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6 Os DILEMAS DA lí INTEGRACAO REGIONAL PARA O BRASIL: autonomia e imdiversificaçao de parceiros INTRODUÇÃO A posição do Brasil no processo de integração regional deve ser compreendida à luz de fatores estruturais e históricos da política exterior. Os constrangimentos ao processo de integração não têm origem apenas em questões econômicas ou em visões divergentes entre os principais países do Mercosul. Também parece haver tensão entre as necessidades estruturais da integração e as atitudes e posições de importantes atores sociais (elites e grupos de interesses) e govemamentais, como a Presi- dência da República e outros ministérios, e não apenas O MRE. Podemos considerar que dois conceitos muito importantes na fonriulação da política extema - diversificação de partners e autonomia -, ambos enraizados na sociedade civil e no Estado, confluem para a construção de uma visão de inserção regional que diEculta O aprofundamento do Mercosul. Há razões objetivas para explicar as dificuldades enfrentadas pelo Mercosul ao longo de seus vinte anos de existência. Por exemplo, O desafio de integrar países em desenvolvimento, com significativas assimetrias entre eles, baixo grau de inter- dependência e tradição de instabilidade macroeconômica. O argumento apresentado pelas administrações Alfonsín, Samey, 157 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni Collor, Menem, Itamar Franco e Femando Heriiique Cardoso foi de que a baixa institucionalização e O caráter intergovemamen- tal do processo de integração regional - em que a integração é impulsionada e comandada pelos poderes executivos dos países- -membros - garantiriam avanços rápidos, prescindmdo de buro- cracias pesadas. A defesa do princípio da intergovemabilidade por parte do Brasil, não muito diferente da posição argentina, está ligada à concepção do papel que O Mercosul exerceria no conjunto das relações intemacionais do país. Na percepção de alguns dos formuladores de política exterior, a ideia de diversificação de parcerias está associada às próprias características geográficas, étnicas e culturais do país. Segundo Lafer (2001a), ela refletiria a pluralidade dos interesses do Estado e da sociedade, as afinidades históricas e políticas, e simbolizaria a preocupação em diversificar ao máximo as relações extemas do país e em pluralizar, ampliar e dilatar os canais de diálogo com O mundo. A hipótese deste capítulo é que a estrutura do Mercosul, de 1991 a 2009, é adequada aos interesses de parte das elites brasileiras. Esse modelo seria suficiente para dar sustentação às ações intemacionais do país na OMC, nas relações com a União Europeia e com os Estados Unidos, livrando O país dos constrari- gimentos impostos por uma união alfandegária ou um mercado comum. Sob essa perspectiva, uma maior institucionalização limitaria a ação dos Estados-membros, mesmo considerando a assimetria de poder vantajosa para O Brasil. Esse modelo de integração seria compatível com O alargamento do bloco e viabi- lizaria a inclusão de novos membros, por exemplo, a Venezuela. As vantagens da não institucionalização autorreforçam o caráter intergovemamental do Mercosul e a baixa interação entre polí- ticas nacionais dos países-membros. Em meados dos anos 1980, quando a política brasileira em- preendeu o caminho do estreitamento das relações com a Argen- tina, a ideia de diversificação de parcerias não foi abandonada, mas ganhou novo significado. Houve uma tentativa de entrelaçar interesses nacionais com interesses regionais do Cone Sul. No caso brasileiro (e também no argentino), prevaleceu a ideia de que O interesse nacional seria mais bem atendido em um processo de 8integraçao regional. Em um primeiro momento, esse processo 1 58 A política externa brasileira incorporaria não só os interesses dos Estados, mas também das elites empresariais. Posteriormente, setores sindicais e outros grupos, como os intelectuais, viriam a participar do debate sobre a integração regional. Ao mesmo tempo que houve alinhamento entre as noções de interesse nacional e regional por meio do Mercosul, O conceito de autonomia assumiu papel primordial (Guimarães, 2006). As- sim, podemos observar que “as expressões do que é autonomia variam histórica e espacialinente, variam segundo interesses e posições de poder” (Fonseca Jr., 1998, p.361). Da década de 1930 até a segunda metade dos anos 1980, a ideia de autonomia pressupunha que o Brasil podia fazer suas escolhas de maneira isolada e sem os constrangimentos impos- tos pelas grandes potências. Ainda que isso não fosse possível, era um objetivo apresentado por diferentes grupos de cunho nacionalista, como pudemos discutir no Capítulo 1. Esse con- ceito foi compartilhado por militares, intelectuais, empresários, burocratas, sindicalistas, escolas de pensamento como as do Clube Militar (em parte dos anos 1950), O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), os fomiuladores da Política Extema Independente e do “pragmatismo responsável”, entre outros. Nos anos 1990 e 2000, essas ideias, atualizadas e modemizadas, permearam O PT do presidente Lula e outras forças políticas no Brasil. O Mercosul não era - e não é - visto como limitador da autonomia do país. Ao contrário, o compartilhamento de interesses com Os paises da região aumentaria a capacidade do Brasil de atuar extemamente. Portanto, nosso objetivo será discutir como os dois conceitos - autonomia e diversificação de parcerias - foram processados. Sob nossa perspectiva, houve um movimento para estabelecer, ou restabelecer, O significado da noção de autonomia. Como consequência, desenhou-se uma política exterior que reduziu o significado do Mercosul e princi- palmente a importância das relações do Brasil com a Argentina. Tudo isso ajuda a explicar a crise desse bloco comercial regional e as dificuldades que ele vem encontrando para se Ermar. Ao analisar o Mercosul, será dada especial atenção ao papel do Brasil e, em menor medida, ao da Argentina. A importância primordial desses dois países para O processo de integração decorre de sua relevância econômica, muito maior que a dos outros dois membros - Uruguai e Paraguai. Assim, será dada 159 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni ênfase ao Brasil não apenas por ser esse o objetivo principal d livro, mas também porque é O país que detém O maior pode econômico na região. Primeiro, serão analisadas as razões econômicas e cognitiva para a pouca institucionalização do Mercosul. Em segundo luga será exammada a posição das elites brasileiras que defenderar um Mercosul com baixo grau de integração. O SIGNIFICADO DO MERCOSUL: RAZOES ECONÔMICAS E CONIUNTURAIS PARA A NÃO LNSTITUCIONALIZAÇÃO Na década de 1980, como discutimos no Capítulo 2, passou-s a repensar o modelo de desenvolvimento econômico do país seu relacionamento com O exterior. Contribuiram para isso O es gotamento do modelo de substituição de importações, a crise d dívida extema (Tabela 2.1 e Figura 2.2), a alta inflação (Tabela 3.1: a estagnação econômica (Figura 2.1) e a redução do investimenti externo (ver Figura 6.1, a seguir), que começou a se recupera na admiriistraçao Femando Henrique Cardoso, a partir de 199.5 Figura 6.1 A evolução do investimento direto no Brasil - 1985-2007 40 000 E ESegundo govemo Segundo C Cl35 O - - (lgâäãâãm govemo Lula (2007-2010) EÊÉe `Í"=_"-__ ÍFLsl:!5i::::: ::-3I mm I 30 Primeiro O _* govemo 25 E 7 Cardoso oíäâlšíja (1995-1998 20033007, 20_ Govemo Samey Govemo15, (1985-1990) Itamar 1992-1994) H Govemo Collor I 1990-1992 5 ÍÉWÍIT I O *' . aaaaageaaameoflãgrflaagšo ‹¬¬-1-iu-i¬¬‹¬¬-4.