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Musicalidade, self e personalidade* 
 
Gregório Pereira de Queiroz 1 
 
RESUMO 
A musicalidade pode ser um meio para reorganizar a relação entre 
personalidade e self, estimulando a manifestação deste em direção à 
integração do ser humano. 
 
Palavras chave: Musicalidade, self, personalidade 
 
Toda a primeira parte do livro Man the Musician (Zuckerkandl, 1976) 
é dedicada a demonstrar como a música dissolve a barreira sujeito-objeto e 
abre à nossa percepção uma dimensão de unicidade. O conceito de 
musicalidade contido no primeiro capítulo deste livro descreve-a como a 
capacidade humana de relação com uma dimensão de maior unicidade, na 
qual a oposição entre sujeito e objeto é transmutada em união. 
“...[com a música] as pessoas se certificam, através da 
experiência direta, de sua [própria] existência em uma 
camada de realidade diferente daquela na qual seu encontro 
com o outro e com as coisas ... faceia um ao outro e separa 
um do outro, a fim de ser consciente de sua existência em 
um plano onde a distinção e a separação entre um homem e 
outro homem, entre homem e coisa, entre coisa e coisa, dá 
lugar à unidade, à autêntica unicidade.” (Zuckerkandl, 1976, 
p.42) 
 
A unicidade, que se abre pela relação com a música, não se refere 
apenas ao contato com coisas e pessoas no mundo exterior, mas está 
presente também no contato entre as várias partes que formam o ser 
humano. A relação com a música permite uma inter-relação mais integrada 
dos vários estratos que formam a pessoa humana. 
A Musicoterapia reconhece que o trabalho com a música leva a 
pessoa ao contato com camadas primordiais de si mesmo, como a infância e 
a vida intra-uterina. Contudo, o trabalho terapêutico com a música alcança 
 
*
 Apresentado no Encontro de Musicoterapia do Rio de Janeiro, VIII Encontro Nacional de Pesquisa em 
Musicoterapia e VIII Jornada Científica do Rio de Janeiro. 
 
1
 Especialista em “Musicoterapia na Saúde” (Faculdade Paulista de Artes, 2002); 
especialista em “Educação Musical com área de concentração em Musicoterapia” 
(Faculdade Carlos Gomes, 2000); graduado em Arquitetura (FAUUSP, 1981); 
gregorio.queiroz@terra.com.br. 
 2 
mais além: engaja o próprio self e abre portas para o desenvolvimento 
profundo do ser humano. 
A abordagem Nordoff-Robbins apóia seu trabalho neste conceito. 
Coloca a musicalidade humana (contida no conceito de music child) como o 
fator que faz o self se desenvolver a partir de dentro (ROBBINS, 2000), a 
partir do fazer musical conjunto entre musicoterapeuta e paciente. 
 Em divisão didática, self e personalidade são como que pólos que se 
contrapõem: o self 2 é o cerne do humano, seu centro espiritual ou 
essência, seu ponto de criação e unidade (na definição dada por Robbins, 
2000, self é “a vontade diretiva interior, sua capacidade para afirmar ou 
expressar a si mesma ou comunicar seus potenciais, a medida em que eles 
se manifestam, e suas propensões inerentes”); a personalidade se forma 
por traços e características advindos tanto desse centro criador quanto dos 
materiais do mundo à sua volta, havendo o entrelaçamento entre ambos, 
em proporções variadas, na estruturação da personalidade. 
 O self é unitário, a personalidade fragmentária. A unidade criadora e 
vital do self se contrapõe à fragmentação dos múltiplos aspectos da 
personalidade. Quanto mais fragmentada, mais a personalidade se afasta 
do self (OUSPENSKY, 1982, p. 19). Mesmo que este continue 
obrigatoriamente sendo o centro vital do indivíduo, os vários aspectos da 
personalidade podem se afastar dele, tornando-se desconexos e 
contraditórios, e por vezes contrários à própria manifestação do self; é 
quando os processos psicológicos de uma pessoa tornam-se automatizados, 
estereotipados e ausentes de integridade psíquica e força criativa. 
Temos, assim, uma linha de força polarizada entre unidade e 
fragmentação, na pessoa humana. Quanto mais próximos da unidade, do 
self, mais há condição de atuação criativa e regenerativa. Quanto mais 
mergulhados na fragmentação da periferia da personalidade, mais o 
organismo físico e psíquico está impossibilitado de se regenerar e atuar 
criadoramente. 
Segundo Zuckerkandl (1976, p.51), “A música . . . provê o meio mais 
curto, o menos árduo, talvez ainda o solvente mais natural das fronteiras 
 
