Prévia do material em texto
89 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Unidade III 5 ÉPOCA CONTEMPORÂNEA: A “MCDONALDIZAÇÃO” DOS COSTUMES A cozinha francesa atingiu seu apogeu no fim do século XIX. Excelentes livros de cozinha foram publicados nessa época. Entre eles destacam‑se Cuisine classique, escrito por Émile Bernard e Urbain Dubois, e o Dictionnaire universel de cuisine et d’hygiène alimentaire, escrito por Joseph Favre. Em 1900 havia cerca de 2,5 mil restaurantes em Paris, 20 mil cafés, 17 mil negociantes de vinho e 2 mil cervejarias. Paris era, então, sem dúvida, um local único no mundo. A Belle Époque foi um tempo de muito movimento em todos os campos da humanidade (social, político e econômico), e o avanço tecnológico também estava presente: transporte ferroviário, por exemplo, permitia viagens em vagões de luxo pela Europa. Como vimos anteriormente, no início do século XX, André Michelin lançou seu hoje famoso guia. Na época, a Europa entrava na era do automóvel, mas ainda era uma aventura viajar de carro. Foi quando Michelin, que era fabricante de pneus, resolveu unir seus produtos a um guia com endereços de hotéis, restaurantes, postos de gasolina e oficinas mecânicas: uma fusão de turismo e empreendimento. Na virada do século, George Auguste Escoffier e Cesar Ritz são os grandes expoentes da boa mesa na Europa. Quando Ritz convidou Escoffier para ser chef do Grand Hôtel, em Monte Carlo, ambos já eram nomes respeitados. Figura 57 – Hotel Ritz na Arábia Saudita 90 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III Observação Cesar Ritz era um capitão dos primórdios da indústria. Sua carreira começou aos 15 anos como aprendiz de gerente. Aos 19, já administrava um restaurante em Paris. Logo, em outro restaurante, aprendeu a agradar as pessoas que tinham dinheiro e fama. Aos 22, gerenciou e recuperou completamente o Grand National Hotel de Lucerna, na Suíça. Aos 38 anos, chegou ao topo de sua carreira ao tornar‑se gerente do icônico Hotel Savoy, em Londres. Para Ritz, saber lidar com as pessoas era o princípio mais importante de um hoteleiro. Até hoje seu nome carrega o sinônimo de serviços e hotéis elegantes e refinados. Morreu aos 52 anos, vítima de estafa mental e crise nervosa (em razão de suas enormes responsabilidades e do perfeccionismo criativo luxuoso). É considerado por muitos o pai da hotelaria moderna. Ao mesmo tempo que os ingleses se tornaram grandes consumidores dos melhores vinhos franceses, habituaram‑se a jantar fora com frequência nos novos hotéis de luxo e a apreciar as especialidades da cozinha continental. Em contrapartida, a classe alta francesa adotou maneiras inglesas e estilo inglês no vestir. Os homens importavam tecidos e modelos da rua Saville Row, em Londres, e o hábito do chá das cinco. Os utensílios de cozinha também haviam se transformado. Depois da Guerra de 1914, muitas metalúrgicas passaram a produzi‑los, o cobre sendo substituído por alumínio, níquel e metal inoxidável. O vidro, os esmaltados, a porcelana, a cerâmica e outros materiais resistentes ao calor foram também aperfeiçoados. Nos Estados Unidos, a geração do período entre as duas Grandes Guerras aprendeu a viver sem empregados domésticos. Os trabalhos de cozinha foram simplificados com liquidificadores, batedeiras, panelas de pressão, fornos de controle automático e outras inovações, suprindo os interesses da classe média e esquentando cada vez mais o mercado consumidor americano. A indústria de alimentos, cuja produção era objeto de intenso comércio internacional, criou uma situação em que as cozinhas e os hábitos alimentares, sobretudo nos países industrializados, estavam tornando‑se cada vez mais semelhantes. Ao mesmo tempo que a França exportava chefs de cozinha para o mundo inteiro, a globalização propagou os fenômenos americanos do fast‑food e do junk food em Paris. Quem pensaria em um McDonald’s em plena Champs‑Élysées? 91 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Figura 58 – A luxuosa e famosa avenida de Paris, Champs‑Élysées Após a última década do século XX, a rede McDonald’s passou a ocupar um lugar considerado interessante na França e, por se tratar de um mercado de tradições gastronômicas muito fortes, isso foi considerado uma vitória. A gastronomia francesa continuou com as mesmas técnicas e mesmo grau de importância no país, mas os franceses não deixaram de comer hambúrguer, nem os turistas que passam aos montes por lá (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). A culinária, como as outras artes, não é estática. A história de sua evolução, desde os tempos da Pré‑história, mostra a variação de seus costumes segundo o tempo e o espaço. As importantes mudanças ocorridas nas últimas décadas, com a acentuada internacionalização do comércio e da cultura mundial, levou a alterações nos hábitos alimentares, influenciando tanto no aspecto da diversificação dos produtos consumidos como no das formas sociais desse consumo. A grande questão que se coloca constantemente quando se evoca o fast‑food, em particular o McDonald’s, é a de seu sucesso universal. Até os dias de hoje, parece que a empresa de Chicago nunca conheceu, propriamente falando, qualquer fracasso (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 860‑861). Com a leitura do trecho anterior, percebemos que tanto o surgimento como a expansão dos restaurantes de comida rápida são segmentos em ascensão. Os restaurantes por quilo, com base na necessidade de uma oferta de alimentos que agradasse todos os estilos de público, possibilitaram uma difusão mais ampla de produtos, como sushi, salmão e polpas de fruta congelada de várias regiões brasileiras. Os estabelecimentos com comida servida na forma de buffet e o impacto dos sistemas de fast‑food, ainda não foram analisados em todas as suas consequências econômicas, sociais e culturais no Brasil, o que há são análises que destacam apenas aos aspectos nutricionais abordados pela temática do saudável. 