-i¬-‹¬¬¬¬¬¬«4¬-|‹-‹C\1c\¡(~qc\1c×;r\It~ät\1 Fonie Banco Mundial e Unctad I-I O ciC:cacaCDO mm. /'Ni m m m m m m mm mm mm mm 160 A política externa brasileira Enquanto o mundo assistia à ascensão dos valores neoliberais, nos dois últimos anos do govemo Samey foram realizadosestu- dos sobre as relações econômicas internacionais, particulannente pela Carteira de Comércio Exterior (Cacex) do Banco do Brasil. Esse período coincidiu com o desenrolar das negociações da Rodada Uruguai do GATT, sobretudo a partir da Conferência Ministerial de Montreal, de dezembro de 1988 (Bresser-Pereira, 1992; Campos Mello, 2000). Nesses estudos, prevaleceram visões críticas do nacional-desenvolvimentismo e o direcionamento para uma perspectiva de maior abertura extema, perspectiva esta que, posteriormente, viria a orientar a abertura econômica intensificada no govemo Collor. O inicio da integração com a Argentina* correspondeu a uma lógica desenvolvimentista, que visava estimular a competição empresarial para a modemização e a inserção competitiva do país no sistema econômico intemacional (Peña, 1991). Essa fase fortaleceu, entre parte das elites brasileiras, grupos empresariais e funcionários do Estado, a percepção de que o compartilhamento de interesses beneficiaria a inserção intemacional. Mesmo quan- do o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento foi assinado, em novembro de 1988, lançando as bases do Mercosul e dando caráter estável e forte à aliança Argentina-Brasil, preva- leceu a perspectiva intergovemamentalista. No processo de revisão da política externa e das relações econômicas intemacionais - investimentos, relações financei- ras e comércio -, conduzido por órgãos como o Ministério da Fazenda, os bancos do Brasil e Central e, de fonna gradual, pela diplomacia brasileira, a aproximação Brasil-Argentina era vista como fundamental em termos de política internacional, con- quistando adeptos em parte da diplomacia e, ao mesmo tempo, ligando-se à estratégia do paradigma universalista (Flecha de Lima, 1989, p.30-1). Essa aproximação fortalecia a ideia de uma melhor presença política e econômica no mundo, e conferia maior poder de agenda aos seus membros na formulação de regimes e de instituições internacionais. Para alguns, avançar 1 Declaração de Iguaçu, novembro de 1985, Programa de Integração e Coope- ração Econômica (Pice), ]ulho de 1986, os 24 protocolos decorrentes; Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, novembro de 1988. 161 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni no processo de integração regional fortaleceria a capacidade de se relacionar com os maiores centros de poder, particularmente com os Estados Unidos (Amorirn e Pimentel, 1996). Essas pers- pectivas permitiram que a aliança pela integração viabilizasse acordos intraburocráticos e ganhasse apoio de vários segmentos da sociedade. Ela era composta por setores ligados ã tradição nacionalista e também por aqueles que desejavam maior inserção do Brasil na ordem intemacional liberal. Dessa forma, é estabelecido o nexo entre a integração regional, o Mercosul e a aliança com a Argentina, com a preservação dos valores da diversificação das parcerias e da autonomia. O regiona- lismo não diminuiria, mas o paradigma universalista de inserção intemacional do Brasil seria reforçado. A ideia da modemização via intemacionalização, que traria reflexos diretos ao paradigma de inserção intemacional ao longo dos anos 1990, não se chocou com a noção de regionalismo. O conceito de regionalismo aber- to foi utilizado na perspectiva da plena iriserção intemacional, aproveitando as vantagens de uma área de livre comércio e, a partir de 1995, de uma União Alfandegária. Não foram criados os instrumentos necessários para dar sustentabilidade à inte- gração, isto é, instrumentos que permitissem ações públicas de desenvolvimento social e econômico, assim como a atenuação das grandes desigualdades entre os Estados e internamente a cada Estado. A ideia de autonomia permaneceu enraizada na administração e entre empresários, agora sob a égide do conceito de autonomia pela participação (Fonseca Jr., 1998). Contudo, o impulso empresarial inicial, em particular das empresas do setor automotivo voltadas ao mercado global, não se sustentou. Assim, nos anos 1990, a noção de autonomia não foi anulada pelo Mercosul. Em vez disso, ela se apresentava de outras ma- neiras, manifestando-se da mesma forma que fizera em relação aos países ricos, com os quais o Brasil procurou estabelecer maiores vínculos, considerados cruciais nos aspectos econômicos e políticos, sem abdicar dos interesses nacionais considerados fundamentais (Cardoso, 2001). Paradoxalrnente, nas relações do Brasil com o Mercosul, a ideia de autonomia se manifestava sob a forma de insistente revalorização da potencialidade de ação do país, livre das amarras que uma integraçao institucionalizada poderia acarretar. 162 A política externa brasileira Lafer (1993b) fala da necessidade de o Brasil ter uma participa- ção mais ativa na cena intemacional. De 1985 até o fim da década de 1990, as relações com a Argentina ganharam proeminência na agenda intemacional do Brasil. Ao mesmo tempo, no govemo Femando Henrique Cardoso, particularmente no segundo man- dato, a partir de 1999, aumentou a preocupação com a diversifi- cação de parcerias, fazendo que outros países (como a China, a India e a Africa do Sul) dividissem as atenções até então voltadas prioritariamente aos países ricos, à Argentina e ao Mercosul. Na perspectiva brasileira, o Mercosul surgiu de forma clara- mente ambígua, o que não é de fato diferente do ponto de vista argentino. Colocado no topo das prioridades intemacionais, segundo a retórica governamental,2 ele é apresentado como instrumento muito importante, mas não como um fim em si mesmo, como ficou explicitado no momento de sua criação: Ao firmar o Tratado de Assunção, os quatro presidentes partem da percepção comum de que o aprofundamento do processo de integração pode sera chave para uma inserção mais competitiva de seus países em um mundo em que se consolidam grandes espaços econôrnicos e onde o avanço tecnológico-industrial se toma cada vez mais crucial para as economias nacionais. (MRE, 1991, p.279) De fato, a lógica instrumental vai se afirrnando e prevalece. Segundo afimia o ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia (1995-2001): O Mercosul é um processo essencialmente aberto ao exterior. No caso do Brasil, o desenvolvimento do Mercosul é parte de um amplo es- forço de abertura econômica, liberalização comercial e melhor inserção na economia mundial. O processo de integração não é concebido como um fim em si mesmo, mas como instrumento para uma participação mais ampla no mercado global. (Lampreia, 1995, p.135) O desenvolvimento do Mercosul não se apresentou uniforrne. Podem-se apontar três fases distintas: a prirneira, que antecede o 2 Andrés Malamucl (2005), por exemplo, procura demonstrar que a retónca intergovemamental distancia-se das realizações concretas do Mercosul. 