2 Segundo Robbins (2000), “é no ser-dentro-do-self que vive o potencial de 
desenvolvimento criativo”. É a esse “ser-dentro-do-self” que denominamos aqui, 
simplesmente, de self, o centro criativo. 
 3 
artificiais entre o ser e os outros, . . .”. Ao que será válido expandir a idéia 
para ser o “solvente mais natural” das fronteiras entre o “ser” interior, o 
self, e a multiplicidade fragmentária da personalidade, os “outros”. É nesta 
linha de força polarizada entre unidade e fragmentação que a música atua 
no ser humano. 
A música e a musicalidade, quando utilizadas em sua capacidade de 
solver barreiras e promover unicidade e integração, são um caminho em 
direção à reorganização da relação entre self e personalidade. 
Na constituição do ser humano, a musicalidade seria como que uma 
camada ou um fluído intermediador entre self e personalidade, fluído que, 
estimulado adequadamente, intensifica as intermediações entre estes dois 
pólos. Não seria um fluído à parte destes pólos, mas sim a própria 
capacidade da estrutura humana de “dissolver fronteiras artificiais” e tornar 
fluente e integrada a relação entre self e personalidade: a musicalidade 
seria, assim, um fator intermediador, fluidificador e integrador (PEREIRA DE 
QUEIROZ, 2003, p.22) das relações entre centro vital e personalidade. 
Ao produzir música, quando ao mesmo tempo se flui junto com a 
música, esta acessa níveis integrados e unitários, próximos ao self, 
levando-o a se manifestar, atualizando, renovando e re-estruturando a 
personalidade (Zuckerkandl, 1976, p.157, “ouvindo notas, eu me movo com 
elas; eu experimento seu movimento como meu próprio movimento. Ouvir 
notas em movimento é mover-se junto com elas.”). A atualização do self 
ocorre ao se fazer música com o concurso da musicalidade – é importante 
esta especificação, pois as pessoas podem fazer música de modo mecânico, 
sem mobilizar sua musicalidade, sem que se movam com o movimento da 
música. 
A música “trata” (BRANDALISE, 2001, p.22), no sentido que Músico-
centramento e Nordoff-Robbins atribuem a esta expressão, não porque 
provoca este ou aquele efeito sobre este ou aquele aspecto do organismo 
físico ou psíquico, mas porque mobiliza o self a se atualizar, regenerando e 
dinamizando criativamente assim o corpo, a psique e a personalidade 3. 
Estes ramos da Musicoterapia engajam o self, ou essência, em seu trabalho. 
 
3
 Naturalmente, para atuar por via deste potencial da música, para utilizar este 
potencial da música em um processo musicoterápico, o musicoterapeuta necessita 
ter sua própria musicalidade (a capacidade de fluir sem perder sua unidade) 
desenvolvida. 
 4 
Com isso, têm ao menos um ponto em comum com o que é proposto pelas 
principais tradições espiritualistas 4. 
A distinção entre um lado existencial e outro espiritual no ser humano 
é um dos princípios dessas tradições. Segundo Ouspensky (1982, p.30): 
“A essência é o que é inato no homem. A personalidade é o 
que é adquirido. A essência não pode perder-se, não pode 
ser modificada nem degradada tão rapidamente quanto a 
personalidade. A personalidade pode ser modificada quase 
por completo com uma mudança de circunstâncias; pode 
perder-se oudeteriorar-se facilmente.” 
 
Tal distinção está presente também na filosofia hinduísta e, em 
particular, em um ramo desta, denominado Yoga. Dentre os vários ramos 
do Yoga, um deles é o caminho de desenvolvimento da consciência (o 
despertar para o lado essencial) por meio da relação do ser humano com o 
som e a música; denomina-se Nada Yoga. 
“Nada significa, etimologicamente, som. Não o som comum 
que se ouve com o ouvido. . . O som prístino ou a primeira 
vibração da qual emanou toda a vibração é Nada. É a 
primeira etapa de emanação na projeção do universo 
(criação). Nada é a primeira manifestação do Absoluto 
imanifesto.” (SIVANANDA, 1979, p.131-132) 
 