92 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III O fast‑food cria uma imagem e um código para grupos específicos, as chamadas tribos urbanas, estimulando comportamentos e homogeneizando o gosto do mundo. Com a falta de tempo para a alimentação, as pessoas recorrem às comidas rápidas (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). O gosto de um alimento ultrapassa o paladar. O sentido da vida instiga. Embalagens e decorações atraem públicos, determinam preferências, são exercícios estéticos generalizados em fast‑food, diferentemente do atendimento personalizado dos restaurantes tradicionais. A cozinha não é mais apenas arte pessoal, torna‑se industrial e comercial, perdendo em inventividade e identidade. Figura 59 – McDonald’s no aeroporto de Pequim, na China Com formato moderno, lojas de fast‑food têm a característica de atender à velocidade da vida urbana contemporânea. Sua abrangência relaciona‑se à emancipação financeira de jovens, com uma linguagem voltada a quem tem pressa e sabe que tempo é dinheiro, fazendo as pessoas se sentiram parte do centro do mundo (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). Saiba mais Para saber mais sobre as consequências das comidas rápidas no nosso organismo, assista ao documentário indicado a seguir: SUPER size me. Dir. Morgan Spurlock. Estados Unidos: The Con, 2004. 100 minutos. Se a praticidade resolve a falta de tempo na vida doméstica para o preparo de refeições, as consequênciasnegativas da alimentação industrializada também acompanham a rapidez desse segmento, como contaminação ambiental, excesso de conservantes e aditivos, padronização de gostos e aumento da quantidade de pessoas obesas ou desnutridas. 93 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Quando a sociedade passa por transformações econômicas e se inclui no sistema internacional, a predominância do gosto ocidental mistura‑se às tradições locais. Aos poucos, a cultura dominante incorpora‑se às raízes tradicionais e as substitui. Mercado consumidor que é, sua oferta agrega demandas de novas práticas. A homogeneização do gosto acompanha os processos industriais do sistema. Programas institucionais para mudar hábitos de populações do terceiro mundo não evoluíram porque desconsideraram preceitos e proibições religiosas e categorias culinárias. Entendia‑se a questão quanto a preconceitos, ignorâncias e superstições dos povos, evidenciava‑se a insensibilidade dos interventores para perceber o peso da cultura sobre a alimentação (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). O consumidor é exigente e deseja produtos que facilitem o trabalho na cozinha. O século XX internacionalizou a gastronomia, firmada nos continentes e simultaneamente crescente no espaço criativo regional. A segunda metade do século XX iniciou‑se com a nouvelle cuisine, movimento em que cozinheiros, grands chefs e gastrônomos defendiam a culinária de realce ao sabor natural, conjugando a inteligência ao trabalho da natureza (FREIXA; CHAVES, 2009). Na segunda metade do século XX, a nouvelle cuisine, que significa cozinha nova, defendendo uma culinária que realçasse mais o sabor natural da comida, se preocupava em dar um tratamento inteligente aos alimentos, sem destruir o trabalho feito pela natureza (FREIXA; CHAVES, 2015). A nouvelle cuisine está ate hoje presente em diversos países. O movimento busca técnicas que valorizem pratos cujos alimentos têm cozimento rápido, para deixar cada um deles mais definido e mais destacado. Não há excesso de temperos, e os molhos são mais leves e menos gordurosos (FREIXA; CHAVES, 2015). A apresentação dos pratos é importante. As cores que cada alimento carrega devem estar harmonicamente arrumadas no prato para agradar os olhos. Além do gosto e do olfato, o visual do prato é importante: o “empratamento”. A valorização das técnicas culinárias é muito importante, pois o movimento acreditava e ainda acredita que só com o conhecimento é que se pode trabalhar o alimento, sem perder seu sabor natural e característico. Foi um movimento que surgiu no século XX, mas nem por isso podemos dizer que a Idade Contemporânea inovou e transformou a gastronomia significativamente. Os aperfeiçoamentos de grandes ensinamentos e descobertas foram o ponto‑chave do movimento. Tais técnicas foram aprimoradas aos novos hábitos da sociedade contemporânea (FREIXA; CHAVES, 2015). As principais características da nouvelle cuisine, segundo Gault e Millau em 1973, estão listadas a seguir: Rejeição à compilação desnecessária na culinária e preferência por técnicas como cozimento em água fervente, forno e vapor. Redução do tempo de cozimento para muitos ingredientes (notadamente para peixe, frutos do mar, carne de caça, vitela, vegetais e patê), 94 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III com o objetivo de, por meio de um cozimento mais natural, trazer à tona sabores esquecidos. Uso de ingredientes de ótima qualidade sempre que possível e comprados diariamente no mercado. Redução dos cardápios, inclusive por parte os grandes hotéis. Rejeição aos temperos fortes para a carne, já que a carne de caça era servida fresca, e não em conserva. Vale destacar que Barr e Levy (1984) duvidaram do efeito dessa tendência por causa da provável e consequente redução da palatabilidade dessa prática. Eliminação de molhos suculentos e pesados, especialmente o béchamel e o espagnole. O uso de molhos engrossados com farinha e manteiga era encarado com desdém, passando a se preferir os molhos feitos por meio da redução do líquido de cozimento, sem a adição de creme de leite ou manteiga. Ao mesmo tempo, essa nova culinária passou a fazer amplo uso de ervas, suco de limão e vinagre no tempero dos pratos, em um esforço para ressaltar os sabores dos ingredientes e evitar uma tendência existente na haute cuisine francesa de disfarçar ingredientes pobres com molhos pesados. A cozinha regional passou a ser fonte de inspiração para novos pratos, e não a haute cuisine parisiense (embora esse processo tendesse a eliminar pratos pesados do estilo camponês, como os ensopados). Uso da moderna tecnologia na cozinha, ainda que apenas experimentalmente. Processadores de alimentos, fornos de micro‑ondas e alimentos congelados não foram descartados. Preocupação com alimentos de baixo teor calórico e gorduroso no planejamento do cardápio. As carnes vermelhas (exceto carneiro) não eram vistas com bons olhos, e a fritura só era usada muito raramente. Sugeria‑se também um uso reduzido de sal e de açúcar. Estimulava‑se a criatividade dos novos chefs, ocorrendo, inclusive, a criação de um prêmio para a constante inovação e experimentação (MENNELL, 1985, p. 163‑164). A inovação tecnológica associada à globalização influenciaram as cozinhas internacionais. Em Londres é possível comer uma moqueca capixaba, em São Paulo, uma paella valenciana, em Nova York, ceviche peruano. Obviamente, isso tudo gerou uma sensação de recriar ou revitalizar 95 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO receitas tão tradicionais para surpreender os paladares dos comensais; temos, então, o surgimento da fusion cuisine. A fusion cousine veio do chamado novíssimo