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Governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin Secretário de Estado da Educação Gabriel Chalita Secretário-Adjunto Paulo Alexandre Barbosa Chefe de Gabinete Mariléa Nunes Vianna Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas Sonia Maria Silva Equipe Técnica - CENP Ione da Silva Jovino Valéria de Souza Secretaria de Estado da Educação - São Paulo Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas Praça da República, 53 – térreo - sala 63 - Centro 01045-903 – São Paulo – SP Telefone (11) 3218-2000 www.educacao.sp.gov.br http://cenp.edunet.gov.br SaO PAULO EDUCANDO PELA DIFERENcA PARA A IGUALDADE ~ ~ Módulo II Ensino Médio Dr. Valter Roberto Silvério Dra. Anete Abramowicz Dra. Lúcia Maria Assunção Barbosa (Coordenadores - UFSCar) Programa: SaO PAULO EDUCANDO PELA DIFERENcA PARA A IGUALDADE 2 Atividade 1 Atividade 2 Trabalhando em Sala de Aula Leia Mais 35 35 36 36 3 Atividade 1 48 Atividade 2 48 Trabalhando em Sala de Aula48 Para Ver 49 Leia Mais 48 49 Para Ouvir Referências Bibliográficas49 Juventude, Ensino Médio e Diversidade 37 A Escola e a Construção da Iden- tidade na Diversidade Para Ver36 33 25 1 Diversidade Cultural e Currículo: a questão racial na prática educativa dos/as professores/as 9 Para Ver Atividade 1 Atividade 2 Para Acessar 19 22 20 18 Leia Mais 24 6 Aprender a conduzir a própria vida: dimensões do Educar-se en- tre Afrodescendentes e Africanos 85 5 Glossário Alfabético Leia Mais84 4 Atividade 1 58 Atividade 2 58 Leia Mais 58 Pedagogia da Exclusão: a representação do negro na literatura brasileira 51 Alguns Aspectos da História Africana dos Negros no Brasil 59 78 Referências Bibliográficas 95 Diversidade Cultural e Currículo a questão racial na prática educativa dos/as professores/as O desafio da escola diante da diversidade Ao escrever esse artigo, relembro uma situação vivida por mim, quando ainda lecio- nava na educação infantil, em uma escola pública de Belo Horizonte. Um certo dia, uma colega de trabalho apresentou-me, cheia de entusiasmo, uma atividade a ser realizada pelas suas crianças, cuja maioria era negra e mestiça. O exercício pedia ao aluno que li- gasse, com um traço, o desenho que estava do lado esquerdo da folha ao seu correspondente no canto direito do papel. Entre a tarefa de ligar o pato até o lago, a vaca até o leite, o menino até a bola de futebol, havia a figura de um rosto de mulher que, através dos tra- ços fenotípicos, representava a raça negra. Porém, tais traços estavam exageradamente deturpados: os lábios bem grossos e os cabe- los desgrenhados. O leitor e a leitora devem estar pensando: o que essa figura tem a ver com a atividade proposta? Eu explico. A ativi- dade pressupunha que as crianças deveriam associar o rosto da mulher negra ao desenho de um lenço de amarrar no cabelo, cheio de bolinhas, que estava na outra coluna. É possível perceber, nessa atividade, estereótipos de gênero quando refletimos sobre a representação de “menino”, ali pre- sente, a qual fatalmente deveria ter como seu correspondente mais imediato uma bola de futebol. Mas prefiro me ater, nesse momento, à questão racial, ou seja, à representação de mulher negra contida no exercício proposto. Trata-se do estereótipo de mulher negra e, mais precisamente, da mulher negra que atua como empregada doméstica no Brasil e que, “coincidentemente”, era o tipo principal de atividade profissional exercida pela maioria das mães daquelas crianças. Indo mais longe: a representação de mulher negra contida naquela atividade lembra-nos, também, as funções assumidas pelas mulheres negras africanas escravizadas no Brasil e suas de- scendentes, que eram obrigadas a trabalhar à força como mucamas e que alimentaram, cuidaram e organizaram, durante anos, as casas grandes e as mansões da elite branca na sociedade escravista. Tal imagem e as con- seqüências dessa função social e profissional atribuída à mulher negra não estão longe de nós. Ela foi muito bem retratada, da mesma maneira estereotipada e estigmatizada, por Monteiro Lobato, por meio da personagem Tia Anastácia, do Sítio do Pica-Pau Amarelo e, mesmo hoje, com contornos diferentes, é vivida por muitas mulheres negras que ainda cuidam, alimentam e organizam as casas da Nilma Lino Gomes classe média e da elite branca do nosso país. Quantos de nós, educadores e educadoras, não deixamos as nossas casas entregues às sábias e competentes mãos de mulheres negras, semi-analfabetas, que chamamos, eufemisti- camente, de “secretárias”. Muitas vezes se- quer assinamos sua carteira de trabalho e lhes destinamos um minúsculo quarto nos fundos da casa ou apartamento, mas dizemos que, de tão íntimas, “já fazem parte da família”? Esclareço, desde já, que não há aqui nenhuma crítica àquelas que atuam profis- sionalmente como domésticas. Trata-se de uma categoria profissional que precisa ser mais valorizada e que tem lutado pela sua dig- nidade e pelos seus direitos trabalhistas. Mas gostaria que pensássemos que a manutenção desse tipo de categoria profissional, no Brasil, ocupada geralmente pelas mulheres negras e pobres, é um ranço das relações escravistas e desiguais entre negros e brancos. Nos mol- des do capitalismo, essas relações sofreram várias transformações, mas não deixaram de lado um legado histórico de exploração de um grupo social e étnico-racial em detrimento do outro. E tudo isso podia ser visto e revivido, ali, naquela “simples” atividade escolar pro- posta pela professora. Quando solicitei à professora que me explicasse os objetivos da atividade e por que havia escolhido aqueles desenhos, ela me disse de forma áspera: “O racismo está na cabeça de vocês mesmos. Vocês, negros, vêem racismo em tudo” (informação verbal). É in- teressante observar que eu nem havia chegado a mencionar e questionar o desenho da mulher negra. A antecipação da resposta da profes- sora e a forma brusca como ela respondeu à minha pergunta demonstram que, no fundo, ela sabia muito bem do conteúdo pejorativo daquele exercício e do estigma presente na associação entre a mulher negra (apresentada de forma caricatural, com os lábios despro- porcionais) e o lenço de amarrar no cabelo. Tudo isso expressava o seu preconceito racial. Tratava-se, portanto, de uma escolha. O caso foi levado à equipe pedagógica, que “não soube bem o que fazer” e, para não entrar em “conflito”, a escola optou pela “autonomia” da professora, ou seja, ela deu a atividade para as crianças, apesar de todo o meu protesto. E as crianças? Fizeram a atividade e talvez tenham acertado tudo!!!! E, a partir daquela época, essa colega, que antes mantinha uma relação de proximidade comigo, passou a me evitar no cotidiano da escola. O exemplo acima demonstra claramente quão complexa é a relação entre diversidade cultural e currículo, sobretudo quando o foco da nossa atenção recai sobre o segmento ne- gro da população. Garanto que hoje, depois de todo o meu aprendizado e vivência com a questão racial, teria assumido uma postura muito mais incisiva diante daquela situação e a atividade jamais seria dada àquelas crian- ças, mesmo não sendo sua professora! Não se trata de autoritarismo e nem de um “arroubo militante”. Trata-se do exercício da ética que deveria ser foco de reflexão e ação de todos nós, educadoras e educadores. Não podemos nos esconder atrás de um falso discurso sobre a “autonomia” do professor para discriminar nossos alunos e colegas, seja do ponto de vista social, racial, de gênero, de opção sexual, ou qualquer outro. E também não podemos continuar nos escondendo atrás de um currículoescolar que silencia, impõe estereótipos e lida de maneira desigual, pre- conceituosa e discriminatória com as diferen- ças presentes na escola. Como nos diz Ferreira (2003, p.1): A morada do educador é ontologicamente ética e política. Fugir a essa dimensão é se trair enquanto pessoa. A articulação desses dois termos, no ato de educar para a vida, convoca-nos a refletir sobre o prazer e a dor de conduzir o outro a caminhos pos- síveis do exercício de sua liberdade. Nessa direção, aprender a se tornar sujeito exige persistência, pois o se formar para a vida é a longo tempo [...]