163 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni primeiro mandato de Femando Henrique Cardoso e vai de 1991 a 1994 (do Tratado de Assunção ao Protocolo de Ouro Preto), foi caracterizada pela consolidação do desenho institucional do bloco. Em seguida, de 1995 a 1998, observa-se a continuidade da expansão comercial intrabloco, que alcança seu ponto máximo. A partir de 1999, com a crise do real, sua desvalorização e a posterior recessão argentina, de 2001 a 2002, o Mercosul entra em crise. Além dos elementos conjunturais, que se expressam por seguidos contenciosos comerciais e políticos, outras razões devem ser consideradas na busca de explicações consistentes para os problemas do bloco: questões estruturais relativas às economias dos países envolvidos; valores enraizados nos Esta- dos e nas sociedades, como democracia; a percepção da própna posição no mundo; e afinidades culturais, entre outras. As crises nacionais não foram vistas como momentos de ajustes no processo de integração ou de busca de novas oportu- nidades. Pelo contrário: elas redundaram em debilitamento da integração e reduziram os esforços de complementaridade.As dificuldades enfrentadas pelas economias nacionais contribuíram para as ressalvas com relação ao Mercosul por parte de grupos empresanais e setores das elites. Contudo, os elementos materiais não são por si sós explicativos da dificuldade de institucionalizar o bloco. O fato de Brasil e Argentina, altemadamente, terem déficits comerciais entre si contribuiu para a percepção de que a integração regional poderia ser nociva para as economias locais. Cada vez que isso se dá em determinada direção, as posições protecionistas voltam a brotar. Sempre que ocorre um déficit co- mercial em qualquer país, os defensores do protecionismo voltam a reagir. No caso brasileiro, a moratória da dívida extema argen- tina de 2001 reacendeu a sempre latente e enraizada concepção de que o Mercosul representava uma perspectiva estreita para a potencialidade econômica e política brasileira. lnversamente, o superávit do Brasil, após a desvalorização do real de janeiro de 1999, foi apontado na Argentina como uma das principais causas de sua própria crise do fim de 2001. A partir daí, a desvalorização do peso, após ter ficado ancorado ao dólar de 1991 a 2001, gerou uma queda no PIB argentino de 10,9% (Kume e Piani, 2005), fortalecendo a crença brasileira de que a instabilidade macroe- conôrnica não oferece bases sólidas para a integração. 164 A política externa brasileira A experiência do Mercosul sugere que os benefícios eco- nômicos da integração são necessários, mas não suficientes para garantir sua institucionalização. A percepção de que um dos parceiros pode vir a obter mais vantagens no processo de integração é prejudicial ã continuidade dos esforços de conso- lidação do Mercosul. Se isso vale para a Argentina e o Brasil, o mesmo pode ser dito para Paraguai e Uruguai. Desse modo, elementos da perspectiva realista de relações intemacionais, que prevaleceram secularmente nas relações da América do Sul, não desapareceram totalmente. À .Í AUTONOMIA E DIVERSIFICAÇAO: A POSIÇAO DAS ELITES BRASILEIRAS NO MERCOSUL A diplomacia brasileira teve papel significativo no modelo de integração construído ao longo dos anos, caracterizado pela baixa institucionalização. No Brasil, essa posição foi compartilhada por diferentes agências e ministérios, pelos empresários, pelo Congresso, pelos govemadores dos Estados etc. Como afirma Vaz (2002, p.223), a posição brasileira não era essencialrnente diferente da posição da Argentina: Para o Brasil, dado seu peso majontáno no bloco, não interessava a cessão de soberania a uma instância supranacional, em que tena di- luída a capacidade de forjar decisões e de preservar seus mteresses em relação ao bloco, cuja importância para o país extrapolava o domínio comercial Para a Argentina, a cessão de soberania, em matéria de política econômica e comercial, implicava perder, definitivamente, a capacidade de exercer algum grau de liberdade na condução da política comercial, que era precisamente o que o govemo argentino buscava resguardar naquele momento. De acordo com Mariano (2007, p.194), no caso do Brasil, tratou-se de um efetivo padrão de comportamento “baseado na busca de autonomia enquanto princípio fundamental e do desenvolvimento enquanto objetivo central”. Em diversas pesquisas (Vigevani et al., 2004; Wanderley e Vigevani, 2005) pudemos medir o baixo índice de adaptaçao e de sensibilidade 165 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni dos govemos estaduais e municipais no Brasil às questões inter- nacionais e da integração. Comprovamos que as elites políticas e administrativas regionais não consideravam essas questões como atinentes ã ação de govemo. Isso teve forte implicação para a política nacional, refletindo-se na representação parlamentar. Temas com clara repercussão para a integração regional não se entrelaçaram com questões nacionais (por exemplo, a refonna fiscal), o que fortaleceu uma tendência pela qual o Brasil buscaria manter certo grau de autonomia. Pinheiro (2000, p.326-7) consi- dera que o comprometimento que o Estado brasileiro assume nas questões intemacionais varia conforme seus recursos de poder. O posicionamento do Brasil no entomo geográfico seria pautado por uma lógica de obtenção de ganhos e vantagens oriundos de relações relativamente assimétricas. Nos primeiros anos do processo de integração, como se depreende das atas do Grupo Mercado Comum (GMC),3 surgi- ram sinais de razoável interesse pelo fortalecimento da maior institucionalização do Mercosul. Em 1992, o Grupo aprovou a agenda de ministros da Economia e presidentes de Bancos Cen- trais em que deveria ser tratada “a situação econômica e a análise da convergência das políticas econômicas nacionais” (GMC, 1992, p. 18). No entanto, a partir de 1996 e 1997, combinaram-se problemas comerciais específicos com desencontros relativos à inserção intemacional. Assim, começa a ganhar peso no Brasil o argumento de que o Mercosul é um fator limitante da capacidade de diversificação das parcerias do país, principalmente na Fiesp, na Confederação Nacional da Indústria (CNI), nas entidades representativas do agribusiness, entre altos funcionários e na imprensa. Razões objetivas contribuem para essa inflexão: o avanço das negociações para a criação da Alca, as negociações para o lançamento de uma nova Rodada na OMC e o início da discussão sobre o papel do grupo Brasil, Rússia, Índia e China (Bric). Essas negociações ou orientações não necessariamente deveriam enfraquecer o Mercosul, mas isso acabou acontecendo, pois a ideia da integração nunca chegou a ser assirnilada pelo conjunto das elites brasileiras ou pela população em geral. 