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Kant - Livro Texto - Unidade III

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Unidade III
Unidade III
7 IDEIAS PURAS KANTIANAS
A filosofia jurídica kantiana propriamente dita teve seu início na Crítica da razão prática, mas é 
principalmente no Metafísica dos costumes que Kant aprofunda o seu estudo jusfilosófico. Nessa obra, 
o filósofo alemão retoma alguns conceitos já discutidos na Crítica da razão prática e os aprofunda. 
Suas principais preocupações e, por conseguinte, contribuições são o desenvolvimento paralelo dos 
conceitos de Direito e moral, delimitando seus campos e traçando suas características fundamentais e a 
ideia da coação como nota essencial do Direito.
Kant observa na primeira parte da Metafísica dos costumes que existe uma dupla legislação atuando 
sobre o homem, enquanto consciente de sua própria existência e liberdade: uma legislação interna e 
uma legislação externa. A primeira diz respeito à moral (ética no sentido estrito), obedecendo à lei do 
dever, de foro íntimo, enquanto a segunda revela-nos o Direito, com leis que visam à regulação das 
ações externas.
O paralelo entre moral e Direito norteia toda a obra jurídica do autor, tendo a liberdade como ponto 
nodal e pano de fundo dessa relação. Kant observa que o verdadeiro critério diferenciador entre moral e 
direito é a razão pela qual a legislação é obedecida. Afirma que a vontade jurídica é heterônima, posto 
que condicionada por fatores externos de exigência dela, enquanto a vontade moral é autônoma, já que 
o móbil desta é o dever pelo dever.
A Filosofia pura é aquela parte do conhecimento puro que adquirimos a partir de conceitos pela razão 
em sentido amplo, isto é, pela nossa faculdade superior de conhecimento em seu todo. Existe uma outra 
parte do conhecimento puro, chamada Matemática, que é adquirida pela razão a partir da construção de 
conceitos. Quando produzimos conhecimento puro, seja a partir de conceitos, seja a partir da construção 
de conceitos, fazemos uso puro de nossa razão. Por outro lado, o conhecimento empírico é produzido pelo 
uso empírico da razão, isto é, por sua aplicação ao domínio dos dados empíricos. 
Idealmente, a Filosofia pura pode ser posta na forma de um único sistema articulado de conceitos, 
proposições e regras. Dizemos idealmente porque Kant admite que na época em que escreve, a Filosofia 
é uma simples ideia de uma ciência possível que em parte alguma existe in concreto. O sistema de 
conhecimentos filosóficos puros tem duas partes, a Crítica e a Metafísica. A Crítica é a parte propedêutica 
que estuda a capacidade da razão com respeito a todos os conhecimentos puros, isto é, tudo aquilo que 
alguma vez pode ser conhecido a priori.
Trata-se de uma ciência transcendental que não visa à ampliação dos nossos conhecimentos a priori 
e sim a avaliação da nossa capacidade cognitiva como tal. Conforme já dissemos, a Crítica se divide 
em Estética Transcendental e em Lógica Transcendental. A primeira estuda os princípios a priori da 
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KANT
sensibilidade e a segunda se ocupa de leis do entendimento da razão, mas unicamente na medida em 
que esta se refere a priori a objetos.
A Lógica Transcendental, dirá Kant em seguida, tem a sua disposição um múltiplo da sensibilidade 
a priori, apresentado pela Estética Transcendental, para dar aos conceitos puros do entendimento uma 
matéria sem a qual ele seria um sem conteúdo algum e, por conseguinte, inteiramente vazio.
A Metafísica, por outro lado, é a apresentação do sistema completo de conhecimentos puros a priori. 
Esse sistema da razão pura tem uma parte teórica, denominada Metafísica da Natureza, e uma parte 
prática, chamada Metafísica dos Costumes. 
A Metafísica da Natureza contém todos os princípios puros da razão derivados de simples conceitos 
que tratam do conhecimento teórico de todas as coisas, excluindo, contudo, os conhecimentos da 
Matemática e da Ciência da Natureza. A Metafísica dos Costumes, por seu turno, consiste de princípios 
que determinam a priori e tornam necessários o fazer e o deixar de fazer. Desses princípios deriva a 
moralidade, que é a conformidade das ações a leis. Em decorrência disso, a Metafísica dos Costumes é 
identificada por Kant como a moral pura.
A Metafísica da Natureza, tomada como Metafísica no sentido restrito, excluindo a Metafísica dos 
Costumes, compreende duas disciplinas: a Filosofia Transcendental e a Fisiologia. Essa última se divide em 
Física Racional e Psicologia Racional e estuda a natureza, isto é, o conjunto dos objetos dados aos sentidos. 
Ela não se interessa, a não ser hipoteticamente, por objetos apenas possíveis e considera exclusivamente 
objetos efetivos. A Filosofia Transcendental, por sua vez, estudou o entendimento e a própria razão como 
sistema de todos os conceitos e princípios a priori que se referem a objetos em geral, sem assumir objetos 
que sejam dados. Por esse motivo, a Filosofia Transcendental é identificada, por Kant, com a Ontologia. 
Trata-se, na realidade, da versão crítica da Ontologia Geral, definida por oposição à Ontologia Tradicional.
A Filosofia Transcendental, enquanto sistema completo de todos os conceitos de todos os princípios 
da razão pura tomada no sentido amplo, na medida em que o conhecimento de seus objetos deve ser 
impossível a priori, mantém uma relação estreita com a crítica propriamente dita.
Ela é concebida como uma ciência para qual a Crítica da razão pura deverá projetar o plano completo, 
arquitetonicamente, isto é, a partir de princípios, com plena garantia de completude e segurança de 
todas as partes que constituem esse edifício. De fato, a Filosofia Transcendental difere da Crítica tão 
somente porque esta última se ocupa exclusivamente da enumeração completa da avaliação de todos 
os conceitos primitivos, abstendo-se da análise detalhada desses mesmos conceitos, bem como da 
completa recensão dos conceitos daí derivados.
Cabe insistir, contudo, sobre a distinção entre a teoria crítica do entendimento e da razão. Enquanto 
a primeira assegura que os seus princípios do entendimento têm aplicação objetiva como regra da 
exposição de fenômenos, a segunda mostra que a razão fica restrita a fornecer princípios gerais de 
sistematização dos juízos que expõe os fenômenos. Esses princípios, que são a parte central da Metafísica 
Geral da natureza, serão reformulados por Kant como regra de pesquisa empírica no domínio de objetos 
dados na experiência.
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Unidade III
 Lembrete
Esse é o esboço geral do sistema kantiano da Filosofia tal como 
apresentado na primeira Crítica. Ele apresenta algumas peculiaridades que 
precisam ser destacadas. Kant distingue, como acabamos de ver, a Crítica 
da Metafísica. Entretanto, ele admite que o nome “metafísica” também 
pode ser dado a toda a Filosofia pura, inclusive à crítica. 
Uma possível explicação desse uso do termo “metafísica” consiste em dizer que a crítica depende, de 
maneira essencial, da dedução metafísica das operações da razão, ou seja, da teoria metafísica do sujeito 
transcendental. A crítica deve ser vista como uma disciplina metafísica, na verdade, como a metafísica 
da metafísica.
Em segundo lugar, a classificação oferecida exclui da Filosofia Transcendental a Metafísica dos 
Costumes, ou seja, a filosofia prática, tese de resto explicitamente afirmada por Kant. Na Crítica da 
razão prática, Kant fará distinções adicionais que lhe permitirão aplicar à crítica, não somente aos 
conhecimentos, mas também aos conceitos e juízos da razão prática.
Dessa maneira, a Filosofia Transcendentalpassa a abranger também a filosofia prática. Em resumo, 
o sistema kantiano de Filosofia Teórica, tomado no sentido restrito, consiste em duas partes: a Filosofia 
Transcendental ou Ontologia Geral e a Fisiologia. Nesta disciplina, os dois componentes centrais 
da primeira parte – a teoria crítica dos princípios do entendimento e a teoria crítica dos princípios 
metafísicos da razão especulativa – são interpretados como semântica a priori do juízo sintético em 
geral e como metodologia a priori da pesquisa empírica sobre natureza em geral, respectivamente.
A segunda parte, que compreende a Física e a Psicologia racionais, isto é, as ontologias especiais da 
natureza física e psíquica, será esplanada em dois conjuntos de regras de pesquisa específicas a um ou 
outro desses dois domínios. 
Vejamos na figura a seguir uma síntese das ideias kantianas propostas e discutidas em suas 
obras, em especial na Crítica da razão pura, na Crítica da razão prática e na Metafísica dos costumes. 
Seus pressupostos filosóficos estão apresentados no esboço que segue:
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Metafísica
Transcendente
Imanente
Metafísica 
da Natureza
Metafísica 
dos Costumes
Crítica
Filosofia da 
razão pura
Filosofia da 
razão pura
Física racional
Conhecimento racional da alma
Cosmologia (ligação interna)
Teologia (ligação externa)
Filosofia transcendental 
(ontologia)
 
Figura 3
7.1 Psicologia Racional
Desde a física newtoniana a ciência avançou muito mais do que poderia conceber Kant. Seu projeto 
de fundamentar a ciência, estabelecendo de uma vez por todas o critério racional que demarcaria o 
campo de sua legitimidade, não pode se sustentar. Os avanços da ciência dispensaram inteiramente 
o conhecimento a priori que deveria, segundo Kant, sustentar toda ciência.
