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Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 1 1. Acepções subjectiva e objectiva da expressão Direitos Reais Subjectivamente identificam uma categoria de direitos subjectivos. Em sentido objectivo é um ramo de direito objectivo como divisão do direito civil. Temos Direitos Reais (direito das Coisas). Reais porque deriva da raiz res. 2. Categorias de Direitos Reais Direito Civil é Direito Privado. Direitos Reais é Direito Privado: Comum ou Geral. O livro dos direitos das coisas tem os chamados os direitos reais de gozo. Não se esgotando estes nesta categoria. O artigo 1539º faz contraposição entre direitos reais de gozo e de garantia. Os direitos reais de garantia mantêm a sistematização tal como no código Seabra de 1867, a ligação aos direitos de crédito, regulados no livro II – Direito das Obrigações (656º a 761º). Além destas duas há no CC mais categorias de direitos reais por terem eficácia real, atribuindo ao titular do direito poder potestativo, que são os direitos reais de aquisição, de fonte legal ou convencional. Por exemplo: Contrato promessa com eficácia real e o Pacto de Preferência, também com eficácia real (413º a 421º) e múltiplos direitos de preferência legal com eficácia real (1409º e 1535º). Os direitos reais de gozo são menos bem definidos. Por isso é categoria unitária, direito real. Todos os direitos reais, além das diferenças existentes, têm em comum: a incidência sobre as coisas, com particular utilidade de interesses de pessoas determinadas e que todos os direitos reais estão dotados de eficácia particular contra terceiros, eficácia real. 3. Direito das Coisas como Ramo de Direito Privado O direito das coisas é o conjunto de normas jurídicas que rege a atribuição das coisas com eficácia real. Embora sendo direito privado projecta-se juridicamente em matéria de direito publico porque no regime dos direitos reais verifica-se a interferência de institutos próprios do direito publico. Por exemplo as expropriações e a requisição, conforme o legislador específica nos artigos 1308º e 1310º. Convém não esquecer as limitações ao conteúdo dos direitos reais decorrentes de razões de interesse público. Por exemplo: A requisição de origem militar que permite a utilização temporária de bens ou serviços, ou produz uma forma de extinção de direitos sobre imóveis, mas sempre mediante indemnização. O direito das coisas tem uma marcada natureza patrimonial e constitui, ao lado dos direitos de crédito, uma das mais importantes categorias de direitos patrimoniais. Direitos Reais Geral (Natureza Jurídica Controvertida) Comum (Atribuição de poderes de uso ou fruição de uma coisa) Direito de Posse Direito de Propriedade As demais figuras reais Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 2 4. Assento Legal da Matéria. Fontes do Direito das Coisas O livro III do CC constitui a sede fundamental do regime dos direitos reais. Porém, não constitui a única fonte do direito das coisas, nem contem todo o regime dos direitos reais. Primeiro é de mencionar a CRP, enquanto base de todo o sistema jurídico e que contém a máxima protecção à propriedade privada, encontrando-se vigentes normas que respeitam à matéria dos direitos reais – n.º 2, do artigo 100º, da CRP, que determina a abolição da enfiteuse e da colónia. A enfiteuse – contrato pelo qual o senhorio de um prédio concedia domínio útil dele reservando o domínio directo. Desmembrava o prédio – rústico ou urbano – em dois domínios, designados por directo e útil, sendo designado o primeiro titular por senhorio e o segundo por enfiteuta ou foreiro (1491º). Enfiteuta ou foreiro é aquele que tem o domínio útil de um prédio, pagando foro ao senhorio directo. A enfiteuse foi abolida em 1976. Em 1981 introduziu-se no sistema jurídico português um novo tipo de direito real: Direito de Habitação Periódica. Para além da CRP e do CC, as leis especiais como o CR Predial, Código de Propriedade Industrial, etc., também são fontes do Direito das Coisas. O CC não esgota a regulamentação das relações jurídicas reais. Por exemplo, quanto ao direito de propriedade ele só se ocupa do que se refere a coisas corpóreas (1302º). O regime dos direitos que recaem sobre coisas incorpóreas identifica no CC sob a designação comum de “propriedade intelectual”, Direitos de Autor/Propriedade Industrial, encontrando- se regulado em diplomas avulsos – Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos. Quanto ao objecto do direito de propriedade o CC só rege sobre as águas particulares, existindo muita legislação avulsa. Para além dos aspectos já referidos, são vários os diplomas complementares ao CC que integram o regime de várias divisões deste ramo de direito. Relativamente ao Direito das Coisas o mais importante de todos é CR Predial que se refere aos factos relativos aos direitos que incidem sobre coisas móveis, particularmente prédios rústicos e urbanos. As coisas móveis sujeitas a registo o seu regime encontra-se disperso por diversos diplomas que regem as diferentes modalidades de coisas que integram esta categoria. È para por fim a esta situação que surge o Código do Registo de Bens Móveis (que aguarda a sua entrada em vigor dependente de normas suplementares, com resulta do seu preâmbulo). Para além do CR Predial e também como diploma complementar há o Código do Notariado que tem um papel importante no regime dos direitos reais, por ser frequente nos negócios relativos a esses direitos, cumprimento de formalidades solenes, em que é exigível a intervenção notarial. 5. Confronto entre os direitos reais e os direitos de crédito Primeiro importa demarcar os direitos reais da categoria dos direitos subjectivos creditórios, com que mantém relevantes relações. Até porque os direitos reais são direitos sobre uma coisa e os direitos de crédito são o direito à prestação a efectuar pelo devedor que pode consistir num dare, facere e non facere. Característica dos direitos reais: a sua eficácia absoluta (413º, 421º, 1305º), ou seja, os direitos reais são oponíveis erga omnes (contra todos), possam interferir ou entrar em relação com a coisa. O mesmo não acontece nos direitos de crédito, habitualmente integrados na categoria de direitos relativos, por contraposição àqueles. Os direitos reais são absolutos e de exclusão, dado que, o titular pode opô-los a terceiros, impedindo-os de interferir na coisa. Aqui temos a obrigação passiva universal, traduzida no Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 3 dever que recai sobre as restantes pessoas de não perturbarem o exercício dos titulares dos direitos absolutos. Pelo contrário, os direitos de crédito são relativos, produzem efeitos apenas inter partes (406º, n.º2). Corolário da eficácia absoluta, é o titular do direito real ter o direito de sequela (direito de perseguir a coisa onde quer que ela se encontre e fazer valer o seu direito, reivindicando-a). Mas, existem excepções a este princípio (243º e 291º). Mais traços distintivos entre os direitos reais e os direitos de crédito: os direitos reais como direitos absolutos podem ser ofendidos por qualquer pessoa. Quanto aos direitos de créditos, só podem ser ofendidos pelo devedor ou devedores. Os direitos reais de gozo podem constituir-se por usucapião e, habitualmente, constituem relações duradouras ou, até de carácter perpétuo. Os direitos de crédito constituem relações transitórias ou, de curta duração. Em princípio, a obrigação nasce para se extinguir no mais curto espaço de tempo. Asobrigações extinguem-se com o seu exercício, pelo contrário, o uso não põe termo aos direitos reais, antes os vivificam. 6. Dos direitos reais em geral 6.1 Teoria clássica e Teoria moderna ou personalista Segundo uma concepção designada por clássica, o direito real é entendido como um poder directo e imediato sobre uma coisa (certa e determinada). Teoria ou concepção que desprezava o conceito de relação jurídica tal como hoje se caracteriza com todos os seus elementos - (sujeito, objecto facto e garantia). No poder directo implícita-se a ideia de domínio ou de senhorio sobre certa coisa. No poder imediato significa a faculdade (atribuída ao titular do direito) de aproveitar das utilidades da coisa sem necessidade a colaboração de outros, como se verifica nos direitos de crédito, em que ao credor assiste o direito de exigir do devedor a realização da prestação (397.