3 O Grupo Mercado Comum é o corpo executivo do Mercosul. Sua funáo é garantir o cumprimento do Tratado de Assunção e conduzir a implementação das decisões tomadas pelo Conselho. 166 A política externa brasileira Para compreender a evolução da posição brasileira no proces- so de integração regional e no Mercosul, é preciso considerar as grandes mudanças intemacionais que irnpactaram os Estados. Por um lado, como foi amplamente evidenciado pela crise financeira de 2008, houve redução do poder econômico norte-arnericano; por outro, cresceu o significado de outros países e outras regiões - constatação válida para todos os países, inclusive para os da América do Sul. Um fator de grande impacto, cujas dimensões não eram previsíveis no início dos anos 1990, foi o extraordi- nário crescimento da China e da Asia. Desde 1985, quando da aproximação Argentina-Brasil, ou desde 1991, com a criação do Mercosul, a geografia política e econômica internacional modificou-se profundamente. Waltz (2000, p.30-2) afirma que a teona nos penriite dizer que uma nova balança de poder será cons- tituída, mas não nos diz quanto tempo esse processo levará para concretizar-se [.. ] o inevitável movimento da unipolandade para a multipolaridade não está acontecendo na Europa, mas na Asia A reestruturação do poder mundial (Velasco e Cruz, 2007) nos anos 2000, com o desenvolvimento focado em países não centrais - como demonstrado pelo papel de Índia, Rússia, Africa do Sul e China -, e as mudanças ocorridas na distribuição do comércio exterior brasileiro, contribuíram para que a integra- ção regional passasse a ter menos peso relativo nos projetos de inserção extema das elites brasileiras e do Estado. Tanto na perspectiva liberal quanto na nacional-desenvolvimentista, o Mercosul continua sendo importante plataforma da política extema brasileira, mas o foco de interesses vem sendo reorien- tado, e as ações empresariais e governamentais passaram a se concentrar em outras direções. Segundo Guimarães (2006, p.275), é indispensável trabalhar de fomia consistente e persistente em favor da emergência de um sistema mundial multipolar no qual a América do Sul venha a constituir um dos polos e não ser apenas uma sub-região de qualquer outro polo econôrnico ou político. Comoafirmamos, no período de 1985 a 1998 a evolução intrabloco foi altamente significativa. As exportações do Brasil para os países que viriam a constituir o Mercosul, que em 1985 167 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni representavam 3,86% do total, passaram a representar 17,37% em 1998. No mesmo período, as importações cresceram de 4,88% para 15,19% do total (Cepal, 2003). Além da evidente importância dessa evolução, a qualidade do comércio brasileiro intrazona também evoluiu favoravelmente, por ser relevante a presença de produtos e serviços de maior valor agregado. As figuras 6.2, 6.3 e 6.4 mostram as mudanças ocorridas na composição do comércio exterior do Brasil de 1989 a 2007; nelas, são apresentados a evolução das importações e exportações e os saldos alcançados naquele período. E interessante analisar os dados de forrna desagregada, observando a evolução percentual das importações e das exportações brasileiras para cada um dos países do Mercosul, bem como para a China e a Índia, confonne se pode ver nas tabelas a seguir (6.1 e 6.2). No caso da Índia, apesar dos esforços para a intensificação das relações entre os dois países e da atuação conjunta no G20 e no IBSA, a evolução do comércio bilateral foi pouco significativa, ao contrário da China, com a qual o comércio brasileiro teve um grande salto, contribuindo para mudar o perfil das relações econômicas in- temacionais do país. Em 2008, a China chegou a ser o segundo parceiro comercial do Brasil e continuou a aumentar seu peso em 2009. Deve-se considerar que o comércio entre os dois países mostra o Brasil basicamente como exportador de commodities. Tabela 6.1 Brasil- Exportação (% do total) . i MIO T Argentinãl Pai-ãguai TL Uruguai ~ China Índia 1989 2,10% * 0,94% , 0,97% 4. 1,83% 0,50%7 1990 1, "z',0é% 7 151% 7 0,94% I 1,22°/Í ~ 7l 0,50% E 1991 467% ~ 167% Í 1,07% ¬ 0,72% J 0,52%Í _ _ 1 L _ L _ 1992 `“ 0,49% 1,52% , lF 1›4i'% “I 1,29% 0,42%Í1 0 Í _1993 9,49% Í _ _ LÍ Í Í Í _2›17'“V_° _ i _ 201% 202% 0,02% 1994 1 9,50% O I 1,60%_ JLA _ 1,09% IÍ 1. 1,40% _ 1-LÍL _ __ __.Ê›12%__ 1995_, 0,69% A 2,00% 1,75 %_ _ 2,69% 0,69% 0 1996 1 10,00% I 2,77% 1,70% J. 0 2,00% Í1 0,09% _É_ Í997 E I T12,77¡=/if 1, 2,65% 0 1,61% , E 2,05% 0,01% E E 199€* 1 10,20% O 2,‹Í4% Í E 1,72%* 4 i 1Ç77%I i i 0,20% E 168 Continua Tabela 6.1 Brasil - Coimmiação Argentina Paraguai Uruguai _Ano A ¿T A política externa brasileira China Índia- I 1999 11,17% 1,55% 1_,39% 1,41% 0,65% 2000 11,02% 1,51% _ 1,22% 1,97% 0,09% _ 2001 8,60% 1,24% Í IP-Í 111% LÍif 3,27% 0,49%_ 2002 1' L 0,09% 0,93% A 0,68 % 4,10% lí 1,08% 2003 6,25% J i fl0,97% 0,56% 6,20% 0,76% 2004 7,66% 0,91% . 0,70% L 5,64% 0,60% 2005 ` 0,09% 0,01% 0,72% Hz Yi* 5,78% I l l 0,96% _ 2006 0,52% lt 0,90% _ 0,70% _ 6,10% 1 0,60% Tabela 6.2 Brasil- Importação (% do total) 2007 _ z 1 z _ __ _ -L 8,977; , LE/6 , 0,80% , Fome Banco Central, 2008 6,69% .l 0,60% _ *Í ,_ *À Ano gentina _ Paraguai Uruguai China ÍndiaAr 1989 6,78% 1,96% 0,25% 0,70% l 0,19% 1990 I 6,62% 1,56% F 2,00% li 0,00% 0,08% 1991 10,00% 2,54%_ J 4,57% 1,40% 0,20% _ 1992 _ "i 8,42 % 0,95 % i 1,47% 0,57% 0,14% E1990 T 10,76% l i 1,09% 1,50% 1,21% l 0,06% _ 1994 I 11,07% 1,07% . 1,72% E 1,40% 0,27% 11,19% 1,48% 2,00% 0,04%1995 __ 1996 12,76% 1,00% J 1,04% 1,77% 2,12% 0,05% _ 1997 F J 10,29% 0,07% , 1,62% I 1,95% l, 0,36% 1990 10,90%_ 0,61% 1,01% E 1,79% 0,37% 1999 Ls 11,81% 0,53% 1,31% 1,76% 0,05% 2000 12,27% 0,63% l1,00% _ 2,19% iii 0,49% _ 2001 11,17% 0,54% 0,91% 2,39% 0,90% _ 2002 _ 10,04% 0,01% _ 1,00% , fi 0,29% 1,21% _ 2000 9,68% 0,98% 1,11% 4,45% 1,01% 2004 8,86% 0,40% F 0,00% 5,91% 0,88% 2005 8,48% 0,67% 7,27% ¡Í 1,63% 2006 8,82% 0,40 % Hl0,02% 0,68% T 8,75% l 1 1,61% 2007 A ÍÍ i 8,63% 006% I 065% U 10 46%l I I I m HÍ _ _ Í_ mm 1,79% Fonte. Banco Central, 2008 169 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni Os fatores de inserção iritemacional são muitos, com destaque para os fluxos de capitais, de tecnologia, de valores, de cultura e de relações de poder. O comércio é um fator da maior impor- tância, e o destino e a origem razoavelrnente diversificados do comércio exterior brasileiro tendem a dar base aos argumentos favoráveis à diversificação de parcerias como parte da política externa do país. Em 2007, o total do intercâmbio comercial bra- sileiro alcançou US$ 281 bilhões. O principal parceiro individual foram os Estados Uriidos; com eles, o comércio alcançou apro- ximadamente US$ 44 bilhões, isto é, 16% do total brasileiro. O segundo parceiro comercial foi a Argentina, com