A parte pura que ele julgava ser necessária para sua formalização matemática talvez não fosse mais 
do que uma tentativa de explicar o conhecimento científico e seu progresso por uma razão universal 
e eterna, por uma Metafísica da Natureza, como ele próprio chamava. Talvez se tratasse ainda, em sua 
Teoria do Conhecimento, de restabelecer os direitos da Metafísica, substituindo aquela que se tornou 
caduca, com sua aposta insensata na transcendência, pela instauração, mediante uma razão conforme 
os limites da finitude humana, uma razão razoável, na forma de um conjunto de condições necessárias 
e universais a todo conhecimento.
Evidentemente, a pretensão kantiana de fundamentar a ciência sobre as bases de uma Metafísica 
renovada não pode ser entendida fora do contexto histórico do século XVIII. Hoje ninguém duvida 
que a Teoria do Conhecimento de Kant e, sobretudo, sua exigência de fundamentação da ciência 
perderam o sentido.
Seu projeto de fundamentação em uma metafísica do a priori pode ter servido apenas para 
atravancar, se não o surgimento, pelo menos o progresso da ciência, que acabou mostrando que 
uma fundamentação metafísica era ao mesmo tempo impossível e desnecessária. Mas será que a 
impossibilidade de estabelecer limites a priori ao campo da investigação científica teria permitido à 
Psicologia superar o veto kantiano, garantindo a ela algum lugar ao lado da Física e da Química, por 
exemplo? Ou, então, pelo menos, considerando o alargamento do campo da objetividade, no qual os 
fenômenos não permitem uma formalização matemática rigorosa como na Física, em que a ciência não 
é tão “dura”, será que aí se poderia acomodar a Psicologia?
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Kant, ainda que por más razões, negou à Psicologia a legitimidade científica que desde o início de 
sua pesquisa experimental ela buscou, sem sucesso. No entanto, o problema de sua cientificidade não é 
facilmente desqualificável. E é no próprio Kant, ainda no século XVIII, que encontramos uma orientação 
para pensar uma resposta positiva para esse problema. Trata-se de sua Antropologia do ponto de vista 
pragmático (1979). E parece mesmo que a Antropologia Pragmática de Kant é para ele o sucedâneo 
de uma Psicologia empírica inviável como ciência do mundo interno. O que significa, então, pensar a 
Psicologia a partir da Antropologia Pragmática?
Avançamos, porém, que pensar a Psicologia a partir dessas referências kantianas significaria, então, 
retomar a Psicologia como ciência singular, que assume positivamente sua historicidade, em lugar de 
pretender-se uma Ciência da Natureza, como a Física, a Química ou mesmo a Meteorologia; que na 
história seu objeto ganha corpo, se espacializa – condição que Kant exigia para ultrapassar o mero 
subjetivismo, relativo aos estados acessíveis apenas em primeira pessoa, no sentido interno e sua forma 
temporal. Mas significa, sobretudo, remeter a Psicologia à dimensão ética do homem, na relação com 
seus pares, como “cidadão do mundo”, à sua responsabilidade na constituição disso que a natureza não 
determinou, mas que a história produziu. Se a Física se ocupa com o mundo da natureza, aí incluindo-se 
a Fisiologia, ou, nos termos de Kant, a Antropologia Fisiológica, que se ocuparia com o que de natural 
é dado ao homem (constituindo a passividade de seu corpo, senão ainda do seu mundo mental), a 
Antropologia Pragmática deve ocupar-se com o exercício da livre atividade do homem e sua expressão 
no mundo, em sua “conduta”. Um tal conhecimento em lugar de encerrar o homem em uma natureza 
abre, ao contrário, sua existência no mundo, para o exercício de uma atividade que se desdobra na 
história como invenção.
7.2 Antropologia Pragmática de Kant 
A Antropologia Pragmática já chamava de forma explícita a atenção para o lugar do agir humano. 
Esse lugar é o mundo. Para Kant, o pragmatismo significa exatamente educar o homem para que ele 
se torne cidadão da Terra – cidadão do mundo – e advertia que o ensino da Antropologia deveria 
transpor os muros escolares e se estender a todos os indivíduos humanos. Nesse sentido, o fazer e o 
agir encontram-se condicionados não pela natureza, mas pela possibilidade percebida individualmente 
pelo ser humano através do conhecimento de si e do mundo, cuja finalidade (desse conhecimento) é 
subsidiar o homem naquilo que ele quer tornar-se. No horizonte do pragmatismo kantiano, o indivíduo 
segue os ditames de sua razão autônoma; não obstante, seu projeto individual deve se alinhar aos fins 
de outros seres humanos.
Kant abre a sua primeira Crítica afirmando que todo nosso conhecimento começa pela experiência. 
Seguindo essa afirmação, podemos aduzir que o conhecimento moral também não prescindirá 
da experiência sensível em nós. Aqui se pode então compreender a sensibilidade tanto no sentido 
científico quanto no sentido antropológico. No sentido científico, ela (a sensibilidade) se manifesta 
ao entendimento lhe oferecendo os materiais a serem refletidos, e julgados por este; nesse sentido, a 
sensibilidade ocupa papel relevante, pois sem esses materiais que ela cede ao entendimento não haveria 
“matéria que pudesse ser elaborada para uso do entendimento legislador”. Já no sentido antropológico, a 
sensibilidade faz parte das faculdades humanas e como tal ela deve estar sob o domínio do ser humano, 
pois a perfeição interna deste reside no fato de ter o uso de todas as suas faculdades em seu poder, para 
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submetê-lo ao seu livre-arbítrio. Mas e o caráter moral, qual o papel da sensibilidade na moral? É ponto 
pacífico que a moral kantiana é marcada pela abstração total da experiência.
Kant afirma que o conhecimento moral deveser depurado, livre de toda a experiência. Entretanto, 
um fato deve ser levado em conta cuidadosamente no âmbito da moral kantiana: o que Kant afirma 
com todas as letras que não pode ser provado é o motivo da ação moral, posto que este é subjetivo, e 
não a ação moral em si. Eu tenho plena condição de reconhecer um ato moral por seu resultado, minha 
racionalidade me permite identificar uma ação boa ou má, o que jamais posso identificar é se aquele 
ato foi motivado internamente por seu agente, explicitamente, por amor à lei moral. A consequência 
disso é que no ato da ação o ser humano jamais é livre, sua liberdade reside apenas na escolha, jamais 
no momento da ação. Assim, na segunda Crítica, Kant faz a seguinte observação:
Ora, visto que o tempo passado não está mais em meu poder, cada ação que 
pratico tem que ser necessária mediante fundamentos determinantes que não 
estão em meu poder, isto é, jamais sou livre no momento em que ajo. [...]. Pois 
a cada momento estou sempre sob a necessidade de ser determinado a agir 
mediante aquilo que não está em meu poder [...] (KANT, 1996, p. 169-170).
Sensibilidade
Espaço
Percepção de 
um fenômeno 
no espaço
Percepção de 
um fenômeno 
no tempo
Categorias
Conceitos puros que nos 
permitem “pensar” 
experiências: causa, 
substância, necessidade, 
existência etc.
Relaciona juízos
Incondicionada pela 
experiência
Compreensão
 
Juízos
Analíticos Sintéticos Sint. a priori
Tempo
Função passiva 
 
Representação empírica dos 
fenômenos
Função ativa 
 
Unifica e ordena os dados da 
experiência
Função ativa 
 
Ultrapassa os dados da 
experiência
Entendimento Razão
Impressões 
sensoriais
Figura 4 – Estruturas inatas do sujeito
7.3 Lugar da sensibilidade na moral
Se partirmos do pressuposto de que a pessoa humana para Kant é o único ser na natureza capaz de 
propor um fim a si mesmo e que o lugar da realização desses fins é o mundo, a condição do agir humano é 
estar no mundo. Então verificaremos que toda ação humana precisa necessariamente conter em si o duplo 
da liberdade prática (moral) e da liberdade pragmática (metodologia do agir). A primeira deve encontrar-se 
totalmente livre de motivações externas, enquanto a segunda deve seguir regras apropriadas não apenas a 
um indivíduo em sua subjetividade, mas a todos os indivíduos existentes no mundo. Assim, Kant vai dizer que:
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Um ser humano tem o dever de erguer-se da tosca condição de sua natureza, 
de sua animalidade (quoad actum) cada vez mais rumo à humanidade, pelo 
que somente ele é capaz de estabelecer para ele mesmo determinados fins; 
tem o dever de reduzir sua ignorância através da instrução e corrigir seus 
erros. E não é meramente que a razão tecnicamente prática o aconselha a 
fazê-lo como um meio para seus outros propósitos (ou arte); moralmente 
a razão prática o comanda absolutamente e faz desse fim o dever dele, 
de modo que possa ser digno da humanidade que dentro dele reside 
(KANT, 2003, p. 231).
O tempo é, juntamente com o espaço, a primeira das condições de todo conhecimento possível. 
Em outras palavras, não há coisa alguma no espaço e no tempo que possa ser considerada alma, 
não havendo, portanto, nenhuma intuição sensível, e esta é uma das condições fundamentais do 
conhecimento das coisas.
A experiência que temos de ser (experiência que se realiza enquanto pensamos) é de fato uma 
experiência sui generis. Se quisermos “imaginar” a alma, podemos perfeitamente imaginá-la, pensá-la, 
dentro da intuição de espaço e tempo, como uma coisa, e então verificamos que desse modo a alma não 
existe. Então temos a experiência de ser (ao modo de Descartes) sem poder fazer ideia do que somos 
(ao modo de Kant).