º). Concepção que realça a posição da coisa como objecto do direito, deixando transparecer a ideia da existência de relação entre titular do direito e coisa. porém os direitos reais, como o que respeita a todos os direitos subjectivos, envolvem uma relação entre pessoas e não com coisas ou com uma coisa certa e determinada. Concepção clássica contraposta pela dita moderna ou personalista, que constrói a noção de direitos reais, partindo da ideia de relação jurídica. Teoria também designada por obrigacionista e define o direito real como o poder que tem o seu titular de excluir todas as pessoas de qualquer ingerência na coisa, incompatível com o seu direito. Com esta teoria, existe um vínculo pessoal entre o titular do direito real e todas as pessoas (sujeito passivo) que têm a obrigação de se abster de violar ou perturbar o titular do direito (obrigação negativa). Nos direitos de crédito, o dever de prestar recai sobre um sujeito certo e determinado ou determináveis. Destacam-se as doutrinas eclécticas de Lisboa (Professores Oliveira Ascensão e Meneses Cordeiro e Coimbra (professor Mota pinto). Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 4 7. Princípios característicos dos direitos reais 7.1 Princípio da actualidade e Princípio da determinação ou individualização 7.2 Princípio da totalidade 7.3 Princípio da permanência 7.4 Princípio da compatibilidade 7.5 Princípio da elasticidade 7.6 Princípio da tipicidade e numerus clausus 7.7 Princípio da consensualidade ou consentimento 7.8 Princípio da inerência do direito real 7.9 Princípio da publicidade 7.1 Princípio da actualidade e Princípio da determinação ou individualização O objecto do direito real tem que ser uma coisa certa e determinada, e como tal, existente, ou seja, tem de existir, ser certo e determinado no momento da constituição ou da aquisição do direito. Contrapõe-se, nos direitos de crédito a prestação que pode respeitar a coisas genéricas (individualizadas apenas pelo seu tipo ou género e quantidade, só se tornando necessário a sua determinação no momento do cumprimento). Em suma, para se poder exercer um poder directo e imediato sobre uma coisa, esta tem de existir materialmente, não sendo suficiente que a coisa seja eventual ou futura, ao contrário do que acontece nos direitos de crédito (408º n.º2). A existência deste princípio tem como consequência não se poder exercer um poder directo e imediato sobre uma coisa que ainda não existe e consequentemente, se a coisa sobre a qual incide um direito real se destruir ou perecer, extinguem-se de imediato os direitos reais a ela inerentes (alínea d) do n.º 1 do artigo 1476º, entre outros). Os direitos reais e os negócios com eficácia real têm de incidir sobre uma coisa certa e determinada (individualizada). 7.2 Princípio da totalidade A característica segunda a qual o direito real afecta a totalidade da coisa que tem por objecto é duvidosa. Quem defende a existência deste principio considera que os direitos reais, como exclusivos, hão-de incidir sobre a totalidade do objecto. Mas, o direito do condómino, refere-se na propriedade horizontal, à sua fracção e não a todas as partes comuns do edifício (1421.º, n.º3) sem, que isto ponha em causa, o carácter real do direito. Estamos perante uma característica tendencial e, não essencial, dos direitos reais, a qual explica que, em regra, eles se estendem às coisas que no seu objecto se incorporem ou, a ela sejam unidas. Por outro lado, nada impede a constituição de direitos reais sob partes de uma coisa. Por exemplo: hipoteca (688º), propriedade horizontal (1414º), direito de superfície (1524º) e direito de uso e habitação (1489º). 7.3 Princípio da permanência Característica que não pode ser entendida de forma absoluta. A ideia de perpetuidade dos direitos é incorrecta. Há direitos reais que, por natureza, são temporários como é o caso do usufruto e do uso e habitação (1439º a 1490º). Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 5 Se se visou significar que os direitos reais não se extinguem pelo seu exercício, dir-se-á que esta nota não é específica destes direitos, dado que, pode também verificar-se nas obrigações de non facere. Acresce que, há direitos reais que se extinguem pelo seu exercício, sendo esta, a regra dos direitos reais de garantia e de aquisição. 7.4 Princípio da compatibilidade Os direitos reais devem ser compatíveis entre si e não se excluam uns aos outros. Resultando que não é possível existirem dois direitos de propriedade sobre a mesma coisa ou, dois direitos de uso, porque que são direitos que conferem exactamente as mesmas faculdades a pessoas diferentes. E porque têm o mesmo conteúdo são incompatíveis. Porém, é possível, existirem dois direitos de conteúdo diferente, como é o caso de um direito de propriedade e um direito de usufruto, ou um direito real de gozo — a propriedade — e, um direito real de garantia — a hipoteca. 