números que atingem US$ 24,8 bilhões, quase 9% do total do Brasil. Com a China, o fluxo de comércio total do Brasil foi de US$ 23,3, o equivalente a mais de 8%. Ouanto aos fluxos no longo prazo, percebe-se pela Figura 6.4 que, no que se refere às importações, a evolução mais notável se deu com as provenientes da Asia. Como se pode ver na Tabela 6.2, de 1989 a 2007 a China evoluiu no total das importações brasileiras de 0,70% para 10,46%. No tocante às exportações, o crescimento foi de 1,83% para 6,69%. O impacto político-estratégico dessa evolução não poderia ser pequeno. Na Figura 6.2, verificamos que o Brasil obteve superávit comercial sobretudo pelo seu intercâmbio, respectivamente, com a União Europeia, os Estados Unidos e o Mercosul. O comércio com a Argentina, que se recupera depois da crise aguda ocorrida de 1999 a 2002, não mais alcança, em termos relativos, o auge de 1998. Como pode ser visto nas figuras 6.3 e 6.4, crescem as relações comerciais com o Mercosul; conforme ressaltamos, a contribuição da região para o superávit brasileiro é significativa, sobretudo se lembrarmos que se trata de produtos de maior valor agregado. Ainda assim, houve diminuição do market share do bloco regional no total das relações comerciais brasileiras. O crescimento da economia mundial a partir de 2001 - com destaque para o papel da China e da Ásia -; a ênfase atribuída pelo Brasil às negociações na OMC e a utilização da organização para fortalecer suas posições; e a alta do preço das commodities desde 2003 foram itens que contnbuíram para a mudança de interesse dos principais grupos setonais públicos e privados (Prates, 2005- 2006). O comportamento brasileiro diante da crise financeira e econômica de 2008 sugere que a ênfase dada à criação de um 1 70 A política externa brasileira Figura 6.2 Saldo de exportações e importações - 1989-2007 (regiões e países selecionados) 15000000000 4 z-zz- ¬ --z z zv ¬-» -z-z z0 o w *__ -1. n _'-..-.. ____~ ,` ,_ "n \-`.`- .¡-._¬.`\_' 13-' -u5: JI:-da 1*1 lí?_, H1 ~;i”**~*"*ÍÉfl:i” _.%. M-_¡,J`_ ~ffii~. ,,-.~ bl iz,*9'*Ê=,4,1,_'. flf*.ii-'IfTr,'3)1.fi 115.:-,13?' Í”ll'' H'1,'1 ..:~. ._ _.:,J 1.4.1.1 'K'.".r~.f›'gz¡ äzv'I-.:~J,13% .ø‹`f"_'J';"§,-1.-1' ¿'¡Í"015111?-:¿':HF 'J_I-›',. \ _ -.. C. _ ` I_ .tz-L.-~`« -_ - ..e-.- _ :"“ “ -.M “ "-, za.. .. '" '¬.F- \\\--. 0-_... ' -11:* .' _¬. . .._¿...__ __ __. __ ..¬! g.. __ 3- _ .. q -. -4 E {`=¿:.'Í-1: -___; -ve: __ __ ,_ 1:-ngm... -1. ui- _ ` I 'Hà às10000000000 “ -~ - ~ ' 'u - .= .__ ._p:ü__s_ '__ __ u _\. _ .__ n .f' _¿ _ _'-:_ 1-¬_r_ T. ¬ "¡'" _' `.' '\- _: 1 .vg 'r_ _ _ ".__ "'. . _ . .j .¬&.**F=,z4~.:›¿.-:i¿._s\Éf=$ .,;".- - - ` ~.. =-; ¬ g;~z.';-'=i¬',f=-° ~ - '. ~ -- ul - 'ln 1-* 1;-___¡,11 nc.. _' - 11" 1 ._ _ "." 'J ` Í|~=°' =i-'öqš .,'-i¬_. ' - -‹ _~¬- =_- -..* z-› .-äi :- _- -_ .-..*~.-.i‹,_'1-1: ni. F U* ._ " ' .\1-__ W.. 000 000 000 ` 1- -“fz f 4~ - ‹-1'o -. '- _ - - . -1. :ii - -_ ›'-«une _ . .. _ '-_._ . - - - ~ . -. _ - ~ este - -= -¬ __ - . ›" . *Jia |._ I~-¬% ...H ___ _ ¬ f_L .x . \,__ z.. sn F _ O`5 -_:: .__ -I"1_I:._;._\.I'@~ ;š\\1;- _ .~I'\` Í ø 1. “__ nf'-__* iu _-aq: . .Í1 nf. . O - 1' '-1 ' '- 4 _. _. ` Ia-2-. z _'-g,_- _ ` ;;--_,-,¬._. _, ;,_ _-___r¿¡›-$¡"f[,,¡.:.z _s_ H- --r* ..-4' ¬- . ""- '-'-Ú "*¡-."' - . ...I-H " " ' .J 'r U ..-, 50:--¬~' - . °- .. ' -¡m1_m *O M: - - -: _ z -¡;_...t _ 'r--_ .1:-- _' 11-'mi " " ' " °' -* .-.. ._ -~ 1i~ -_ - -1 ___ __ __ t _ _ J_- ___ - ___ . Já ~. _ __ _ ¬. z-..¡_' É 1. - - ~ ~ -3 Í- . F' iu' _ .¡`.-u -1. ""' Yvgkléu-_ ø:F I' ""I"" I. T "ua UJÍÍ*` \ *`-Hi - ._.*¬ \¬-.-._-z., -ii - - - --._-tz -'---‹ '*. 1-.. -..Q -_ - "'~;>....,--__; ‹ __ '-4. ,. ._ 41' .. "" """'. 7- É --r__' . " ... .. -“Ç..- .- . ' -_-'_ - - _ - . - . -";_-5, i~- . -' '--5000000000"""'“' `*'-` '= "' ' * I ` ` "' " “f” ¡__.. I; H I _ ___ v v ___. 6. ._ -- _¿-¡| Q __ ._ Q_ -¬__ `_ \ .. : -__:.r__'\. ___ 4 1' ‹»` ' '°~ "-."= * .J “eIP' ` U E '_ ` `1 1 'I * '\ * ' ` -"\ . H-`i'v *Ta-6 -. .. '_\ -. ¬. '-1. ¡. \\ '* T 2 "' \ “ \i' Í- Í. __ -um usFoB U1 Í.`.zí. ¿'IIÍ 11:14- I Mi _,P' iii' li a¿')ú__ ii fi. 1' _ -. _ *.- - ¬._*.›-10000000000›-~~ z- -z -' 4 193919901991199219931994199519961997l99E1999 2000 2001 20022m3 2004 21115 2006 2007 ANO Fome MDIC " A União Europeia é forrnada, de jarieiro de 1989 a dezembro de 1994 (EU12), de Portugal, Espanha, França, Grécia, Luxemburgo, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Remo Unido, Irlanda e Itália De janeiro de 1995 a dezembro de 2003 (EU14) inclusão de Austria, Finlândia e Suécia De janeiro de 2004 a dezembro de 2005 (EU25) inclusão de Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Hungna, Chipre e Malta E de janeiro de 2006 a dezembro de 2006 (EU27) inclusão e Romênia e Bulgária Figura 6.3 Exportações brasileiras - 1989-2007 (regiões e países selecionados) 450000000()0f z 4 z z ea z - -.- za -zzzz z -z-z 40000.000.000 . ' ` ` 05000000000-~ ~ _ 00.000000000---¡--- ‹ --_ .; - z-_-_ _ _. ,, _. m . - - _. ' :- _.._o - _ _. ,_ -.. - ,_____ -_-_, ç. _` '' 15.000.000000 . ' . A A “C 10000000000:____, ""_ ___ -I h _-`: í ur x " _ *'-O -_-1---1¬_.;_n‹.|imq_-_-ulll-_#-¡'I--IIiÇIIII"í~ " -. 1909 19901991 199219901994 1995 19961997 19901999 2000 20012002 2000 2004 2005 2006 2007 ANO Fome MDIC * A União Europeia é forrnada, de janeiro de 1989 a dezembro de 1994 (EU12), de Portugal, Espanha, França, Grécia, Luxemburgo, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Reino Unido, Irlanda e ltá.lia De janeiro de 1995 a dezembro de 2003 (F.U14)' inclusão de Austria, Finlândia e Suécia De janeiro de 2004 a dezembro de 2005 (EU25): inclusão de Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Eslová uia, Hungna, Chipre e Malta E de janeiro de 2006 a dezembro de 2006 (EU27) inclusão de Romênia e Bulgána 1 71 Tullo Vlgevam e Gabriel Cepaluni Figura 6.4 Importações Brasileiras - 1989-2007 (regiões e países selecionados) wmmml «_ ~~~ ~~ z ~ ` n. _ -1 _ I. _ _ _- _¡ ` ;._.- “ ,_ _ L. `n "-.Í ~ _›. " ._ 30000000000 _ , - , -, _- ._ . l_~ *_ É _ 1 .P -1 ¿i""n ' ..|§I`-'|-_ _ t l ~ 'f_"` ¬' "` " 1 -_ "-_ : _n_ *" = J' ' nl. |"' "I-I'_ ` I-_ 1 I. - 1: -_ _ 41.' " '= ._ _: ..` `p-`“i- _ \ 't _ Q _ -_ _ """ " g __ . h _ _¬- ¡ . Q a y _ _ -_ Li Inf 'U Q I 41 Úzsooooooooo ` ¬ ~ - ¬ ¬' ' H* ~ ~_ - _ _.. _* - _-'__ ` _ .` ' ._ c .L .› ...K .. __ _ ' -_-._. -Ç. 1=;`è-¬. ¬='-“ ~ ..;~= , 1..-'i==1=°;-__¬-\' - Q* ---:_~'P.?*;=,.=~. : _-.Ê.*.. - _ _ '\ - . __ um ¬-¡. 'I. E ¬-Iv.. .I _ 4__ _ "" ¡"' : _ Ii' u. 4”. -0 `I`ë_"`=_| _ _¡. 1 1 ..':_--._ . ' - *_ ' ‹.-.xlf-E-_ ..-Í'-':-..\;__ .-__ .>¿""*` ' .`;..=__¬- _ ~ ~`I \ - " ' I" " `__" -n 1' "` ___: `. 4' _ _-5,: .fu .:" "' "_," L -_ - - - *-1 - -_-.. `- "`_-__* . _*-:"I-"` '\. '\ UÊFOB ÊÍ1 J! __~`_ L__i.¡_..,___|..___= -1-'›. ._ _-__ ¬-_ ¿_.. ~ 1.:-_ __ - - _ _ _ -Írš. _¬":.'°"__'.`= " r 5. _ 000000000 _»~.hdz¬~s¿ api 'r‹ . .~. ~-LI. -. _~- ~~Ê“fg-z ~.zwmmm ~ m*~~w:w~fi@ ,~_ ~.-__ _ 1 _ _ '- _ ~_;.e*-' I . `.:`-& `5ooooooooo~.,¿ _, ~~¬¬-,ex ~ rÍ.~*ë =~ ~-J';-,. - ' '_ '-I ---fl' "' ' *_ '__ 5 Ê ' __-.