7.4 Cosmologia Racional
A parte da Metafísica que se ocupa da totalidade do universo é a Cosmologia Racional. O que se aplica 
às almas, aplica-se também à ideia do universo. As intuições e as categorias podem ser aplicadas para 
fazer julgamentos acerca de experiências e percepções, mas não podem, de acordo com Kant, ser aplicadas 
a ideias abstratas – e universo é uma ideia abstrata – sem levar a inconsistências sob forma de pares de 
proposições contraditórias, impasses que ele chama “antinomias”, raciocínios sem saída, inconclusivos.
7.4.1 Antinomias
Conforma Cobra (1997), são quatro as antinomias.
A primeira antinomia é aquela que tem a tese: “O universo tem um princípio no tempo e limites 
no espaço”. Sua antítese é: “O universo é infinito no tempo e no espaço”. A razão tanto pode concluir 
que o universo tem um princípio no tempo e limites no espaço quanto pode afirmar exatamente o 
contrário: o universo é infinito no tempo e no espaço. A razão pede que tudo que existe tenha um 
começo. Mas se o universo teve um começo no tempo, o que existia antes dele também faz parte do 
universo, porque o universo é a totalidade das coisas.
Na segunda antinomia, a tese diz: “Tudo quanto existe no universo está composto de elementos 
simples, indivisíveis”. A antítese diz: “Aquilo que existe no universo não está composto de elementos simples, 
mas de elementos infinitamente divisíveis”.
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A terceira antinomia refere-se a uma primeira causa do universo. Afirma, como tese: “O universo 
deve ter tido uma causa que não foi por sua vez causada”. Sua antítese é: “O universo não pode ter tido 
uma causa que por sua vez não tenha sido causada”.
A quarta antinomia refere-se à existência ou não existência de um ser necessário, dentro ou fora 
do universo, e diz, na tese: “Nem no universo nem fora dele pode haver um ser necessário”. Já sua 
antítese é: “No universo ou fora dele há de haver um ser que seja necessário”.
As teses e antíteses são igualmente plausíveis aos olhos da pura razão, mas não quanto às leis do 
conhecimento. Nas duas primeiras antinomias, que Kant chama matemáticas, o erro consiste em tomar 
o tempo e o espaço como coisas em si mesmas, e isso é contrário às leis e condições do conhecimento. 
O espaço e o tempo não são coisas em si mesmas, independentes do ato de conhecer.
Nas duas últimas antinomias, a solução para Kant é a contrária. As teses e as antíteses são tomadas 
conforme as leis do conhecimento. Quanto às teses, as leis do conhecimento de fato pedem que, para 
todo ser, para toda realidade, exista uma causa determinante e esta, por sua vez, tenha uma causa; 
as teses são válidas no mundo dos fenômenos.
Quanto às antíteses, elas seriam válidas no mundo do noumenon. Suponhamos que exista uma via 
para chegar às coisas metafísicas que não sejam aquelas do conhecimento científico: então elas seriam 
válidas. As teses são válidas para a ciência físico-matemática, e as antíteses seriam válidas para uma 
atividade não cognoscitiva que nos pudesse conduzir às realidades metafísicas.
7.4.2 Teologia Racional
Em sua crítica à Teologia Racional, Kant analisa as provas da existência de Deus mais conhecidas. 
Estas são o argumento ontológico, o argumento cosmológico – que vem da Antiguidade – e o 
argumento físico-teleológico.
O argumento ontológico, encontrado em Santo Anselmo (1033-1109) e em Descartes, afirma que o 
homem tem ideia de um ser perfeito, que necessariamente deve existir porque se não existisse não seria 
perfeito. “Eu tenho a ideia de um ser, de um ente perfeito; este ente perfeito tem que existir, porque se 
não existisse, faltar-lhe-ia a perfeição da existência e não seria perfeito” (KANT, 2003). Kant mostra que 
a “existência” é uma das categorias a priori do conhecimento. A existência é uma categoria aplicável às 
percepções sensíveis e portantosó é válida quando aplicada a objetos do conhecimento: o que é conhecido 
primeiro existe; a coisa é conhecida como existente, e não o contrário, isto é, existe porque imaginada. Aplicar 
as categorias de existência, de substância e de causa é o ato pelo qual estabelecemos os objetos a conhecer, 
os fenômenos. Não é suficiente ter a ideia de algo, há de se ter a percepção sensível correspondente, tê-la ou 
poder tê-la, e é isso justamente o que falta à ideia de Deus, a coisa à qual se aplique a categoria da existência.
Já o argumento cosmológico consiste na enumeração de causas dos fenômenos até chegar a uma 
causa não causada, que seria Deus. Kant contra-argumenta que não há motivo algum para cessar a 
aplicação da categoria de causalidade. O argumento cosmológico é inaceitável porque consiste em ir 
enumerando séries de causas até deter-se, sem motivo, em uma causa “incausada”.
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Por fim, o argumento físico-teleológico é de que todos os seres da natureza cumprem algum fim, 
servem para alguma coisa; logo, deve haver um “fim último”: Deus. O argumento físico-teleológico é o 
argumento da finalidade: só uma inteligência criadora poderia ter adequado as coisas à realização de 
certas finalidades. Kant diz que a teleologia é um método empregado para descrever a realidade, e que 
de um simples método de organizar o conhecimento não se pode extrair qualquer outra consequência. 
Argumenta que, do conceito de fins, não podemos tirar nenhuma outra consequência senão que tal ou 
qual forma é adequada a um fim.
Kant afirma que deve haver um mundo no qual a virtude traz seguramente a felicidade. “A existência 
de Deus é necessária enquanto afirma um ser cuja vontade e cujo intelecto criam um mundo no qual 
não há abismo algum entre o real e o ideal, entre o que é e o que deve ser” (KANT, 2003).
Há, pois, um abismo entre a consciência moral, que tem exigências ideais, e a realidade 
fenomênica, a qual, cega para essas exigências ideais, segue seu curso natural de causas e efeitos 
sem se preocupar em nada com a realização desses valores morais. Portanto, é absolutamente 
necessário que, após esse mundo, num lugar metafísico além da presente realidade, esteja realizada 
essa plena conformidade entre aquilo que é no sentido de realidade e aquilo que deve ser no 
sentido da consciência moral.
Esse acordo entre aquilo que é e aquilo que deve ser, que não se dá na nossa vida fenomênica, 
porque nela predomina a causalidade física e natural, é um postulado que exige uma unidade sintética 
superior. A unidade sintetizadora desse “ser” com o “dever ser”, representando a união do mais real que 
pode haver com o mais ideal que pode existir, Kant chama Deus.
A razão prática tem a primazia sobre a razão pura, no sentido de que a razão prática, a consciência 
moral, pode lograr aquilo que a razão teórica não logra, conduzindo-nos às verdades da Metafísica.
A razão teórica está, de certo modo, a serviço da razão prática, porque a razão teórica não tem 
por função mais que o conhecimento deste mundo real, subordinado, dos fenômenos, que é como um 
trânsito ou passagem ao mundo essencial das coisas em si mesmas, que são Deus, o reino das almas 
livres e as vontades puras.
 Saiba mais
Leia o texto a seguir:
SILVA, C. R. A ideia de Deus em Kant. Web Artigos, 14 jun. 2013. 
Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigos/a-ideia-de-deus-em-
kant/109283>. Acesso em: 15 fev. 2019.
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7.5 Teologia Transcendental 
No início das Lições, Kant se pergunta: “O que é a teologia?”. E responde: “O sistema do nosso 
conhecimento do ser supremo”. Mas, se “sistema é aquilo em que domina em geral a ideia do todo”, então 
será necessário precisar que “o sistema do conhecimento de Deus não significa o conjunto de todos os 
possíveis conhecimentos de Deus, mas aquilo que de Deus é encontrado pela razão humana” (KANT, 2003).
Se a primeira coisa nos é impossível, até onde podemos alcançar a segunda? A solução crítica de 
Kant consiste em referir a capacidade gnoseológica da Teologia não mais ao seu objeto – o qual, como 
já foi dito, não pode ser dado –, mas à sua própria forma cognoscitiva interna. A pergunta será, então: 
Em que sentido o nosso conhecimento de Deus ou a teologia da nossa razão possuem algum valor? 
Temos nós um conhecimento do objeto que seja adequado ao valor do objeto em si? 
A resposta é possível somente na passagem – numa espécie de mutação genética – do plano teórico 
para o prático: “Na moral, vemos que não simplesmente o objeto tem um valor, mas que também o seu 
conhecimento tem em si um valor”. A nossa teologia não pode vangloriar-se por isso, por poder objetivar 
o sumo valor, já que no confronto com este último ela permanece “apenas uma sombra” (KANT, 2003).
Mas então, dentro dessa sombra, “a verdadeira pergunta será: o nosso conhecimento possui, apesar 
disso, sempre um valor?”. A resposta de Kant é clara: “Sim! Enquanto se relaciona à religião, porque a 
religião não é nada mais do que a aplicação da teologia à moralidade, isto é, aos bons princípios, e uma 
conduta agradável ao supremo ser” (KANT, 2003).