. Como poderíamos, então, fazer avançar o debate sobre a diversidade cultural e cur- rículo? Como dar elementos aos professores/as para que eles/as possam lidar pedagógica e eticamente com as diferenças?1 Esses e outros intimados a atender ao imperativo transna- cional de garantir que o tempo de escola seja realmente cumprido como um direito social, que garanta, dê espaço, discuta e explore, de forma democrática, a vivência da diversidade e possibilite aos alunos/as a sua formação enquanto cidadãos e sujeitos emancipados. Nossos alunos e alunas, ao passarem pela educação básica, precisam vivenciar práticas pedagógicas que lhes possibilitem ampliar o seu universo sociocultural, rever e superar preconceitos, eliminar toda e qualquer forma ou comportamento discriminatório em relação ao outro. Uma tarefa difícil? Sim, sem dúvida. Porém, essa é a tarefa de todo e qualquer educador/a, tanto na escola pública quanto na escola privada. Não há como ser educador/ a sem assumir essa postura política, ética e pedagógica. Dentro da ampla discussão sobre cur- rículo e diversidade cultural, esse artigo privilegiará a educação dos negros, articulada com a discussão sobre os processos educativos e as problemáticas que também são comuns aos outros grupos étnico-raciais do nosso país. A reflexão sobre a construção de um pro- jeto educativo que contemple a diversidade cultural no Brasil não pode desconsiderar o contingente de 45% de negros e negras que forma a população do nosso país. Nesse sen- tido, um currículo que se abra à diversidade deverá contemplar a história e a especifi- cidade do povo negro juntamente com a de outros segmentos étnico-raciais. Ou seja, o enfrentamento e a superação do racismo e da discriminação racial estão diretamente relacionados ao desafio colocado para a edu- cação escolar do nosso tempo: como garantir uma educação igualitária e de qualidade para todos, respeitando a diversidade? Como con- struir práticas curriculares que contemplem, de forma ética, a diversidade, sem folclorizá- la ou omití-la e que, ao mesmo tempo, não se silenciem sobre a mesma? Escola, diversidade cultural e cur- rículo: algumas considerações Antes de entrarmos na especificidade questionamentos têm acompanhado a minha prática enquanto professora e pesquisadora e também têm sido o norte de vários artigos que tenho escrito ao longo da minha trajetória na educação. E, nessa trajetória, tenho aprendido que algumas respostas parciais já têm sido alcançadas, as quais são sempre renovadas pelos novos estudos e pesquisas, pelos projetos e práticas inovadores que os/as pesquisadores/as e docentes do nosso país vêm realizando. De fato, não é tarefa fácil para nós, edu- cadores e educadoras, trabalharmos pedagogi- camente e inserirmos no currículo uma dis- cussão profícua sobre a diversidade cultural, de um modo geral, e sobre o segmento negro, em específico. Apesar de reconhecermos, pelo menos no nível do discurso, que a construção social, cultural e histórica das diferenças, ou seja, a diversidade, é algo de belo e que dá sentido à nossa existência, sabemos que, na prática, no jogo das relações de poder, as diferenças socialmente construídas e que dizem respeito aos grupos sociais e étnico- raciais menos favorecidos foram naturalizadas e transformadas em desigualdades. Nesse sentido, se quisermos compreender a complexa trama entre diversidade cultural e currículo, teremos que enfrentar o debate sobre as desigualdades sociais e raciais em nosso país. Teremos que entender o que é a pobreza e como ela afeta de maneira trágica a vida de uma grande parcela da população. E ainda deveremos refletir sobre o fato de que, ao fazermos um recorte étnico-racial, veremos que as pessoas negras e pobres en- frentam mais e maiores preconceitos e dificul- dades em nosso país. Isso nos obriga a nos posicionar politicamente dentro desse debate e construir práticas efetivas e democráticas que transformem a trajetória escolar dos nos- sos alunos e alunas negros e brancos em uma oportunidade ímpar de vivência, aprendizado, reconhecimento, respeito às diferenças e construção de autonomia. Diante desse debate, as educadoras e os educadores brasileiros, que vivem numa sociedade com um histórico intenso de desigualdade, exclusão e discriminação, estão da questão do negro, é importante fazermos algumas considerações mais gerais, para local- izarmos a discussão sobre currículo, educação e diversidade cultural no amplo e complexo contexto da experiência humana. É sabido que a educação é um processo constitutivo da humanidade, por isso está presente em toda e qualquer sociedade e que a escolarização, em específico, é um dos recortes desse processo educativo mais am- plo. Tanto nesse âmbito mais geral quanto na educação escolar, realizamos aprendizagens de naturezas mais diversas e construímos diferentes representações e valores. É nesse processo marcado pela interação contínua entre o ser humano e o meio que construímos o nosso conhecimento. Sendo assim, tanto o desenvolvimento biológico quanto o domínio das práticas culturais existentes no nosso meio são imprescindíveis para a realização do acon- tecer humano. Este, enquanto experiência que atravessa toda sociedade e toda cultura, não se caracteriza somente pela unidade do gênero humano mas, sobretudo, pela riqueza da sua diversidade. Diversidade de costumes, de raças/etnias, de comportamentos, de ex- pressões, de gostos, de cultura, de crenças... E essa diversidade se manifesta na escola. O homem2 é produto de uma relação dialética com o meio, ou seja, constrói e é construído no contexto das relações com a natureza e com a vida social e, nesse processo, interfere e, ao mesmo tempo, sofre interfer- ências. É nesse contexto que nós, seres huma- nos, lidamos com dilemas universais: o misté- rio da morte, a capacidade de fazer escolhas e, por conseguinte, a possibilidade de errar. Nesse sentido, a caminhada da humanização pode ser entendida como o percurso da het- eronomia para a autonomia, tanto no nível da história humana quanto do próprio indivíduo. Nessa caminhada, vamos desenvolvendo nos- sas potencialidades e definindo nossas vidas. Ou seja, nada está dado, por mais que assim possa parecer aos nossos olhos. Tudo pode ser construído ou não, destruído ou não. E é nesse contexto de profundas semelhanças en- tre todos os seres humanos que as diferenças vão sendo socialmente construídas. Inventar e construir diferenças são potencialidades humanas, assim como naturalizá-las e estig- matizá-las. É desse modo que as diferenças convivem, ao longo dos séculos, de maneira conflituosa, pois estão no cerne das relações de poder historicamente construídas. A luta contra toda e qualquer forma de naturalização e estigmatização das diferenças tornou-se um dever da humanidade, pois as experiências humanas já vividas e às quais assistimos nesse início do século XXI têm nos revelado que a intolerância, o racismo e a dis- criminação, ou seja, formas negativas de lidar com as diferenças poderão nos levar a intensos processos de desumanização. É nessa trama que a diversidade cultural vai sendo tecida e construídae é também no meio dessa trama que ela deveria ser compreendida pelos edu- cadores e educadoras ao refletirem, avaliarem e colocarem em prática o currículo escolar. Não se trata de uma discussão partidária, mili- tante ou de um modismo educacional (embora possa ser conduzida dessa forma por alguns); antes, é uma responsabilidade profissional e ética daqueles/as que se dispõem a atuar no campo da educação escolar. Não há como fugir dessa realidade! Podemos até tentar fingir que “esse assunto não nos diz respeito”, mas a diversidade cul- tural continuará presente: na nossa vida, na escola, na vida dos nossos alunos, nos seus costumes, comportamentos, estética, estilos musicais, na sua cultura e nas suas trajetórias de vida. Quanto mais fingirmos que o trato pedagógico e ético da diversidade não é uma tarefa da escola e dos educadores, mais con- flituosas e delicadas se tornarão as relações entre o “eu” e o “outro” no interior das es- colas e no dia-a-dia das salas de aula. Apreender essa diversidade, conviver e enfrentá-la parece ser um receio da Pedagogia e da Educação escolar. Por quê? Porque nós, professores/as, ainda somos formados/as, como profissionais, para lidar com a uniformi- dade e com a homogeneidade. Essa Pedagogia da homogeneidade se esconde atrás do dis- curso da igualdade, o qual sempre encontrou grande aceitação entre os docentes de todos os segmentos: progressistas, conservadores, de diferentes crenças e posições ideológi- cas. Contudo, apesar de parecer familiar aos nossos ouvidos, retomo aqui o que já escrevi em outros artigos: o discurso da igualdade produzido na sociedade e, por conseguinte, na escola, possui diferentes interpretações ide- ológicas. Sendo assim, nunca é demais ques- tionar: de que igualdade estamos falando? É a igualdade de direitos? É uma igualdade do ponto de vista religioso (somos todos iguais perante Deus)? É a igualdade sendo usada como sinônimo de homogeneidade (um único tratamento dos processos de ensino-apren- dizagem)? Ao falarmos em igualdade, estamos considerando a diversidade? Afinal, o que está por trás do discurso da igualdade presente na escola? E por que tanta ênfase na igualdade e tanto temor à diversidade? Parafraseando Skliar (1997), o discurso da igualdade que se perpetua no campo da educação não pos- sibilita a aceitação do diverso, pois, na reali- dade, está apoiado numa visão etnocêntrica do homem e da humanidade. Reconheço as questões objetivas que são colocadas por nós, educadores e educadoras, quando somos chamados para esse debate. De fato, a realidade da escola, principalmente da escola pública, não tem se mostrado muito animadora. Apesar das ricas experiências ex- istentes, ainda convivemos com um descaso em relação à educação das camadas trab- alhadoras: escolas mal equipadas, docentes mal remunerados, turmas lotadas de alunos, currículos e programas extensos e distantes da realidade cultural, tempos inflexíveis, escolas que se localizam em regiões consideradas como de risco e alta periculosidade... Diante dessa realidade que reflete uma profunda desigualdade social, não é de se estranhar que os docentes se sintam muito mais seduzidos pelo discurso de “uma Educa- ção igual para todos” do que pela “Pedagogia da diversidade”, pensando que, dessa forma, podem minimizar os agravantes advindos da desigualdade social, tornando a escola mais democrática. Porém, a aceitação ingênua do discurso da igualdade, sem o mínimo de re- flexão e questionamento sobre a real situação educacional dos diferentes segmentos sociais e étnicos da população, pode incorrer em uma série de equívocos e confusões. A aceitação da diferença como um exem- plo da diversidade humana é um dos caminhos para a construção de um verdadeiro processo educativo (SKLIAR,1997). Sendo coerente com essa realidade, a nossa atuação pedagógica deve