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Na Obra A Força Normativa da Constituição

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Na Obra A Força Normativa da Constituição (Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Editora Sérgio Antônio Fabris, 1991), o Autor Konrad Hesse (1919-2005), constitucionalista alemão, coloca-se em oposição às teses desenvolvidas por Ferdinand Lassale. Empenha-se em demonstrar que não há de se verificar uma derrota da Constituição quando colocamos a mesma em oposição aos fatores reais de poder demonstrados por Lassale. Existem intenções que podem ser realizadas e que permitem assegurar a força normativa da Constituição, mesmo que a submetemos a confrontos com os fatores reais de poder. A transformação das questões jurídicas em questões de poder, somente poderá será possível quando essas intenções não puderem atingir os seus objetivos.
Hesse ainda Destaca a chamada vontade de constituição, sem desprezar o significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a eficácia da força normativa da Constituição. A Lei fundamental de um Estado somente poderá ser vista como uma força ativa, uma causa capaz de produzir uma influência enérgica, eficaz e participante, quando na mesma for verificada uma vontade, uma tendência de se orientar o próprio comportamento humano de acordo com a ordem nela estabelecida. Há também que haver uma consciência geral de vontade de constituição e não somente de vontade de poder, como sempre se verificou na maioria dos governantes responsáveis por garantir a ordem constitucional.
Essa vontade de constituição baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa resistente, que projeta o Estado contra o bel-prazer descontrolado e desproporcionado. Manifesta-se, sobretudo, na compreensão de que a ordem constitucional é mais do que uma norma legitimada pelos fatos e que não se tornará eficaz sem a cooperação da vontade humana.
Portanto, na sua abordagem dos pontos fundamentais que devem estar presentes numa Constituição, Hesse objetiva contribuir para que essas teses tenham capacidade de desencadear uma produtiva discussão entre nós sobre o significado e o valor da Constituição e da necessidade de preservar a própria essência da Constituição, ou seja, a sua FORÇA NORMATIVA.
Lassale, no seu trabalho A Essência da Constituição, afirma que “questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas”. Este autor, segundo Hesse, baseia-se apenas na realidade que é confirmada pela experiência histórica: O que a história constitucional revela é que o poder da força aparece sempre superior à força das normas jurídicas. Os fatores reais de poder expressos por Lassale formam a Constituição real do País e revelam que a mesma apenas manifesta as relações de poder nele dominantes . As relações relativas a fatos jurídicos resultantes da união dos fatores reais de poder constituem a força ativa determinante das leis e das instituições a sociedade.
Para Lassale, segundo comenta Hesse, existe a Constituição Jurídica e a Constituição Real. A Capacidade que tem aquela de regular e de motivar está limitada à sua adequação com esta. Caso isso não ocorra, o conflito será inevitável, cujo desfecho ser verificará na Constituição escrita que Lassale a define como um “pedaço de papel que perderá a força diante dos fatores reais de poder dominantes no país”.
Considerando em suas conseqüências, a idéia de força determinante das relações jurídicas significa que a coincidência de REALIDADE e NORMA constitui apenas um limite extremamente duvidoso. Ou seja, entre a norma escrita (racional) e a realidade (irracional) existe um estado de rigidez necessário e inseparável que não se deixa eliminar.
Para essa idéia de Direito Constitucional, está preparada uma situação de conflito: O fundamento da Constituição Jurídica não resistirá sempre em face da Constituição Real. O Direito Constitucional estará em contradição com a própria essência da Constituição. Assim, essa negação do Direito Constitucional afirmada por Lassale, importa na negação do seu valor enquanto ciência jurídica.
Hesse declara que a Constituição contém uma força normativa que estimula e coordena as relações entre os cidadãos e o Estado, e dentre eles. Por conseguinte, rejeita o que preconiza Lassale quando afirma que o Direito Constitucional teria apenas a função de justificar as relações de poder dominantes.
