta por até 100 a 150%; em geral, esse aumento tem duração de 3 a 6 horas. Possíveis causas do aumento do fluxo sanguíneo durante a atividade. Apesar de o fator ou fatores precisos responsáveis pelo maior fluxo sanguíneo durante o aumento da atividade gastrintestinal não estarem bem definidos, alguns fatos já estão bem estabelecidos. Em primeiro lugar, várias substâncias vasodila-tadoras distintas são liberadas da mucosa do tubo intestinal durante o processo digestivo. A maior parte dessas substâncias consiste em hormônios peptídicos, incluindo colecistocinina, peptídio intestinal vasoalivo, gastrina e secretina. Esses mesmos hormônios também são importantes no controle de certas atividades motoras e secretoras específicas do intestino, como veremos nos dois capítulos seguintes. Em segundo lugar, algumas das glândulas gastrintestinais também liberam na parede intestinal duas cininas, a calidinu e a bradicinina, ao mesmo tempo que lançam suas secreções no lúmen. Essas cininas são vasodilatadores potentes, e alguns pes- quisadores acreditam que produzam grande parte do aumento da vasodilatação da mucosa que ocorre com o processo de secreção. Em terceiro lugar, a diminuição da concentração de oxigênio na parede intestinal pode aumentar o fluxo sanguíneo intestinal por até 50%. Por conseguinte, a maior intensidade metabólica durante a atividade intestinal reduz provavelmente a concentração de oxigênio o suficiente para causar grande parte da vasodilatação. É possível que a causa dessa vasodilatação seja a falta de oxigênio suficiente para suprir o metabolismo do músculo liso nas paredes dos vasos. A falta de oxigênio também pode determinar maior liberação de adenosina,de até 4 vezes o normal; a adenosina, um vasodilatador bem conhecido, poderia ser res- ponsável por grande parte do aumento do fluxo. Por conseguinte, a resposta de maior fluxo sanguíneo perante o aumento da atividade gastrintestinal não está bem esclarecida. É provável que haja combinação de todos os fatores supracitados ou de muitos deles, embora outros ainda estejam para ser desco- bertos. Mecanismo do fluxo sanguíneo em contracorrente na vilosidade. Observe, na Fig. 62.8, que o fluxo arterial na vilosidade e o fluxo venoso para fora dela seguem direções opostas, expondo os vasos em estreita aposição uns aos outros. Devido a essa disposição vascular, grande parte do oxigênio difunde-se das arteríolas diretamente para as vênulas adjacentes sem ter sido transportado pelo sangue até as pontas das vilosidades. Até 80% do oxigênio podem seguir essa via de curto- circuito e, portanto, não suprir as funções metabólicas locais das vilosidades. O leitor irá perceber que esse tipo de mecanismo de contracorrente nas vilosidades é análogo ao mecanismo de contracorrente nos vasos retos da medula renal, discutido detalhadamente no Cap. 28. Em condições normais, essa derivação de oxigênio das arteríolas para as vênulas não é prejudicial para as vilosidades; entretanto, em condições patológicas, nas quais o fluxo sanguíneo para o intestino fica acentuadamente reduzido, como no choque circulatório, o déficit de oxigênio nas pontas das vilosidades pode ficar tão pronunciado a ponto de ocorrer morte isquêmica e, na realidade, desintegração da ponta ou até mesmo de toda a vilosidade. Por conseguinte, em muitas doenças gastrintestinais, as vilosidades ficam acentuadamente rombas, com a conseqüente redução da capacidade absortiva gastrintestinal. Controle nervoso do fluxo sanguíneo gastrintestinal A estimulação dos nervos parassimpáticos para o estômago e para a parte inferior do cólon aumenta o fluxo sanguíneo local, bem como a secreção glandular. Todavia, esse maior fluxo resulta provavelmente do aumento da atividade glandular, não sendo um efeito direto da estimulação nervosa. Por outro lado, a estimulação simpática exerce efeito direto sobre praticamente todo o tubo gastrintestinal, causando vaso- constrição intensa das arteríolas, com redução acentuada do fluxo sanguíneo. Todavia, mesmo depois de alguns minutos de vaso- constrição, o fluxo retorna quase ao normal, por meio do meca- nismo conhecido como "escape auto-regulador". Isto é, os meca- nismos vasodilatadores metabólicos locais que são desencadeados pela isquemia sobrepujam a vasoconstrição simpática, e, por con- seguinte, causam dilatação das arteríolas, permitindo o retorno do fluxo sanguíneo necessário às glândulas e ao músculo gastrin- testinais. Importância do controle nervoso quando outras partes do organismo necessitam de maior fluxo sanguíneo. Um dos aspectos mais importantes da vasoconstrição simpática no intestino é que ela permite o fechamento dos fluxos sanguíneos gastrintestinal e esplânenico por curtos períodos de tempo durante a realização de exercícios intensos, quanto há necessidade maior fluxo para o músculo esquelético e o coração. Além disso, no choque circulatório, quando todos os tecidos vitais podem sofrer morte celular por falta de fluxo sanguíneo - especialmente no cérebro e no coração -, a estimulação simpática pode bloquear quase por completo o fluxo sangüíneo esplânemico durante até 1 hora. A estimulação simpática também causa vasoconstrição especialmente acentuada das veias intestinais e mesentéricas. Além disso, essa vasoconstrição não "escapa". Na verdade, diminui o volume dessas veias e, portanto, desloca grandes quantidades de sangue para outras partes da circulação. No choque hemorrágico ou em outros estados de baixo volume sanguíneo, esse mecanismo pode suprir provavelmente 200 a 300 ml de sangue adicional para manter a circulação geral.
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