mundo, Austrália e Nova Zelândia, que aporta influências do colonizador, mas tem riqueza de ingredientes em seu solo. Produtos nativos, chefs com técnicas aprimoradas e a relação próxima com o sudeste asiático compõem a fórmula dessa novidade gastronômica. Não existem propriamente regras para essa novidade, mas, sim, uma complexa fusão de sabores comandada por chefs experientes e conhecedores de sabores mundiais e regionais, além de combinações de técnicas de cocção e de variados estilos de cozinha. Há também a harmonização de ingredientes picantes, amargos, ácidos e doces de distintas regiões, realizando uma espécie de alquimia. Sobre o assunto, Hugh Carpenter escreveu Fusion Food Cookbook. Nessa obra, além de se evidenciar a forma diversificada de os povos se alimentarem, aborda‑se conhecimentos de técnicas de gastronomia, da história dos ingredientes, das tradições dos alimentos e, sem dúvida, o viés gastronômico cosmopolita. Figura 60 – Exemplo de fusion cuisine Por definição, a indústria relacionada ao comer fora (almoçar fora, jantar fora ou as duas coisas) distingue‑se pela importância que o consumidor atribui à experiência de comer. Como tal, é provável que os critérios usados para a escolha dos restaurantes também sejam diferentes. Ainda mais relevante é a importância do cardápio e o fato de ele refletir ou não o gosto do consumidor, fatores que também variam. A literatura sobre comércio comprova que os consumidores passam por várias fases antes de fazer a compra. O processo é desencadeado pelo reconhecimento de necessidades insatisfeitas, então, os consumidores buscam informações sobre as alternativas de ofertas, avaliam‑nas de acordo com determinados critérios, tomam uma decisão sobre o que comprar e, após a compra,avaliam a sua decisão (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). Enquanto o consumidor pode estar altamente envolvido na decisão a respeito do local onde fazer uma refeição em uma ocasião especial, comer um simples sanduíche na hora do almoço é uma compra 96 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III de baixo envolvimento. A compreensão dos critérios de compra na escolha do restaurante, portanto, torna‑se importante para saber até que ponto (e como) os donos de restaurante podem influenciar a escolha do consumidor (e, consequentemente, o gosto culinário). No atual contexto de crise alimentar, a ênfase da sociologia da alimentação recai cada vez mais sobre as pesquisas da racionalização dos modernos padrões de consumo de alimentos. Enquanto a disponibilidade de alimentos constitui alvo de preocupação no mundo todo, principalmente nos países subdesenvolvidos, a natureza do alimento consumido vem conquistando o espaço na agenda política. O recente aumento nos níveis de consumo de alimentos prontos, tanto no cenário doméstico quanto no comercial, está bem documentado e disseminado. Entretanto, escândalos alimentares de grandes dimensões suscitam perguntas não só a respeito da quantidade, mas também da condição geral dos alimentos e de suas consequências para a saúde (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). Apesar das crescentes preocupações com a saúde por parte da população, especificamente nos últimos trinta anos, parece haver uma confusão permanente a respeito do conceito de alimentação saudável. Enquanto as refeições da classe operária procuram compensar a energia gasta em longas horas de trabalho pesado, a burguesia demonstra maior preocupação com a saúde e a aparência física. A responsabilidade pela propagação de doenças relacionadas com a alimentação e pela disseminação de alimentos prejudiciais à saúde foi amplamente atribuída à indústria alimentícia global. Acredita‑se que esse padrão de produção de alimentos prejudiciais à saúde seja de responsabilidade das empresas multinacionais do setor alimentício. Os padrões de produção de alimentos em larga escala são: • rebanhos que recebem doses maciças de hormônios e antibióticos; • alimentos de hortifrúti que recebem água contaminada por excremento animal; • organismos geneticamente modificados. Pesquisas demonstram que os problemas de alimentação estão relacionados com as mudanças de estilo de vida, sobretudo com o fenômeno da urbanização. Sabe‑se que as populações urbanas são menos ativas fisicamente e também consomem uma quantidade muito maior de alimentos prontos, seja em casa, seja em restaurantes. Em quase todas as partes do mundo, as pessoas estão consumindo mais refeições fora de casa do que jamais consumiram. Esse aumento de consumo equipara‑se ao aumento e oferta de restaurantes, que vão desde fast‑foods até estabelecimentos sofisticados. A obesidade é um transtorno alimentar cada vez mais comum e talvez seja o indicador mais evidente das mudanças radicais nos padrões de consumo de alimentos implantadas no início do século XX. Enquanto na virada do século XIX as deficiências alimentares foram as principais causas de doenças no mundo, no século XXI as doenças estão relacionadas com a ingestão excessiva de alimentos (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). 97 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Parece que esse problema tem sido exacerbado pelo crescimento implacável do consumo doméstico de alimentos pré‑prontos e de alimentos em restaurantes do tipo fast‑food originários dos Estados Unidos. Se aceitarmos o conceito de McDonaldização como inevitável para a evolução de muitos sistemas econômicos e sociais e para as prováveis consequências anunciadas da globalização, então essa tendência deverá se manter por muito tempo. O alimento tornou‑se uma mercadoria como outra qualquer, sem que seu consumo receba maior atenção (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). Figura 61 – Comida como mercadoria no site do McDolanld’s Tais hábitos alimentares McDonaldizados têm implicações negativas à saúde, principalmente para crianças e adolescentes, estando muito distante das recomendações alimentares. As modernas técnicas de aromatização e processamento dos alimentos têm deixado de lado a preocupação com a saúde (junto com a preocupação de quão nocivos esses processos são). As tecnologias estão facilitando a produção de alimentos que são prejudiciais à saúde. Então, para uma maior conscientização, a dimensão do paladar está sendo amplamente discutida por vários segmentos da área da alimentação, ressaltando‑se sempre que alimentação saudável é aquela com variedade de cores e sabores. O receio quanto ao consumo de alimentos e a subsequente conscientização a respeito do que chega aos nossos estômagos podem ter causado um impacto positivo sobre a ética na produção de alimentos, a saúde e o paladar. Por causa da grande variedade de opções disponíveis aos consumidores, é possível argumentar que, para ter sucesso, um restaurante deve voltar‑se ao mercado e oferecer produtos e serviços que satisfaçam as necessidades e os desejos dos clientes. Os principais segmentos de atuação na gastronomia seguem essas tendências. O apoio à sustentabilidade no meio rural já é um segmento de atuação de chefs brasileiros. Conhecer o fornecedor, apoiar a agricultura familiar, ter mais contato com a terra e os produtos sazonais já é uma realidade de segmento, mas faz‑se necessária uma campanha mais extensa para toda a sociedade, de modo que o preço dos produtos orgânicos torne‑se acessível a todos. 