considerar que aqueles que participam do processo educativo se diferenciam quanto às formas de aprender, às trajetórias de vida, ao sexo, à classe, à idade, à raça, à cultura, às crenças, etc. Se estamos de acordo que a escola ainda não conseguiu contemplar pedagogicamente essa diversidade, cabe-nos a tarefa de repensar as práticas, os valores, os currículos e os conteúdos escolares a partir dessa realidade social, cultural e étnica tão diversa. Mas o que seria, então, garantir a es- cola enquanto um direito social, igual para todos, que respeite a diversidade cultural na sua prática e no seu currículo? Vamos tentar refletir sobre três pontos. Primeiro, garantir uma escola igual para todos, que se constitua enquanto direito social, não se confunde com um currículo único a ser seguido por todos os alunos/as e professores/as. Seria interessante questionar: como o currículo é construído? Como se dá a seleção dos conteúdos? Que visão de mundo, de homem, de mulher, de negro, de índio, de branco e de outros grupos étnicos está presente no currículo das escolas? O que a escola faz com aqueles que questionam o seu currículo e/ou que não se encontram contemplados no mesmo? O segundo ponto que devemos considerar é que o currículo não está envolvido num sim- ples processo de transmissão de conhecimen- tos e conteúdos. Ele possui um caráter político e histórico e também constitui uma relação social, no sentido de que a produção de con- hecimento nele envolvida se realiza através de uma relação entre pessoas. Segundo Silva (1995, p.194), o conhecimento, a cultura e o currículo são produzidos no contexto das relações sociais e de poder. Esquecer esse pro- cesso de produção – no qual estão envolvidas as relações desiguais de poder entre grupos sociais – significa reificar o conhecimento e reificar o currículo, destacando apenas os seus aspectos de consumo e não de produção. Ainda segundo esse autor, mesmo quando pensamos no currículo como uma coisa, como uma listagem de conteúdos, por exemplo, ele acaba sendo, fundamentalmente, aquilo que fazemos com essa coisa, pois mesmo uma lista de conteúdos não teria propriamente existên- cia e sentido se não se fizesse nada com ela. Nesse sentido, o currículo não se restringe apenas às idéias e abstrações, mas a experiên- cias e a práticas concretas construídas por sujeitos concretos, imersos em relações de poder. O currículo pode ser considerado como uma atividade produtiva e possui um aspecto político que pode ser visto em dois sentidos: em suas ações (aquilo que fazemos) e em seus efeitos (o que ele nos faz). Ele também pode ser considerado como um discurso que, ao corporificar narrativas particulares sobre o indivíduo e a sociedade, participa do processo de constituição de sujeitos (e sujeitos também muito particulares). Sendo assim: As narrativas contidas no currículo, ex- plícita ou implicitamente, corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais. Elas dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são. As narrativas contidas no currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos sociais podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo serem totalmente excluídos de qualquer representação. Elas, além disso, representam os diferentes grupos sociais de forma diferente: enquanto as formas de vida e a cultura de alguns grupos são valorizadas e instituídas como cânon, as de outros são desvalorizadas e proscritas. Assim, as narrativas do currículo contam histórias que fixam noções particulares de gênero, raça, classe –noções que acabam também nos fixando em posições muito particulares ao longo desses eixos (de autoridade) (SILVA, 1995, p.195). A citação acima nos revela o peso que o currículo escolar pode assumir no processo de construção das identidades de professores/as e alunos/as. Por isso, ao discutirmos sobre cur- rículo e diversidade cultural, devemos sempre nos perguntar: como os diferentes grupos sociais e étnico-raciais são representados na escola? Quais grupos têm o poder de represen- tar e quais podem apenas ser representados? E ainda: quais têm sido historicamente repre- sentados de forma estereotipada e distorcida? Diante das respostas a essas perguntas só nos resta agir, sair do imobilismo e da inércia e construirmos práticas pedagógicas que real- mente expressem a riqueza das identidades e da diversidade cultural presentes na escola e na sociedade. O terceiro e último aspecto que gostaria de enfatizar é que garantir uma escola igual para todos não depende apenas de preceitos legais e formais, mas passa, também, pela garantia, na lei, do direito à diferença de grupos que sempre lutaram pelo respeito às suas identidades. Um exemplo que podemos citar é a atual Lei 10639/03, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9394/96, e que resultou na Resolução CNE/CP, n°01, de 17/06/04 (Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- brasileira e Africana). A garantia na lei do direito das populações negras de verem a sua história contada na perspectiva da luta, da construção e da participação histórica é um direito que deve ser assegurado a todos os cidadãos e cidadãs, de diferentes grupos étnico-raciais, e é muito importante para a formação das novas gerações e para o processo de reeducação das gerações adultas, entre estas, os próprios educadores/as. Porém, há que se tomar cuidado! Não podemos acreditar numa relação de causa e efeito entre o preceito legal e a realidade social e educacional. Por mais avançada que uma lei possa ser, é na dinâmica social, no embate político, nas relações de poder, no cotidiano da escola e do currículo escolar que ela tende a ser concretizada ou não. E, no caso do Brasil, a realidade social e educacional é extremamente complexa, conflituosa, contra- ditória e marcada pela desigualdade social e racial. Para que o conteúdo dessa lei se efe- tive, será necessário que a igualdade social e o respeito às diferenças se transformem em práticas efetivas, em mudanças visíveis, e numa postura ética e profissional dos educado- res/as de todo e qualquer pertencimento ét- nico-racial. Trata-se de refletir que, explícita ou implicitamente, a diversidade cultural já está presente no currículo enquanto um dis- curso que corporifica narrativas particulares sobre as diferentes culturas, sobre os negros, os índios, as mulheres, os homens, os jovens, os velhos, entre outros. Tudo isso participa da nossa construção como sujeitos sociais e cult- urais. Cabe a nós, nos dizeres de Silva (1995, p.206), desconstruir as narrativas preferidas e dominantes, rompendo com a trama que liga esse tipo de narrativa com as formas dominantes de contar histórias, à produção de identidades e subjetividades sociais he- gemônicas. É preciso abrir aos alunos/as as múltiplas possibilidades de leitura da vida, de expressão cultural, formas de ser e viver, maneiras e jeitos de sermos humanos. Para tal, a escola deve estar conectada com o mundo que a cerca. O contato com os grupos culturais da comunidade, com os movi- mentos juvenis, com os grupos de terceira idade, com associações de moradores, com or- ganizações do movimento social pertencentes à comunidade na qual a escola está inserida, articulando-os com o universo sociocultural mais amplo, pode dar subsídios para se pensar um projeto pedagógico e um currículo mais abertos à diversidade cultural e à vida social. É o meio social e cultural no qual o/a aluno/a convive que lhe dá as bases para a sua inser- ção no mundo, é o lugar onde ele aprende as tradições, os costumes, os valores que, na maioria das vezes, se chocam com aqueles privilegiados pela cultura escolar. É no meio social que o/a aluno/a inicia o seu complexo processo de construção de identidades. A escola é somente um dos espaços em que as identidades são construídas, mas não é nem o único e, talvez, nem seja o mais importante. Nossos alunos e alunas circulam por muitos e diferentes espaços sociais, vivem trajetórias duras e muitas vezes desumanizadoras, as quais são totalmente desconhecidas pela escola e por seus educadores/as. Conhecer, respeitar e lidar ética e pedagogicamente com essas diferentes experiências socioculturais pode ser um dos passos para a construção de uma Pedagogia da diversidade. Um dos primeiros aspectos que devem ser considerados quando pensamos em um pro- jeto pedagógico que contemple a diversidade cultural e considere o povo negro é desnatu- ralizar a raça (ou a etnia). Diferentemente do que já está cristalizado no senso comum, ser negro não diz respeito apenas aos fatores biológicos, ao fenótipo. Ser ou pertencer a um grupo étnico-racial diz respeito, também, a fatores de ordem cultural e política. Diversidade cultural e práticas cur- riculares: a questão do negro Existe uma série de comportamentos, rituais, tradições, heranças e todo um con- texto histórico e político que interferem no processo de construção da identidade étnico- racial de qualquer grupo humano. É um pro- cesso complexo para todos nós. Além disso, a ressignificação da cultura, a escolarização, as relações de poder, as redes de sociabilidade, as mudanças sociais, a miscigenação, os des- locamentos geográficos, entre outros fatores, também devem ser sempre considerados quando pensamos nessa questão. Diante dessa realidade tão complexa, como poderá o/a educador/a desconsiderar a importância da construção da identidade da criança, do/a adolescente e do/a jovem negro/a, sobretudo na escola pública? Como será que a criança, adolescente, jovem e adulto negro/a se vê representado/a no currí- culo da sua escola, seja pública