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O nome do Brasil

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Artigos: Brasil Colonial
Artigo 1: O nome do Brasil 
Se o Brasil havia sido frequentado antes, como sugerem alguns historiadores, disso não há documentos vivos. Sobre a geografia do local, os portugueses não tinham a mínima ideia da extensão das terras, por isso, nos primeiros 30 anos de descoberta, a coroa focou-se em reconhecimento e registro das terras. A extensão da posse, muitas vezes, soava imprecisa, sabido apenas aquilo que determinava o tratado de Tordesilhas, não havia muita precisão. 
Sobre as riquezas, o Rei D. Manuel não demonstrou interesse nas terras de início, pois as especiarias das índias pareciam bem mais lucrativas, já que o tão sonhado ouro não havia sido achado, como nos vizinhos espanhóis. De início, houve certo entusiasmo relevante ao pau-brasil, mas, logo após, os interesses econômicos esfriam. As novas terras passaram a servir como aprimoramento da cartografia e da astronomia, já que nunca houvera sido explorada. 
O exemplo disso foi o Mestre João, que acompanhava Cabral, que logo observou os céus e constatou uma nova constelação: O cruzeiro do sul. As primeiras expedições deram nome aos acidentes geográficos, mediram as latitudes e fomentando a pesquisa para se constatar que as novas terras realmente se tratavam de um continente inteiro. Por volta de 1514, o Livro de Marinharia de João Lisboa já fazia menção ao Cruzeiro do Sul, e trazia um regimento para determinação das latitudes. Até meados de 1525, os portugueses já conheciam a costa sul da América melhor que os espanhóis, fato que lhes deram vantagem na disputa política pela posse de terras. 
Nos primeiros 20 anos de vida, os portugueses fundaram somente duas feitorias, Cabo Frio (1504) e Pernambuco (1516). Bem de início, a cora terceirizava a responsabilidade, sendo por meio de associações mercadoras, como acontecera na África, ou por doações aos amigos do rei, que tinham prazos. O estado estava mais concentrado nos mercados das índias. 
Os habitantes europeus da costa eram apenas os degredados deixados para trás desde a viagem de Cabral, uns ou outros desertores da coroa. Esses fatores atestam o desinteresse da coroa em povoar o país, eu servia somente como fornecedor de pau-brasil. Porém, o crescimento do direito e dos interesses econômicos e a concorrência internacional não permitiria que as terras ficassem reservadas. 
D João II (1481 – 1495) havia brigado e contestado o tratado de Tordesilhas em favorecimento do luso, em 7 de junho de 1494, seguiu o tratado á risca, que não fora obedecida pela Espanha, que atestava o direito de descoberta, logo, única detentora dos direitos. Mal iniciava o século XVI e os espanhóis já exploravam a costa norte-nordeste da América do Sul. Os franceses também não tardaram, contestando a divisão luso-espanhola do globo e enviando navios para o Atlântico Sul. Não era então muito claro que a decorrência óbvia da viagem de Cabral fosse o direito português sobre a nova terra.
Os franceses despertaram o interesse de Portugal nas terras, pois foi à presença constante no litoral, fato que funda, em 1555, em Guanabara, uma colônia francesa. Desde pelo menos 1504, os franceses estiveram na costa da nova terra, carregando com pau-brasil os navios de armadores normandos e bretões. 
Após a morte de D. Manuel I, há uma indecisão em torno das alianças políticas de D. João III (1521 – 1557) e os franceses aproveitam esse enfraquecimento para frequentar ainda mais as costas brasileiras, o que levou a conflitos armados. Esses conflitos se intensificaram entre 1526 e 1527, quando Cristóvão Jaques, patrulhando a costa, procedeu a prisões e execuções de súditos de Francisco I (rei francês), que reclamava por indenizações das perdas. 
Ficaram claro as divergências entre portugueses e europeus. Os portugueses atestavam o direito à terra por meio das bulas papais, já os franceses atentavam que a posse de terras só viria por meio das ocupações efetivas das mesmas. 