7.5 Princípio de elasticidade O direito real tem a característica de ser elástico - capacidade de comprimir-se ou distender-se consoante exista sobre ele um outro direito real, cuja existência determina que os poderes incompatíveis com este segundo direito real fiquem inactivos. O direito de propriedade é o direito real por excelência, o direito real pleno. E os vários direitos reais foram como que recortados do direito de propriedade. Quando sobre a mesma coisa, que é propriedade de alguém, é constituído a favor de outrem um direito real menor, aquele fica esvaziado de parte do seu conteúdo, limitando o direito de propriedade. O direito real menor é aquele que tem um conteúdo diferente do direito de propriedade mas que com ele é compatível. Exemplo: Constituição a favor de alguém de um direito de usufruto sobre uma coisa, tendo este, o poder de usar e fruir, sendo que estes poderes foram retirados ao, agora, nu proprietário. Mas, mal se extinga o direito real menor que constitui factor de compressão, o conteúdo do direito de propriedade retoma a sua forma inicial. 7.6 Princípio da tipicidade ou numerus clausus Um dos instrumentos de que o direito se socorre na regulamentação da vida económico-social é o da fixação de certas categorias jurídicas, que ele delimita, directa ou indirectamente. Exemplos: a compra e venda, o testamento, o direito de propriedade, etc. No direito das obrigações a fixação das categorias jurídicas não assume carácter taxativo ou exclusivo, por isso, podem os particulares criar outras que melhor entendam assegurar os seus interesses (405º). Há outras áreas ou ramos em que a regulamentação jurídica de certas matérias se faz mediante o recurso a categorias exclusivas. Quando assim acontece, só as realidades que neles enquadráveissão juridicamente atendíveis. No sistema jurídico português encontramos este modelo no direito criminal, quanto aos factores considerados crime, e no direito das coisas quanto às situações reais. Significando que o direito só aplica o regime das situações jurídicas reais às que se enquadram em alguma categoria que ele caracteriza. De acordo com o princípio da tipicidade, só são admissíveis os direitos expressamente previstos na lei e, pela forma nela regulada, não podendo as partes fixar-lhe outro conteúdo, não têm como nas obrigações, liberdade negocial. Exemplo: o direito de propriedade confere o poder de usar, fruir e dispor. Caso A, venda a B uma casa, não pode estipular, ainda que de comum acordo, que o poder de fruir não é transmitido com o direito de propriedade. Mas, caso exista uma cláusula nesse sentido, a mesma teria eficácia meramente obrigacional, por Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 6 força do artigo 1306º, isto é, B ficaria vinculado perante A, a cumprir a obrigação a que se vinculou de non facere. Porém, caso B não cumpra essa promessa por ter arrendado a C, A teria incumprido uma obrigação e, em consequência, poderia ficar obrigado a indemnizar B, pelo incumprimento. Por numerus clausus entenda-se, que o número de tipos de direitos reais, são só aqueles que se encontram definidos na lei. O numerus clausus é, pois, uma consequência do princípio da tipicidade 7.7 Princípio do consensualismo ou consentimento Ligado com o princípio de causalidade, uma vez que, se é verdade que é suficiente a existência do título para que o direito real se transmita ou se constitua, também é verdade que o título tem que ser justo. A causa de aquisição tem de ser válida. Por isso, se o contrato é nulo ou anulável, verifica-se a não produção do efeito real (875º, 220º, entre outros). Se o contrato é nulo, não se transmitiu a propriedade do transmitente para o adquirente. 7.8 Princípio da inerência do direito real Nexo de intima ligação entre o direito e a coisa, podendo mesmo afirmar-se que o direito se torna inseparável da coisa que é seu objecto. O seu titular pode opor o seu direito a todos, perseguindo a coisa consistindo nisto a chamada sequela, e ainda, devido à inerência, o direito sofre todas as vicissitudes de coisa. São corolários da inerência: A inseparabilidade do direito em relação à coisa; Oponibilidade erga omnes; Repercussão, no direito, das vicissitudes da coisa (sequela). A inseparabilidade do direito em relação à coisa significa que o direito não se desanexa do objecto. O direito nasce, vive e extingue-se com o objecto a que se encontra ligado. A oponibilidade erga omnes, consiste na faculdade