98 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III A primeira metade do século XX foi marcada pelas restrições impostas por duas guerras mundiais. As décadas de 1980 e 1990 foram palco do ressurgimento de uma alimentação mais abundante. Contudo, tanto a moralização quanto a liberalização do alimento parecem excessivas, sobretudo nas formas de alimentos rápidos e gordurosos sem nenhum valor nutritivo. 6 A GASTRONOMIA NA ATUALIDADE: PRINCIPAIS SEGMENTOS DE ATUAÇÃO Comer é um ato que raramente se faz em solidão. A comida e a bebida são, em geral, atos sociais em que a família ou os amigos se reúnem ao redor da mesa em algum lugar, porque a comensalidade deve ser vista a partir dos lugares onde se produz essa interação social. Esses verdadeiros cenários gastronômicos podem ser tanto privados (refeitórios nos centros urbanos e cozinhas no campo) como públicos (restaurantes, cafés, bares etc.). Figura 62 – Gastronomia, comida e mercado de alimentos no século XXI Os cenários gastronômicos saltam em nossa imaginação, como o mercado lisboeta da imagem anterior ou as conversas de café tão comuns entre os habitantes de Buenos Aires. Os cenários cumprem uma função de comunicação entre grupos semelhantes que atuam ao mesmo tempo como formas de diferenciação de outros grupos em um espaço determinado. É possível distinguir dois sistemas alimentares: o tradicional e o atual. O primeiro caracteriza‑se pelo consumo de produtos básicos que podem ser obtidos durante todo o ano, sejam frescos ou preparados de maneira tal que possam servir de alimento. Como exemplo, temos o movimento da sazonalidade, cuja existência deu origem a verdadeiras culturas alimentares, tendo um valor simbólico e afetivo. O sistema tradicional complementa‑se com produtos de estação ou secundários, como legumes, frutas e verduras. Observação O que é sazonalidade? A palavra sazonal é um adjetivo que se refere a algo temporário. Portanto, a sazonalidade dacomida ou do alimento diz respeito a uma determinada época do ano, estando relacionada ao evento de colheita. Por isso os estabelecimentos que seguem a sazonalidade dos alimentos têm produtos mais frescos e com sabor mais apurado. 99 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Dispondo‑se do dinheiro necessário, atualmente é possível comer qualquer alimento a qualquer momento em qualquer lugar e na quantidade desejada. Muitos fatores atuam na alimentação dos países modernos, e não há dúvida de que o prazer gastronômico e a busca de prestígio tendem a aumentar, porém o poder aquisitivo aparece como variável nas explicações de comportamento. O restaurante divide‑se em diversos setores, sendo seus principais pilares a área de atendimento, denominada salão, e a área de produção, denominada cozinha. São incontáveis os motivos que levam as pessoas a um restaurante, mas alimentos, bebidas e serviços estarão sempre contidos nesses motivos. Os tempos modernos alteraram os tradicionais ritos da mesa. A jornada de trabalho não está subordinada às refeições, mas a refeição está subordinada à jornada de trabalho. Alterou‑se também, após muita reivindicação, o papel da mulher ao trabalhar fora do lar, assim como as refeições rápidas e congeladas substituíram a cozinha tradicional em muitos casos. A dimensão cultural e social da gastronomia determinou incorporá‑la ao complexo conjunto de políticas de patrimônio cultural. O uso que o turismo faz do patrimônio determina que a gastronomia adquira cada vez maior importância para promover um destino e captar correntes turísticas. A gestão de qualquer negócio de alimentos e bebidas está necessariamente relacionada ao desenvolvimento de atividades que envolvem pessoas (seja internamente, no caso da cozinha, seja diretamente, frente ao cliente) e é justamente nesse ponto que devemos questionar a identidade profissional (CHON; SPARROWE, 2003). Os motivos que levam as pessoas a entrar no ramo de alimentação podem ser infinitos, incluindo o sonho de se inserir nesse ramo de negócio, sem um profundo conhecimento da atividade e seus riscos. Entre as respostas à pergunta: por que abrir um restaurante? Sempre estará o objetivo do lucro, mas, esse objetivo é permeado de riscos na geração de negócios e bebidas (CHON; SPARROWE, 2003). Segundo Walker e Lundberg (2003), para abrir um restaurante, é necessário observar os passos descritos a seguir: • tenha experiência no ramo de restaurantes, especialmente no segmento em que pretende operar; • não se aborreça se perder suas noites e ter longos finais de semana (sem falar nas manhãs e nas tardes); • seja capaz de aceitar o risco pessoal (possuir dinheiro para começar um negócio de alto risco e talvez perder tudo); • tenha um conceito em mente e menus elaborados; • tenha concluído um projeto comercial detalhado; • tenha vários objetivos pessoais e familiares estabelecidos para os próximos anos; 100 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III • tenha paciência; • tenha identificado uma demanda significativa no mercado em relação ao tipo de restaurante que você deseja abrir; • tenha um bom plano de saída (o ramo de restaurantes é fácil de entrar, mas muito caro para sair); • possa pagar um advogado e um contador experiente em negócios e restaurantes. Após ler as dicas, podemos entender que a geração de negócios na área de alimentos e bebidas está diretamente relacionada ao perfeito desenvolvimento das atividades que vão ao encontro das expectativas dos clientes. O ramo da alimentação é subjetivo, é preciso preocupar‑se com a apresentação e o modo de servir, com a iluminação adequada e até um projeto arquitetônico compatível. O alimento, a comida, a bebida e a cor local, aliados ao valor da hospitalidade posta como serviço, promovem uma nova e interessante experiência turística. Considerar os