¡'J=-_ _ 0 ` - o - '-2 = * -_ . . '* 1939 1990 I99l 1992 1993 1994 1995 19961997 1998 l99920002(U12CI322iII32004200520062007 _ ANO |- -_›;-um-il __¿¡9p=u°Í Ann -9-owizj Fome MDIC ' A União Europeia é formada, de |ane|ro de 1989 a dezembro de 1994 (EU12), de Portugal, Eslpanha, França, Grécia, Luxemburgo, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Reino Unido, Irlanda e tália De ]ane1ro de 1995 a dezembro de 2008 (EU14) inclusão de Austria, Finlândia e Suécia De ]ane1ro de 2004 a dezembro de 2005 (EU25) inclusão de Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Eslová uia, Hungna, Chipre e Malta E de 1ane1ro de 2006 a dezembro de 2006 (EU27) inclusão de Romênia e Bulgána sistema mundial multipolar e ao fim do unilateralismo apoia-se na percepção de que a maximização de capacidades exige a par- ticipação em diversos foros, políticos e econômicos, regionais e multilaterais. Evidenciam isso o dinamismo da atuação brasileira no G20 financeiro e, ao mesmo tempo, as dificuldades para a coor- denação regional de políticas. O presidente Lula, ao fim da Cúpula do G20 financeiro sobre Economia Mundial e Mercados Financei- ros, realizada em Washington em novembro de 2008, concluiu: pela força política, pela representação dos países que foram msendos no G20, [...] não tem mais nenhuma lógica tomar decisões sobre eco- nomia, sobre política, sem levar em conta esse fórum de hoje (Gazeta Mercantil, 2008a). A expectativa de que a ênfase universalista pudesse gerar extemalidades positivas em termos de convergência de posiçoes, tanto nos fóruns multilaterais quanto nos regionais, vem sendo 172 A política externa brasileira atendida apenas parcialmente. Na transição da Guerra Fria para uma ordem mundial emergente, a dissociação entre supremacia política e militar, e competitividade econômica transfonnou as opções de política extema em cálculos complexos, uma vez que as alianças comerciais e financeiras não são, necessariamente, coincidentes com a convergência das visões políticas. O Mer- cosul, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e as relações com os paises associados seriam fortalecidos como consequência do fim do unilateralismo e pela afirmação do multilateralismo. A política brasileira mantém forte interesse na integração regio- nal, mas seu aprofundamento, em particular no que se refere ao Mercosul, vincula-se ao cenário global, sendo este um importante fator para seu avanço. Compreendidas as linhas gerais e as percepções que estru- turam a política brasileira de integração regional, é importante explicar o significado político das relações com a China, pois elas são econômica e comercialmente importantes para toda a região. Segundo Vadell (2008), o peso daquele país nos investimentos e no comércio da Aménca do Sul tem modificado as expectativas dos atores domésticos, o que pode ser constatado pela mudança de orientação que vem sendo praticada pelo comércio exterior do Brasil. Fenômeno semelhante acontece com a Argentina e com outros paises. Leon-Manriquez (2006) considera que todos eles criaram expectativas elevadas, e passaram a ver na China uma al- temativa importante para o desenvolvimento nacional. O tipo de relações econômicas que vêm sendo praticadas levou a certa per- plexidade. Vadell (2008) lembra a necessidade de estar atento ao risco de consolidação de uma especialização da produção de tipo centro-periferia. Esses riscos podem surgir tanto em um cenário de crescimento da economia mundial- e chinesa em particular, por sua enonne necessidade de adquirir commodities - quanto em um quadro mundial recessivo, como o que se configurou a partir de 2008, com crescimento nulo ou negativo na União Europeia e nos Estados Unidos. Neste último cenário, importantes setores empresariais brasileiros, como as associações brasileiras das indústrias de Calçados (Abicalçados), do Mobiliário (Abimóvel) e do Vestuário (Sindivestuário), temem um movimento asiático em busca de novos mercados para seus produtos em razão da desaceleração da economia eda queda da demanda nos paises 1 73 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni desenvolvidos (Gazeta /Vlercantil, 2008b). Situação semelhante ocorre na Argentina, estimulando medidas protecionistas, com potenciais desdobramentos para o próprio Mercosul. Mesmo com esses riscos, as oportunidades oferecidas pelas relações com a China para grupos empresariais ou sociais con- solidaram uma dinâmica não diretamente convergente com a integração regional, pois seus benefícios independem da com- plementaridade dos sistemas produtivos regionais. Em alguns casos, os excedentes no intercâmbio com a China, importantes para a Argentina, podem alimentar um fenômeno classificado como formas modernas de nacional-desenvolvimentismo (Go- dio, 2006). No caso brasileiro, a balança comercial tem apresen- tado altemâncias, favoráveis e desfavoráveis. Ao sustentar um crescimento que não se pode comparar ao de outros países, a China estimula reorientações estratégicas, seja no setor de tec- nologia avançada (por exemplo, aviões da Embraer, lançamento de satélites), seja no setor de commodities (por exemplo, minério de ferro - Companhia Vale do Rio Doce). Nas figuras 6.2, 6.3 e 6.4, observarnos que o aumento do saldo comercial de mercados não tradicionais (África, Ásia, Europa Oriental, Oriente Médio e outros) ainda não sofreu alteração drás- tica nos últimos anos se comparado ao Mercosul. Contudo, alguns países do Sul vêm recebendo cada vez mais atenção das elites e do govemo brasileiro pelas razões que acabamos de detalhar. A perspectiva de ganhos de escala em termos econômicos e comerciais estimulou a concentração de esforços na busca de acesso aos maiores mercados e levou à retomada das discussões sobre os temas da autonomia e da diversificação das parcerias, que limitavam o avanço do Mercosul. O governo Lula consolidou essa diretriz sem descuidar da integração regional. O esforço despendido para a efetiva participação da Venezuela no bloco é explicado exatamente por esta perspectiva: a possibilidade de revitalizar o processo de integração regional. Neste início do século XXI, os govemos Kirchner (de Néstor e Cristina) e Lula apresentaram posicionamentos ideológicos semelhantes (apresentando-se como politicos refonnistas, com traços de esquerda). A despeito das visões políticas compar- tilhadas, o aprofundamento do processo do Mercosul não foi viabilizado, ainda que tenham sido possíveis políticas comuns 1 74 A política externa brasileira em casos específicos. A concordância entre os dois govemos em alguns temas evidencia certas identidades, mas não suficientes para fazer avançar de modo irreversível o processo de integração regional. No quadro de referência conceitual do Estado brasileiro existe preocupação pelo avanço da integração, claramente visí- vel na administraçao Lula, mas ela foi incapaz de adquirir uma dinâmica própria mais intensa. A pedra angular [da integração regional] é a relação bilateral com a Argentina. A grande convergência entre os pontos de vista dos presi- dentes Lula e Kirchner, nas questões mais urgentes que enfrentamos, foi