Na medida em que essa religião – como religião natural, substrato e critério de medida de cada 
religião, inclusive a revelada – constitui o suporte (die Stütze) e a solidez (Festigkeit) de todo princípio 
moral, a teologia possui um seu intrínseco valor “enquanto constitui a hipótese de cada religião e dá 
peso (Gewicht) a todos os nossos conceitos de virtude e retidão” (KANT, 2003). A ideia de Deus constitui 
um tipo de curva da trajetória da razão, a qual põe em prática a sua intencionalidade teológica na pura 
adesão ao dever moral, o único “absoluto” que lhe é dado plenamente, ou melhor: que a razão dá a si 
mesma. Assim:
1) A religião é que determinará a medida e o estatuto da Teologia, relacionando-a com a moralidade. 
2) Circularmente, será a Teologia, na sua conotação de necessidade moral, que nos conduzirá 
necessariamente à religião.
Resposta 1) Em relação à única medida possível da Teologia, a pergunta de Kant soa: “Qual é o 
minimum de teologia, enquanto necessário à religião? Qual é o menor conhecimento útil de Deus que 
nos possa lançar a acreditar num Deus e a confirmar isso na nossa conduta de vida? Qual é o menor 
e mais restrito conceito de Teologia? O seguinte: existe a necessidade de uma religião, e o conceito de 
Deus é suficiente para uma religião natural. Mas isto é verdade só se eu reconheço que meu conceito 
de Deus é possível, e que ele não contradiz as leis do intelecto” (ESPOSITO, 2019). Estamos aqui diante de 
uma verdadeira reductio ad minimum theologicum.
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Resposta 2) Mas, por sua vez, “a possibilidade do conceito de Deus”, o seu reconhecimento especulativo 
– talvez admitido pelo deísta, mas recusado pelo ateu – pede um fundamento necessário e incontestável, 
enquanto, como possibilidade, se baseia na moralidade: aquilo do qual ninguém pode duvidar. E isso porque 
“de outra maneira a moralidade não teria nenhum movente. Por esse motivo a simples possibilidade de um 
tal ser [e essa é a possibilidade especulativa fundada como movente moral] é suficiente para que a religião 
venha a ser produzida no homem” (KANT, 2003). A religião é, então, algo que se alcança; digamos assim: ela 
constitui um uso peculiar da própria razão, na qual o que é apenas possível (no sentido teorético) recebe 
sua realidade necessária no imperativo moral da razão (pura) prática.
Deus, então,é o movente moral do dever, “é por assim dizer a própria lei moral, mas pensada 
como personificada” (KANT, 2003). E não é por acaso que na passagem dessas Lições à crítica da razão 
prática acontecerá uma ulterior formalização do conceito de movente, o qual, embora sendo um 
impulso subjetivo da vontade, será identificado com o motivo objetivo da própria lei moral, reconhecido 
unicamente no “respeito da lei moral”.
Como se diz num outro trecho das Lições, 
a teologia moral, além da convincente certeza da existência de Deus, que 
adquirimos por seu intermédio, nos proporciona ao mesmo tempo a grande 
vantagem de sermos conduzidos à religião, ligando estritamente juntos o 
pensamento que temos de Deus com a nossa moralidade, e nos tornando 
desse modo também homens melhores.
A Teologia Moral (segunda parte das Lições) é, então, aquela que torna absolutamente necessária, em 
sentido prático, a religião. A religião nos leva para Deus como a um santo legislador, a nossa inclinação à 
felicidade deseja nele um bom governador do mundo e a nossa consciência o coloca diante dos nossos 
olhos como o justo juiz. 
Nessa perspectiva, a santidade de Deus será interpretada como a auto-obrigação da razão prática; 
a bondade divina será entendida (fora de qualquer gratuidade ou misericórdia) como a proporcionalidade 
da felicidade ao mérito do sujeito moral (isto é, à observância da lei moral); a justiça de Deus, 
enfim, significará a limitação do bem na distribuição da felicidade, de modo que será feliz apenas e 
exclusivamente quem for moralmente digno dela.
Nas Lições, Kant diz que moralidade e religião são “ligadas do modo mais estreito”, diferenciando-se 
apenas pelo fato de que na moralidade os deveres “são praticados como princípios fundamentais de 
todo ser racional, e pelo fato de que este último deve agir como membro de um sistema universal de 
fins”, enquanto na religião “esses deveres são vistos como mandamentos de uma suprema vontade 
santa, pois que, no fundo, as leis da moralidade são as únicas que estão de acordo com a ideia de uma 
suprema perfeição” (KANT, 2003).
Dito em outros termos, usados aqui pelo próprio Kant, a conexão circular e necessária de moralidade 
e religião, além de ser um dado fundamental e estrutural da razão pura, é o reconhecimento progressivo 
de “um plano universal segundo o qual, a despeito de todos os abusos da liberdade por parte dos homens, 
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alcançará no final o mais alto grau de perfeição do gênero humano”. A religião, para Kant – como se sabe –, 
nunca pode constituir-se historicamente, justamente por causa da sua pureza (deve, melhor ainda, libertar 
progressivamente o seu núcleo racional do invólucro histórico-revelado, inevitavelmente estatutário); e, 
todavia, o seu destino puramente racional, vale dizer, teológico-moral, se realiza somente na perspectiva 
de progresso histórico, ou seja, é a religião como uma filosofia da história.
7.6 Doutrina Transcendental do Método 
É um fato por demais conhecido pelos estudiosos da Filosofia que Kant apresenta a Crítica da razão 
pura como uma obra de Filosofia Transcendental, e, assim fazendo, divide-a em duas partes principais, 
quais sejam: a Doutrina Transcendental dos Elementos e a Doutrina Transcendental do Método.
Ademais, é também conhecido que cada uma dessas partes principais tem suas subdivisões, 
de modo que a Doutrina Transcendental dos Elementos se subdivide em Estética Transcendental 
e Lógica Transcendental. A Estética Transcendental, por sua vez, se divide em Do espaço e Do 
tempo. A Lógica Transcendental ainda se subdivide em outras duas partes, quais sejam: a Analítica 
Transcendental (subdividida em Analítica dos Conceitos e Analítica dos Princípios) e a Dialética 
Transcendental (subdividida em Dos conceitos da razão pura e Das inferências dialéticas da razão 
pura). Já a Doutrina Transcendental do Método se subdivide em A disciplina da razão pura, O cânon 
da razão pura, A arquitetônica da razão pura e A história da razão pura.
Após ter caracterizado a Crítica da razão pura como uma ciência especial, Kant passa a tratar de 
sua futura e necessária divisão. Nesse momento Kant apresenta um critério geral para a divisão da 
Crítica da razão pura. Tal critério permitirá que um parágrafo mais à frente Kant apresente a divisão 
da Crítica da razão pura em Doutrina Transcendental dos Elementos e em Doutrina Transcendental 
do Método e justifique sua afirmação de que ambas pertencem à Filosofia Transcendental, sendo isso 
assim enunciado: “Na divisão de uma tal ciência, é preciso ter sobretudo presente que nela não deve 
entrar nenhum conceito contendo algo empírico, e que o conhecimento a priori seja inteiramente 
puro” (KANT, 1988, p. 28).
Da apresentação por parte de Kant de um critério para a orientação da divisão da Crítica da razão 
pura podemos chegar às seguintes constatações: 
• O critério para a divisão da Crítica da razão pura é também um critério para uma investigação 
pertencer ao âmbito da Filosofia Transcendental.
• Tal critério versa sobre o tipo de conceitos e conhecimentos que podem ser objetos de uma 
Filosofia Transcendental.
• A Crítica da razão pura, enquanto uma ciência que se divide em partes, segundo um critério que 
permite que uma investigação pertença ao âmbito da Filosofia Transcendental, deve ser uma 
ciência enquanto Filosofia Transcendental.
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A partir dessas constatações podemos chegar às seguintes conclusões:
• O critério para a divisão da Crítica da razão pura é igualmente considerado por Kant como um 
critério para que uma investigação pertença à Filosofia Transcendental.
• A Crítica da razão pura é considerada por Kant como Filosofia Transcendental porque nas partes 
em que se divide não deve abordar substancialmente conceitos contendo algo de empírico, e o 
conhecimento que desenvolve nessas partes é um conhecimento inteiramente a priori.
• A observância de tal critério deve ser considerada nas duas principais partes em que a Crítica 
da razão pura se divide, quais sejam: a Doutrina Transcendental dos Elementos e a Doutrina 
Transcendental do Método.
Feitas tais observações e apresentado o primeiro critério usado por Kant para que uma investigação 
pertença ao âmbito da Filosofia Transcendental, passemos à apresentação do segundo critério. O segundo 
critério que se refere ao que pertence ao âmbito da Filosofia Transcendental pode ser encontrado na 
definição de conhecimento transcendental oferecida por Kant na Crítica da razão pura e que introduz 
a definição de Filosofia Transcendental. Essa definição de conhecimento é apresentada parcialmente na 
introdução e completada na Analítica Transcendental por uma explicação. Na introdução, a definição de 
conhecimento transcendental é dada assim por Kant: “Denomino transcendental todo o conhecimento 
que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na 
medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia 
transcendental” (KANT, 1988, p. 25).
Considerando esta definição de conhecimento transcendental assim completa, temos aqui um 
seguro critério para o que pertence ao âmbito da Filosofia Transcendental. Da apresentação desse 
critério para que uma investigação pertença ao âmbito da Filosofia Transcendental podemos chegar 
às seguintes constatações:
• Transcendental é um termo usado inicialmente por Kant para denominar o conhecimento a priori, 
mas não todo o conhecimento a priori.
• O conhecimento a priori que deve ser considerado transcendental é somente aquele que se ocupa 
do modocomo conhecemos objetos na medida em que este deve ser possível a priori.