ou particular? E na sociedade? A escola tem possibilitado aos/às alunos/as e professores/as negros/as as condições adequadas para a construção de uma imagem positiva do povo negro, da descendência africana, da estética, da cor- poreidade, enfim, da cultura negra? No Brasil, a construção de um currículo que respeite a diversidade cultural passa, necessariamente, por uma postura de com- bate às práticas racistas e discriminatórias no interior da escola. Representa desconstruir as narrativas dominantes e racistas através das quais o racismo se perpetua em nosso país. Se queremos que a escola se efetive como um direito social, precisamos garantir igualdade de oportunidades, de acesso ao conhecimento, de valorização da cultura e dos saberes sociais a toda comunidade escolar. A cultura negra é uma delas. A diversidade ét- nica e racial e as diferentes formas como ela tem sido trabalhada têm de ser discutidas com todos os sujeitos da educação, porém, para que se supere o racismo e a discriminação racial, muitas vezes a escola terá que adotar estratégias específicas. Para tal, os processos de formação inicial e em serviço de professo- res/as deverão incluir esse debate, apresentar alternativas pedagógicas tais como: literatura, história, geografia, política, arte, memória, também na perspectiva do povo negro. Enquanto a educação escolar continuar considerando a questão racial no Brasil como algo específico dos negros, negando-se a con- siderá-la como uma questão colocada para toda a sociedade brasileira, continuaremos dando espaço para práticas equivocadas e preconceituosas como a que citeino início desse artigo. Um último ponto que gostaria de desta- car diz respeito ao papel que a cultura, mais especificamente a cultura negra, ocupa na escola. Refletir sobre a cultura negra é consid- erar as lógicas simbólicas historicamente con- struídas por um grupo sociocultural específico: os descendentes de africanos escravizados no Brasil. Se partirmos do pressuposto de que o nosso país, hoje, é uma nação miscigenada, diríamos que a maioria da sociedade brasileira se encaixa nesse perfil, ou seja, uma grande parte dos brasileiros pode se considerar de- scendente de africanos. Porém, refiro-me, aqui, ao grupo étnico-racial classificado so- cialmente como negro. Embora alguns antropólogos tratem com desconfiança a adjetivação de uma cultura como “negra”, o que importa aqui é destacar que a produção cultural oriunda dos africanos escravizados no Brasil e ainda presente nos seus descendentes tem uma efetividade na construção identitária dos sujeitos social- mente classificados como negros. Não se trata de cairmos no racismo biológico e nem de afirmarmos que o fenótipo é o único deter- minante da posição ocupada pelas pessoas na sociedade brasileira. Trata-se de compreender que há uma lógica gerada no bojo de uma af- ricanidade recriada no Brasil, a qual impregna a vida de todos nós, negros e brancos. E isso não tem nada de natural. Essa inexistência de algo puramente natural na sociedade pode ser vista, inclusive, quando ponderamos sobre a existência das pseudoteorias raciais. Embora elas apregoassem trabalhar so- mente com os dados biológicos para atestar a suposta inferioridade do negro, na realidade elas operavam e ainda operam o tempo todo no campo da cultura. Nesse sentido, qualquer adjetivação da cultura, seja cigana, judaica, indígena ou negra, é uma construção social, política, ideológica e cultural que, numa sociedade que tende a discriminar e tratar desigualmente os diferentes, passa a ter uma validade política e identitária. A cultura negra possibilita aos negros a construção de um “nós”, de uma história e de uma identidade. Diz respeito à consciência cultural, à estética, à corporeidade, à musi- calidade, à religiosidade, marcadas por um processo de africanidade e recriação cultural. Esse “nós” possibilita o posicionamento do/a negro/a diante do outro e destaca aspectos relevantes de sua história e de sua ances- tralidade. A cultura negra só pode ser entendida na relação com as outras culturas existentes em nosso país. E nessa relação não há nenhuma pureza; antes, existe um processo contínuo de troca, de mudança, de criação e recriação, de tensão, de significação e ressignificação. Quando a escola desconsidera esses aspectos, ela tende a essencializar a cultura negra e, por conseguinte, a submetê-la a um processo de cristalização ou de folclorização. Concluindo... Renovar, alterar, propor novas práticas curriculares que contemplem a diversidade cultural. Eis mais alguns aspectos da função social da escola do nosso tempo. Essa função está sendo cada vez mais alargada devido à pressão e atuação dos sujeitos sociais que, cada vez mais, se organizam através dos movimentos sociais, grupos culturais, grupos juvenis, associações, e colocam em cena a luta pela construção de políticas da identi- dade. Os educadores e as educadoras não po- dem ficar à parte desse movimento. Entender a relação entre escola, currículo e diversidade cultural, seja através do recorte étnico-ra- cial ou de tantos outros recortes possíveis, é inserir-se no contexto das lutas sociais, é assumir um posicionamento político e ético que transforme o nosso discurso em prol da escola democrática e da diversidade em práti- cas efetivas e concretas. Acredito que seja essa a grande tarefa dos/as educadores/as do terceiro milênio. Notas 1 Segundo Ferreira (2003, p.9) o termo ética vem do grego ethos, que significa casa, morada, lugar, e remete à idéia de costumes. Para se entender a ética como mo- rada do educador e do próprio ser humano é necessário pensá-la como sendo o corpo, o país, a escola, o mundo. O lugar da liberdade. 2 Estou me referindo ao humano genérico. Proposta: Projeto de trabalho que poderá envolver professores(as) de diferentes disciplinas tais como: português/literatura, história, geografia e matemática. Tema: Escritores e escritoras negros(as) da atualidade. Quem são? Onde estão? Que livros escrevem? Antes de ser proposto aos(às) alunos(as), esse projeto deverá ser discutido entre os docentes que dele participarão, os quais devem fazer um levantamento prévio da temática e ler os livros que serão indicados. Esse processo de busca não deve ser realizado somente no início. O professor e a professora também deverão fazê-lo durante todo a implementação do projeto, juntamente com os(as) alunos(as). Para tal, a internet poderá ser um bom recurso, acessando sites voltados para a questão racial que apresentem biografias. Além disso, os(as) alunos(as) poderão realizar uma pesquisa de campo, entrevistando a família, outros professores e professoras da escola e pessoas da comunidade para saber que escritores(as) negros(as) conhecem, se conhecem somente os escritores negros do “passado” ou se têm contato com a produção literária atual, quando tiveram contato com sua obra, opiniões e gostos, etc. Após essa etapa, poderá ser feito o registro dos nomes encontrados e construída uma pequena biografia dos mesmos, na qual deve-se procurar inserir fotos e imagens. Esse momento do trabalho poderá ser feito de maneira coletiva, envolvendo as diferentes turmas e professores(as). Apesar do enfoque ser a atualidade, não se deve perder de vista os nomes de escritores(as) negros(as) do “passado”. Eles também poderão ser incorporados no levantamento e se, por acaso, somente esses nomes forem lembrados, esse fato já será um bom tema de discussão e debate com os(as) alunos(as). Por que será que não conhecemos os escritores e escritoras negros(as) atuais? A seguir, os(as) alunos(as) serão orientados a ler e a conhecer a produção literária de alguns autores e autoras negros(as) da atualidade tais como: Geni Guimarães (A cor da ternura), Henrique Cunha Jr (Tear Africano) e Cuti (Negros em conto), destacando o estilo literário dos mesmos, a época em que escreveram, o lugar onde nasceram e suas principais características, a sua trajetória, a editora em que publicaram, o ano, a quantidade de edições, a tiragem, o tema de seus principais trabalhos, entre outros. Pode-se tentar encontrar o e-mail e/ou o endereço desses escritores(as) e os alunos(as) lhes enviarão uma correspondência, estabelecendo uma relação de proximidade, esclarecendo dúvidas, etc. A sugestão é que os professores(as) das diferentes disciplinas trabalhem conjuntamente o tempo todo, dividindo as atividades em tempos coletivos (em que as turmas envolvidas poderão ficar juntas ou de duas a duas) e tempos individuais (cada um com uma turma). Isso dependerá da organização do projeto, da organização da escola, do espaço, do tempo escolar e da possibilidade de construção de trabalhos coletivos entre os(as) docentes. Atividade 1 No entanto, é importante destacar que a riqueza interdisciplinar do projeto está no fato de que, apesar da especificidade da área, todos os docentes, assim como os alunos(as), deverão se envolver no levantamento da produção literária e no conhecimento da biografia dos(as) autores(as). Sabendo-se das dificuldades do trabalho com a questão racial no currículo escolar, a proposta de realização desse projeto de trabalho tem como objetivo ser, também, um momento de formação para todos os envolvidos no processo. Entretanto onde entrará a especificidade de cada disciplina? Ela poderá entrar nas atividades propostas para as turmas no tempo de aula específico do(a) professor(a),na ajuda que cada disciplina poderá contribuir durante o trabalho coletivo de levantamento biográfico e bibliográfico dos escritores e escritoras estudados, entre outros. Para tal, é preciso ser criativo e