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O neoplatonismo

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O neoplatonismo : “Plotino e o princípio de tudo”
“Existe, sim, alguma coisa que poderia chamar-se um centro: em torno a esse círculo irradiando o esplendor que emana daquele centro;em torno a esses (centro e primeiro círculo), um segundo círculo: luz da luz!”(Plotino, Enéadas, IV)
“No século III d.C., o Império Romano encontra-se em declínio, de que a sua intermitente divisão em Ocidente e Oriente é apenas um sintoma. Nesse ambiente de crise surge o neoplatonismo, cujo formulador, Plotino, daria uma nova vitalidade à Filosofia.
O Uno, um princípio absoluto
	O neoplatonismo de Plotino é certamente uma retomada de Platão, mas de um modo original. Para Plotino, trata-se de evitar o dualismo de Platão que, ao separar tão radicalmente o mundo inteligível do mundo sensível, foi obrigado a admitir a existência do Outro das idéias. Nesse sentido, Plotino retoma a exigência clássica da Filosofia, a de buscar um único princípio para tudo o que existe.
	Esse princípio é o Uno: Deus, de quem tudo decorre. Tal decorrência se faz por uma maneira que Plotino denomina processão (proodos), algo como a irradiação da luz, que se propaga sem contudo esgotar a sua fonte única, imutável e imóvel. Na processão, no entanto, as emanações do Uno não seguem indefinidamente. Há segundo Plotino, momentos em que elas se fixam, como que olhando para trás, “lembrando-se” do Uno de onde saíram. Essa “parada” é a conversão (epistrophé), e nesse momento se forma o que Plotino denomina hipóstase.
Inteligência, Alma, matéria
	A primeira hipóstase é o próprio Uno. A segunda, que se fixa pela conversão em direção ao Uno, é o Nous, termo já empregado por Anaxágoras e que pode ser traduzido por Inteligência. Em Plotino, o Nous é o que faz com que o mundo seja inteligível, isto é , que se pode apreender por meio do intelecto. A terceira e última hipóstase é a Alma (Psique), o princípio que anima a vida e que, por isso, constitui as coisas sensíveis, nelas encarnando na condição de sua essência.
	Por fim, no término da processão encontra-se a matéria. Esta não é uma hipóstase, pois não é fruto de conversão. A matéria é antes o esgotamento da processão, como a luz que vai se extinguindo até apagar-se completamente.
A ética: uma ponte para o Uno
	O homem reproduz nele mesmo a processão e a conversão: ele pode cair em direção à matéria, ou, elevar-se em direção ao Uno, fazendo com que a sua alma contemple o que o próprio homem tem de Inteligência. Desse modo ele pode se aproximar do divino Uno - tal é para Plotino, o dever moral do homem, que, na medida em que se realiza pela contemplação (theoría), coincide a própria Filosofia.
O Bem e o Mal
	 Se a processão e a conversão traduzem-se em hipóstases cada vez mais inferiores, isto não significa que estas não tenham, cada qual em seu nível, o seu grau de perfeição. Na Alma, a sua perfeição é a Razão, que contempla as idéias perfeitas da Inteligência. Mas uma parte menos perfeita da Alma “engendra” nessa contemplação a natureza (physis), que também é perfeita em seu nível. Só a matéria, inerte e estéril, incapaz de contemplação, é completamente imperfeita: é o Mal.
	É então o Uno o Bem? Não exatamente, pois ele é indeterminável. Mais do que isso, o Uno só seria o Bem se se opusesse a seu Outro, o Mal, mas essa oposição não existe, pois a matéria é apenas o esgotamento da processão. Por outro lado, porém, o Bem, sem ser o Uno, é a idéia pela qual a hipóstase inferior pode se aproximar do Uno. Em termos morais e humanos, a prática do bem unifica as ações do homem, impondo-lhes uma medida e um limite, e nessa unificação assemelha-se ao Uno.
	Cabe então ao homem cultivar aquilo que, na sua alma, o aproxima do Uno, a unidade da virtude. Ele deve aproximar-se cada vez mais do Uno, buscando nele se dissolver, na sua perfeição. Esse é o objetivo último da Filosofia que é, em suma, a contemplação (theoría) do Uno.
O mistério do indizível
	Os vários temas de Plotino convergem, na realidade, para uma única questão: o princípio de tudo, o Uno. Muitos atribuem a concepção de tal noção à influência do misticismo oriental e, de fato, o Uno é um mistério, pois a seu respeito não se pode afirmar nada: é indizível.
	Havendo ou não a influência oriental, o que Plotino faz é elaborar a noção desse indizível de acordo com os procedimentos da tradição filosófica ocidental, isto é, por meio do logos (palavra, discurso, razão): o Uno não é uma simples verdade revelada, mas aquilo sobre o qual, mesmo sendo indizível, pode-se, deve-se dizer algo. Platão já havia adotado atitude semelhante, quando afirmava que o bem, esta Idéia das idéias, só poderia ser alcançado pela intuição intelectual (noesis, palavra derivada de nous), silenciosa, mas que também seria possível falar a seu respeito por aproximações. E o que fazia Sócrates, quando mostrava que uma coisa (por exemplo, a virtude) não é, a não ser indicar sorrateiramente, por negações, o que ela é? Sobre o Uno, portanto, é possível falar por aproximações e por negações.
	“Há que voltar, pois, a subir até o Bem..., mas a consecução do Bem é para os que sobem ao alto, para os que se converteram..., até que, passando longe na subida de tudo quanto seja alheio a Deus, veja cada um por si só o único incontaminado, simples e puro, de quem todas as coisas estão pendidas, a quem todos olham, por quem existem e vivem e pensam, pois é causa de vida, de inteligência e de ser”(Enéadas, I).
Extraído de:
HISTÓRIA DO PENSAMENTO. São Paulo: Nova Cultural, 1987, v.1, p. 140-45.
Leituras complementares:
BAUCHWITZ, Oscar Federico (org.) O Neoplatonismo. Natal: Argos, 2001.
BEZERRA, Cícero Cunha. Compreender Plotino e Proclo. Petrópolis: Vozes, 2006
BRUN, Jean. O Neoplatonismo. Lisboa: Edições 70,1991.
PARENTE, Margherita. Introduzione a Plotino. Roma: Laterza, 1984 (I Filosofi)
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São Paulo: Loyola, 1995. v.4
ULLMANN, Reinholdo Aloysio. Plotino - O Retorno ao Uno. Veritas, Porto Alegre, v.41. nº 161, março 1996, p.27-36.
ULMANN, Reinholdo Aloysio. O Mito nas Enéades de Plotino. Teocomunicação. Porto Alegre. V.26, nº 113, set. 1996. P. 387-394.
ULMANN, Reinholdo Aloysio. A ética em Plotino. Teocomunicação. Porto Alegre, v.28, n.119, mar 1998, p.129-134.
ULMANN, Reinholdo AloysioPlotino. Um estudo das Enéadas. Porto Alegre: EdipucRS, 2002
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