expressa no “Consenso de Buenos Aires”, adotado em outubro de 2003. Esse documento reflete nossa aspiração em comum pelo crescimento econômico unido ã justiça social, e manifesta nossa deterrninação de transformar o bloco comercial Mercosul [.. ] em um catalisador para a construçao de um futuro compartilhado. (Amorim, 2004, p.158) Em 2005, na Cúpula de Chefes de Estado das Américas, em Mar del Plata, Brasil e Argentina defenderam o adiamento das negociações da Alca, contrariando o que parecia ser o interesse dos Estados Unidos. No caso brasileiro, as dificuldades da in- tegração regional não podem ser atribuídas apenas ao governo. A sociedade mostrou interesse reduzido, e, em alguns casos, abertamente contrário ao aprofundamento do Mercosul. Por exemplo, em encontro realizado em novembro de 2004, que reuniu empresários de diversos segmentos e entidades como Fiesp, Abicalçados, Eletros e AEB, foram feitas diversas ressalvas quanto à importância do aprofundamento do bloco para o Brasil. Entre empresários, há uma intensa discussão sobre a necessidade de retroceder de uma união alfandegária, ainda imperfeita, para uma área de livre comércio. Segundo os representantes das entidades mencionadas, o Mercosul é uma âncora que limita a capacidade do Brasil de se engajar nas negociações intemacionais, dificultando acordos bilaterais com os Estados Unidos e com a União Europeia (Valor Econômico, 2004). As análises que resultam das preocupações do setor privado confirmam essa tendência de reduzir o significado do processo de integração para o Brasil. Há, por parte de alguns empresários, interesse em reduzir o papel do Mercosul para a política exterior 175 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni do país e como referência de estratégia econômica e comercial intemacional. Estudar a política de integração regional do pon- to de vista brasileiro implica compreender o papel do MRE e o interesse/desinteresse da sociedade civil, especialmente dos empresários. Quando a sociedade se defronta com os problemas inerentes a um processo de mtegração, surgem diferentes tipos de resistências contrárias ao Mercosul, mas poucas propostas para aperfeiçoá-lo. A posição do govemo de manter o Mercosul com baixa institucionalização parece atender à média das expectativas e das necessidades das elites brasileiras, dentro e fora do Estado. ivioTiv¿_fiiçoEs DA 1>oLíTicA BRASILEIRA EM RELAÇAO À SUPRANACIONALIDADE Como apontamos, os conceitos de autonomia e diversificação das parcerias, defendidos por parte das elites e presentes na me- mória institucional do MRE, colocam alguns questionamentos ao Mercosul. Wendt (1994, p.386) afirrna que a identidade coletiva não é nem essencial nem equivalente para uma instituição multilateral como essa, mas provê a ela uma importante fundamentação por aumentar sua disposição de agir com base em “princípios gerais de conduta” e reciprocidade difusa. A percepção de que o Brasil poderá perder soberania e au- tonomia à medida que houver um maior aprofundamento da integração do bloco continua norteando as ações de parte da ação da burocracia estatal. Consequentemente, rejeita-se uma opção que parece limitar o espaço de manobra intemacional do Brasil no mundo, dificultando a diversificação das parcerias. Lima (1994; 2003) afirma que o padrão brasileiro de política extema é contrário ao aprofundamento da institucionalização do Mercosul, pois a aspiração que prevalece é a de converter o pais em um ator intemacional relevante. A isso soma-se a crença (também presente na Argentina) da especificidade do pais na região do Cone Sul. Para o objetivo que nos propomos - discutir as razões es- truturais da política brasileira de integração -, é interessante 176 A política externa brasileira mostrar a racionalidade da posição de defesa dos princípios de autonomia e de soberania nacional. Pierson (1998) considera que os govemos nacionais, quando delegam determinadas funções a instituições ou a órgãos comunitários regionais, com o tempo tendem a perder para essas instituições o controle do processo de integração. Potencialmente, elas poderiam abrir espaço para novos atores domésticos participarem do processo decisório, sem a intermediação dos govemos, o que tenderia a fortalecê-las e a fornecer-lhes novas fontes de legitimidade. Uma vez que essas instituições ou órgãos alcançam certa autoridade no processo de integração, toma-se difícil para os govemos fazê-los recuar, viabilizando a recuperação do poder original dos Estados-parte. O custo da recuperação de poder de certa forma inviabilizaria sua concretização. Gradualrnente, a dinâmica decisória da inte- gração regional tende a adquirir maior autonomia em relação aos Estados nacionais. Assim, pode-se entender a baixa disposição brasileira de fortalecer institucionalmenteo bloco: o Estado não deseja perder o controle do processo de integração. A estrutura do bloco, definida pelo Tratado de Assunção de 1991, concentra o poder decisório e a governabilidade no Conselho do Mercado Comum (CMC). Esse Conselho é for- mado pelos presidentes e ministros das Relações Exteriores e da Economia dos países-membros, enquanto o Grupo Mercado Comum (GMC), composto pelos vice-ministros das Relações Exteriores ou subsecretários, encarrega-se da direção executiva do processo de integração. Essa engenharia institucional tem se mostrado inadequada para permitir o desenvolvimento de uma identidade integracioriista entre os países-membros. Um Mercosul mais institucionalizado parece não atender aos interesses de parte considerável das elites, de grupos sociais, econômicos e regionais ou de setores políticos do Brasil, que parecem ter suas necessidades plenamente atendidas na atual estrutura. Embora os objetivos do Mercosul tenham sido redi- mensionados, permanece o interesse em aumentar o comércio e, em alguns casos, aumentar os investiinentos transfronteiri- ços, como é o caso da Petrobras, do Banco Itaú, da Bunge, da Gerdau, da AmBev, da Techint e de outras empresas, nacionais e multinacionais, particularmente as do setor automotivo e das indústrias de alimentação, entre outras. O bloco perrnanece sen- 177 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni do significativo em algumas circunstâncias importantes: ele é útil para uma parte das relações com os Estados Unidos; nas relações com a União Europeia; tem importância relativa na OMC e em algumas negociações com países emergentes, particularmente nos diálogos entre os blocos comerciais. No entanto, evita-se a tomada de posições, o que, para alguns, lirnitaria as possibi- lidades abertas pela maior autonomia e pelo maior número de parceiros comerciais. Consequentemente, o grande obstáculo, no Brasil e na Argentina, para um efetivo “investi- mento” no projeto Mercosul é a ambiguidade com que, para além da retónca do discurso pró-integração, diversos setores das duas sociedades e dos dois govemos avaliam o bloco (Gonçalves e Lyra, 2003, p.14). CONSIDERAÇÕES FINAIS As aspirações protagônicas e uriiversalistas das elites brasileiras implicam a necessidade