Nada está presente também no ser humano, pode ser escutado na 
interioridade humana, particularmente em um determinado centro de 
energia (SIVANANDA, 1979, p. 133). 
Há um método descrito5 para que o praticante se aproxime 
gradativamente desse som interior, por meio da meditação: “Ao início da 
prática, ouve-se um som de grande volume e diversidade, não homogêneo. 
Pois, à medida que se progride na prática, ouve-se um som cada vez mais 
sutil” (aforismo do texto tradicional Hatha Yoga Pradipika, traduzido em 
PEREIRA DE QUEIROZ, 1985, p.112). 
Os sons podem ser condutores para a mente, por contraste, se 
reabsorver em sua própria essência, no silêncio interior. Este é o sentido 
fundamental desta prática. “Qualquer que seja o aspecto do som em que a 
 
4
 A abordagem Nordoff-Robbins tem em sua raiz forte contato com um ramo 
espiritualista, a Antroposofia. Algumas de suas conceituações, inclusive e 
principalmente os diagramas explicativos de music e condition child (Robbins, 
2000), se assemelham muito aos utilizados pela tradição espiritualista para mostrar 
a relação entre essência e personalidade (Ouspensky, 1982, p.31). 
5 Este método é escrito no texto sânscrito Hatha Yoga Pradipika, do século XIII, 
traduzido para o português e comentado por este Autor (1985). 
 5 
mente se prenda, é nele que a atenção se fixa e a mente se dissolve ao 
mesmo tempo que o som” (aforismo do Hatha Yoga Pradipika, traduzido em 
PEREIRA DE QUEIROZ, 1985, p.112). 
A orientação em direção à fragmentação da personalidade é 
revertida. A percepção humana retorna à sua origem, à essência ou self. 
Ou, na expressiva e pitoresca imagem a respeito da reabsorção das forças 
fragmentadoras da personalidade que encontramos adiante, no mesmo 
texto tradicional: “O som interior (Nada) é o gancho agudo capaz de 
controlar o elefante ébrio das emoções, habituado a percorrer livremente o 
jardim dos objetos dos sentidos” (PEREIRA DE QUEIROZ, 1985, p. 113). 
Este Yoga prescreve um método para que a pessoa re-encontre sua 
essência por meio da absorção da mente em um som específico (um som 
especial, sem dúvida, um som que não pertence ao mundo dos sons 
comuns mas que brota do silêncio interior, mas ainda assim denominado de 
som), de modo a re-integrar self e personalidade, essência e existência, o 
humano e o espiritual. Yoga, etimologicamente, significa união, integração; 
e se refere, fundamentalmente, à união entre estes pólos. 
Diversas tradições e conhecimentos apontam para o fato de que o 
som e a música são agentes poderosos para nos colocar em contato com o 
self, denominado também de “interior plenamente silencioso”. A música e o 
som, quando trabalhados adequadamente por meio de certas técnicas, são 
capazes de nos aproximar dessas camadas mais silenciosas e menos 
fragmentárias do ser. A tradição espiritualista tem isso como ensinamento. 
A Musicoterapia, por outros caminhos e técnicas, começa a trazer algo disso 
em sua prática – em particular, a abordagem Nordoff-Robbins e o Músico-
centramento. 
São metodologias diferentes, bases conceituais e filosóficas diferentes 
e também finalidades diferentes, aquelas prescritas pela tradição espiritual 
e pela Musicoterapia. Contudo, aproximar estes campos de conhecimento, 
aparentemente díspares e distantes, revela um aspecto fundamental em 
comum a ambos: a música e a musicalidade contêm potencial para um 
trabalho integrador do ser humano – cabendo ao musicoterapeuta ser o 
agente acionador desse potencial em função e benefício do paciente. 
 
 
 6 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 
BRANDALISE, André. Musicoterapia Músico-centrada. São Paulo: 
Apontamentos, 2001. 
 
OUSPENSKY, Piotr D.. Psicologia da Evolução Possível ao Homem. São Paulo: 
Pensamento, 1982. 
 
PEREIRA DE QUEIROZ, Gregório J.. Hatha Yoga e o Comportamento na Vida. 
São Paulo: Pensamento, 1985. 
____________________________. Aspectos da Musicalidade e da Música de 
Paul Nordoff e suas implicações na prática clínica musicoterapêutica. São 
Paulo: Apontamentos, 2003. 
 
ROBBINS, Carol e Clive. Auto-comunicação em Musicoterapia Criativa, in: Case 
Studies in Music Therapy. Gilsum: Barcelona Publishers, 2000. 
 
SIVANANDA, Swami. Tantra Yoga, Nada Yoga e Kriya Yoga. Buenos Aires: 
Editorial Kier, 1979. 
 
ZUCKERKANDL, Victor. Man the Musician. Princeton: Princeton Press, 1976.