dialogar bastante com o coletivo de educadores(as), pois cada escola, cada turno e cada coletivo de educadores(as) possui suas próprias características e particularidades. Porém, não se pode esquecer de que esse levantamento é necessário para que os(as) alunos(as) saibam da existência desses autores e conheçam a sua trajetória no tempo e no espaço mas isso não deve ser maior do que o espaço para a fruição e contato com o texto literário. É importante que os(as) alunos(as) sejam estimulados(as) a apreciar o texto literário produzido por esses e outros autores(as). A partir dessa leitura, os alunos e alunas que assim o desejarem poderão escrever sobre a sua própria trajetória de vida ou produzir contos sobre a temática racial que serão apresentados no momento de culminância do projeto, envolvendo diferentes turmas e professores(as). Atividade 1 Inspirados(as) na atividade 1, os(as) docentes poderão realizar atividades coletivas e/ou individuais com a turma escolhendo um dos filmes ou documentários indicados nesse artigo. A escolha dependerá do ciclo em que os alunos e alunas se encontram e da discussão que se deseja suscitar. No entanto, é preciso tomar cuidado para não usar o filme como um mero “recurso didático”. Há que se ter lugar para a fruição, imaginação, sentimentos. Se o objetivo do(a) professor(a) estiver voltado para suscitar um debate sobre a temática racial, o trabalho com o documentário é mais recomendado do que a ficção. Os filmes e documentários poderão ser trabalhados em vários momentos do cotidiano escolar e não somente nas ditas datas comemorativas como 13 de maio, Dia do Folclore e 20 de novembro. Ao trabalharmos com filmes e documentários é importante que a turma e os educadores(as) leiam e conheçam a ficha técnica do mesmo e façam um pequeno levantamento da filmografia do diretor(a) e dos atores e atrizes principais. Atividade 2 Como sugestão para o trabalho com filmes e documentários na escola seria interessante que os docentes conhecessem o livro: TEIXEIRA, I. C. ; LOPES, J. S. M. A escola vai ao cinema. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. a) Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida (1695-1995). Público: adolescentes, jovens e adultos. Direção e roteiro de Edna Cristina, 1995. Documentário. Depoimentos, imagens e reportagens sobre o movimento negro no Brasil pós-1970 e so- bre a Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida (1695-1995), realizada em Brasília, no dia 20 de novembro de 1995, em comemoração aos 300 anos da morte de Zumbi de Palmares. b) Quando crioulo dança? Vídeo. 28 min. Público: adolescentes, jovens e adultos. Direção de Dilma Lóes. Ministério da Educação e do Desporto – Secretaria de Educação Fundamental. Documentário. Depoimentos, imagens e reportagens sobre o movimento negro no Brasil, nas décadas de 70 e 80. Um importante registro da luta política dos ativistas e ativistas negros na nossa sociedade. c) Vista a minha pele. 2004. Cor. 49 min. Público: crianças (ensino fundamental) e adolescentes. Direção de Joel Zito Araújo. Documentário. Vídeo destinado à discussão sobre racismo e preconceito racial. A parte ficcional baseia-se em uma história invertida: os negros compõem a classe dominante, enquanto os brancos figuram como ex-escravos. É uma divertida paródia da realidade brasileira, que oferece material útil para a reflexão sobre racismo e preconceito em sala de aula. A segunda parte do vídeo apresenta depoimentos de professores/as e de pesquisadores/as em relações raciais, enfocando as implicações entre educação e racismo. d) Paixão e guerra no sertão de Canudos. 1993. 78 min. Público: jovens e adultos. Direção de Antonio Olavo. Produção Portfolium Laboratório de Imagens. Documentário. O documentário aborda a história de Canudos, um dos grandes acontecimentos populares da América Latina. Conta a história sociopolítica de Canudos e do beato cearense Antonio Conselheiro que, em 1893, se estabeleceu nessa cidade, conseguindo reunir em torno de si um crescente número de seguidores, tornando-se um líder que mexeu com o poder das elites, da igreja e do governo republicano recém-implantado no Brasil. Para Ver e) Kirikú e a feiticeira. Cor, 70 min. Público: crianças (da educação infantil ao ensino fundamental) e adolescentes. Direção de Michel Ocelot Música: Youssou N´Dour Desenho. Kirikú, um menino africano que nasceu para lutar e combater o mal, enfrenta o poder de Karabá, a feiticeira maldosa e seus guardiões. No decorrer da história, Kirikú descobre que a maldade da feiticeira é, na realidade, a expressão de uma grande dor, envolta em um segredo que ele ajuda a desvendar. Um desenho animado moderno, que fala a língua das crianças e apresenta belas lições sobre o amor, a generosidade, a tolerância e as diversas maneiras de vencer a dor. f) O fio da memória. 1991. Cor. 35mm. 115 min. Público: adolescentes, jovens e adultos. Direção de Eduardo Coutinho; produção executiva: Eduardo Escorel e Lauro Escorel Filho; Diretor assistente: Sérgio Goldenberg; Música: Tim Rescala; Montagem: Gilberto Santeiro; Fotografia: Adrian Cooper; Pesquisa sobre Gabriel Joaquim dos Santos: Amélia Zaluar; Produção: FUNARJ; Documentário. Realizado de 1988 a 1991, no Estado do Rio de Janeiro, o filme procura condensar, em personagens e situações do presente, a experiência negra no Brasil, a partir de dois eixos: as criações do imaginário, sobretudo na religião e na música, e a realidade do racismo responsável pela perda da identidade étnica e pela marginalização de boa parte dos cerca de 60 milhões de brasileiros de origem africana. g) O RAP do pequeno príncipe contra as almas sebosas. 2000. Cor. 35 mm. 75 min. Público: adolescentes, jovens e adultos. Direção de Paulo Caldas e Marcelo Luna; Roteiro: P. Caldas, M. Luna e Fred Jordão; Foto- grafia: André Horta; Montagem: Nataraney Nunes; Direção de Arte: Cláudio Amaral Peixoto; Som: Bruno Fernandes; Direção de Produção: Clélia Bessa; Cia. Produtora: Raccord Produções. Documentário. Um mergulho no cotidiano de uma grande cidade brasileira, Recife. Conta-se a história de dois jovens: um músico e um matador que, num determinado momento, tiveram suas vidas entrelaçadas, mas que optaram por armas diferentes. Misturando ritmo-imagem e poesia-som, o filme revela o que pensa e como pensa uma parte do movimento Hip Hop brasileiro. h) Além da lousa: culturas juvenis, presente! Público: jovens e adultos Direção de Denise Martha Realização: Ação Educativa – www.acaoeducativa.org Documentário. Convidados pela ONG Ação Educativa, quatro grupos juvenis de São Paulo debatem suas idéias com educadores/as e dizem o que pensam sobre a escola, o estudo, as aprendizagens e a vida. No vídeo, educadores/as e jovens, focalizam e discutem um lado rígido da nossa escola e apontam caminhos promissores para que ela vá além da lousa. i)Segredos e mentiras (Secrets and lies, 1996, Grã-Bretanha). 142 min. Público: Maiores de 14 anos. Direção de Mike Leigh. Warner Home Vídeo. Filme. Quando sua mãe adotiva morre, mulher negra resolve procurar a mãe biológica. Ao encon- trá-la, vive um momento surpreendente na sua história de vida. Ela descobre que a mãe é uma mulher branca, solteira e que teve uma outra filha, uma adolescente rebelde, branca. Aos poucos, após o choque do primeiro encontro, as duas estabelecem uma relação de afeto que se estende para toda a família. j) Encontrando Forrester (Finding Forrester, 2000, EUA). 136 min. Público: maiores de 12 anos. Direção de Gus Van Sant. Columbia Tristar Pictures. Filme. O encontro de um jovem negro com o famoso escritor deum só romance que o ajuda a apri- morar sua escrita. Os dois iniciam uma relação tensa que depois se transforma em amizade e respeito. Os textos produzidos pelo jovem a partir do contato com o escritor suscitam a desconfiança do seu professor de literatura, desvendando ao mesmo tempo os estereótipos associados à imagem dos negros presentes naquela escola. Afirma http://www.afirma.inf.br/home.htm Revista on-line. Apresenta artigos, notícias e informações sobre a questão racial no Brasil e no mundo. Arquivo Nacional http://www.arquivonacional.gov.br “...reúne um acervo, do século XVI aos nossos dias, de valor inestimável como fonte de informação e pesquisa, tanto para uso da máquina administrativa do Estado quanto para os cidadãos. A Instituição tem sob sua guarda mais de 50 km de documentos textuais, 1.150.000 fotografias, 55.000 mapas e plantas, 13.000 discos e fitas audiomagnéticas, 12.000 filmes e fitas de vídeo, provenientes de órgãos e entidades do Poder Público do País, bem como de instituições privadas e de particulares. Possui também uma biblioteca especializada nas áreas de história, arquivologia, ciência da informação, direito administrativo e administração pública, estimada em 28.000 volumes, entre livros e periódicos, além de um importante acervo com cerca de 5.000 obras raras.” Associação Criola http://www.criola.ong.org Instituição da sociedade civil sem fins lucrativos, conduzida por mulheres negras de diferentes formações, voltada para o trabalho com mulheres, adolescentes e meninas negras basicamente do Rio de Janeiro. Objetivo: instrumentalização destas para o enfrentamento do racismo e do sexismo vigentes na sociedade brasileira. Candomblé - Um pedaço da África no Brasil A religião dos Orixás no Brasil http://sites.uol.com.br/jorixas/htmlpt/ index1.html Disponibiliza artigos, informações históricas, rituais. Capoeira http://www.geocities.com/SouthBeach/ Jetty/2688/capoeira.html Informações sobre a capoeira de um modo geral. Casa de Cultura