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Volto aqui ao exemplo do filósofo Sócrates, evocado na aula sete. Quando queria levar as pessoas a buscar a verdade, Sócrates fazia perguntas sobre as coisas que as pessoas supunham saber muito bem. Daí que perguntasse ao general pela coragem, ao professor pela educação, ao juiz pela justiça. Ou seja, buscava a verdade justamente nas pessoas que eram supostas conhecer muito bem o assunto. E logo estas pessoas se encontravam embaraçadas por perceberem que não sabiam nada tão bem quanto pensavam antes. O que devemos concluir daí não é que as pessoas fossem burras, ignorantes ou algo assim, mas sim que extrair consequências sistemáticas daquilo que pensamos, ir aos fundamentos do que estamos dizendo, não é algo tão simples quanto parece. E isso logo seria percebido por você, ou pelo leitor de seu trabalho, caso você se aventurasse a sair dizendo tudo que pensa sobre a sua prática, mesmo que esta tenha sido muito rica e muito bem feita. É por esse motivo que um bom recorte do tema a ser estudado, dos objetivos a serem atingidos e da metodologia empregada para tanto são elementos tão fundamentais de sua pesquisa. É isso que potencializará a chance de que seu trabalho se torne bem amarrado, com boa concatenação de suas ideias, argumentos e conclusões. Mas para o tipo de pesquisa que estamos discutindo agora, será ainda necessário que você utilize uma revisão de literatura, quando então sua capacidade de resenhar os textos lidos será requisitada. Por que resenhas? Com as resenhas de capítulos ou mesmo de livros inteiros, devemos mostrar ao nosso leitor que lemos um determinado autor e que somos capazes de resumir a posição deste autor sobre um determinado assunto. Fique tranquilo: a resenha de um livro inteiro pode ter uma ou duas laudas, dependendo de seu objetivo, assim como a resenha de um capítulo pode ter um ou dois parágrafos. Mas para tanto será importante que você saiba bem extrair da sua leitura do livro os pontos que mais interessam e mostrar que eles estão lá sendo discutidos pelo autor. Outra coisa importante na resenha é que você saiba explicar o que o autor disse utilizando suas próprias palavras. Poderá, evidentemente, utilizar citações para mostrar que a interpretação que fez do que foi escrito pelo autor está bem respaldada pelo texto do próprio. E por que temos que ler outros autores? A pergunta pode parecer óbvia, mas você poderia parar de ler agora essa aula e respondê-la? Considere, por hipótese, que você tenha muito boa capacidade de escrita e organização das tuas ideias e esteja investigando um tema que você domina por sua experiência, seja ela profissional, de vida, de leituras, ou as três juntas. Por que não escrever sobre seu tema sem ter o trabalho de ler outros autores? Em um trabalho de monografia de graduação, de fato há um aspecto formal nesta exigência. Você está, a rigor, cumprindo sua primeira exigência de pesquisa acadêmica. Na maioria das vezes terá feito apenas trabalhos para aprovação em disciplinas e quiçá terá tido seu nome incluído em algum artigo científico feito em grupo com orientação de um professor. Se este não for o seu caso e você chegar até a exigência de monografia de final de curso de graduação com uma larga experiência em produções acadêmicas, devemos assumir que você é a exceção e não a regra. Em todo caso parte-se do princípio de que a maioria dos alunos que se encaminham para a realização do trabalho monográfico de final do curso não tem tanta experiência assim. Ao exigir que o aluno faça uma revisão da literatura existente sobre o tema que propôs desenvolver, “mata-se dois coelhos com uma cajadada só”: primeiro, obrigamos o aluno a verificar se suas ideias já não vem sendo discutidas no campo e com que desenvolvimentos – provavelmente alguns dos quais você já considerou em suas reflexões. Com frequência ideias muito boas que desenvolvemos a partir de nossa experiência podem ser ligadas a temas que já estão em discussão em determinado campo de pesquisa. Segundo, e igualmente importante, ao exigir uma revisão de literatura contextualizamos o trabalho do aluno na discussão com outros autores de sua área. A partir desse passo, o que você aluno pensou / escreveu entra no território da circulação