Para se tornar evidente a existência da FORÇA NORMATIVA, é colocado que se terá de se observar três(03) condições fundamentais:
01) UMA ADAPTAÇÃO MÚTUA ENTRE A CONSTITUIÇÃO JURÍDICA E A REALIDADE POLÍTICO-SOCIAL:
Uma casual relevância num ou noutro aspecto ocasionaria uma Norma desprovida de qualquer elemento da realidade ou de uma realidade sem qualquer elemento normativo. A Norma Constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. Uma determinada situação regulada pela Norma pretende ser concretizada na realidade. Devem ser considerados diversos fatores como condições naturais, históricas, econômicas e sociais que identificam um determinado povo.
A Constituição não forma apenas a expressão de um SER, mas também de um DEVER SER. Graças ao objetivo de eficácia, a Constituição procura colocar ordem e adaptação à realidade política e social.
02) DEVEM SER PRESUMIDOS OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO JURÍDICA:
Constituição Real e Constituição Jurídica se coordenam harmoniosamente, mas não dependem, pura e simplesmente, uma da outra. Ainda que não de forma definitiva, inabalável, a Constituição jurídica tem significado próprio. A Constituição somente consegue força normativa quando, proporcionalmente, realiza seu objetivo de eficácia.
A compreensão das possibilidades e limites somente pode resultar da relação da CONSTITUIÇÃO JURÍDICA com a REALIDADE. Somente a Constituição que se coaduna a uma situação histórica clara, onde se encontra presente uma ordenação jurídica orientada pelos padrões da razão, poderá, verdadeiramente, se desenvolver.
A força que constitui a razão de ser e a eficácia de uma Constituição manifesta-se na natureza das coisas, conduzindo-a e transformando-a, desta forma, em FORÇA ATIVA. Daí, origina-se os seus limites. A Norma Constitucional somente poderá ser eficaz, dotada de poder e de prestígio se for determinada pelo princípio da necessidade. Portanto, a força vital e a eficácia da Constituição abrigam-se na sua vinculação às forças espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo, o que acarreta o seu desenvolvimento e a sua ordenação com propósitos definidos.
A Constituição transforma-se em força ativa se: I) as tarefas descritas anteriormente forem efetivamente realizadas; II) se existir a vontade de orientar a própria conduta de acordo com as disposições nela estabelecidas; III) se puder identificar a vontade de concretizar uma ordem, quando houver descontentamentos de todos os questionamentos e restrições provenientes de entendimentos de conveniência.
Portanto, Hesse constata que o limite de uma Constituição Jurídica termina quando a ordenação constitucional não mais se basear na natureza específica de uma realidade presente. Quanto mais se extender a vontade de Constituição, menos significativas serão de ser as restrições e os limites impostos à força normativa da Constituição.
03) DEVERÁ SER INVESTIGADO OS PROPÓSITOS E EFICÁCIA DA CONSTITUIÇÃO:
Esses pressupostos estão relacionados tanto ao conteúdo da Constituição quanto à prática constitucional.
Requisitos mais importantes:
3.1) Quanto mais o conteúdo de uma Constituição corresponder à natureza peculiar de uma realidade atual, mais segura será o desenvolvimento de sua força normativa. Além dos requisitos citados, se faz necessário ser incorporado o estado espiritual do seu tempo. Conseqüentemente, enquanto a mesma for adequada e justa, lhe será assegurado o apoio e a defesa da consciência geral.
3.2) A Constituição deverá também proporcionar uma adaptação a uma eventual modificação nas diversas condições pertinentes a uma sociedade.
3.3) A Constituição não deve estar condicionada a uma “estrutura unilateral” (parcial). Se a Lei Fundamental objetivapreservar a força normativa dos seus princípios fundamentais, deverá ela incorporar parte da estrutura contrária. Ou seja, a realidade somente poderia por fim à força normativa da Constituição, eliminando assim os princípios que objetivava realizar, quando esta exceder os limites desta força.
3.4) Para um sustentável desenvolvimento da força normativa da Constituição, tem-se que depender não apenas do seu conteúdo, mas também da sua colocação em prática. De todos os integrantes da vida constitucional, exige-se compartilhar a vontade de constituição.
É fundamental se verificar respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se desagradável (exemplo: Para um corrupto, em atendimento ao Artigo 5º, Inciso LXVIII da CF, lhe é assegurado habeas corpus pelo fato do mesmo acreditar que está sendo ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder em razão de processo).
Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, especialmente ao Estado democrático.
3.5) Igualmente perigosa para a força normativa da Constituição, apresenta-se na tendência para a freqüente revisão constitucional sob alegação de suposta e insensível necessidade política. Cada reforma constitucional enfraquece a sua força normativa. A inflexibilidade de uma Constituição constitui condição fundamental da sua eficácia. Os princípios básicos da lei Fundamental não podem ser alterados mediante revisão constitucional, atribuindo superioridade ao princípio da constituição jurídica sobre protestos populares.
3.6) A interpretação constitucional tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A Interpretação deve considerar todos os fatores harmônicos dados pelos acontecimentos reais da vida. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar o sentido do enunciado normativo dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.
Concluindo a tese de Hesse, a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. A Constituição jurídica não é formada apenas pela expressão de uma determinada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e ajusta a realidade política e social.
Somente se poderá verificar a eficácia da força normativa em situações de emergência, nos tempos de necessidade. Se nessas condições, a força normativa for preservada, então a Constituição poderá verdadeiramente ser considerada uma força viva capaz de proteger a vida do Estado.
O que se pode verificar com as teses de Hesse sobre a força normativa da Constituição é uma intenção de demonstrar que este fator, além de ser eficaz, é capaz de ser aplicável. Discorda assim das teses de Lassale, o qual, apenas de forma crítica à sua época, considera que a Constituição não tem um valor jurídico e somente demonstra a força que determinados grupos sociais e políticos possuem num Estado.
Como preconiza Hesse, para que a essência de uma Constituição possa ser alcançada é necessária uma vontade em compreender a necessidade e o valor de uma norma que possa ser capaz de resistir a certos anseios individuais. Somente uma Constituição marcada por valores históricos, espirituais, com padrões de razão e com a cooperação da vontade humana, pode-se alcançar com profundidade essa sua razão de ser.
Não se pode descartar, no entanto, a presença dos fatores reais de poder em uma Constituição. O que deve haver é um balanceamento harmônico entre estes e a força que a normatividade possui. Tornar um desses fatores superior ao outro, dependerá do contexto atual de um País. A título de exemplo, a elaboração de uma Constituição em um país super desenvolvido não poderá seguir os mesmos parâmetros de um país destruído por guerras e necessidades vitais. Neste, mesmo que provisoriamente, os fatores reais de poder terão de ser considerados com mais importância, tendo em vista a prioridade em restabelecer a ordem pública, a economia etc. Um Estado não poderá ressurgir sem a presença marcante da sua força coercitiva, da presença das forças armadas, das grandes indústrias, da força política e do auxílio de nações desenvolvidas. Nesse contexto, quando há a necessidade da elaboração de uma nova Constituição, esses fatores reais de poder deverão ser considerados com uma maior atenção.
Com relação ao respeito à Constituição, Hesse está plenamente correto quando diz que sejam quaisquer os objetivos, os mesmos são incapazes de superar a importância de se priorizar os princípios constitucionais, mesmos que estes propósitos sejam desagradáveis à visão do cidadão. Infelizmente, uma Constituição não pode atender todos os casos especificamente o que acarretaria uma lei de proporções impraticáveis.
Quando Hesse declara que a tendência em revisar a Constituição torna a sua força normativa enfraquecida, é necessário avaliar esta situação de forma relativa. Ao longo da história da humanidade, é verificado que a força Estado sempre se manifestou como uma presença fundamental em todas as sociedades, as quais têm sofrido grandes transformações envolvidas num processo extremamente rápido, competitivo e exigente. Nesse aspecto, para que tenhamos perspectivas de sucesso de uma Constituição, é preciso o acompanhamento dessa evolução por parte do Estado. É imprescindível a tomada de novas medidas de equilíbrio nas ações da sociedade, derrogar paradigmas totalmente obsoletos e melhorar a avaliação dos planejamentos internos, sob a pena de tornar as Leis excluídas da evolução e, conseqüentemente, desnecessárias, antiquadas e estigmatizadas pela sociedade. Por conseguinte, logicamente dentro de um limite, se torna imperioso uma revisão Constitucional

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