• Ao conhecimento transcendental, como conhecimento do modo como conhecemos objetos à 
medida que este pode ser conhecido a priori, pertence somente o conhecimento da origem não 
empírica (mas a priori) das representações chamadas conceitos e intuições e a possibilidade que 
elas têm de se referirem a priori (serem aplicadas) a objetos da experiência.
• A Filosofia Transcendental, definida em referência à caracterização de conhecimento 
transcendental, como um conjunto de tais conceitos, significa o conjunto de todos os conceitos 
em sentido lato, ou seja, as representações chamadas intuições e conceitos, que são modos do 
conhecimento de objetos. Destes, a Filosofia Transcendental deve adquirir um conhecimento de 
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sua origem a priori e de sua possibilidade de serem aplicados a priori para o conhecimento de 
objetos da experiência.
Dessas constatações podemos inferir as seguintes consequências:
• Para algo pertencer ao âmbito da Filosofia Transcendental, deve pertencer ao âmbito do 
conhecimento transcendental.
• A investigação da origem a priori e da aplicação a priori das representações chamadas conceitos 
(conceitos puros e intuições puras a priori) como modo de conhecimento de objetos da experiência 
é somente o que pertence ao âmbito do conhecimento transcendental.
• A Filosofia Transcendental é a aquisição e exposição de um conhecimento transcendental à 
medida que é a apresentação do sistema de conceitos, em sentido lato, que operam como modos 
do conhecimento de objetos da experiência, isto é, das intuições e conceitos.
• Como os conhecimentos a priori transcendentais da origem não empírica do espaço e tempo 
(intuições) e dos conceitos puros do entendimento (conceitos em sentido estrito) e sua possibilidade 
de se referirem a priori a objetos da experiência pertencem à Estética Transcendental e à analítica 
dos conceitos e dos princípios da Crítica da razão pura, é nessas partes em que se divide uma 
Filosofia Transcendental.
7.7 Disciplina da razão pura
Um dos pontos fundamentais da pedagogia de Kant é, sem dúvida, a questão da disciplina. Não por 
acaso, logo na primeira página de seu texto Sobre a Pedagogia, Kant afirma que é através da disciplina 
que o homem transforma a animalidade em humanidade. Justamente por isso, a disciplina é, segundo 
Kant, “o que impede ao homem de desviar-se do seu destino, de desviar-se da humanidade, através das 
suas inclinações animais” (KANT, 1996, p. 12).
Lembremos que os desejos são, para os homens, múltiplos e contraditórios. Justamente por isso, 
um recém-nascido pode se machucar, e, para evitar isso, é necessária a intervenção dos adultos. Faz-se 
necessário impor uma ordem e uma medida a seus movimentos. Os animais, ao contrário dos homens, 
são dotados de uma força instintiva determinante para toda sua vida. Os instintos animais comandam 
toda ação da vida de um animal. Segundo Kant, isso marca a maior diferença entre os homens e os 
animais, visto que para os homens a natureza deu a razão. De uma maneira geral, o homem não é 
dotado de um instinto nos mesmos moldes do instinto animal. Ele possui desejos, mas estes não são 
regulados e ordenados pelos instintos.
Como exemplo disso podemos pensar na atividade sexual dos animais, geralmente determinadas, 
instintivamente, conforme as estações do ano, temperatura, condições climáticas etc. Os homens não 
são obrigados pelo instinto a manter uma atividade sexual em apenas determinadas situações naturais. 
O homem mostra sua liberdade ao afastar-se das determinações instintivas da natureza. Como não 
podem contar com os instintos para determinar e garantir sua vida e segurança, os recém-nascidos 
dependem exclusivamente de outros para não prejudicarem a si mesmos. Assim, os cuidados oferecidos 
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pelos adultos para as crianças representam o primeiro momento da educação apresentada por Kant. 
E esse primeiro momento, que mostra o homem como dependente de outros, também serve para reforçar 
a ideia que o homem é um ser completamente inacabado. A criança é um ser que ignora o modo de 
manter-se, mas nem por isso é um ser inferior.
Ao contrário, segundo Kant, o fato de o homem ser por natureza inacabado e deficiente é indício de sua 
dignidade e da força de sua razão. Se a natureza deu ao homem a condição de inacabado, emprestou, ao 
mesmo tempo, a necessidade de que ele se desenvolvesse. Isso mostra o quanto o homem é digno de respeito, 
pois pode, por si mesmo, atingir seu fim último, sem precisar ser determinado desde seu nascimento pelos 
instintos. Se o homem é por natureza obrigado a determinar-se por si mesmo, então uma das condições básicas 
aqui inscritas é a de que ele possa obedecer e respeitar uma regra em geral, pois apenas assim colocará em 
prática suas próprias decisões. Não devemos esquecer que essas decisões implicam uma reflexão autônoma. 
Cabe ao homem a tarefa de determinar-se a si próprio, e de maneira autônoma. 
A reflexão, que ajuda a consecução da realização da ação, é um ato racional, não impulsivo e 
muito menos intuitivo. Todo valor da razão encontra aqui sua justificação. A reflexão permite 
ao homem ser seu próprio mestre. O processo necessário de um desenvolvimento autônomo da 
razão é visto, através da reflexão, como o caminho possível para atingir a finalidade da educação 
em Kant. O pensar por si mesmo é trazido à luz como o verdadeiro fim da educação. Com isso, 
a reflexão mostra que o homem não é simplesmente submisso aos impulsos do momento. 
Ela implica, de outra forma, uma espécie de abandono à satisfação dos desejos mais imediatos. Através da 
reflexão racional, o homem é capaz de dominar seus impulsos e desejos, freando as disposições naturais 
de agir precipitadamente.
Kant, no texto Sobre a Pedagogia, parte da seguinte proposição: “O homem é única criatura que precisa 
ser educada” (KANT, 1999, p. 32). Segundo o filósofo, para que seja possível o pleno desenvolvimento do 
homem, para ele possa desenvolver/alcançar integralmente a sua humanidade, ou ainda para que possa 
avançar algum passo em direção à perfeição da natureza humana, a educação, neste caso, se faz necessária 
(KANT, 1999, p. 15). Não são poucos os momentos em que Kant ressalta o valor e a intrínseca necessidade 
da educação para o homem; assim, sendo a educação de suma importância para o ser humano, o filósofo 
apresenta e justifica, em seu pensamento sobre a Pedagogia (entre outras coisas):
• o porquê para os homens a educação é indispensável/necessária;
• o que podemos chamar (entender) de “a arte de educar” (a Pedagogia, entendida enquanto 
doutrina da educação);
• quais são os fins da educação segundo a sua perspectiva, tendo em vista o objetivo central 
da presente exposição (o papel da disciplina na educação prática de Kant). De acordo com as 
primeiras considerações das preleções em Sobre a Pedagogia, podemos entender a educação sob 
duas perspectivas fundamentais (física e prática) bem como por quatro momentos essenciais 
(cuidado, disciplina, instrução e direcionamento):
– educação física: o cuidado;
– educação prática: a disciplina, a instrução e o direcionamento.
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A educação prática, por sua vez, diz respeito à formação do ser humano (disciplina e instrução com 
a formação), para que o homem desenvolva a sua humanidade e possa viver enquanto ser moral e livre. 
Em outras palavras, o alcance de sua liberdadeé, segundo Kant, a destinação ou o fim último do homem.
A disciplina é apontada pelo filósofo enquanto uma condição (um estágio preliminar e imprescindível) à 
educação completa do homem: “a disciplina transforma a animalidade em humanidade [...] é o tratamento 
através do qual se tira do homem a sua selvageria” (KANT, 1999, p. 12). Nesse sentido, a disciplina é o que 
transforma (ou pode transformar) a animalidade, a selvageria, o estado bruto em humanidade; a disciplina, 
na visão de Kant, apresenta-se enquanto o primeiro e decisivo passo na transição da animalidade à 
humanidade. Se focalizarmos na função específica da disciplina, podemos então dizer que ela é puramente 
negativa, ou seja, apresenta um caráter negativo, afinal, é a espécie de tratamento mediante o qual se tira 
do homem a sua selvageria, do seu estado bruto, de sua condição instintiva, impulsiva ou de inclinação, 
o que significa, para o filósofo, um dizer não à animalidade, preparando o homem para o momento da 
formação e desenvolvimento, isto é, a parte positiva da educação prática. Segundo Oliveira (2006, p. 74), 
é “a formação geral da humanidade para além da animalidade da raça humana”.
Podemos observar que esse modo de se referir aos momentos da educação prática enquanto 
negativa (disciplina) e positiva (formação) é uma distinção realizada por Kant, por exemplo, na Crítica 
da razão pura: 
A compulsão pela qual a tendência constante para desobedecer a certas 
regras é reprimida e finalmente extirpada é chamada de disciplina. [...] 
Para a formação (Bildung) é o desenvolvimento de um talento, o qual já 
possui em si próprio a tendência para se manifestar, a disciplina oferecerá, 
portanto, uma contribuição negativa: a formação e a doutrina (Doktrin) 
uma contribuição positiva (KANT, 1983, p. 350).
Se, de acordo com Kant, a disciplina é o que possibilita a transição da animalidade à 
humanidade, quais são as razões de Kant para sustentar essa necessidade? Ou seja, quais as 
razões de Kant para sustentar a necessidade da passagem (transição/saída) da animalidade 
(selvageria/estado bruto) à humanidade?