da Mulher Negra http://ccmnegra.santos.net Para Acessar “...organização política de mulheres negras que tem por missão institucional o combate ao racismo, ao sexismo e a valorização e promoção das mulheres negras em particular e da comunidade em geral.” CEAA - Centro de Estudos Afro-Asiáticos http://www.ucam.edu.br/ceaa Universidade Cândido Mendes Informações gerais sobre o Centro, cursos, projetos, etc. CEAP - Centro de Articulação de Populações Marginalizadas http://www.alternex.com.br/%7Eceap/ home.html Disponibiliza informações sobre programas, pesquisas - texto completo, notícias, campanhas, links, etc. CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades http://www.ceert.org.br Organização não-governamental que realiza importantes estudos e pesquisas sobre relações raciais no Brasil. CIDAN - Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro http://www.cidan.org.br Informações em português, inglês e francês; breve biografia de diversos artistas brasileiros; banco de dados de artistas brasileiros. Educafro - Educação e cidadania de afrodescendentes e carentes http://intermega.globo.com/educafro/ index.htm Informações sobre os projetos de núcleos de pré-vestibular para afrodescendentes de baixa renda. Fala Preta: Uma Organização Negra Para o Novo Milênio http://www.falapreta.org.br “...organização política de mulheres negras que tem por missão institucional o combate ao racismo, ao sexismo e a valorização e promoção das mulheres negras em particular e da comunidade em geral.” Fórum Social Mundial http://www.forumsocialmundial.org.br/por/ index.asp Fundação Cultural Palmares http://www.palmares.gov.br “...entidade pública vinculada ao Ministério da Cultura, ...cuja missão corporifica os preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à ação e à memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade brasileira, somando-se, ainda, o direito de acesso à cultura e à indispensável ação do Estado na preservação das manifestações afro-brasileiras.” Disponibiliza informações sobre projetos, eventos, links, etc. Geledés - Instituto da Mulher Negra http://www.geledes.com.br “...organização política de mulheres negras que tem por missão institucional o combate ao racismo, ao sexismo e a valorização e promoção das mulheres negras em particular e da comunidade em geral.” Divulga programas, notícias, artigos e textos. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada http://www.ipea.gov.br Fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento de Gestão. Fornece dados de pesquisas, estudos e estatísticas necessárias ao conhecimento dos problemas econômicos e sociais do país. Mulheres Negras - do umbigo para o mundo http://www.mulheresnegras.org “...um espaço de comunicação, informação e integração da comunidade negra.” Disponibiliza entrevistas, agenda, informações sobre arte, moda, saúde e educação, além de lista de publicações e links relacionados. Mundo Negro - Portal da comunidade afro- brasileira http://www.mundonegro.com.br Notícias, agenda, chat, forum, etc. Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros http://www.neab.ufal.br Universidade Federal de Alagoas Disponibiliza informações sobre atividades, projetos do Núcleo, publicações e links. Leia Mais BARBOSA, M. (Org.) Frente negra Brasileira. São Paulo: Quilombhoje/Ministério da Cultura,1988. BENTO, M. A. S. Cidadania em preto e branco: discutindo as relações raciais. São Paulo: Ática,1998. BERND, Z. Racismo e anti-racismo. São Paulo: Editora Moderna, 1997. BORGES, E. ; MEDEIROS, C. A. ; D´ADESKY, J. (Org.) Racismo, preconceito e intolerância. São Paulo: Atual, 2002. BOULUS, JR. A. Injustiça e discriminação: até quando? 20 de novembro – Dia nacional da consciência negra. São Paulo: FTD, 1997. CARDOSO, M. A. ; SIQUEIRA, M. L. Zumbi dos Palmares. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995. COLEÇÕES Caros Amigos. Rebeldes Brasileiros – homens e mulheres que desafiaram o poder. Henrique Dias e Antônio Conselheiro. São Paulo: Casa Amarela, n.02, p.34-47, s/d. ______. Rebeldes Brasileiros – homens e mulheres que desafiaram o poder. Zumbi e Chiquinha Gonzaga. São Paulo: Casa Amarela, n.07, p.34-47, s/d. CUNHA JUNIOR, H. Tear africano – contos afrodescendentes. São Paulo: Selo Negro, 2004. CUTI. Negros em contos. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1996. MUNANGA, K. ; GOMES, N.L. Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global Ação Educativa, 2004. NOSSA HISTÓRIA. São Paulo: Ed. Vera Cruz; Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, ano 1, n.01, nov. 2003. ______. São Paulo: Ed. Vera Cruz; Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, ano 1, n.02, dez. 2003. ______. São Paulo: Ed. Vera Cruz; Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, ano 1, n.03, jan. 2004. ______. São Paulo: Ed. Vera Cruz; Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, ano 1, n.04, fev. 2004. ______.São Paulo: Ed. Vera Cruz; Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, ano 1, n.05, mar. 2004. TEIXEIRA, I.C. ; LOPES, J. S. M. A escola vai ao cinema. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. A Escola e a Construção da Pesquisa por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1982, em relação ao rendimento escolar dos segmentos racial branco e negro, constata que, para todas as séries do 1o grau, o alunado negro apresenta índices de exclusão e de repetência superiores ao do alunado branco; os dados coletados pela PNAD/82 também sugerem as mesmas constatações; e, mesmo ao se comparar segmentos que apresentam rendimentos familiares equivalentes, a porcentagem de estudantes negros sem atraso escolar é inferior à dos brancos. Esses indicadores possibilitam concluir que os mecanismos que estariam levando os alunos a vivenciaruma trajetória escolar com freqüentes interrupções devem-se a fatores internos à própria escola e não, por exemplo, por participação no mercado de trabalho, pois se comparando alunos brancos e negros que não trabalham, mesmo assim os negros apresentam atraso escolar mais significativo que os brancos. Já Hasenbalg (1987, p.26)1, em sua investigação a partir dos resultados de pesquisa concluída pela Fundação Carlos Chagas, destaca dois fatores que explicariam a diferença de rendimento escolar entre alunos ricos e pobres, brancos e negros: um mecanismo de recrutamento, ou seja, o aluno negro ou o aluno pobre é absorvido pela rede escolar de maneira diferente do aluno de classe média ou não pobre; uma vez constituída esta clientela socialmente homogênea, os professores atuam no sentido de reforçar a crença de que os alunos pobres e negros não são educáveis. Em outro artigo, Hasenbalg e Silva (1990)2, com base nos dados da pesquisa da PNAD/82, caracterizou a desigual apropriação das oportunidades educacionais por parte de brancos e não-brancos, apontando a partir dos dados os efeitos da discriminação racial na instituição escolar. As informações da PNAD/82 indicaram que, no que diz respeito ao acesso ao sistema escolar, uma proporção mais elevada de crianças não-brancas ingressa tardiamente na escola; a proporção de pretos e pardos que não têm acesso à escola é três vezes maior que a dos brancos; os não-brancos apresentam uma trajetória escolar mais acidentada e, conseqüentemente, um nível de repetência mais elevado (HASENBALG;SILVA,1990). Os pesquisadores concluem que estas desigualdades não podem ser explicadas por fatores regionais ou sócio-econômicos das famílias, apesar de que uma melhor situação sócio-econômica reduza a proporção de crianças que não têm acesso à escola independentemente de sua cor, ainda persiste uma diferença nos níveis de acesso entre crianças brancas e não-brancas, mesmo quando as famílias apresentam níveis mais elevados de renda per capita (HASENBALG;SILVA, 1990, p.12). Rosemberg (1991)3, em outro artigo Leia Mais hgh Fabiana de Oliveira Anete Abramowicz utilizando as PNADs/ 82, 85 e 87 sobre creche, pré-escola e séries iniciais do 1o grau, mostra que há diferenças entre as trajetórias de crianças brancas e negras (0 a 9 anos), mesmo quando foi possível controlar o rendimento familiar: [...] a carreira de educação inicial de crianças negras é, por vezes, frustrada, por não ter acesso; acidentada, porque interrompida; retomada ou abandonada e sofrida, porque tende a ser de pior qualidade [...] (ROSEMBERG, 1991, p.30). Os dados também sugerem que as alternativas de creches e pré-escolas, onde encontramos o maior número de crianças pobres, são aquelas onde estão o maior número de crianças negras; Rosemberg (1991) destaca duas informações observadas no Estado de São Paulo: que um número considerável de crianças que repetem a 1a série do 1o grau é negro (39%); e que crianças negras tendem a freqüentar, mais que as brancas, escolas que oferecem cursos com curtas jornadas diárias. Observa-se também que no Rio de Janeiro o acesso de crianças brancas à educação infantil mostrou-se maior que o de pretas/pardas, o que, segundo as pesquisadoras, configura um contexto onde a discriminação está presente, confirmando resultados de outras pesquisas realizadas (KAPPEL ; CARVALHO; KRAMER, 2001, p.46)4. Dessa forma, esses estudos têm mostrado que o rendimento escolar da criança negra acaba sendo condicionado por processos intraescolares, pois mesmo quando o nível sócio-econômico das famílias é equivalente, ainda assim, os negros, muitas vezes, apresentam uma trajetória escolar diferenciada: frustrante e excludente5. Esses processos intraescolares citados são decorrentes de alguns fatores, dentre eles podemos citar o fato