que o titular de um direito real tem de, o poder invocar eficazmente contra terceiros. Não é contra toda e qualquer pessoa indiscriminadamente, mas apenas contra toda e qualquer pessoa em condições de violar o direito, quer essa pessoa tenha somente a intenção ou, já o esteja a violar. Muitos autores, actualmente, reconhecem que a sequela não é mais do que uma manifestação particular da oponibilidade erga omnes do direito real. A manifestação da oponibilidade nos direitos reais de gozo verifica-se na acção de reivindicação (1311º). Nos direitos reais de garantia, a oponibilidade manifesta-se pela acção de execução, uma vez que o titular do direito tem o poder de executar o bem, onde quer que ele se encontre, fazendo-se pagar pelo valor da execução. Relativamente aos direitos reais de aquisição a manifestação da oponibilidade verifica-se através da acção de preferência. A repercussão, no direito, das vicissitudes da coisa. Por um lado o perecimento total da coisa provoca a extinção do direito real, por ser um dos pressupostos de um direito real a existência da coisa. Por outro, o direito real pode alterar-se, se for alterado o regime a que a coisa está submetida. Assim, se A resolve transformar um edifício de 6 andares em propriedade horizontal, deixa de haver um direito de propriedade sobre o edifício de 6 andares, para passar a existir vários direitos de propriedade. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 7 7.9 Princípio da Publicidade Para que todos os sujeitos de obrigação passiva universal conheçam a existência dos direitos reais e para segurança do comércio jurídico (em que se tutela a posição destes terceiros), é necessário dar publicidade à existência desses direitos. Repara-se que o desconhecimento da real situação das coisas pode afectar terceiros, no que respeita às consequências dos negócios que, em relação a elas se venham a praticar, contribuindo a publicidade dos actos para estes mesmos terceiros respeitarem esta situação. Mas, esta publicidade não constitui requisito de validade do direito real, que foi validamente constituído, por mero efeito do contrato, apenas válido inter partes. Porém, este requisito é condição de eficácia relativamente a terceiros. A publicidade é conseguida através do registo das coisas imóveis (Registo Predial) e das coisas móveis de considerável valor (como os aviões, helicóptero, automóveis, quotas de sociedade). Quanto á nossa cadeira, interferem a Conservatória do Registo Predial e as Conservatórias do Registo de Bens Móveis, ainda pendente de regulamentação. Podemos encontrar duas modalidades de publicidade: a provocada e a espontânea. Na realidade, há uma série de comportamentos humanos que pela sua repetitividade e tipicidade social, implicam, por si mesmos, a revelação e publicitação de certas realidades sociais e jurídicas. Daí que, a adopção de certos comportamentos possam envolver, a produção de certas consequências no mundo do direito. No plano dos direitos reais o proprietário dos bens adopta em relação a eles os comportamentos, correspondentes ao seu uso e fruição, fazendo-o, em regra, à vista de todos, sem reservas ou reparos de qualquer outra pessoa. Compreende-se por isso que se veja naquele comportamento, o sinal exterior de propriedade e que, a partir daí, se lhe dê relevância na atribuição ou reconhecimento da titularidade do correspondente direito. De facto, resulta desses comportamentos a publicidade que se designa por espontânea. Contrapõe-se a esta publicidade a designada por provocada, que deriva de uma actuação intencionalmente dirigida a dar a conhecer a terceiros uma certa situação jurídica. Actualmente, essa publicidade faz-se mediante inscrição no registo de certos factos em livros ou registo próprios que são guardados ou conservados, por um serviço público. 7.9.1 Publicidade Registal Nos termos do artigo 1.º do CR Predial, a função essencial do registo predial é a de: “dar publicidade à situação jurídica dos prédios”. Através desta função, realiza-se o fim a que o registo predial está votado: “a segurança do comércio imobiliário”. A lei do registo só se refere a prédios, compreendendo os rústicos e urbanos, e não a todas as coisas móveis, abrangidas na enumeração do artigo 204º. Porém, a partir dos actos de registo relativos a prédios, consegue-se saber e estabelecer a situação jurídica das demais coisas imóveis, uma vez que estas mantém sempre uma ligação com um prédio, seja rústico ou urbano. 