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Resenha Aquisição da Linguagem A linguagem da criança sempre provocou especulações diversas entre leigos ou estudiosos do assunto. (Pág.1) Desde o século XIX, alguns linguistas, guiados tanto por interesse paterno quanto profissional, elaboraram diários da fala espontânea de seus filhos. Algumas das amostras mais abrangentes da fala infantil foram registradas nas primeiras décadas deste século pelos chamados "diaristas", que eram linguistas ou filólogos estudando seus próprios filhos. Os mais interessantes deles são um estudo do francês por Antoine Grégoire, um (Pag.1) sobre a aquisição bilíngue alemão-inglês de Warner Leopold (1939), além do trabalho de Lewis (1936), sobre a descrição de uma criança aprendendo o inglês. (Pág. 2) Esses trabalhos são do tipo longitudinal, uma das metodologias de pesquisa com dados de desenvolvimento hoje já bem estabelecidos, iniciada exatamente pelos diaristas. Trata-se do estudo que acompanha o desenvolvimento da linguagem de uma criança ao longo d o tempo. As anotações, em forma d e diário, do que a criança diz, em situação natura lística, foram posteriormente substituídas por registros em fitas magnéticas, cm áudio ou vídeo. Assim, grava-se a fala de uma criança por um período de tempo preestabelecido, em intervalos regulares, dependendo do tema a ser pesquisado. (Pág. 2) A Aquisição da Linguagem é, pelas suas indagações, uma área híbrida, heterogênea o u multidisciplinar. No meio do caminho entre teorias linguísticas e psicológicas, tem sido tributária das indagações advindas da Psicologia e da Linguística. (Pág. 2) Por isso é que se diz que a Aquisição da Linguagem tem sido uma arena privilegiada de discussão teórica tanto da Linguística quanto da Psicologia Cognitiva. Aluna: Lara Lima Borges Professora: Sandra Paniago Disciplina: Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem Oral Março - 2019 Hoje em dia, a Aquisição da Linguagem alimenta os tópicos recobertos pela Psicolinguística, além de ser de interesse central nas ciências cognitivas e mesmo nas teorias linguísticas. (Pág. 2) Os estudos sobre processos e mecanismos de aquisição da linguagem tomaram um grande impulso a partir dos trabalhos do linguista Noam Chomsky, no fim da década de 1950, em reação ao behaviorismo vigente na época. (Pág. 3) A aprendizagem da linguagem seria fator de exposição ao meio e decorrente de mecanismos comportamentais como reforço, estímulo e resposta. Aprender a língua materna não seria diferente, em essência, da aquisição de outras habilidades e comportamentos, como andar de bicicleta, dançar etc, já que se trata, ao longo do tempo, do acúmulo de comportamentos verbais. (Pág.3) Chomsky adota uma postura inatista na consideração do processo por meio do qual o ser humano adquire a linguagem. A linguagem, específica da espécie, dotação genética e não um conjunto de comportamentos verbais, seria adquirida como resultado do desencadear de um dispositivo inato, inscrito na mente. Tornou-se famosa esta polêmica criada pela publicação, em 1959, da devastadora resenha, de autoria do então jovem Chomsky, do livro Comportamento verbal, de Skinner. Nela, o linguista posiciona- se contra a visão ambientalista de aprendizagem da linguagem. Chomsky começa por rejeitar a projeção das e vidências skinnerianas, provenientes de experimentos laboratoriais com animais, para a linguagem humana, especifica da espécie, resultado de dotação genética e inscrita na mente do sujeito falante. (Pág. 3) Teoria de Princípios e Parâmetros, o argumento da "pobreza do estímulo" foi retomado refraseado com uma atitude francamente plantonista ante a linguagem. A "pobreza do estímulo”, um dos mais importantes argumentos em prol do inatismo, vincula-se à metáfora do problema de Platão, ao qual, segundo o linguista, filiam-se as questões centrais relativas à linguagem. O problema de Platão coloca-se da seguinte maneira: como é que o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passageiras, enganosos e fragmentárias? Transferindo para a linguagem, essa questão quer dizer que o conhecimento da língua é muito maior que sua manifestação. Assim, a linguagem está vinculada a mecanismos inatos da espécie humana e comuns aos membros dessa espécie, daí a ideia de universais linguísticos. (Pág. 4) Em suma, no processo de aquisição da linguagem, a criança exposta a um input (conjunto de sentenças ouvidas no contexto), sendo o output um sistema de regras para a linguagem do adulto, a gramática de uma determinada língua. (Pág.5) Uma outra decorrência do inatismo linguístico é a modularidade cognitiva da aquisição da linguagem: o mecanismo de aquisição da linguagem