de estarem livres para agir com desen- voltura no cenário internacional, sem acordos restritivos no âmbito regional e sem os condicionamentos que derivariam das necessárias concessões aos sócios de menor poder. A integração regional não é rejeitada; pelo contrário, ela é considerada benéfi- ca, mas sem os custos implicados naquilo que Burges (2009) cha- ma “crescimento econômico cooperativo”. Nossa análise sugere que não existe massa crítica adequada na sociedade brasileira para estimular o aprofundamento do processo de integração. No govemo Lula, foram feitos esforços para compensar essa con- dição com atitudes que buscaram compreender as motivações subjacentes aos interesses de alguns dos vizinhos do país. Nas negociações com a Bolivia, a partir de 2006, em decorrência da intervenção do govemo Evo Morales na produção do gás; com o Paraguai, a partir de 2008, com o governo Femando Lugo apresentando uma agenda de renegociação em relação â usina hidroelétrica de Itaipu; com Rafael Correa do Equador, e mesmo com Hugo Chávez da Venezuela, o govemo brasileiro conseguiu manter o equilíbrio entre a busca de boas relações, apostando na estabilidade democrática, no desenvolvimento desses países e na defesa dos interesses nacionais. Consideramos que houve 1 78 A política externa brasileira hesitação em arcar com os custos da mtegração regional e em lidar com os obstáculos impostos pelas assimetrias de poder entre os países do Mercosul, apesar de o bloco ser considerado uma das priondades da política extema brasileira em declarações oficiais da Presidência da República e do MRE. De acordo com Marcelo Mariano: A expansão combinada com o baixo comprometimento gover- namental, no sentido de trabalhar as assimetrias existentes, levou a uma integração que não pode ser muito ambiciosa quanto ao seu grau de aprofundamento. Ao mesmo tempo, o limite dado pôr uma união alfandegána que não se consolida e as dificuldades inerentes na gestão das novas demandas oriundas desta situação, podem tomar a integração pouco atraente para os governos e importantes setores domésticos envolvidos, cnando uma situação de impasse que levana ao fortalecimento de forças desintegradoras, que, por sinal, parece ser o estágio atual do bloco (Mariano, 2007, p.194) No Brasil, há baixa sensibilidade para as questões regionais, o que se explica, primeiro, pela dimensão que os problemas domésticos adquirem em um país de proporções continentais; segundo, pela importância crescente atribuída às questões e agendas globais ao longo da administração Femando Henrique Cardoso e mais ainda sob Lula. Na Argentina, para o bem ou para o mal, o Brasil é um tema: é assunto cotidiano, matéria permanente de imprensa No Brasil, em contrapartida, a Argentina desperta muito menor interesse, salvo em momentos de crise aguda. (Gonçalves e Lyra, 2003, p 21) Para a sociedade brasileira e suas elites, entender as pers- pectivas do Mercosul tem a ver com o debate sobre o futuro da posição do Brasil no mundo. Como discutimos, no govemo Lula colocou-se fortemente a necessidade de definir melhor se a integração regional deve ser considerada útil e importante para o país. A resposta é positiva, mas resta definir a disponibilidade de assumir seus custos. Supondo-se a necessidade de haver um pa;/master (Mattli, 1999) na integração, o papel caberia ao Brasil, o que obrigaria a análise de outro tópico: a capacidade ou não 179 Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni de o país desempenhar esse papel. Para países pobres, há limites objetivos; pagar os custos da integração pode estar acima de sua capacidade. Mattli (1999) afirma que o papel de paymaster não se restringe à economia, mas também tem a ver com a delegação de algumas funções para instituições comunitárias. Isso significa aceitar e confiar na integração regional, considerando-a parte das próprias políticas domésticas. Algumas medidas, como a criação do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem),4 inicialmente com US$ 100 milhões, elevados em 2008 a US$ 250 inilhões, seriam destinadas a fortalecer a integração; do mesmo modo, a criação do Parlamento do Mercosul, que começou a funcionar em 7 de maio de 2007, em substituição à Comissão Parlamentar Conjunta. Contudo, a pequena dimensão das ações econômicas e politicas, como os valores do Focem demonstram, parece confinnar a análise de que a institucionalização do bloco do Cone Sul avança devagar. Diferentemente da análise de Bur- ges (2009), é provável que isso não se deva apenas ao mteresse egoísta do Brasil, que visaria a uma liderança sem contrapartida para os países envolvidos. No governo Lula, a crítica intema era feita com mais frequência exatamente no sentido contrário: ela se focava sobretudo nas limitações econômicas e políticas próprias do país. Como vimos, um eventual retrocesso do Mercosul na direção de uma área de livre comércio, defendido por setores sociais significativos no Brasil, enfraqueceria o poder de barganha tan- to do país quanto do Mercosul no sistema intemacional. Uma maior institucionalização do bloco acarretaria custos para o Brasil (por exemplo, redução de sua autonomia intemacional). No entanto, é fundamental considerar as desvantagens da não institucionalização e de uma situação indefinida, que tem preva- lecido ao menos desde 1997, em nome de interesses econômicos e tarifários de curto prazo. Nossa análise mostra a necessidade de acordos que viabilizem algum grau de supranacionalidade, ou seja, ações, regras e nor- mas que garantam o aprofundamento do bloco. O govemo Lula °' O Fundo foi cnado pelo Conselho do Mercosul para financiar programas que promovama convergência estrutural, a competitividade e a mtegração dos paises da Aménca do Sul. 180 A política externa brasileira demonstrou não ser contrário a algumas medidas nesse sentido, mas isso implica o reprocessamento de conceitos fundadores da política brasileira - autonomia e diversificação de parcerias -, de modo que possam absorver os princípios da integração, inclu- sive a ideia de associação de objetivos (Nardin, 1987). Implica também a criação e a promoção de uma cultura que valorize ganhos de longo prazo e aceite alguns custos no curto prazo. Se o Mercosul, confonne os documentos e as declarações govema- mentais afirmam, é base da estratégia de inserção intemacional do Brasil, seria necessário que o bloco alcançasse niveis maiores de institucionalização. Políticas industriais e setoriais de integração, ações de apoio a cadeias produtivas regionais e o aperfeiçoamento de ins- trumentos institucionais - concebidos ainda nos anos 1980, quando foram assinados os 24 protocolos setoriais no âmbito do Programa de Integração e Cooperação Econômica (Pice)5 de 1986 - atenuariam as assimetrias e favoreceriam a alocaçao de recursos onde há maior potencialidade de mercado. 5 O objetivo do Pice era proporcionar um espaço econômico comum, com a abertura seletiva de mercados e o estímulo ã complementação econômica de certos setores de cada país. 181
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