de que, apesar de o Brasil não ser um país de maioria branca, isso não faz com que a instituição escolar em seu planejamento pedagógico e curricular inclua as contribuições dos negros no desenvolvimento da nação e sua cultura que tanto se faz presente no nosso cotidiano, pois sua influência é muito expressiva na língua, na alimentação, na religião, na música, na dança etc. No entanto, a instituição escolar fica alheia a essas questões, como pode ser verificado em várias pesquisas. Campos Jr (1999)6, em sua investigação sobre “o que a menina negra aprende na escola sobre a tradição da sua cultura, sobre a valorização de sua etnia”, concluiu que a menina negra tende a passar pela escola de ensino fundamental sem conhecer heróis negros ou qualquer aspecto positivo da religião e da cultura de seus ancestrais, além de acumular experiências diretas de desvalorização pessoal. Em sua pesquisa sobre a particularidade cultural na educação das crianças negras, Gonçalves (1987)7 utilizou o conceito de discriminação racial como um problema para o seu trabalho de pesquisa, pois tal palavra comporta mais de uma interpretação quando utilizado pelos professores. O termo discriminação representava, para os professores entrevistados, algo indesejável porque penalizava pessoas e grupos sociais; por outro lado, estes defendiam um discurso sobre o tratamento igualitário dado a todos os alunos. Entretanto, de acordo com Gonçalves (1987, p.28), esse discurso tentava construir a igualdade entre os alunos a partir do ideal de democracia racial, não considerando, entre outras coisas, o direito de os alunos negros se reconhecerem a partir de sua diferença, de sua particularidade cultural. A partir desse discurso da igualdade, os agentes pedagógicos acionam mecanismos de poder que fixam um modelo de sociedade e punem todos aqueles que dele desviam, mutilando a particularidade cultural do segmento da população negra brasileira, a partir de um ritual que se legitima na instituição escolar não por aquilo que é dito, mas por tudo aquilo que silencia. Dessa maneira, necessitamos repensar o sistema educacional a partir das diferenças e das diversidades, libertando-nos da idéia de que aceitar e produzir diferenças significa produzir desigualdades. Uma cultura é produto de multiplicidade e diferença e não de igualdade. Uma língua é expressão de um multiligüismo, ou seja, há muitas línguas em uma língua, há diversas concepções de beleza, de religiões, de conceitos históricos e de língua. O fato é que uma concepção torna-se hegemônica a partir de exercícios de força e de destruição que subalternizam e desqualificam outras concepções. Assim, as pesquisas têm apresentado a escola como tendo uma base conservadora e excludente ao se pautar em um modelo de currículo que poderíamos denominar “embranquecido”8, homogeneizante e excludente, diante da ausência de conteúdos que possam contribuir, por exemplo, para que os alunos negros se vejam contemplados e, também, diante do silêncio da equipe pedagógica a respeito das questões raciais. Silêncio este que corresponde à inexistência e não simplesmente ao ato de calar-se, omitir ou abafar, mas como uma maneira de não ver, de relegar, um ‘pacto’ que não deve ser quebrado, pois senão teríamos que refazer o currículo, refazer a escola. De acordo com Gusmão (1999)9, a escola como um espaço de transformação deve questionar a validade e a legitimidade do modelo que é tomado como único no interior da cultura da qual somos herdeiros. Oliveira (1992)10 também apresenta em seu trabalho a necessidade de que a escola contemple a diversidade racial e cultural de seus alunos ao mostrar as tensões existentes nas relações raciais na escola, da mesma forma que ocorre em outros âmbitos da sociedade. Somando-se a tudo isso, a criança negra também não encontra na escola modelos de estéticaque afirme (ou legitime) a cor de sua pele de forma positiva, pois geralmente os professores encontram-se com poucos subsídios para lidar com os problemas de ordem racial. No entanto, essa é uma característica não só de professores brancos, mas também de muitos professores negros alheios à questão racial no cotidiano escolar. Segundo Silva e Monteiro (2000)11: [...] os professores desconhecem a história e a cultura do povo negro e silenciam diante das situações de discriminação que as crianças vivem. Na sala de aula não se discute a questão do racismo nem como é difícil ser negro no Brasil, e não é raro as crianças negras ficarem apontando o dedo na expectativa de dar uma resposta à pergunta do professor, sem serem chamadas; poucas vezes lhes é dado assumir papéis que as crianças consideram importantes, percebendo o pouco apreço, o descrédito na sua capacidade, por parte dos professores [...] (SILVA ; MONTEIRO, 2000, p.80) Silva e Barros (1997)12, em sua pesquisa sobre as representações que os professores constroem a respeito de seus alunos, mostraram que 15 professores (17%), dentre os 84 entrevistados, responderam que há maior freqüência de reprovação entre as crianças negras, sendo que desse total havia três professores negros. Sobre o motivo dessa maior reprovação entre as crianças negras, estes apresentaram o baixo nível socioeconômico como uma das razões. E entre os professores que já tinham informações de que o aluno havia alguma vez sido reprovado, as respostas, considerando-se a variável cor em relação a futuras reprovações dessas crianças, foram as seguintes: para as crianças brancas, sim 35%; não sabe 50%; e para as crianças negras, sim 77%. Esses percentuais revelam a forte associação que o professor faz entre a cor da criança e o rendimento escolar, ou seja, a criança negra, no imaginário do professor, tem muito maior probabilidade de ser fadada ao fracasso. E estes, quando indagados sobre a existência ou não de discriminação em relação às crianças negras, metade respondeu não existir nenhuma forma de discriminação. (Ibid., p.38). Assim, as autoras Silva e Barros (1997, p.39) concluíram que o preconceito e a discriminação, ainda que de forma escamoteada, são muito presentes na escola e essa instituição, apesar de utilizar o discurso da igualdade, não respeita as diferenças ; diante disso, as crianças negras, para obter sucesso na escola, precisam branquear-se. Ao encontro desses dados citamos novamente Silva e Monteiro (2000), pois elas também apresentam dados semelhantes sobre o que a escola tem ensinado às crianças: a escola ensina a criança negra a não aceitar a cor de sua pele, os seus traços físicos, a história de seu povo, a não querer ser negra. A cor negra, para vencer na escola, tem de fazer-se à imagem do branco, adaptar-se aos valores brancos (SILVA ; MONTEIRO, 2000, p.81) A ideologia do branqueamento chamada por Hofbauer (1999, p.243) de “ideário do branqueamento” tem, segundo o autor, uma longa tradição: Já no século XVII, os sermões do padre Antonio Vieira pregavam, como ‘remédio’ para ‘apagar’ a cor negra, vista como sinal de culpa, a submissão aos mandamentos cristãos, o único caminho que levaria ao reino de Deus e continua apresentando mais dois autores a respeito: no início do século XIX, intelectuais como Francisco Soares Franco e António d’Oliva de Souza Sequeira apresentaram um ‘projeto nacional’ que por meio de medidas políticas imigratórias e intercasamentos seletivos deveria resultar no desaparecimento da ‘presença negra’ num prazo de cem anos. Ainda nos anos 30 desse século, o cientista Oliveira Vianna defendia uma tese de branqueamento baseada numa suposta força biológica peculiar do elemento branco. Hofbauer (1999)13 cita Cardoso e Ianni para mostrar que a idéia de branqueamento também foi criada dentro do grupo racial dos negros e mulatos. Os autores apresentaram essa ocorrência a partir da distinção tipológica de ideologias correlacionando grupos raciais específicos: Cardoso e Ianni distinguem entre uma ‘ideologia racial do branco’, que visa colocar sempre o negro e o mulato em posição desfavorável no cosmo social e uma ‘ideologia racial do negro e do mulato’ como uma ‘ideologia de compromisso’ que propõe o branqueamento racial (Ibid., p. 238) Para Donald Pierson (1966, apud HOFBAUER, 1999), Fatores como dinheiro, educação, boas maneiras e, sobretudo, boas relações pessoais com famílias influentes podem transformar um mulato claro numa pessoa socialmente branca (Ibid., p. 231). Já para Thales de Azevedo (1955, apud HOFBAUER, 1999), para adquirir status, o escuro necessita assimilar-se cultural e socialmente ao branco adotando a sua epiderme social (Ibid., p.231). No presente texto a ideologia do branqueamento está sendo entendida da mesma forma que Silva (2000)14 a concebe: a ideologia do branqueamento se efetiva no momento em que, internalizando uma imagem negativa de si próprio e uma imagem positiva do outro, o indivíduo estigmatizado tende a se rejeitar, a não se estimar e a procurar aproximar-se em tudo do indivíduo estereotipado positivamente e dos seus valores tidos como bons e perfeitos (Ibid., p.16). Dando prosseguimento, Silva (1995)15 apresenta em sua pesquisa que as crianças brancas reproduzem os estereótipos transmitidos de uma geração a outra sobre os descendentes dos escravos. Desta forma, as crianças de grupos étnicos diferenciados percebem quando são desqualificadas, adquirindo, assim, uma concepção coletiva de sua etnia a partir do estigma que lhe é atribuído. No caso das crianças negras, as suas características raciais (tom de pele, nariz achatado, cabelos encarapinhados) são consideradas feias e elas introjetam a inferioridade. Em sua concepção, ser negro, é ser