Disciplinar, conforme posto por Kant, não diz respeito à mera imposição de quaisquer regras, leis ou 
ordens, de modo que se deva cumprir exatamente o que fora comandado/ordenado, igualando-se com 
o mero autoritarismo ou “regime de ordem”. Segundo Kant (1983, p. 350):
Bem sei que na linguagem escolástica se costuma usar os termos disciplina 
e instrução como sinônimos. Só que frente a isto há tantos casos em que a 
primeira expressão, usada no sentido de regime de ordem, é cuidadosamente 
distinguida da segunda, usada no sentido de ensinamento, a própria natureza 
das coisas também reclamando a manutenção das únicas expressões 
convenientes para esta distinção, que desejo jamais seja permitido empregar 
a primeira palavra com um outro significado senão o negativo. 
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Não se trata de submeter a criança à escravidão ou à mera servidão, mas, muito antes, de negar 
(domar) o instinto, o impulso, os caprichos e as inclinações imediatas mediante as leis de sua própria 
humanidade – leis que o homem é capaz de oferecer a si próprio. O homem deve ser disciplinado, o que, 
em suma, significa procurar impedir que a animalidade prejudique o caráter humano.
Podemos dizer que o conceito de disciplina, conforme concebido por Kant, desempenha um 
papel central (afinal, é apresentado enquanto o primeiro e decisivo passo à humanidade, ao 
desenvolvimento/alcance da humanidade) no interior do processo educacional que o filósofo 
denomina de educação prática, a educação do homem moral e livre: “A educação prática ou moral 
(chama-se prático tudo que se refere à liberdade) é aquela que diz respeito à construção (formação) 
do homem, para que ele possa viver como um ser livre” (KANT, 1999, p. 34-35).
 Observação
A disciplina é o freio da selvageria, é o componente que auxilia o homem 
a refrear sua animalidade natural.
A cultura resulta da instrução, dos ensinamentos que o indivíduo 
aprende quando em socialização com o outro.
A moralidade é a capacidade de escolher os melhores fins quanto ao 
padrão de conduta pessoal e social.
A civilidade é a expressão da educação recebida, é o formar o homem 
para exercer sua cidadania dentro do padrão da moralidade esperada.
7.8 Cânone da razão pura
O conceito de Kant no que tange ao sumo bem, apresentado originalmente no segundo capítulo da 
Doutrina Transcendental do Método da Crítica da razão pura, “O cânone da razão pura”, tem sido um 
dos objetos centrais das discussões a respeito da filosofia moral de Kant. Esse conceito tem suscitado 
inúmeras indagações, sobretudo no que se refere a sua função, composição e importância dentro do 
sistema crítico.
Poucos autores se referem às afirmações feitas por Kant no contexto desse capítulo da CRP, 
fato que nos leva a crer que eles consideram tais afirmações como supérfluas. De modo contrário, 
pensamos que o conteúdo das palavras de Kant no Cânone, principalmente em relação ao sumo bem, 
merece ser analisado tendo em vista seu teor em comparação com o desenvolvimento da filosofia 
crítica posterior à CRP, mais especificamente a partir da Fundamentação da metafísica dos costumes 
(1785) e da segunda Crítica.
No Cânone, Kant apresenta-nos diversas considerações sobre alguns elementos de sua moral que 
somente serão plenamente desenvolvidos na FMC (1785), isto é, o aspecto formal da moralidade, e na 
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segunda Crítica (1788), a saber, o objeto de uma vontade racionalmente determinada. Em outras 
palavras, na Fundamentação e na primeira parte da CRPr Kant se preocupa em fundamentar a 
possibilidade da ideia de moralidade nos sujeitos racionalmente determinados, sendo que ele leva 
a cabo essa tarefa em duas etapas: a primeira, na Fundamentação, evocando um princípio formal 
da vontade pura – o imperativo categórico – e a segunda, na CRPr, mediante o factum da razão pura 
e o sentimento de respeito.
 Observação
CRP = Crítica da razão pura.
CRPr = Crítica da razão prática.
Diante disso, parece correto dizer que se em sua filosofia moral Kant possuía apenas esses 
componentes formais que sustentam sua ideia de moralidade, no Cânone da primeira Crítica ele já 
possuía o objeto de uma vontade racionalmente determinada, isto é, o fim último da razão pura, ou 
sumo bem. Um dos pontos que nos chama a atenção no Cânone é o fato de Kant apresentar algumas 
formulações contraditórias sobre a moralidade, principalmente em relação a sua fundamentação moral.
Numa delas, Kant demonstra uma compreensão sobre a fundamentação moral absolutamente 
oposta ao que ele desenvolverá na Fundamentação e na Analítica da segunda Crítica, pois segundo 
a passagem a seguir, a moralidade está condicionada à pressuposição, pelo agente racional, da ideia 
de Deus e de imortalidade da alma. Ou seja, nesse capítulo da primeira Crítica Kant expõe uma 
concepção sobre a moralidade que apenas quatro anos mais tarde será considerada por ele mesmo 
como heterônoma e, portanto, incapaz de servir como fundamento da moralidade. Diz Kant no 
Cânone da Crítica da razão pura:
A razão vê-se forçada a admitir um tal criador, assim como a vida num 
mundo que temos de encarar como futuro ou a considerar as leis morais 
como vãs quimeras [...]. Por isso também toda a gente considera as leis 
morais como mandamentos, o que não poderiam ser se não unissem a priori 
às suas regras certas consequências apropriadas e, portanto, não trouxessem 
consigo promessas e ameaças (KANT, 1988, p. 839).
No Cânone, o sumo bem representa o fim último da razãopura que, conforme os resultados da 
Dialética Transcendental, emana do inevitável interesse da razão de “encontrar descanso no acabamento 
do seu círculo, num todo sistemático subsistente por si mesmo”, por isso ela, “por uma tendência da sua 
natureza, é levada a ultrapassar o uso empírico e a aventurar-se num uso puro, graças a simples ideias, 
até os limites extremos de todo o conhecimento” (KANT, 1988, p. 825).
Essas ideias, as quais sintetizam o interesse da razão em alcançar o seu fim último, conforme exposto 
por Kant ao longo da Dialética Transcendental, são incognoscíveis. Tratam-se das ideias de liberdade, de 
imortalidade da alma e de Deus. Diante disso, tendo em vista que, segundo o próprio Kant, seu propósito 
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no Cânone consiste em analisar o uso prático da razão, mais precisamente, determinar o fim último 
da razão pura, então é preciso definir as condições de possibilidade de tal fim último da razão pura. 
Sua constatação é de que o fim último da razão pura está assentado sob “as leis práticas puras, 
cujo fim é dado completamente a priori pela razão e que comandam, não de modo empiricamente 
condicionado, mas absoluto, seriam produto da razão pura. Ora tais são as leis morais” (KANT, 1988, 
p. 828). Em outras palavras, a condição fundamental de possibilidade do fim último da razão pura 
baseia-se em leis práticas puras, as leis morais, que têm como componente ainda mais fundamental 
a liberdade prática.
No Cânone, Kant apresenta também a resposta à segunda pergunta do interesse da razão 
(“Que devo fazer?”) nos seguintes termos: “Faz o que pode tornar-te digno de ser feliz”. Com efeito, 
levanta-se no indivíduo dotado de razão pura o seguinte raciocínio: se faço o que devo fazer, então, 
“Que me é permitido esperar?” (KANT, 1988, p. 833).
Essa pergunta Kant responde com as seguintes palavras: “é preciso saber se os princípios da razão 
pura, que prescrevem a priori a lei, também lhe associam (ao sujeito agente) necessariamente esta 
esperança (de felicidade)” (KANT, 1988, p. 837). 
Dessa forma, Kant destaca a importância de tentar saber se a simples dignidade de felicidade garante, 
necessariamente, ao sujeito que age por princípios racionais a efetivação dessa felicidade. 
Segundo ele, a razão pura não é capaz de determinar se há uma relação necessária entre moralidade 
e felicidade. Somente uma sabedoria suprema, dotada de uma razão pura, é capaz de dizer se há tal 
relação como ele afirma a seguir: “só pode esperar conhecer-se se uma razão suprema, que comanda 
segundo leis morais, for posta ao mesmo tempo como fundamento enquanto causa da natureza” 
(KANT, 1988, p. 839). No Cânone, então, Kant nomeia tal sabedoria de ideal do sumo bem através 
das seguintes palavras: “Designo por ideal do sumo bem a ideia de semelhante inteligência, na qual 
a vontade moralmente mais perfeita, ligada à suprema beatitude, é a causa de toda a felicidade no 
mundo, na medida em que esta felicidade está em exata relação com a moralidade (com o mérito de ser 
feliz)” (KANT, 1988, p. 838).
Portanto, é oportuno observar que na primeira Crítica Kant entende pelo conceito de sumo bem não 
o resultado da união entre moralidade e felicidade, conforme será concebido por ele mesmo a partir da 
segunda Crítica, mas sim que o sumo bem representa essa “suprema inteligência” que efetiva a ligação 
entre moralidade e felicidade.
7.9 Arquitetônica da razão pura
A tarefa que Kant propõe com o conceito de arquitetônica aparece ligeiramente descrita na 
Reflexão 460, na Crítica da razão pura. Essa reflexão, escrita, possivelmente, por volta de 1769, 
destaca três atos cognitivos na constituição do conhecimento. A arquitetônica aparece só ao final, 
como uma tarefa difícil, se comparada à atitude que assumimos mais corriqueiramente diante das 
coisas: a Vergleichung (comparação). Atitude primeira, aparentemente espontânea e também a 
mais fácil, a Vergleichung começa pelo homogêneo, descobre o diferente e redunda em distinção; 
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essa atividade poderá, certamente, na economia da primeira Crítica, ser colocada sob a rubrica da 
reflexão lógica.