de ideias que enriquece o seu campo de pesquisa em particular. A revisão de literatura é apresentada em um primeiro momento de seu trabalho. De modo sucinto, você irá mostrar para seu leitor que informou-se sobre a área em que seu tema se insere e que sabe o que de principal tem sido dito sobre o tema. Não é o momento de se aprofundar em nenhum dos autores apresentados. Uma resenha mais extensa será exigida na parte do desenvolvimento de sua monografia, quando você irá se aprofundar nas ideias de alguns dos autores mencionados, justamente aqueles que te parecerem mais importantes para o tema proposto. Em ambos os momentos as resenhas serão um guia muito importante para o pesquisador. Por exemplo, digamos que um dos aspectos que você quer discutir diz respeito às tensões micropolíticas no interior de uma instituição e do lugar do assistente social diante disso. Que autores já falaram disso? Não especificamente da instituição em que você teve a experiência, mas das tensões micropolíticas em uma instituição e de suas implicações para o trabalho do assistente social? Quais as posições acordantes e discordantes neste debate? E sua posição entra como nessa conversa? Você então poderá e deverá dizer de sua experiência vivida (isso é muito rico) mas em seguida mostrará que essa experiência tem a ver com aquilo que determinado autor vem discutindo – escolhido por você para representar suas ideias. Esse é o ritmo que sua escrita deverá seguir. Você apresenta sua experiência, faz o seu comentário, porém sempre intercalando com referências à literatura que percorre o teu campo. Essas referências à literatura de seu campo podem vir na forma de citações, nas quais você abre aspas para colocar uma passagem exatamente com as palavras do autor, mas também podem vir na forma de resenhas maiores ou menores. Posso, por exemplo, escrever algo como: “em seu texto sobre a psicologia das massas (1919), Freud afirma que o homem não é um animal gregário, quer dizer, que apresente uma tendência inata a amar ao próximo”. Notem que ao fazer assim, não utilizei uma citação (aspas para as palavras do autor), mas fiz referência a um texto do autor, colocando com minhas palavras uma posição assumida por ele. A referência imediata é a data da publicação entre parêntesis, o que permitirá que o leitor encontre ao final do meu trabalho, na lista de referências bibliográficas, a obra em que poderá conferir as informações que estou trazendo. Na revisão de literatura inicial, conforme já disse, você não deverá se aprofundar. Em geral um ou dois parágrafos para cada autor serão suficientes para você mostrar que entende de que forma o debate tem transcorrido na sua área, com as principais posições em destaque. Já na parte do desenvolvimento você poderá trabalhar com capítulos ou seções nos quais fará uma resenha mais extensa do autor que considera mais relevante para a sua pesquisa. Para esse aprofundamento você deverá ter identificado qual o autor disse coisas que melhor descrevem / explicam os aspectos de sua experiência como assistente social que deseja discutir. Poderá optar – será elegante – por também resenhar mais extensamente um autor que diga exatamente o contrário, ou que assuma uma posição diferente. Isso fará com que o seu leitor sinta que você não se limitou a ler autores que reforçam suas posições, mas que também teve o cuidado e a coragem de ler aqueles que pensam de modo diferente do seu, expondo suas posições com o mesmo cuidado com que expôs as posições de seus favoritos. Finalmente, após ter resenhado as partes da produção de autores que considererelevantes, poderá mostrar como a maneira como pensa a sua prática lhe parece melhor representada pelas ideias do autor A e não do autor B. Lembre-se de que o essencial na resenha é que você deixe claro com as suas palavras qual a posição do autor, expressa em determinado livro ou texto, sobre a questão que te interessa discutir. Sim, você poderá utilizar citações, mas somente o fará após ter dito com as suas palavras o que o autor esteve dizendo. Ao final de seu trabalho, listará de modo organizado as referências para que seu leitor possa fazer pesquisa contando com as informações que obteve da leitura de seu trabalho.
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