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Principio da insignificancia

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Aplicabilidade nos crimes contra o patrimônio.
PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE
Applicability in crimes against equity.
Denise de Oliveira Silva[1: Acadêmica do curso de Direito na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, unidade Passos/MG.]
RESUMO
O presente artigo visa definir no que consiste o princípio da insignificância, a sua origem, qual é a sua natureza jurídico-penal, quais os requisitos para aplicá-lo e quais dos crimes contra o patrimônio previsto no Código Penal Brasileiro que admitem a sua aplicação.
Palavras-chave: Princípio. Crimes. Patrimônio. 
ABSTRACT
This article aims to define the principle of insignificance, what is its legal-criminal nature, what are the requirements to apply it and which crimes against property provided for in the Brazilian Penal Code that admit its application.
Keywords: Principle. Crimes. Patrimony.
1 INTRODUÇÃO
Um dos princípios que vem ganhando força na doutrina e, sobretudo, na nossa jurisprudência é o princípio da insignificância ou também chamado princípio da bagatela. Para este princípio, o Direito Penal não deve se preocupar com condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A doutrina contemporânea tenta definir aquilo que seria um crime aceitável daquele que não seria. Busca-se justificar a conduta delituosa relacionando-a com as condições do agente, o meio social em que este vive e o valor do bem ofendido.
Dentro desse contexto, o princípio da insignificância, apesar de não estar previsto expressamente no ordenamento jurídico pátrio, é apontado como princípio implícito da Carta Magna de 1988, uma vez que se amolda aos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, bem como à estrutura garantista do Direito Penal.
Historicamente, o princípio da insignificância já vigorava no Direito Romano, porém passou a ser estudado com bastante ênfase e ganhou proporções muito grandes, na década de 1960, com os estudos de Claus Roxin, que propunha a exclusão da tipicidade em crimes, que não produzam significativas lesões a bens juridicamente tutelados. Aduzia também que, nos delitos bagatelares, não se fazia necessário a imposição de pena, portanto, o fato não era punível.
No presente artigo abordar-se-á a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro, além de analisar o conceito de bem jurídico, a sansão penal, como também quais são os requisitos para aplicação do princípio da insignificância e a correlação da doutrina aos casos práticos em que os tribunais já se manifestaram favoravelmente à aplicação desse princípio.
2 DO BEM JURÍDICO 
	
Todos os tipos penais possuem uma objetividade jurídica que visa a proteção e manutenção de um bem jurídico, por isso é necessário definir o termo bem jurídico. Essa definição é de suma importância neste, pois somente com tal definição é que poderemos, posteriormente, considerar uma conduta como relevante ou irrelevante, de modo a sujeitá-la ou não à aplicação do princípio da insignificância.
O termo bem, de maneira geral, é a coisa. Bem é “tudo aquilo que, corpóreo ou incorpóreo, móvel ou imóvel, é suscetível de utilidade, conveniência, vantagem, proveito, apropriação, economicamente apreciável, e objeto de direito.”  No sentido jurídico, bem pode ser definido como o direito ou vantagem de que alguém é titular, inerente à sua pessoa, protegido pelo ordenamento jurídico.[2: Dicionário técnico jurídico/ organização Deocleciano Torrieri Guimarães; - 5.ed.rev.e atual. São Paulo: Rideel, 2004. Página: 123]
Então, bem jurídico pode ser definido como aquilo que o legislador considerou como relevante e merecedor de proteção, é aquilo que se pretende preservar. 
Embora a conceituação do termo bem jurídico pareça simples, vários doutrinadores, nacionais e estrangeiros, vem, ao longo dos anos, tentando entrar num consenso do significado dessa expressão. Muñoz Conde considera os bens jurídicos como “os pressupostos de que a pessoa necessita para sua auto-realização na vida social” . Já para Hans Wenzel, bem jurídico é um “bem vital da comunidade ou do indivíduo, que por sua significação social é protegido juridicamente ”.[3: Muñoz Conde, F. Introducción Al Derecho Penal, Barcelona, Bosch, 1975, p. 48, apud Luiz Regis Prado. Bem jurídico-penal e Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p.36.][4: Hans Wenzel. Derecho Penal alemán, P.G., Santiago, Ed. Juridica de Chile, 1970, trad.de Bustos Ramírez e Yánez Pérez,p.462,apud Luiz Regis Prado. Bem jurídico-penal e Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p.36.]
Apesar de vários conceitos dados para o termo bem jurídico, Fernando Capez nos traz uma definição de forma mais clara ao dizer que bens jurídicos são valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como, a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade e que é missão do Direito Penal protegê-los .[5: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, vol 1, parte geral. 19ª Edição.São Paulo: Saraiva, 2015, p. 17.]