Num segundo momento, descobrir uma Einstimmung (unidade harmônica) entre coisas diversas, sugere 
o texto, já não será serviço tão fácil, mas, sobretudo, uma Verknüpfung (ligação) de nossos conhecimentos, diz 
Kant, é o que há de mais difícil, “[...] principalmente para daí constituir um edifício inteiro” (KANT, 1987, p. 190). É 
neste último ponto, portanto, que incide a tarefa arquitetônica: fazer de nosso saber um edifício completo. Em 
carta a Herz, de 1776, o conceito novamente ocorre e indica uma das tarefas necessárias para se reconhecer o 
inteiro perímetro (Umfang) do campo (Feld) da razão, a qual, diz Kant, deve poder ser mensurada, pois está em 
nós a priori (KANT, 1987, p. 199). Tal como na primeira Crítica, já nesta carta, a arquitetônica é uma parte do 
procedimento da razão, sem a qual não se pode reconhecer a razão em sua integridade. 
Na Lógica, Kant observa haver tantos e tão múltiplos conhecimentos que é necessário providenciar 
um plano para que as ciências concordem quanto a seus fins e contribuam para a promoção deles, 
pois o simples ímpeto de ampliação do conhecimento não pode fornecer semelhante conexão. 
Uma arquitetônica das ciências daria instrução quanto a isso, mobilizando as ciências de acordo com 
suas afinidades, numa relação sistemática, não só como um todo, mas de forma tal que seja interessante 
para a humanidade (KANT, 1980, p. 48-49).
Recentemente, Paula Manchester apresentou uma leitura do texto da Arquitetônica que evidencia 
ali o aspecto profundamente ativo do conceito em voga. Já por isso, ela pretende afastar a dimensão 
estrutural que o conceito pareceria naturalmente sugerir. Em que pese a expressão “arquitetônica” 
poder insinuar a imagem de uma estrutura previamente projetada, para Manchester, seria necessário 
mantermos alguma precaução quanto à assimilação de sua figura com a da arquitetura. Para ela, 
definitivamente, o conceito de arquitetônica não se abstrai daí e não requer um princípio construtivo, 
mas um princípio zetético (MANCHESTER, 2003, p. 189).
 Saiba mais
Leia o texto a seguir:
MANCHESTER, P. Kant’s concept of architectonic in its historical context. 
Journal of the History of Philosophy, v. 41, n. 2, 2003, p. 187-207.
Aí atuaria um traço investigativo e crítico que comandaria a atividade que se impõe ao filósofo: 
buscar saber o que convém ou não, o que cai ou não sob o domínio da razão humana e sob sua legalidade. 
A insistência de Manchester em sublinhar a incompatibilidade entre arquitetônica e arquitetura reside 
não só na paridade entre Arquitetura e Matemática – o que emprestaria certa inflexibilidade à estrutura 
– mas também no caráter instrumental que a define, por oposição ao elemento finalístico que comanda 
a arquitetônica. A interpretação de Manchester tem o mérito de enfatizar o aspecto dinâmico e ativo 
inerente ao conceito, destacando sua função investigativa.
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A proximidade com a arquitetura poderá, por outro lado, designar a condição profundamente 
humana das empreitadas da razão. Trata-se de uma dimensão afetivo-existencial, por onde o 
conceito de arquitetônica repercute uma dinâmica construtiva em imediata complementaridade 
com as necessidades humanas da habitação, do reconhecimento do entorno, logo, da própria 
constituição do mundo. 
Para Kant, a noção de sistema é característicade todo saber que pretenda dizer-se científico. 
Mesmo uma ciência particular deve ser projetada sistematicamente, pois “ninguém tenta estabelecer 
uma ciência sem ter uma ideia por fundamento” (KANT, 1987, p. 834). Essa mesma ideia de cientificidade 
deve caracterizar a atividade filosófica, pois, tendo a Filosofia que responder pela exigência de orientar 
os diversos elementos do saber em vista dos fins essenciais da razão humana, então, tem-se aqui a 
ocasião na qual o exercício do método sistemático não é ponto facultativo. A arquitetônica torna-se 
elemento nevrálgico para pensar a forma de um sistema, caracterizando o modo próprio de proceder da 
razão humana que agora é concebida como “arquitetônica por natureza” (KANT, 1987, p. 474).
A própria forma de um sistema, exigindo uma articulação espontânea das partes envolvidas, sugere 
que as construções da razão devem obedecer a essa espécie de plano de imanência em vista do qual 
todos os elementos ganham sentido e unidade, na medida em que se tornam indicativos uns dos outros. 
O lugar das partes não pode advir de uma localização acidental, isto é, os construtos da razão não se 
exprimem por meio de mera habilidade técnica, como que ajustando as partes por uma conveniência 
casual. A razão procede a partir de uma ideia. 
A ideia, diz Kant, “é o conceito racional da forma de um todo” (KANT, 1987, p. 832). A articulação interna 
desse todo se determina a priori, predispondo-se as partes em função de um fim, daí sua semelhança com 
o organismo que cresce desde dentro, naturalmente, fortalecendo seus membros e não por acréscimo de 
elementos. Isto é, o indício da racionalidade não será uma apresentação de conhecimentos reunidos 
de forma mais ou menos aparentada, ou mesmo de um resumo que apresente um compêndio do saber 
vigente. A arquitetônica, buscando no organismo seu modelo de sistema, sinaliza para um procedimento 
que é constantemente animado por uma ideia e, por isso mesmo, permite supor um deslocamento que 
vai ao infinito em busca de uma forma que sempre, por sua própria natureza, esquiva-se à realização.
O filosofar, assim, impõe um trabalho que deve precaver-se para, em vez de arvorar-se em pretensões 
que beiram a inspiração mística, seguir a caminho da Crítica, no dizer de Kant, o “único ainda aberto” 
(KANT, 1987, p. 856). Daqui já se pode compreender claramente a censura que, num pequeno texto 
tardio, Kant endereçará àqueles cuja arrogância no modo de pensar os faz dispensar o trabalho:
Numa palavra, todos se acham distintos na medida em que acreditam não 
ter que trabalhar; e, recentemente, tem-se ido tão longe com esse princípio 
que, pública e abertamente, se anuncia uma suposta filosofia com a qual 
não se tem que trabalhar, mas apenas ouvir e desfrutar do oráculo em si 
mesmo para possuir desde o fundamento toda a sabedoria que se visa com 
a filosofia (KANT, 1980, p. 390). 
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A esta altura, o que nos parece ser o legado mais relevante da Arquitetônica será o espírito filosófico 
que ela representa: a forma sistemática orientando, desde os elementos, o modo de organizar o saber 
em vista de fins essenciais. A abertura para as elaborações das ciências particulares dá o tom de uma 
inflexão temporal que exige da noção de sistema não exaurir-se em pura forma abstrata, mas que refira 
um múltiplo de conhecimentos a serem ordenados de modo interessante para a humanidade.
Não parece, assim, que o arquitetônico resolva-se em uma estrutura acabada; pelo contrário, ele 
estará mais alinhado a um modo de operar o pensamento diante do dado. Semelhante inflexão é 
um forte indício de como a primeira Crítica deixa aberta uma evidente necessidade de prolongar as 
investigações transcendentais, a fim de encontrar uma atividade que, entre as faculdades do ânimo 
(Gemüt), seja capaz de operar a finalidade, o que é um forte indício de que a terceira Crítica estava em 
germe nas elaborações da primeira. Isso sugere que a filosofia kantiana estaria o tempo todo sendo 
permeada pelo método, isto é, sendo pensada sistematicamente desde os seus elementos.
7.10 História da razão pura
Os historiadores descrevem três Kants: o primeiro é dedicado à Matemática e às Ciências Naturais; 
o segundo começa a se interessar pela Filosofia e pelo conhecimento, confluindo nas temáticas que 
resultarão no criticismo do terceiro Kant. 
 Lembrete
É este último e seus três principais trabalhos – a Crítica da razão pura 
(1781), a Crítica da razão prática (1788) e a Crítica do juízo (1790) –, que 
nos interessam, visto que neste período de sua obra Kant sintetiza – e 
supera – as duas grandes correntes de pensamento da sua época, a saber, o 
racionalismo e o empirismo, além de pretender tornar a Filosofia compatível 
com os saberes físico-matemáticos de então.
A Crítica da razão pura é a Teoria do Conhecimento de Kant, na qual formula uma filosofia 
com aspirações à validade universal, mas distante da Metafísica racionalista. Kant nos diz que todo 
conhecimento sobre a realidade sensível vem, originalmente, da experiência, cujos dados se estruturam 
graças às intuições da sensibilidade – o tempo e o espaço – que não são propriedades das coisas 
mesmas, mas formas segundo as quais o intelecto representa a realidade. Num segundo momento, 
tais representações se ordenam segundo as categorias do entendimento – formas a priori da razão –, 
espécie de moldura das experiências singulares. Destarte, não há a coisa em si, a coisa tal como ela é, 
mas fenômenos, as coisas tais como são percebidas e elaboradas por nossa faculdade do entendimento. 
O conhecimento, aqui, torna-se síntese entre as formas do intelecto e os conteúdos da experiência. 