fatores humanos nos serviços é um ponto estratégico e, assim, a gestão de pessoas e a gestão de marketing no ramo da alimentação devem ser consideradas na prática. Com o objetivo de potencializar o atrativo das diferentes gastronomias locais, criou‑se, em diferentes localidades, uma rota que compreende lugares onde a gastronomia tem características similares. As rotas gastronômicas podem estar organizadas em função de um produto ou de um traço cultural característico que lhe dá uma denominação. A Unesco elaborou seu próprio conceito de rota e estabeleceu que sua função é promover o conhecimento entre diferentes civilizações, culturas e religiões, mostrando suas inter‑relações e influências recíprocas. Esse conceito, denominado rotas do diálogo, abrange os aspectos dinâmicos resultantes do encontro entre pessoas e a transmissão de conhecimentos sobre seus usos, costumes e crenças. No Brasil já se projetaram rotas culturais cujo eixo é a gastronomia e o objetivo é a busca do desenvolvimento rural. A metodologia indicada pela Unesco pode ser utilizada da seguinte maneira: • criação de uma base de dados com todos os atrativos turísticos, culturais e gastronômicos; • preparação de um mapa com os atrativos mais importantes; • projeto de circuitos que combinem arte e gastronomia, além de outros aspectos de interesse turístico; • realização de visitas de campo para assegurar que os serviços oferecidos reúnam um mínimo de qualidade e os tempos estimados para que as visitas sejam corretos; • submissão das propostas a um painel de especialistas, composto por operadores de turismo e agentes de viagem das cidades onde se quer captar o fluxo turístico, para conhecer sua opinião. 101 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Outro segmento de atuação interessante da gastronomia nos dias de hoje é a intervenção em museus. vários restaurantes fizeram parcerias com museus famosos no turismo cultural e foram até premiados pelas suas atuações no ramo da arte com a alimentação. No Brasil, em 2017, o chef de cozinha Rodrigo Oliveira inaugurou o restaurante Balaio no Instituto Moreira Sales, em São Paulo, e promete sucesso de público e crítica. Na imagem a seguir, vê‑se o Museu Guggenheim, em Bilbao, na Espanha, que abriga o restaurante Nerua, sede do The World’s 50 Best Restaurants em 2018. Figura 63 – O Guggenheim, em Bilbao, abriga o renomado restaurante Nerua As coleções excepcionais de interesse universal (na arte, na arqueologia ou em outra área de conhecimento) são desfrutadas por um crescente número de pessoas, como visitantes turísticos ou permanentes. Essas pessoas estabelecem uma relação comunitária com o museu muito interessante, capaz de ser explorada na alimentação local e internacional. Esse interesse estende‑se à apresentação do patrimônio intangível, em particular a alimentação. As estratégias competitivas, hoje, devem estar centradas nos profissionais, pois são eles quem podem reconhecer as pessoas que são os clientes. Uma tecnologia é a mesma para todos; oferece e opera as mesmas facilidades e vantagens a qualquer um. A estratégia, então, estará na compreensão da complexidade do ser humano, potencializada nas relações humanas. As possibilidades de atuação do profissional da gastronomia são inúmeras, pois existe uma gama de segmentos de mercado que pode ser explorada pelo profissional. Essa segmentação pode ser por tipo de público, como slow food, raw food, diet, ligth, funcional, gourmet e assim por diante. Assim, esses profissionais podem atuar: 102 Re vi sã o: N om e do re vi so r- D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III • na elaboração de cardápios; • na seleção de ingredientes; • como chef de cozinha ou cozinheiro; • como chef executivo; • na elaboração de material didático para cursos livres ou universitários de gastronomia; • em programas de rádio, TV e canais da internet; • no magistério gastronômico; • como proprietário(a) de restaurante. Observação Os profissionais da cozinha, também chamados de brigada de cozinha, têm nomes de origem francesa devido à profissionalização e à maior difusão do assunto. Hoje, tais nomes são utilizados no mundo inteiro, no entanto em alguns países (como o Brasil) usam‑se traduções desses termos, para que sejam melhor identificados e tenham sua formalização adequada perante o Ministério do Trabalho. Para a realidade brasileira, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) padronizou os nomes da brigada: cozinheiro, chefe de cozinha (também chefe executivo de cozinha ou tecnólogo em gastronomia) e subchefe de cozinha. São oportunidades para aqueles com pouca ou nenhuma experiência: resorts, hotéis e spas, que frequentemente têm serviços e instalações diversificados para servir comida, incluindo restaurantes finos, serviço de atendimento aos quartos, cafeterias e salões para banquetes. Os restaurantes independentes, como bistrôs, restaurantes upscale (alto escalão ou finos) e restaurantes familiares, apresentam menu completo, e os clientes são servidos por garçons treinados. Padarias e cafés oferecem um campo menor, mas podem ser bons para especialidades, como pães, bolos de casamento etc. Além disso, a área gastronômica cresceu em vários segmentos, como fornecimento institucional de refeições (escolas, universidades, hospitais), trabalho na cozinha de clubes particulares, serviços de buffet, serviço de substituição de refeições em casa e restaurantes de empresas. São oportunidades avançadas que exigem experiência e formação sólida: 103 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO • Docência: é exigido formação superior e experiência significativa na área, pois geralmente são escalados para aulas práticas. Exige‑se também, em determinados casos, experiência no setor de negócios para ministrar aulas relacionadas a empreendimentos ou gestão de negócios. • Comunicação; mídia; assessoria de comunicação: o mercado para esse segmento exige formação complementar (graduação em Marketing ou Comunicação Social), além de experiência no setor de alimentação. • Empreendedorismo: é o caminho mais desafiador, mas também o mais compensador. É preciso ter espírito empresarial e planejamento. São empreendimentos de lucros a longo prazo. • Sistema de brigada da cozinha: foi instituído por Escoffier para simplificar e agilizar os serviços nas cozinhas dos hotéis. Eliminou o caos e definiu as praças da cozinha para que não houvesse duplicidade de serviços: — O chef é o responsável por todas as operações da cozinha, incluindo os pedidos, a supervisão de todas as praças e o desenvolvimento dos pratos do menu. — O sous‑chef é o segundo no comando, responde ao chef e podo ser responsável por cronogramas, substituir o chef na sua ausência ou assistir os chefs de praça ou cozinheiros de linha, conforme necessário. A seguir estão listados os principais cargos de cozinheiros de linha: • Chef sauté: molhos e pratos salteados. • Poissonier: peixes, limpeza e molhos. • Rôtisseur: pratos assados e outros molhos. • Grillardin: alimentos grelhados. • Friturier: alimentos fritos. • Entremetier: entradas quentes, sopas, vegetais, macarrão e pratos com ovos. • Tournant: trabalha no lugar em que for necessário em toda a cozinha. • Garde manger: alimentos frios, saladas e patês (essa categoria é considerada separada do trabalho da cozinha). 