Após conceituar bem jurídico no sentido amplo, fica mais fácil definir o que é bem jurídico penal, que é o que nos interessa nesse estudo. Bem jurídico penal é o bem merecedor de proteção penal e que, por isso, subentende-se como mais importante. Fernando Capez nos traz que “toda lesão aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal acarreta um resultado indesejado, que é valorado negativamente, afinal foi ofendido um interesse relevante para a coletividade.” Nessa linha de raciocínio, da missão do Direito Penal, Capez cita Hans Welzel:[6: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, vol 1, parte geral. 19ª Edição.São Paulo: Saraiva, 2015, p. 18.]
" ... mais essencial que o amparo dos bens jurídicos particulares concretos é a missão de assegurar aos cidadãos o cumprimento legal permanente ante os bens jurídicos; é dizer, a fidelidade diante do Estado, o respeito da pessoa". (CAPEZ, 2015, p. 20).
3 DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
3.1 Conceito de Crime
	O conceito de crime é um tema que há anos causa discussões entre os doutrinadores, principalmente no que tange ao conceito analítico de crime.
	Fernando Capez adota a corrente bipartida ao conceituar o que é crime. O autor nos traz que o crime pode ser conceituado sob os aspectos material e formal ou analítico. 	
Sob o aspecto material, “crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social”. Já sob o aspecto formal, “o conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo”. Sob o ângulo do conceito analítico, “crime é todo fato típico e ilícito, dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o ato típico e ilícito, já surge a infração penal”.[7: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, vol 1, parte geral. 19ª Edição.São Paulo: Saraiva, 2015, p. 132.][8: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, vol 1, parte geral. 19ª Edição.São Paulo: Saraiva, 2015, p. 132.][9: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, vol 1, parte geral. 19ª Edição.São Paulo: Saraiva, 2015, p. 132.]
Em contrapartida, o doutrinador Rogério Greco adota a corrente tripartida do crime. Para ele a tipicidade, a antijuricidade e a culpabilidade são três elementos que convertem uma ação em um delito. Greco nos diz que:
A função do conceito analítico é a de analisar todos os elementos ou características que integram o conceito de infração penal sem que com isso se queira fragmentá-lo.O crime é, certamente um todo unitário e indivisível. Ou o agente comete o delito (fato típico, ilícito e culpável), ou o fato por ele praticado será considerado um indiferente penal. (GRECO, 2015, p. 196)
Nosso Código Penal não nosfornece um conceito de crime, somente em sua Lei de Introdução que diz que ao crime é reservada uma pena de reclusão ou de detenção, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.[10: Decreto-lei 3.914, de 09 de dezembro de 1941.]
Analiticamente, vamos considerar crime como sendo fato típico, antijurídico e culpável.
A palavra antijuridicidade é sinônima de ilicitude e transmite a ideia daquilo que é contrário à legislação, ou seja, relação de contrariedade, de antagonismo que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico.
A culpabilidade não é apenas um mero pressuposto para aplicação da pena. A culpabilidade representa a reprovação social e, também, o fator que possibilitará a efetiva responsabilização do autor pelo crime por ele cometido. São elementos integrantes da culpabilidade: a)imputabilidade, b)potencial consciência da ilicitude do fato, e c)exigibilidade de conduta diversa. Na ausência de qualquer desses elementos, não haverá crime por falta de culpabilidade. 
O fato típico é “a síntese da conduta ligada ao resultado pelo nexo causal, amoldando-se ao modelo legal incriminador”. O fato típico é constituído pela conduta, pelo resultado, pelo nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e pela tipicidade.[11: NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal, p. 181.]
A conduta é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade. O dolo ou a culpa estão presentes na conduta. O resultado é aquilo que decorre da ação. É toda alteração no mundo exterior decorrente da conduta (naturalístico) ou toda lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado (normativo). O nexo de causalidade representa a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. Causa é qualquer acontecimento sem o qual o resultado não teria ocorrido. A tipicidade é o elemento que nos interessa como objeto de estudo devido ao tema abordado e por isso será analisada separadamente.
3.1.1 Tipicidade
	Tipo é o padrão de conduta que o Estado, por meio de leis, visa impedir que seja praticada ou determina que seja a efeito por todos nós, ou seja, é a descrição do comportamento humano feita pela lei penal. Para Fernando Capez “o conceito de tipo é o de modelo descritivo das condutas humanas criminosas, criado pela lei penal, com a função de garantia do direito de liberdade”.[12: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, vol 1, parte geral. 19ª Edição.São Paulo: Saraiva, 2015, p. 206.]