A ponte entre ambos, diria Kant, é a imaginação, entendida como faculdade criadora. No entanto, 
quando a razão se aplica a conceitos que não podem ser apreendidos pela sensibilidade (“Deus” ou 
“alma”, por exemplo) são produzidas as “ilusões da razão” ou, mais diretamente, simples especulações 
metafísicas que devem ser distintas do conhecimento objetivo.
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Na Crítica da razão prática está exposta a doutrina ética kantiana, base para a demonstração duma 
ordem transcendente sem que fosse necessário recorrer às especulações metafísicas. A ética, em Kant, 
não precisa dos dados da sensibilidade; logo, não pode cair em “ilusões”. Para Kant, a consciência moral é 
um dado tão evidente quanto os corpos da Física de Newton. Ela seria a razão aplicada à ação, uma ação 
que seria moral – razão pura prática – quando regida por imperativos categóricos, e não por imperativos 
hipotéticos, tais quais as punições da lei. A aceitação pelos homens da lei moral é para Kant a prova de 
que existe uma ordem que transcende o sensível, cujo fundamento único é a existência de Deus. Deduz, 
assim, a Metafísica; não da ciência e dos sentidos, mas da ética.
Por fim, falemos da Crítica do juízo. Nela Kant analisa a “beleza” e a “finalidade” enquanto inerentes 
ao homem, mas também como não explicáveis pela experiência mesma. A intuição estética, enquanto 
faculdade, sintetiza a imaginação sensível e o entendimento da razão, possibilitando que a razão se 
torne sensível e a sensibilidade prove da razão.
O kantismo é etapa decisiva e fecunda na história do pensamento ocidental. Kant foi ponto de 
partida para a moderna Filosofia alemã (Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer) e provoca ressonâncias 
em diversas correntes no hoje: os idealistas realçam o caráter criativo dado por Kant à razão humana, 
os positivistas assimilaram sua crítica à metafísica e os fenomenólogos beberam da problemática 
sujeito-objeto levantada pelofilósofo. 
O pensamento de Kant era centrado no racionalismo de Leibniz e na física newtoniana, fato evidente 
em seus escritos iniciais, nos quais concebia o universo como um sistema harmônico regido pela 
Matemática. Pouco a pouco, seu contato com os empiristas ingleses – David Hume, principalmente – 
levou-o a adotar uma posição crítica diante da relação conhecimento-realidade, típica do racionalismo.
Como dizia Hume, o conhecimento tem origem na experiência. Kant concorda. Foi até desperto 
de seu “sono dogmático” por Hume, chegou a afirmar. Mas, para Kant, isso não significa que o 
saber dependa unicamente da experiência sensível. Segundo ele, a realidade física é a posteriori – a 
partir da experiência, por indução –, sendo um erro atribuir a este mundo de diversidades sensíveis 
algum princípio universal. Toda ciência racional, dizia, deve ser fundamentada em princípios a priori, 
dedutivos e independentes da experiência.
8 TRANSCENDÊNCIA
Um dos termos na obra de Kant que iremos estudar nesse momento é o conceito de transcendência/
transcendente. Do latim transcendere (ultrapassar, superar), a noção de transcendência opõe-se à de 
imanência, designando algo que pertence a outra natureza, que é exterior, que é de ordem superior. 
Nas concepções teístas, por exemplo, Deus é transcendente ao mundo criado. Transcendente é 
aquilo que está além do conhecimento, além da possibilidade da experiência, que é exterior ao 
mundo da experiência.
Na escolástica, o termo é utilizado para designar categorias mais gerais que transcenderiam as 
categorias aristotélicas. Os transcendentais seriam assim o ser, o verdadeiro, o bem e o belo, caracterizando 
tudo aquilo que é, sendo no fundo aspectos da mesma coisa, o ser.
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Já na filosofia kantiana, também caracterizada como Filosofia Transcendental, trata-se do ponto de 
vista que considera as condições de possibilidade de todo conhecimento. Nesse sentido, não deve ser 
confundido com o termo “transcendente”. 
Chamo transcendental todo o conhecimento que, em geral, se ocupa 
menos dos objetos do que de nossos conceitos a priori dos objetos. Um 
sistema de conceitos desse tipo seria denominado filosofia transcendental 
[...]. Não devemos denominar transcendental todo conhecimento a priori, 
mas apenas aquele pelo qual sabemos que e como certas representações 
(intuições e conceitos) são aplicadas ou possíveis simplesmente a priori 
(“transcendental” quer dizer possibilidade ou uso a priori do conhecimento) 
(KANT, 1996, p. 92). 
É o caráter de tudo o que ultrapassa uma média. No sentido estritamente filosófico, a 
transcendência implica uma natureza absolutamente superior às outras, ou de uma ordem 
radicalmente diferente. É, portanto, mais particularmente Deus, com relação ao mundo e aos seres 
imanentes (o que exclui qualquer concepção panteísta). Em Kant, é transcendente o que está além 
de qualquer experiência possível. Na fenomenologia e, depois, no existencialismo, o transcendente 
caracteriza o que visa a consciência, ou seja, aquilo em direção ao que ela tende ao mesmo tempo 
que daí permanece distante. 
O campo transcendental corresponde à totalidade absoluta na síntese das condições e só termina 
no absolutamente incondicionado. Aqui, Kant visualiza o reino da liberdade. Se o próprio homem é 
fenômeno e, portanto, apresenta um “caráter empírico”, então o transcendental vai representar uma 
causa inteligível: “[...] temos sempre de dar ao pensamento um objeto transcendental por fundamento 
aos fenômenos, conquanto nada saibamos daquilo que ele é em si” (KANT, 1996, p. 421-422). 
A liberdade situa-se entre o “realismo” transcendental e o empirismo. Daí o motivo do próprio Kant 
se denominar como um “idealista transcendental”. Admite-se a existência da matéria, mas os corpos 
são simples fenômenos; portanto, “também nada mais do que uma espécie das minhas representações, 
cujos objetos só por estas representações são alguma coisa, mas não são nada fora delas” (KANT, 1996, 
p. 316-317). Assim, a matéria converte-se em fenômeno e este, consequentemente, em “representações 
em nós”. Nega-se uma “realidade objetiva” fora do homem, sendo que o único refúgio que lhe resta é 
proclamar a idealidade de todos os fenômenos.
Na Crítica da razão pura, parte-se do mundo do conhecimento para, depois, pensar o campo 
transcendental. No primeiro momento da obra, o conhecimento torna-se o grande objeto de reflexão: 
suas possibilidades, seus limites etc. Quando há “concordância do conhecimento com o seu objeto” 
(KANT, 1996, p. 93), então estamos mais próximos da verdade. Há que se distinguir bem os objetos – 
afirma o filósofo –, pois um conhecimento é falso quando não concorda com o objeto a que é referido. 
Sem o domínio da lógica analítica, que é “a pedra de toque da verdade”, não há a possibilidade de êxito 
na produção de uma “verdade positiva”. Esta implica no exercício correto do conhecimento, ou seja, 
quanto à sua forma, bem antes de se investigar o seu conteúdo.
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A realidade externa – o mundo sensível – aparece em Kant como uma área indefinida. Esse mundo 
(externo) possui realidade, mas sua ordem (ou verdade) não pode ser representada independentemente 
do entendimento. A intuição, que é uma representação antes de qualquer pensamento, faz esse papel 
intermediário entre o entendimento e o mundo empírico. Mas na medida em que uma intuição já está 
preenchida por um objeto dado, ela “já é para mim” e pertence a uma autoconsciência. 
Segundo a trilogia da crítica kantiana, o filósofo vê o “humano” na função transcendente. 
A objetividade é, em si, essa humanização do fenômeno. Mas aqui reside um grande problema: o mundo 
humano fora do homem está ausente de sua reflexão filosófica. Uma objetividade já pensada, produzida 
e reproduzida nas condições externas ao homem nada representa para Kant. Seu idealismo subjetivo, 
então, necessita da “transcendência” para não cair no particularismo (subjetivo); este último poderia 
justificar a práxis de um homem ativo e independente – coisa que Kant vê como algo negativo num 
mundo “contingente”. Daí porque sua liberdade está amarrada (a uma lei moral) e sua vontade é vigiada 
por uma razão prática (que, por sinal, respeita a razão pura).
Na filosofia kantiana há, de forma implícita, essa recusa ao empirismo radical que aparece na filosofia 
de David Hume. No Prefácio de 1781 da Crítica da razão pura, ele expõe sem rodeios sua intenção de 
reconstruir uma nova Metafísica, agora atualizada e em sintonia com o progresso do conhecimento. 
Uma Metafísica que represente “um juízo amadurecido da época” e que não se deixe seduzir por um 
“saber aparente”. Então, não mais uma Metafísica dogmática, mas uma assentada na crítica (a prática 
filosófica).
Sem dúvida que a revisão do campo transcendental em Kant tem sido objeto de reflexão nos 
pensadores contemporâneos. Habermas, por exemplo, admite que hoje a divisão transcendental de Kant 
não se sustenta mais. Em seu lugar, o pragmatismo formal é obrigado “a procurar outros caminhos 
para fazer valer o sentido construtivo da moral” (HABERMAS, 2007, p. 59). Habermas propõe uma 
“razão destranscendentalizada”, agora incorporada a um “realismo interno”. A transcendência em Kant 
implica num sujeito racional isolado e abstrato. A destranscendentalização toma os sujeitos como seres 
socializados, em contextos do mundo da vida.
A destranscendentalização leva a transformar as ideias da razão em idealizações levadas a cabo por 
sujeitos providos da faculdade de falar e agir. Essa idealização em Habermas é uma “transcendência 
a partir de dentro”.

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