é específico dela, não exibindo interface óbvia com outros componentes cognitivos ou comportamentais. A relação entre a língua e outros sistemas cognitivos, como a percepção, a memória e a inteligência, é indireta, e a aquisição da linguagem. (Pág. 5) As colocações inatistas de Chomsky suscitaram uma série de estudos, a partir dos anos 1960, que se concentraram sobretudo na chamada fase sintática, onde a prioridade de análise pendeu para o estudo da aquisição da gramática da criança por volta do seu segundo ano de vida, quando a criança já começa a produzir enunciados de mais de uma palavra. (Pág. 6) A aquisição da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência na criança. A abordagem chamada de cognitivismo suíço Jean Piaget, segundo o qual o aparecimento da linguagem se dá na superação do estágio sensório motor, por volta dos 18 meses. Neste estágio de desenvolvimento cognitivo, numa espécie de "revolução coperniciana”, usando as palavras do próprio Piaget (1979), dá-se o desenvolvimento da função simbólica, por meio da qual um significante (ou um sinal) pode representar um objeto significado, além do desenvolvimento da representação, pela qual a experiência pode ser armazenada e recuperada. Essas duas funções estão estreitamente ligadas a outros três processos que ocorrem concomitantemente e que colaboram para a superação do que Piaget chama de "egocentrismo radical", presente no período sensório-motor, segundo o qual existe "uma indiferenciação entre sujeito e objeto ao ponto que o primeiro não se conhece nem mesmo como fonte de suas ações". (Pág.6) Quando essas conquistas cognitivas se unem, na superação da inteligência sensória e motora, a caminho da inteligência pré-operatória de fases posteriores, surge a possibilidade de a criança adotar os símbolos públicos da comunidade mais ampla em lugar de seus significantes pessoais. (Pág.7) Vygotsky (1984) parte do princípio de que os estudiosos se param o estudo da origem e desenvolvimento da fala do estudo da origem do pensamento prático na criança. Vygotsky propõe, ao contrário, que fala e pensamento prático devem ser estudados sob um mesmo prisma e atribui à atividade simbólica, viabilizada pela fala, uma função organizadora do pensamento: com a ajuda da tala, a criança começa a controlar o ambiente e o próprio comportamento. O poderoso instrumento da linguagem é trazido pelo que chama de internalização da ação e do diálogo. (Pág.7) Os trabalhos de inspiração vygotskiana entendem a aquisição da linguagem como um processo pelo qual a criança se firma como sujeito da linguagem e pelo qual constrói ao mesmo tempo seu conhecimento do mundo, passando pelo outro. (Pág.8) Numa visão que se distancia em graus variados tanto do cognitivismo piagetiano quanto do inatismo chomskiano, está o interacionismo dito "social". Segundo esta postura, passam a ser levados em conta fatores sociais, comunicativos e culturais para a aquisição da linguagem. Assim, a interação social ea troca comunicativa entre a criança e seus interlocutores são vistas como pré-requisito básico no desenvolvimento linguístico. A fala a que a criança está exposta (input) é vista como importante fator de aprendizagem da linguagem. (Pág.8) Desde o nascimento, o bebê é mergulhado num universo significativo por seus interlocutores básicos, que atribuem significado e intenção às suas emissões vocais, gestos, direção do olhar. Até mesmo os diversos tipos de choro são "interpretados", "significados" e "classificados" pelo adulto interlocutor. O bebê é assim, visto como potencial parceiro comunicativo do adulto, que empreende uma "sintonia tina" com as manifestações potencialmente comunicativas e significativas da criança, qualquer que seja seu conteúdo expressivo (gesto, voz, balbucios, palavras ou frases). (Pág.9) Essas características foram encontradas numa variedade bastante grande de comunidades culturais e linguísticas, de tal modo que a conclusão imediata é que são características universais.