	Portanto, tipicidade pode ser conceituada como a adequação do fato concreto ao fato abstrato previsto no tipo penal.
	E o tipo legal que realiza e garante o princípio da reserva legal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.[13: Art. 1º do Código Penal. Decreto – lei nº 2.848, 7.12.1940]
O estudo mais detalhado do conceito de tipicidade é fundamental em razão do princípio da insignificância ser uma excludente supralegal da tipicidade, conforme anota Capez: 
A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido [...]
É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. (CAPEZ, 2015, p. 28).
A tipicidade penal biparte-se em formal e conglobante. Tipicidade formal é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal. Já a tipicidade conglobante envolve dois aspectos fundamentais: se a conduta do agente é antinormativa e se o fato é materialmente típico. O princípio da insignificância reside nesta vertente chamada tipicidade material.
3.2 Crimes contra o patrimônio
O Título II da Parte Especial do Código Penal Brasileiro trata dos crimes contra o patrimônio. Tal título possui oito capítulos sendo que os sete primeiros tratam dos crimes em espécie, enquanto o ultimo capítulo trata das disposições gerais.
O objeto jurídico tutelado nesses delitos é o patrimônio. Patrimônio, de modo geral, é o “conjunto dos bens de alguém a que se pode atribuir valor econômico, compreendendo a propriedade, direitos reais, pessoais e obrigacionais, ativos e passivos”.[14:  Dicionário técnico jurídico/ organização Deocleciano Torrieri Guimarães; - 5.ed.rev.e atual. São Paulo: Rideel, 2004. Página:420.]
Os crimes contra o patrimônio estão elencados nos artigos 155 a 180 do Código Penal.  Como não é esse o nosso assunto principal de estudo, brevemente os crimes serão citados. São eles: 
- furto: Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
- roubo: Art. 157- Subtrair coisa móvel alheia para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido impossibilidade de resistência.
Pena: reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
- extorsão: Art. 158- Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa.
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
- usurpação: Art. 161: Alteração de limites: Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia
Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem:
Usurpação de águas
I - desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias;
Esbulho possessório
II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa”.
- dano: Art. 163- Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.
Pena- detenção, de um a seis meses, ou multa.
- Apropriação indébita: Art. 168- Apropriar-se de coisa alheia móvel, de quem tem a posse ou a detenção.
Pena- reclusão, de um a quatro anos, e multa.
- Do estelionato e outras fraudes: Art. 171- Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
- Outras fraudes: Art. 176 - Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento:
Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.
- Da receptação- Art. 180: Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
A competência para julgar os crimes contra o patrimônio é da Justiça Comum, podendo esta ser a Justiça Federal ou Estadual dependendo do objeto material violado e se a União tem interesse ou não no julgamento do caso concreto. 
Aos crimes em que a lei prever pena igual ou inferior a dois anos de reclusão ou detenção, o feito será processado e julgado pelo Juizado Especial Criminal, nos termos do artigo 61 da Lei 9.099/95.
Nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, será isento de pena o agente que cometer o delito contra o cônjuge, na constância da sociedade conjugal; ou contra o ascendente ou descendente, legítimo ou ilegítimo, civil ou natural (artigo 181 combinado com artigo 183, ambos do Código Penal).
Nos crimes cometidos em prejuízo: a) do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; b) de irmão, legítimo ou ilegítimo; c) de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita, o feito somente será processado mediante representação. Não se aplicará tais imunidades relativas quando o delito for praticado com violência ou grave ameaça (artigo 182 combinado com artigo 183, ambos do Código Penal).As imunidades previstas nos artigos 181 e 182 do Código Penal não se estendem ao estranho que participou do crime, bem como não serão aplicadas quando o ofendido for pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos (artigo 183 do Código Penal).
De modo geral, essas são as características comuns dos crimes previstos no Título II do Código Penal.
4 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
4.1 Origem do princípio da insignificância
O princípio da insignificância, segundo Mauricio Antonio Ribeiro Lopes , surgiu com a caótica situação econômica e social que passava a Europa a partir da Primeira Guerra Mundial, o que proporcionou um aumento das práticas de pequenos crimes contra o patrimônio, daí a denominação de “criminalidade de bagatela” ou, para os alemães, “Bagatelledelikte”.[15: LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 42.]
Para Diomar Ackel Filho, o princípio surgiu anteriormente ao primeiro conflito bélico mundial, pois no Direito Romano já vigorava o princípio da insignificância, consubstanciado na ideia de que o pretor, de maneira geral, não cuidava de causas ou delitos de bagatela.[16: ACKEL FILHO, Diomar apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 41.]