104 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III • Boucher: corte de carnes, aves e peixes. • Pâtissier: assados doces, tortas e sobremesas (frequentemente supervisiona uma área separada da cozinha quando se trata de grandes operações). • Aboyeur: recebe os pedidos e os passa para os vários chefs de praça. • Communard: prepara a refeição a ser servida à brigada a certa altura do turno. • Commis: aprendiz que trabalha respondendo a um chef de praça para entender com a praça opera e quais as suas responsabilidades. Vale ressaltar que é crescente a conscientização de consumidores, chefs e donos de restaurantes sobre os efeitos positivos de ações sustentáveis e mesmo de um estilo de vida sustentável. Um restaurante pode apoiar a sustentabilidade de diversas maneiras: comprando de fornecedores locais, usando produtos de legado (Heirloom) etc. Conhecer a cozinha e as técnicas clássicas de uma cultura sempre ajuda o(a) cozinheiro(a) quando ele(a) decide modernizar ou adaptar alguma receita tradicional. Vá a outros países, leia, respeite as culturas, conheça as tradições e mantenha a mente aberta para experimentar a imensidão de cozinhas pelo mundo e pelo Brasil. 6.1 Os chefs fundamentais para a evolução da gastronomia no Brasil e no mundo Desde a Antiguidade, os cozinheiros são tidos como pessoas importantes. Em Roma, por exemplo, eles eram personagens de grande relevância, pagos a altos preços. Cada qual tinha as suas tarefas específicas na cozinha e ficava sob as ordens de outra pessoa, que correspondia aos chefs de cozinha de hoje. Ainda na Antiguidade, alguns povos da Ásia e da África tinham o hábito de enterrar seus maiores governantes juntamente com copeiros e cozinheiros para garantir a sua alimentação na vida após a morte. No Egito dos faraós, os cozinheiros ocupavam cargos de ministros de Estado, na Índia há relatos de vários reis que eram cozinheiros de profissão. Em uma entrevista à revista inglesa Home Chat, em 1902, George Auguste Escoffier definiu chef e cozinheiro. Um cozinheiro, mesmo sendo capaz e experiente, não possui necessariamente as qualidades de um chef. Sua ação é dirigida pelo homem que, como o próprio nome indica, é o chefe e responsável por tudo na cozinha (FRANCO, 2010). Já o chef, dizia ele, é um artista e administrador. Suas obrigações cotidianas, variadas e numerosas, compreendem determinar as compras de cada dia, planejar os menus e distribuir o trabalho entre o pessoal da cozinha (que pode chegar a dezenas de pessoas). Deve ainda supervisionar a execução dos pratos do menu e trocar ideias com o mâitre d’hôtel. Todos os pratos passam por seu exame e crítica. 105 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Um chef, porém, não pode dirigir trabalhos que ele mesmo não seja capaz de executar. Necessita, portanto, além da sensibilidade artística e do paladar muito apurado, de conhecimento amplo de tudo o que se relacione com a cozinha. Apenas quem faz da haute cuisine o seu supremo interesse, dedicando‑lhe anos de estudo e de trabalho, torna‑se um chef. Podemos perceber que Escoffier sempre se refere ao cargo chef de cozinha no masculino, pois naquela época, infelizmente, as mulheres não tinham direitos sociais e nem políticos na sociedade. Felizmente, essa realidade é diferente nos dias de hoje e muitas mulheres já são profissionais da cozinha, ocupando, inclusive, cargos de chef de cozinha (mesmo que, em pleno século XXI, as mulheres ainda sofram discriminações dentro e fora das cozinhas). Figura 64 – Chef de cozinha e cozinheiras Por mais inovador(a) e criativo(a) que seja,um(a) chef de cozinha ou cozinheiro(a) sempre vai se inspirar em velhas receitas e técnicas culinárias que aprendeu. Uma prova disso é que as grandes cozinhas surgiam em países onde já existiam uma cozinha tradicional saborosa e variada, e que acabou servindo de base para as outras. Assim, um princípio do qual jamais um(a) cozinheiro(a) ou chef de cozinha deve se afastar é o equilíbrio. Os pratos extravagantes podem ser excessivamente pesados e pouco saborosos, já nos pratos simples podem‑se juntar dois ou três produtos, ainda que simples, de modo que resultem em um sabor original, obtido apenas pelo preparo correto. Portanto, para ser um(a) excelente profissional da cozinha é necessário conhecer as associações saborosas para resultar em um casamento perfeito: quais ingredientes podem ser misturados com quais, qual a forma e o tempo de cozimento mais adequados, quais as quantidades e as proporções mais convenientes. É possível observar que muitos chefs de cozinha, cozinheiros, maîtres e garçons iniciaram suas carreiras com experiências adquiridas ao longo de seu trabalho diário, com a prática operacional no 106 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III seu dia a dia, ficando claro o esforço para alcançar cargos que exijam mais habilidades e até mesmo a educação formal, pois muitos possuem apenas níveis básicos de ensino. A palavra gastronomia está em evidência há pouco tempo no Brasil. Até 1965, a única forma de se tornar chef de cozinha no País era por meio da formação no próprio trabalho. A partir de então, com o decreto nº 44.864, de 28 de maio de 1965, o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria Estadual de Turismo, reconheceu a validade do certificado de habilitação profissional do curso de cozinheiro. Assim, após esse decreto, a formação básica de cozinheiro por meio da educação profissionalizante foi instaurada em Instituições de Ensino Técnico na cidade de São Paulo. Atualmente é possível realizar cursos de formação específica de Gastronomia com nível superior de ensino. Os profissionais de cozinha não são necessariamente empregados apenas em hotéis e restaurantes tradicionais. Atualmente, uma ênfase crescente em nutrição, sofisticação e controles financeiro e de qualidade