Um nome à procura de lugar 
Entre 1351 e 1500, os mapas europeus mostram o nome Brasil e variantes dele – Bracir, Bracil, Brazille, Bersil, Braxili, Braxill, Bresilge – designando, em lugares diferentes, uma ilha ou até três, e correspondiam a um horizonte geográfico ainda mítico, como o das ilhas Afortunadas e tantas outras miragens que a prática navegadora. 
O primeiro nome, vindo das cartas de Pero Vaz de Caminha, em 1 de maio de 1500,, denominou-se Vera Cruz. Alguns italianos, mercadores, outros que acompanharam Cabral chamavam as terras descobertas assim. 
Depois, durante os trinta anos seguintes, pelo menos três denominações se sucederam nos mapas e nos escritos sobre o novo achado do rei de Portugal: Terra dos Papagaios; Terra de Gonçalo Coelho, nome do comandante das frotas de reconhecimento que exploraram a costa brasílica entre 1501 e 1503-4; 
O nome Brasil: Em 1512, numa carta de Afonso de Albuquerque ao rei e ainda no globo de Marini, surge pela primeira vez o termo Brasil para designar em âmbito oficial a América Portuguesa. A partir de 1516, torna-se o uso de Brasil cada vez mais frequente, quando D. Manuel investe Cristóvão Jaques nas funções de “governador das partes do Brasil” – que ainda são muitas – e 1530, quando D. João III designa Martim Afonso de Sousa encarregado do governo da terra.
Cabe ressaltar que o termo não era uno, pois havia variantes, seja em mapas, cartas, escritos. . No mapa do Visconde de Maiolo, de 1527, aparecem designações novas, antigas, como terra de Santa Cruz e Brasil. 
Deus e o Diabo
O plano espiritual estava em alta na descoberta do Brasil, uma conjuntura histórica marcada pelas reformas e perseguições religiosas e a forma de se falar também tinha a ver com a fé. Segundo João de Barros, humanista que teria iniciado essa reflexão entre Deus e o Diabo, que Cabral teria chamou de Santa Cruz a terra onde tinha aportado em abril de 1500, assim homenageando o Lenho Sagrado.
dias depois, a 3 de maio, partia para a Índia: mandou, então, “arvorar uma cruz mui grande no mais alto lugar de uma árvore e ao pé dela se disse missa. A qual foi posta com solenidade de bênçãos dos sacerdotes: dando este nome à terra, Santa Cruz”. Atestando que a expansão marítima não foi apenas comercial. 
João de Barros condena as teorias que preveem uma valorização da questão comercial e esquecem da questão religiosa. Para que se empenhassem em desenvolver as terras, o nome cruz foi posto para que se empenhassem em desenvolver as terras.
Em História da Índia, do navegador Fernão Lopes, 1552, ele afirma: “Nesta terra mandou Pedralvares meter um padrão de pedra com uma cruz e por isso lhe pôs nome terra de Santa Cruz, e depois se perdeu este nome e lhe ficou o de Brasil por amor do pau brasil.” Isso mostrava que os humanistas portugueses não tinham uma união perante o nome das terras. 
O Donatário Pero Magalhães Gandavo (Bahia, Salvador), manifestou suas concepções em Décadas na História da Província de Santa Cruz. mostrava-se igualmente inconformado com o nome que vigorava na designação da Colônia – Brasil –, acreditando não haver razão para negar ou esquecer o nome originalmente dado. Ele dizia que não fazia sentido usar o nome Brasil, assim chamado quando a madeira passa a circular no reino português, pois o “diabo” estaria trabalhado para extinguir essa memória de “Província de Santa Cruz”.
Gandavo acrescenta um aspecto novo, ausente dos demais textos. Lembra que o nome de Santa Cruz, dado inicialmente por Cabral, fazia sentido não apenas por ter-se rezado a primeira missa no dia 3 de maio, quando se comemorava o Lenho Sagrado, mas porque as terras descobertas por portugueses cabiam à Ordem de Cristo, cujos cavaleiros traziam no peito a cruz por insígnia.