Sustenta-se que a partir do brocardo latino minimis non curat praetor, Claus Roxin, primeiramente no ano de 1964, e posteriormente em sua obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal em 1972, introduziu o princípio da insignificância no sistema penal.[17: ROXIN, Claus. Política Criminal y Sistema Del Derecho Penal apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 51.]
Atribui-se, portanto, a formulação do princípio da insignificância, nos moldes em que hoje é compreendido, à Claus Roxin.
	ROXIN ressaltou que:
O Direito Penal é de natureza subsidiária. Ou seja, somente se podem punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social, se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do Direito Civil ou do Direito Público, o Direito Penal deve retirar-se.[18: ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal, Lisboa: Ed. Vega, p. 28.]
Surgi-se então a importância da análise do princípio da insignificância direcionado ao operador do direito, tendo fundamento na proporção da pena em relação a gravidade provocada pelo ilícito penal. Nos casos de desprezível violação ao bem jurídico, a substância do injusto é tão insignificante que é insustentável a busca da aplicação de sanção penal. Todavia quando da aplicação do princípio da insignificância é necessária extrema cautela, devendo ser somente considerado o que realmente for insignificante, observando as circunstâncias objetivas e subjetivas de cada caso concreto, para que inexista a abertura para qualquer tipo de impunidade.
4.2 Natureza Jurídica
A corrente que considera o princípio da insignificância como excludente de tipicidade é a mais difundida pela doutrina tradicional e é a que nos parece mais correta. Para os adeptos de tal teoria, consiste o princípio da insignificância na ideia de que o Direito Penal não deve se preocupar com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico, já que a tipicidade exige um mínimo de lesividade a esse.
Capez comenta que: “se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica”.[19: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, vol 1, parte geral. 19ª Edição.São Paulo: Saraiva, 2015, p. 27.]
Zaffaroni e Pirangeli entendem que a insignificância da afetação de bens jurídicos exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade; tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). O princípio da insignificância, portanto, é causa de atipicidade conglobante.[20:  Zafaroni, Eugênio Raúl; Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo:RT, 1997, p. 564/565 apud José Henrique Guaracy Rebêlo. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 35]
Embora minoritária, há quem entenda que o princípio da bagatela exclui em verdade a antijuridicidade. Alberto da Silva Franco e Carlos Frederico Pereira são alguns dos defensores de tal entendimento. A terceira e última corrente acerca na natureza jurídico-penal do princípio da insignificância, o situa no campo da culpabilidade. Tal corrente é a menos aceita de todas. Dentre os seus poucos seguidores, encontra-se Abel Cornejo que entende que o princípio da insignificância como excludente da culpabilidade é algo bem mais plausível do que excludente de antijuridicidade, pois estabelece como um limite à ingerência do Estado e uma justificação ética à aplicação da pena.
Pelo que foi exposto, entendemos que o princípio da insignificância é aquele que permite infirmar a tipicidade de fato que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, despidas de reprovação, de modo a não merecerem valoração da norma penal, pois são irrelevantes. 
4.3 Requisitos para a aplicação
Tentando dirimir a questão, o Supremo Tribunal Federal[97] criou requisitos que devem ser observados na hora da aplicação do princípio da bagatela. O Supremo decidiu que o princípio da insignificância não deve ser aplicado tomando-se por base tão somente o valor do bem jurídico, mas também deve-se observar os seguintes requisitos:
1.            Mínima ofensividade da conduta do agente;
2.            Nenhuma periculosidade social da ação;
3.            Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
4.            Inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Conforme observado, para aplicação do princípio da insignificância não basta, apenas, o valor do bem ofendido. 
4.4 Aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio
 Ao analisar casos que foram aplicados o princípio da bagatela, verifiquei que a maioria dos julgados decorre de tribunais superiores (STJ ou STF) o que revela certo conservadorismo (legalista ou formalista) por parte dos juízes de primeira instância, bem como por parte dos tribunais estaduais.
Tomarei por base o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerias.
HABEAS CORPUS 143.921 MINAS GERAIS RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI PACTE.(S) :EVANILDO JOSÉ FERNANDES DE SOUZA IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DECISÃO: Vistos. Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Evanildo José Fernandes de Souza, apontando como autoridade coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao agravo regimental no AREsp nº 1.020.261/MG, Relator o Ministro Rogério Schietti. A impetrante alega, em síntese, estarem presentes os requisitos necessários à aplicação do postulado da insignificância. Aduz, para tanto, que “o paciente, que é MORADOR DE RUA E DEPENDENTE QUÍMICO (ALCÓOL), subtraiu do estabelecimento uma bermuda, avaliada em R$ 10,00 (dez reais), que posteriormente fora restituída à vítima integralmente e em perfeitas condições, ou seja, o estabelecimento não suportou QUALQUER PREJUÍZO, portanto, não há nenhuma lesividade a ser sanada, haja vista a inexistência de dano relevante ausente o prejuízo para a vítima” .
HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO PACTE.(S) :JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIMEDE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. A circunstância de se tratar de réu reincidente ou de furto qualificado não deve, por si só, impedir a aplicação do princípio da insignificância, cujo afastamento deve ser objeto de motivação específica à luz das circunstâncias do caso (e.g., número de reincidências, especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc.). No caso concreto, trata-se de furto simples de um par de sandálias, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais), por réu com duas condenações anteriores transitadas em julgado por crime de furto, o que não é capaz de afastar a aplicação do princípio da insignificância. Ordem concedida para considerar atípica a conduta do paciente.
HABEAS CORPUS Nº 60.185 - MG (2006/0117708-9) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ IMPETRANTE : ANTÔNIO ADENILSON RODRIGUES VELOSO IMPETRADO : DESEMBARGADOR RELATOR DO HABEAS CORPUS NR 10000064375025 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS PACIENTE : BARTOLOMEU DO NASCIMENTO ARAÚJO (PRESO) PACIENTE : JOÃO PAULO DO NASCIMENTO ARAÚJO (PRESO) PACIENTE : DIEGO DE BRITO (PRESO) EMENTA HABEAS CORPUS . PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. DELITO COMPLEXO. PLURALIDADE DE BENS JURÍDICOS OFENDIDOS. RELEVÂNCIA DA LESIVIDADE PATRIMONIAL. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA DENEGADO COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE DO DELITO. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO DEMONSTRADA. 1. Não há como aplicar, aos crimes de roubo, o princípio da insignificância - causa supralegal de exclusão de ilicitude -, pois, tratando-se de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (o patrimônio e a integridade da pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão. Precedentes.
A Douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela parcial concessão da ordem nos seguintes termos: "HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITO LEGAIS. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. O decreto de prisão preventiva, por força do que dispõem o art. 315 do Código de Processo Penal e o art. 5º, inc. LXI, da Constituição Federal, deve ser devidamente fundamentado. Essa fundamentação, consoante reiteradamente têm decidido os Tribunais Superiores, deve levar em consideração fatos concretos, não se admitindo meras invocações genéricas da gravidade do delito. Precedentes do STF e do STJ. 2. O princípio da insignificância não se aplica em relação ao crime de roubo, independentemente do valor da res furtiva, em razão de que além do patrimônio, o tipo penal visa proteger bens jurídicos cuja violação, por menos que seja, jamais poderá ser classificada como desprovida de lesividade. 3. Pela parcial concessão da ordem." (fl. 126)
 CONCLUSÃO
		É indubitável dizer que o Direito Penal visa proteger aqueles bens jurídicos de maior relevância. Conclui que o princípio da insignificância retira a tipicidade da conduta. A não verificação da tipicidade, que é um dos elementos do fato típico, acaba por desqualificar todo o fato criminoso insurgindo na inocorrência de delito. 
		Os julgados trazidos ao trabalho serviram para mostrar que, embora não consagrado expressamente na Constituição Federal ou no Código Penal ou mesmo no Código de Processo Penal, o princípio da insignificância vem sendo aplicado e conseqüentemente reconhecido como legítimo pelos tribunais nacionais.
		Ademais, pude perceber que o princípio da insignificância nem sempre poderá ser aplicado a todos os crimes contra o patrimônio em razão da própria gravidade do delito, bem como em razão do bem jurídico tutelado.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1/ Cezar Roberto Bitencourt. – 15.ed.rev.,atual.e ampl.- São Paulo: Saraiva, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, vol 1, parte geral. 19ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2015.
FERREIRA, Aline Albuquerque. A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3263, 7 jun. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/21947>. Acesso em: 16 set. 2018.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 10ª Edição. Niterói/RJ: Impetus, 2016.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 17ª Edição. Niterói/RJ: Impetus, 2015.
Habeas Corpus nº 123.108/MG. Relator Min. Roberto Barroso. 
Habeas Corpus nº 60.185/MG. Relatora Min. Laurita Vaz.
Habeas Corpus nº 143.921/MG. Relator Min. Dias Toffoli.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial/ Guilherme de Souza Nucci.- 4ed.rev.,atual.e ampl. 2.tir.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

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