significa que todos os setores da alimentação oferecem desafios interessantes. Segundo Alex Atala: [...] tonar‑se chef é um processo tão longo quanto a própria carreira. Cozinhar é uma profissão dinâmica – que oferece alguns dos maiores desafios, assim como algumas das maiores recompensas. Existe sempre o outro nível de perfeição a atingir e outra técnica a dominar. [...] Cozinhar nem sempre é uma arte perfeitamente precisa, mas um bom conhecimento do que é básico dá ao chef ou ao estudante não só a possibilidade de aplicar a técnica, mas também de aprender os padrões de qualidade, para que comecem a desenvolver um sentido de como funciona o processo de cozinhar (INSTITUTO..., 2017, p. 22‑23.). Saiba mais Para saber mais sobre a vida e os desafios dos maiores chefs da atualidade assista à serie indicada a seguir: CHEFS Table. Dir. David Gelb. Estados Unidos: Boardwalk Pictuires, 2015. Enumeramos a seguir alguns dos chefs de cozinha fundamentais para a evolução da gastronomia no Brasil e no mundo. Vale aprofundar‑se sobre cada um. 107 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO • Marie‑Antoine Carême: desde jovem destacou‑se como ajudante de confeitaria em Paris. Foi cozinheiro de Napoleão Bonaparte, do Czar Alexandre e do Príncipe Regente da Inglaterra. Carême ficou conhecido como o cozinheiro dos reis e o rei dos cozinheiros, e é o criador da alta gastronomia. Inventou o toque, chapéu utilizado nas cozinhas pelos chefs, instituiu o uso de produtos frescos e se inspirava em projetos arquitetônicos para criar seus pratos. Foi criativo, audacioso e minucioso. Morreu em 1833. • Auguste Escoffier: certamente o pai da gastronomia moderna, o rei dos chefs. O século XX, que principiou sobre o comando culinário de Carême, terminou sob o comando de Escoffier. Ele deu à culinária francesa condições de manter sua hegemonia por mais de 70 anos, até o surgimento da nouvelle cuisine. Sem Escoffier não seria possível compreender o surgimento e a expansão das primeiras grandes redes de hotelaria de luxo junto com César Ritz. • Paul Bocuse: tornou‑se uma lenda viva após criar a nouvelle cuisine. Vive atualmente em Lyon, na França, mantendo como base de sua cozinha a culinária regional e valorizando os ingredientes locais e suas sazonalidades. Recebeu três estrelas Michelin por 50 anos e foi laureado pelo Culinary Institute of America como o chef do século. É o responsável por transformar Lyon na capital mundial da gastronomia e inspirou o famoso filme de sucesso de bilheteria e de crítica Ratatouille. • Ferran Adrià: conhecido como o pai da gastronomia molecular tecnoemocional, o chef catalão desconstrói alimentos e os reinventa em cores e combinações desconcertantes, utilizando a alta tecnologia na concepção de pratos. Na vanguarda dessa tendência, o estrelado restaurante El Bulli foi palco de suas criações e seu reinado. Com três estrelas Michelin, Adrià tornou‑se guru, e sua cozinha ainda hoje é trabalhosa e quase impossível de repetir. • Alain Ducasse: nasceu em uma fazenda no interior da França em 1956. Tem uma rede de restaurantes que primam pela perfeição e pelas técnicas da culinária francesa. Seu restaurante, The Dorchester, possui três estrelas Michelin. Em 1980, surgiu como grande potência no badalado e concorrido mundo da culinária francesa, em 1984, foi premiado com duas estrelas Michelin. Trata‑se do primeiro chef a receber três estrelas Michelin em três restaurantes diferentes. • Alex Atala: é o principal nome da cozinha no Brasil e, sem dúvida, o chef brasileiro mais conhecido no mundo. Ganhou destaque quando seu restaurante D.O.M. foi eleito, em 2012, o 4º melhor restaurante do mundo pela revista Restaurant (ranking com os 50 melhores restaurantes do mundo, uma espécie de Oscar da gastronomia). Em 2015, se tornou o chef brasileiro mais bem avaliado ao receber três estrelas do aclamado guia Michelin (seu restaurante D.O.M. recebeu duas estrelas, a outra estrela ficou com seu outro restaurante, Dalva e Dito). Sua cozinha valoriza o ingrediente brasileiro, principalmente os da Amazônia, e a regionalidade é seu foco ideológico na cozinha. • Helena Rizzo: atualmente uma das mulheres mais influentes no meio gastronômico mundial, já foi eleita a melhor chef mulher da América Latina (título que demonstra a permanência da discriminação de gênero dentro da cozinha), e seu restaurante Maní ficou entre os 50 melhores 108 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III restaurantes do mundo, segundo a renomada revista Restaurant. O Maní busca ingredientes brasileiros e sazonais com leveza e naturalidade. • Rodrigo Oliveira: fez da zona norte de São Paulo palco de filas em busca de uma mesa em seu restaurante de comida nordestina, o Mocotó. Rodrigo figura entre os melhores chefs do Brasil e da América Latina com sua cozinha de inspiração pernambucana. Outro diferencial interessante a se destacar é a valorização dos ingredientes sem haver uma elevação do preço do produto final ao cliente. • Thiago Castanho: o jornal The New York Times definiu o chef paraense como um dos mais inovadores do Brasil. Sua cozinha é focada na culinária cabocla e de origem amazônica. Atualmente, comanda os restaurantesRemanso do Bosque e Remanso do Peixe, em Belém do Pará, além de estrelar alguns programas de TV. Com seu estilo arrojado, conseguiu, de uma vez por todas, inserir a capital paraense na rota turística e gastronômica do Brasil e do mundo. Sem dúvida, é um dos chefs mais promissores do Brasil na atualidade. • Roberta Sudbrack: a chef gaúcha já ganhou mais de 12 prêmios por sua cozinha arrojada e autoral. Já cozinhou para a presidência da república e atualmente explora o conceito de cozinha de raiz, na rua. Fechou seu restaurante estrelado RB, no Rio de Janeiro, impactando o mundo da alta gastronomia. Hoje, se diz mais feliz e cozinheira como nunca. Seus projetos continuam sendo arrojados, cheios de técnicas incríveis e valorizando os ingredientes nacionais, sempre respeitando suas regionalidades. Resumo Nesta unidade abordou‑se o tema da comida rápida (fast‑food). Porém, a questão das mudanças alimentares ocorridas no século XX atingiu também o mundo da gastronomia, e alguns movimentos surgiram em defesa das técnicas da cozinha e do retorno aos alimentos orgânicos. Para profissionais da cozinha e ativistas ambientais, se a praticidade resolve a falta de tempo na vida doméstica (com relação ao preparo de refeições), as consequências negativas da alimentação industrializada também acompanham a rapidez desse segmento, como contaminação ambiental, excesso de