Gandavo, antes, em 1570, escrevera o livro Tratado da Terra do Brasil, isso mostra a sua mudança de opinião, optando depois pela designação religiosa. Fica evidente o contexto forte da religião na época. 
N século XVI, inúmeros religiosos não fizeram questão do nome religioso, escrevendo textos designando as terras por Brasil, em homenagem à madeira.O Padre Anchieta, anos mais tarde, teria a mesma atitude.
A medida que os jesuítas iam vivendo e conhecendo a realidade do Brasil, notou-se as diferenças e suas peculiaridades, esquecendo, então, da suposta guerra religiosa e posto a chamar às terras de Brasil, por suas peculiaridades. 
Em 1618, o Diálogo das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão, apresentaria posição análoga, acrescentando contudo mais um elemento: a identificação da terra com o continente, retomada apenas no século seguinte. “Essa província do Brasil é conhecida no mundo todo com o nome de América.” No mesmo diálogo, explicita-se que as terras, ou melhor, as cartas de apresentação para o Rei D. Manuel e a corte vinham com o nome “Terra de Santa Cruz do Brasil”, depois se junta ao nome do pau-brasil, despopularizando o nome Santa Cruz. 
Porém, como alertou Brandão, o nome místico e o nome comercial permaneceram juntos por muito tempo, dentro das cartas oficiais e dos relatos de estudiosos da época. Quando o Libro “História do Brasil” chega, em 1627, pelo Frei Vicente do Salvador. Para o Frei, o diao teria ganhado a luta, quando o nome santo perde para o comercial. Para ele, o diabo trabalhou para que o nome brasil ganhasse o gosto do povo. Como se importar mais com o nome do pau que tinge o pano, mas não o sangue do senhor crucificado e nele derramado? 
Porém, para o Frei, o diabo ainda não teria tocado os habitantes do novo mundo, gentios demais, sujeitos às garras dele. Cabia aos eclesiásticos, por meio dos sacramentos, protege-los e fortalecerem a fé da colônia. 
O Frei acaba alertando à necissade de se retomar o nome santo não pela guerra entre Diabo e Deus, mas sim para se atentar a ocupação das novas terras. Para ele, as terras não foram descobertas em vão, mas a necessidade de se reafirmar o nome era criar uma unidade, organização. Assim como a desorientação dado ao nome, as terras colonizadas estavam sendo desperdiçadas, mesmo com solo fértil e com potencial. 
Para alguns a culpa era dos reis, que não sabiam se organizar. Para outros, a culpa era dos colonos que não queriam se fixar. E, por fim, dos ricos, que queriam lucrar e voltar para Portugal. O frei acreditava em tudo isso, mas a mudança do nome também era uma das causas da confusão. 
Como explicar que religiosos como o Frei Vicente e Cardim se importassem menos om os nomes religiosos do que comerciantes como Magalhães? Talvez a explicação esteja no humanismo português. 
Em Portugal, o humanismo cívico se combinou com a defesa da monarquia e de suas políticas, e o tema nodal desse discurso foi o embate entre vida ativa – “vida de ação, posta ao serviço da comunidade” – e vida contemplativa – “vida intelectual”. Se as ideias de romanização circulara, logo foram substituídas pelo entusiasmo das descobertas. 
Havia ecos na criação de uma república portuguesa. Se via uma adaptação da realidade expansionista no humanismo português, a criação de um estado do Brasil não era possível, pois o colono que vinha pra cá, individualizado, não tinha com noções de república ou reblicano, não havia espírito cívico, nem de comunidade. 