feio (Ibid., p.68). Torna-se desejável, então, querer ser branco, já que o ideal é branco. O que fazer? Diante do quadro descrito que nos remete à conclusão de que o modelo hegemônico que prevalece na escola brasileira é racista - pois está inserida numa sociedade também racista - alguns pesquisadores formulam alternativas para as mudanças na escola. É preciso dizer que a escola na ação educativa de cada agente pedagógico pode contribuir para o enfrentamento do racismo, que não é uma tarefa simples nem fácil. Silva e Monteiro (2000, p.85) sugerem que as questões raciais devem receber um tratamento explícito utilizando o diálogo como o principal método didático, questionando o cotidiano escolar e combatendo as discriminações. Essas ações devem fazer parte integrante do currículo. Nesse mesmo sentido, Oliveira (1988)16 apresenta, como proposta de desenvolvimento do trabalho pedagógico, o tratamento igualitário, a chamada à participação e à expressão, pelo professor, de credibilidade no desempenho dessa criança, que é o melhor estímulo pedagógico. Acrescente-se também a postura do professor que, ao não admitir brincadeiras pejorativas com relação à origem racial dos alunos, ao promover a desmistificação da África, ao fato de dar ao aluno negro pequenas tarefas que são destinadas aos melhores da sala, contribui para que o aluno negro passe a ser respeitado, uma vez que o(a) professor(a) o respeita. Ramos (2002)17, em sua pesquisa, apresenta uma escola pública de ensino fundamental localizada no subúrbio do Rio de Janeiro, a qual adota a proposta de Candeia18 no seu projeto político-pedagógico, desenvolvendo, paralelamente ao currículo formal, o cultivo de parte das tradições culturais afro-brasileiras como capoeira, samba de roda, aulas de canto e toque, maculelê19 etc. O projeto é facultativo aos alunos da escola e extensivo à comunidade extra-escolar.O resultado desse engajamento da escola por meio do projeto comunitário contribui para que os alunos atribuam ao seu pertencimento étnico-racial um caráter positivo, pois de acordo com Ramos (2002), os alunos entrevistados são, em suas falas, sinais de que o contato com parte do patrimônio cultural de origem afro- brasileira interfere positivamente em suas auto-representações (Ibid., p. 126) A proposta de Romão (2001, p.162)20 diz respeito à construção de três atitudes em relação aos métodos de escolarização utilizados: a compreensão e o respeito à diferença, que é a primeira postura que se deve ter como educador; a segunda é compreender que esta individualidade que cada criança carrega faz parte de uma coletividade (grupo racial, étnico, econômico, regional, etc) e, por último, a postura do educador seria de estimulador do desenvolvimento dessa criança em seu conjunto, observando os aspectos emocionais, cognitivos, físicos e culturais. Sendo necessário a partir disso, romper com os preconceitos e estereótipos, rejeitar estigmas e valorizar a história de cada um. (Ibid., p.163). Nessa mesma direção, as artes (teatro, artes visuais, música, dança) na escola básica também podem contribuir para que se estabeleça respeito às diferenças, pois segundo Silva21 (2000), o ensino das artes possibilita ao professor estabelecer uma ponte entre a cultura do educando e a cultura autodenominada ‘universal’ (a cultura ocidental imposta), legitimando, a partir disso, os saberes e valores culturais dos diferentes grupos étnicos, recusando assim, as armadilhas ideológicas do preconceito e do recalcamento, tendo como objetivos: relativizar o conceito do “belo” e de “arte” e reconhecer a África como uma das matrizes da cultura humana, contribuindo,dessa forma, para que os educandos percebam que cada pessoa tem um corpo com características fenotípicas diferentes, interiorização de uma postura sem preconceito em relação às diferentes cosmovisões e etnias, valorização da própria identidade étnica e cultural e, conseqüentemente, fortalecimento da auto-estima (Ibid., p. 121-122). Dessa forma, o que as pesquisas sugerem como uma ferramenta de combate ao racismo é que tal questão não continue sendo ocultada na instituição escolar, devendo possibilitar um espaço permanente para discussão e reflexão de posturas racistas e preconceituosas visando à superação de estereótipos, estigmas e discriminações contra os negros. Essas práticas estão presentes no meio escolar e interferem na construção de uma identidade positiva da criança negra. Como podemos perceber, a escola não somente tem um papel fundamental na formação da identidade das crianças que são acolhidas por esta instituição, mas também precisa ter clareza da necessidade de ‘positivar’ a diversidade da qual é constituída. Se você procurar em um dicionário22 pode encontrar a seguinte definição para ‘identidade’: conjunto de características de um indivíduo (nome, idade, peso, altura, etc.), ou seja, é aquilo que me identifica enquanto ‘eu’, uma pessoa singular, mas ao mesmo tempo, cheia de diversidade, pois tudo em ‘mim’ varia de tudo que ‘você’ possui. Ou seja, identidade é aquilo em que me diferencio ou em vias de me diferenciar do outro. O que fazer? Urgente! As crianças e jovens não podem mais ter a escola como uma experiência frustrante, onde são sempre punidas, porque desconhecem a língua culta; discriminadas porque são negras, porque vêm pobremente vestidas; são marcadas por receber sucessivas reprovações como prêmio de origem. A escola tem a função de dar para aquele que é considerado como o “outro”, aquele que é diferente, já que percebemos que todos nos constituímos como diferente, um caráter positivo. A escola é o lugar do público, o lugar, por excelência, das experiências não familiares, e essa experiência pode vir a ser não apenas excludente e fracassada. A escola pode contribuir para que o espaço público sirva para o desenvolvimento de uma auto-representação, positiva. Isso dependerá das relações estabelecidas e a forma como estes ‘outros’ a vêem e a avaliam, pois é na relação com o ‘outro’ que se percebem as diferenças. Esse ‘outro’ está sendo entendido como o que difere de ‘mim’ com toda a singularidade que cada um possui, o que nos torna diversos. Na escola, esse ‘outro’ pode ser encontrado em uma criança que seja gorda, negra, alta, portadora de deficiência, baixa, nariguda, orelhuda, magra demais; que tenha os pés grandes; que seja pobre, homossexual (que é sempre aquela que a gente diz: ‘ele tem um jeito delicado’ quando homem ou ‘nem parece menina’, quando mulher). Podemos citar uma infinidade de caracteres pessoais que são considerados um desvio, pois qualquer detalhe é motivo para ouvir uma piada, um apelido, uma brincadeirinha que sempre pensamos ser inocente, ‘coisa de criança’, mas que está carregada de estereótipos depreciativos e que influenciam negativamente na identidade da criança. Estereótipos estes que são a matéria- prima do preconceito e racismo e, portanto, de um micro-fascismo. Não só a escola, mas toda a nossa sociedade, precisa passar por uma ruptura dos sentidos que são hegemônicos. Por exemplo, o padrão considerado ‘ideal’: o homem, branco, adulto, heterossexual, cristão que é considerado como fisicamente e mentalmente perfeito e belo. Esse modelo hegemônico é uma clausura e é considerado uma forma de repressão, persuasão onde tudo é transmitido de forma bem suave ou não, mas que a escola deve se posicionar e não se iludir com esse modelo sugerido e imposto como ideal. Segundo Guattari (1985) atualmente procura-se controlar as pessoas com laços quase invisíveis que nos prendem mais eficientemente e a televisão é dos meios principais, pois tomou para si uma série de tarefas até então destinadas a serem desenvolvidas pelos pais e a escola, se tornou a ‘babá’; no entanto, a educação televisiva modela o imaginário, injeta personagens, cenários, atitudes, ideais; ela impõe toda uma micropolítica das relações entre os homens e as mulheres, os adultos e as crianças, entre as raças etc. (Ibid., p.53). No entanto, além da televisão, a escola ainda ocupa um papel preponderante na formação dessa criança, então, o que conta, não é técnica, é o efeito da política semiótica dos adultos sobre as crianças”. Esse efeito diz respeito a todas as nossas crenças e valores que diariamente incutimos nos nossos alunos. Ou seja, precisamos nos perguntar como temos tratado as crianças, os negros, os pobres, os deficientes? É desta maneira que a educação é produzida, no cotidiano das ações. Diariamente estamos dizendo com palavras ou atos que gostamos mais de certas pessoas, “pois são azuis e não vermelhas; o dia está bonito, pois não tem nuvens; aquele aluno é ótimo, pois fica quieto; aquela criança é tão linda que eu até levaria para casa”. Será que nos questionamos sobre as nossas preferências? Por que gostaríamos de levar um certo tipo de criança para casa e outro não? Por que só considero certo tipo biofísico como bonito e não outro? Por que uma criança serve para ser princesa ou anjo e outra não? Por que aquela criança reprova mais que as outras? Eu vejo as diferenças dos meus alunos? Eu considero as diferenças no desenvolvimento do meu trabalho pedagógico? Geralmente na escola trabalha-se como se não houvesse diferenças a partir de um discurso da igualdade entre as crianças, apesar de ocorrerem práticas ostensivas de diferenciação principalmente de caráter racial e estético. Esse discurso da igualdade tenta construir uma eqüidade entre os alunos a partir de uma quimérica democracia racial a partir da idéia de que vivemos em uma sociedade harmoniosa
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