conservantes e aditivos, padronização de gostos, além do aumento da quantidade de pessoas obesas ou desnutridas. Um dos movimentos mais importantes da cozinha aconteceu na segunda metade do século XX com a nouvelle cuisine, movimento em que cozinheiros, grands chefs e gastrônomos defendiam a culinária de realce ao sabor natural, conjugando a inteligência ao trabalho da natureza. A partir das novidades que a França lançou ao mundo, vários segmentos de atuação no mercado de alimentação surgiram, o principal deles está ligado à sazonalidade dos alimentos. Obviamente, junto com as inovações 109 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO e a mudança de pensamento, os chefs que se destacaram, no Brasil e no Mundo, foram os que passaram a valorizar os ingredientes locais em que atuam e a resgatar a culinária confortável e aconchegante de casa, conhecida como comfort food. Exercícios Questão 1. (Enade 2015) A gastronomia clama por ética – responsabilidade com a cadeia produtiva de alimentos, com a exploração e a utilização dos recursos naturais; transparência na relação com os produtores, com o mercado e com os clientes. Entre os princípios éticos alimentares, destacam‑se a transparência, a justiça, a humanidade, a responsabilidade social e as necessidades. Fonte: SINGER, P.; MASON, J. A ética da alimentação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007 (adaptado). Em face do exposto, avalie as afirmações a seguir, a respeito dos princípios éticos alimentares e de sua aplicação na gastronomia atual. I. O princípio da justiça é atendido quando se impõe, no custo final dos produtos, todas as etapas de sua produção, desde o seu ciclo produtivo até seu fornecimento ao consumidor final. II. A transparência se revela ao se fornecerem informações claras ao cliente, visto que é necessário que o cliente saiba como o alimento é produzido, para que tenha condições de decidir o que irá consumir ou não. III. O princípio da humanidade é reconhecido quando se trata o consumo animal de forma menos agressiva, mostrando‑se abates que não causam sofrimentos e alimentação que não provoque danos e/ou sofrimentos desnecessários ao se produzirem as iguarias. IV. A responsabilidade social se configura na valorização da mão de obra, com salários e condições de trabalho decentes, por meio dos quais, além de se prover o autossustento, viabiliza‑se a preservação do ambiente e de um ciclo produtivo correto. V. O princípio das necessidades se manifesta na manutenção da cadeia produtiva para tratar os prazeres alimentares da sociedade como prioridade, ou seja, suprir as necessidades alimentares é fundamental nesse momento em que a gastronomia está em alta. É correto apenas o que se afirma em: A) I, II e IV. B) I, II e V. C) I, III e V. 110 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade III D) II, III e IV. E) III, IV e V. Resposta correta: alternativa D. Análise das afirmativas I) Afirmativa incorreta. Justificativa: o princípio da justiça não tem relação com a imposição dos custos das etapas de produção ao custo final, até porque a visão deve ser quanto à otimização de recursos. II) Afirmativa correta. Justificativa: o consumidor tem direto a ter as informações mais importantes do produto de modo a poder tomar a melhor decisão de compra. III) Afirmativa correta. Justificativa: a humanização do abate e consumo de animais é um aspecto que ganha cada vez mais força. IV) Afirmativa correta. Justificativa: a responsabilidade social é um requisito que deve nortear as relações de trabalho. V) Afirmativa incorreta. Justificativa: a satisfação do consumidor é importante, mas a manutenção da cadeia produtiva não tem o enfoque de priorizar os prazeres alimentares, e, sim, de permitir o acesso ao alimento saudável e seguro. Questão 2. (Enade 2009) Leia a proposta de Mara Salles: Só quando assumirmos o nosso jeito de comer, trabalharmos de forma sincera e transparente com nossos ingredientes, usando os melhores na época em que estiverem mais saudáveis, agregando as técnicas universais consagradas, mas respeitando as sabedorias de nossas mães, tias e avós na cozinha, adicionando, sim, uma boa dose de talento e apuro no preparo e apresentação dos pratos, estaremos perpetrando uma cozinha autêntica, criativa e verdadeira [...] Esse deve ser o futuro da gastronomia brasileira. Um futuro que não ignore a tradição e os rumos da Gastronomia no mundo, mas que busque foco e referência no Brasil, nas cozinhas e cozinheiros do Brasil, na forma de preparo e nos hábitos de comer dos brasileiros [...] Disponível em: <http://www.tordesilhas.com/port>. Visitado em 02/10/2009, às 00h56. 111 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO Antigas referências são importantes para a construção de novas perspectivas. Assim, podemos ver que preparações clássicas, como o acarajé, confits, entre outras, têm sido reinterpretadas e utilizadas de maneira nova, a partir de influências e contextos locais. Portanto, é correto afirmar que: A) Ao fazer essa proposta, a chefe coloca que a culinária brasileira é uma das referências para a culinária internacional, uma vez que a cozinha brasileira é muito rica, e que os ingredientes brasileiros têm cada vez mais sido exportados para o mundo inteiro; um exemplo disso é o crescente número de restaurantes brasileiros no mundo. B) Novas experiências são feitas, considerando técnicas, utensílios e métodos tradicionais, e podem representar um avanço na cultura de um povo, porém tal tendência é um retrocesso, pois se cria dificuldade em identificar o que é típico ou não de um país; isso é uma consequência do processo de globalização. C) O elemento histórico é fundamental e único para a construção de novas referências; assim as interpretações de receitas descaracterizam a cultura de um povo e fazem com que sejam perdidas todas as suas referências históricas, uma vez que a comida de suas mães, avós e tias são desrespeitadas com mudanças e inovações. D) O fato de utilizar técnicas universalmente consagradas é uma influência do processode globalização da cultura, o que impede o avanço e a busca por novas formas de preparação, criando, dessa forma, um gosto comum, assim como a feijoada, que é igual no Brasil inteiro, sem variações. E) Uma das tendências da gastronomia contemporânea é a utilização de referências passadas para criar novas preparações que não se utilizem necessariamente dos métodos tradicionais, mas, sim, de ingredientes e de utensílios que mantenham suas principais características, criando novas referências. Resolução desta questão na plataforma.