Para João de Barros, o avanço turco e as cruzadas teriam impreguinado o humanismo português, opondo ao pacifismo e buscando respostas na religião:
“Qual príncipe converteu à Fé de Cristo tantas províncias, tanta multidão de almas, cuja bem-aventurança não pode deixar de ser comunicada com a causa dela?.... Vossa Alteza, além de a seus naturais manter em muita paz e justiça, manda continuamente por mar e por terra seus exércitos e grossas armadas contra os infiéis, buscando sempre novos triunfos e vencimento”
O profetismo e o providencialismo eram comum nas crônicas coloniais. D. Jerônimo Osório, afirmou “que todos os feitos dos portugueses, desde a criação e a fundação do reino, só se poderiam entender com a ajuda de Cristo”
4. Persistências extemporâneas
Durante o século XVII, essa luta entre o bem e o mal acerca do nome permanece no imaginário das pessoas. Em Compêndio Narrativo do Peregrino da América, 1728, Nuno Marques, prova o conteúdo cuzadista e político do nome santo. A espada e a Cruz estavam juntos na gênese do Brasil, mas se perde quando as relações comerciais ganham destaque. 
“E assim não houve imperador nem rei cristão que não usasse da Santa Cruz para conseguir as suas maiores empresas”, incluindo-se nessas “dívidas e mercês [...] os nossos reis de Portugal e seus vassalos a nosso Senhor Jesus Cristo”, inúmeras vezes socorridos pelo sinal da Cruz, “com cujo patrocínio venceram e desbarataram a seus inimigos, aprovando e exaltando a nossa Santa Fé” (Pereira 1939: 89).
Destaca-se o tom providencial e messiânico na obra que se afloraram no fim do humanismo português. 
em 1730, Sebastião da Rocha Pitta publicaria uma História da América Portuguesa. A mudança no título não é gratuita, e a obra, obviamente engajada, pertencia ao contexto de exaltação dos feitos portugueses na América, bem típica do difícil período atravessado pela monarquia joanina, carente de afirmação na Europa e acuada após vinte anos de ininterruptos levantes e sedições no Brasil. Intelectuais colonos falavam pela primeira vez da vinda da corte ao Brasil. É curioso pensarmos no primeiro nome, dado por Cabral, regido por preceitos extremamente espirituais, depois sagra-se América por Vespúcio, e por último Brasil, pela pau-brasil e sua cor carmim.
Pitta é elogiado pelos administradores, do santo ofício, pela Metrópole, pois foi uma das primeiras tentativas de se escrever uma história sobre essa terra, já que a obra do Frei Vicente só seria publicada no século XIX. Pitta recebeu elogios por traçar uma nova história sobre o nvo mundo, chegando a ser chamado de “novo Colombo”. Muitas histórias desastrosas eram contadas, mas a partir dessa obra Pitta “exaltava nossas glórias”. Apesar de contar com histórias “grotescas” da história, admitia-se ser necessária. 
Portanto, o nome do Brasil nasce de uma indefinição da Metrópole, que no século XVI estava mais interessada em fortalecer o comércio e os reinos da índia. O atlântico não era detentor das atenções portuguesas. O nome era vago pois o espaço era vago e de pouco interesse. A carta de pero vaz de caminha foi um dos poucos documentos, até as cartas jesuíticas. 
A persistência de um universo mental marcado pelo embate entre Deus e o Diabo, que podia assumir formas sofisticadas e eruditas – como no humanismo de João de Barros – mas que, uma vez variando os contextos, reduziam-se quase a caricaturas, conforme se vê na passagem do Peregrino. Nem sempre eram religiosos os que mais lastimavam a perda da designação mística, mesmo porque para eles restava a esperança da catequese enquanto meio de salvação para os naturais da terra. 
No caso específico do nome do Brasil, é preciso ir além do significado aparente. a oscilação entre o nome mítico e o comercial condicionou certas interpretações negativas sobre o país: terra de degredados, fadada ao fracasso, por motivos vários corrompida desde o início, quando um nome profano, mundano e de inequívocas implicações ínferas solapou o nome santo que lembrava a remissão dos pecados humanos e que se procurara celebrar não apenas com a cruz de pedra (ou madeira) erguida na praia como com a cruz de estrelas localizada no céu. Por tudo isso, o que aconteceu com a nomenclatura é bem mais do que a aplicação continuada de uma pura metáfora. Outras colônias adquiririam colorações negativas e até mesmo malditas, não fossem elas, de saída, designadas como local de degredo para criminosos e hereges,

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