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Alegoria da Carruagem

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Alegoria da Carruagem
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Alexandre Ferreira Santos
Sep 10, 2016
A alma humana pode ser comparada com uma força natural e ativa, constituída de uma carruagem puxada por um par de cavalos e conduzida por um cocheiro. Um dos cavalos é belo e bom, enquanto o outro é ruim e de natureza arredia. Por isso, é comum dizer que o trabalho de condução da carruagem é difícil e penoso.
O cavalo bom tem o corpo harmonioso e bonito; pescoço altivo, focinho curvo, olhos pretos; ama ser guiado e é dotado de sobriedade. Não deve ser fustigado e sim dirigido apenas pelo comando e pela palavra. O outro, o mau, é torto e disforme; segue o caminho sem firmeza; com o pescoço baixo, tem um focinho achatado, seus olhos de coruja são estriados de sangue; é amigo da desordem e da bestialidade; tem as orelhas cobertas de pelos. Obedece apenas, a contragosto, ao chicote e ao açoite.
O objetivo do cocheiro é dirigir-se para um banquete que o espera. Na sua jornada ele vê outras tantas carruagens que sobem por um caminho escarpado até o ponto mais elevado. Ele se pergunta se existem carruagens em perfeito equilíbrio, com par de corcéis dóceis, que sobem sem dificuldade. Feliz daquele que avistando uma carruagem dessas pudesse segui-la. Mas os que estão na mesma estrada que ele vão, em sua grande maioria, grimpando com dificuldade porque os cavalos maus inclinam e puxam as carruagens para a terra. Há confusão e briga, e abundante suor. Muitos ficam feridos, por culpa dos cocheiros. O sonho do cocheiro é levar seus cavalos a manjedoura e dá-lhes um bom pasto, néctar e água fresca para depois se dirigir ao banquete.
O grande problema é que, às vezes, o cocheiro se distrai com alguma coisa da paisagem, que o desvia de sua meta. Pior ainda é quando aquilo que o distrai exerce fascínio sobre os cavalos. O cavalo obediente ao guia, como sempre, obedece e a si mesmo se refreia. Mas o outro não respeita o freio nem o chicote do condutor. Aos coices, move-se à força, embaraçando, ao mesmo tempo, o guia e o outro cavalo; obriga-os, por fim, a sair da via. O cocheiro e o cavalo bom a princípio resistem, ficam furiosos, como se fossem coagidos a seguir o mau, mas por fim acabam por se deixar levar e concordam em mudar seu plano principal por algum tempo, detendo-se com a distração.
Cedo ou tarde o cocheiro sente-se entediado e arrependido por ter abandonado seu objetivo primeiro. Quando a lembrança o reconduz para a via, ou quando ele revê as sinalizações para o banquete, se surpreende e necessariamente puxa o freio. Com tal força e atitude ambos os cavalos recuam; o bom, voluntariamente e sem resistência; o ruim, entretanto, a contragosto. E a carruagem volta ao que estava planejado.
Novamente, o cavalo bravo avista as distrações e obriga a carruagem, aos relinchos e puxões, a tentar novo desvio. E quando deste se aproximam, o chucro se precipita, estende a cauda, morde o freio puxando-o sem pudor. Mas o cocheiro, agora marcado pelo que ocorreu antes, logo se retrai, repuxando com mais força o freio do cavalo ruim. Escorre-lhe o sangue da língua e das mandíbulas, de tão apertadas que tem as pernas e as ancas, vai de encontro ao chão, pelos maus tratos do guia. Depois de sofrer tudo isso, o mau cavalo amansa e segue o governo do cocheiro. Agora, quando vê a distração, quase morre de medo.
Se a força do cavalo bom prevalece o cocheiro chega vitorioso ao banquete e todos ficam felizes. O cavalo mau não será mais prejudicado pelas suas más inclinações e o cavalo bom poderá gozar da liberdade para se aproximar, ainda mais, das coisas boas. Mas se se entregam aos impulsos de desordem e distrações poderá suceder que os dois corcéis se tornem rebeldes e assumam o domínio da carruagem, de modo que, o cocheiro não tenha mais controle nenhum.
(cf. Platão. Fedro, 246a — 256e)

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