(Pág. 9) A meio caminho entre propostas cognitivistas construtivistas e interacionistas sociais, Bruner (1975) pode nos fornecer um exemplo sobre como a aquisição do sistema de transitividade pode decorrer da construção e internalização de estruturas linguísticas a partir da interação do bebê com o outro e com o mundo físico. A partir dos 6 meses de idade, a criança e o adulto engajam-se com jogos que patenteiam instâncias de atenção partilhada e ação conjunta. Tais esquemas interacionais formam o espaço da partilha com o outro, no qual a criança vai desenvolver determinadas funções, quer linguísticas, quer comunicativas, primeiro em nível gestual e depois em nível verbal. Assim, pode -se traçar uma trajetória entre a ação conjunta adulto-bebê e o estabelecimento de papéis no discurso e no diálogo. (Pág.10) Os objetos do mundo físico, os papéis no diálogo e as próprias categorias linguísticas não existem a priori (isto é, não estão a priori segmentados, conhecidos ou interpretados), mas se instauram através da interação dialógica entre a criança e seu interlocutor básico. Esta interação vai proporcionar, ao mesmo tempo, a criação da criança e dó próprio interlocutor como sujeitos do diálogo, a segmentação da ação e dos objetos do mundo físico sobre os quais a criança vai operar, e a própria construção da linguagem, que por si é um objeto sobre o qual a criança também vai o erar. (Pág.11) Segundo Lemos (1982), o objeto de estudo que se toma é a linguagem enquanto atividade do sujeito. Neste caso, enfrenta-se a indeterminação, a mudança e a heterogeneidade deste objeto. Os processos dia lógicos são revalorizados. Há três processos básicos no diálogo: especularidade, complementariedade e reversibilidade de papeis. (Pág.11) Todos sabemos como é difícil (tentar) dominar uma segunda língua em idade adulta, ainda mais em situação forma l, escolar. Por mais brilhante e esforçado que seja o aprendiz, mesmo que a proficiência final seja bastante satisfatória, tanto em termos gramaticais quanto lexicais, e suficiente para atingir plenos objetivos de comunicação numa segunda língua, sempre ficam, na fala do aprendiz, certas construções gramaticais mal-ajambradas, erros fossilizados, ou, mais certamente, um sotaque "estranho" aos ouvidos dos falantes nativos. Segundo Pinker (1994), o sucesso total em aprender uma segunda língua em idade adulta, ainda mais em situação de sala de aula, existe, mas é raro e depende de "puro talento". (Pág.12) Pinker (1994) afirma que a aquisição de uma linguagem normal é garantida até a idade de 6 anos, é comprometida entre 6 até pouco depois da puberdade, e é rara daí para a frente. (Pág.13) No entanto, nem mesmo essas justificativas biológicas têm sido explicações finais e convincentes para o fenômeno do "período crítico" de aquisição. Aitchinson (1989) aponta para a insuficiência explicativa dos argumentos arrolados em favor desta hipótese. Pelo menos quatro deles têm sido citados: • Casos de estudos de indivíduos que foram isolados de qualquer convívio social ou troca linguística e adquiriram a linguagem tardiamente; • O desenvolvimento da fala de crianças com síndrome de Down; • A suposta sincronia do período crítico com a lateralização hemisférica; • Dificuldades de aquisição de segunda l íngua depois da adolescência. (Pág.13) No entanto, explicações não-gerativistas desafiam esta explicação. A dificuldade de aquisição de segunda língua depois da ado lescência tem sido revista e relativizada. Argumentos interacionistas são levantados com relação às diferenças entre a aquisição da língua materna ou estrangeira na infância e depois da adolescência. (Pág.15) Segundo Bates & Goodman (1997), a trajetória do desenvolvimento da linguagem parece ser, com algumas especificidades, universal e contínua. (Pág.15) Desde que nasce, a criança já é inserida num mundo simbólico, em que a fala do outro a interpreta e lhe imprime significado. Por outro lado, segundo alguns trabalhos, com alguns dias de vida, a criança tem uma reação positiva aos sons da fala, que lhe são confortadores e gratificantes. A partir de algumas semanas de vida, a criança já consegue discriminar a fala de outros sons, rítmicos ou não. (Pág. 16) Aparentemente, os sons que a criança balbucia no começo são universais: os sons do balbucio inicial não são específicos de sua língua materna. As crianças surdas conseguem balbuciar nesta fase, embora, depois disso, não acompanhem o desenvolvimento normal da criança ouvinte. Conforme o balbucio se padroniza, antes do aparecimento das primeiras palavras, a sequência e o acervo de sons passam a se assemelhar mais às características fonéticas da língua materna. (Pág. 16) Uma coisa é certa, porém: quando vai para a escola, a criança já percorreu um longo caminho elaborando sua linguagem, inserindo-se na língua de sua comunidade. Linguisticamente, a criança não é tabula rasa. Ela é perfeitamente proficiente em sua língua materna e continua a aprender outras formas pertencentes a outras modalidades da fala/linguagem, dentro e fora da escola. Isto é, a operar com objetos linguísticos. Assim, a escola vai lhe proporcionar o acesso a outras “gramáticas" pertencentes a modalidades escritas. (Pág.19) Referência SCARPA, Ester Mirian: Aquisição da Linguagem. In.: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. Pág. 203-232.
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