7.9.2 Características Gerais do Sistema de Registo Predial Português O sistema de registo predial português tem como características, entre outras, ser um sistema de natureza público e real. O carácter público revela-se na circunstância de o Registo Predial estar a cargo de serviços públicos — Conservatória do Registo Predial. Estas dependem, por sua vez, de um serviço central comum, a Direcção Geral de Registos e Notariado, integradona orgânica do Ministério da Justiça. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 8 E o carácter real e não pessoal, verifica-se na circunstância de assentar num acto de registo que respeita a prédios em si mesmos e, não às pessoas que sejam titulares de direitos que os tenham por objecto. Os registos que assumem grande relevância na nossa ordem jurídica são: — O registo predial; — O registo comercial; — O registo de propriedade automóvel; — O registo de propriedade intelectual; e — O registo de propriedade industrial O registo predial assume uma particular relevância, dado que as suas normas aplicam-se subsidiariamente aos diplomas reguladores de cada um dos restantes registos. Princípios do Registo Predial a) Princípio da Instância Este princípio encontra-se previsto no artigo 41º do CR Predial e significa que, salvo nos casos previstos na lei, o registo deve ser pedido pelos interessados. Decorre deste princípio que os serviços estão à disposição dos interessados, mas a estes cabe a iniciativa de requerer os registos que lhes convenham, vigorando assim um princípio equivalente ao que rege em direito processual civil. O CR Predial Português não estabelece, em caso algum, a obrigatoriedade do registo, sendo neste domínio elucidativo que, o facto de a sua falta não configurar qualquer transgressão, nem se estabelecer para ele qualquer sanção podendo, no entanto, afirmar-se uma obrigatoriedade indirecta. Não será adequado falar-se de dever de registar, apenas em ónus, sendo que, a não observância do ónus de registo, acarreta consequências indesejáveis para o interessado no registo, ou a ele desfavoráveis. Sem prejuízo do princípio da instância, a lei prevê vários casos particulares de registo oficioso, isto é, por iniciativa do Conservador (92º n.º5, 97º, 98º n.º3 e 100º n.º3). b) Princípio da legalidade Este princípio decorre, desde logo, do carácter público do registo, numa das suas manifestações. Na verdade, tanto o Conservador como os demais servidores das Conservatórias, funcionários públicos, todos eles estão nessa qualidade subordinados à lei que devem respeitar. Por esta simples razão, já aqui domina uma ideia de legalidade. Contudo, o princípio em análise, tem alcance mais vasto e que decorre do artigo 68º do CR Predial. A este princípio pode ser-lhe atribuído um conteúdo formal ou substancial. No primeiro caso, significa que cabe aos funcionários do registo verificarem a regularidade formal dos actos apresentados a registo e a legitimidade dos respectivos requerentes. No segundo caso, vai-se mais longe, impondo também ao Conservador a obrigação de se pronunciar sobre a viabilidade do pedido de registo, tomando em conta a sua validade substancial dos actos a registar, assemelhando-se a sua função à do juiz. A actividade fiscalizadora do Conservador implica a apreciação dos seguintes aspectos: — Identidade entre o prédio a que se refere o acto a registar e a correspondente descrição; — Legitimidade dos interessados; — Regularidade formal dos títulos referentes aos actos a registar e a — Validade substancial dos mesmos actos. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 9 Relativamente ao último ponto, exige-se uma observação complementar. Entende a doutrina que o poder do conservador restringe-se nesta matéria, aos casos de nulidade, sendo várias as razões que impedem que a sua apreciação se alargue aos actos anuláveis. Porque os actos anuláveis produzem os seus efeitos enquanto não sejam invalidados (287º n.º1). Não seria razoável atribuir ao conservador poder que iria colocar em causa a eficácia do acto, num campo deixado à disponibilidade de certas pessoas. Ora, se este tipo de invalidade não é do conhecimento oficioso do tribunal, ao permitir-se a interferência do conservador, seria atribuir-lhe poderes mais amplos do que os do poder judicial. No entanto, quando a anulabilidade resulte de falta de consentimento de outrem ou, de consentimento do tribunal, impõe a alínea e) do artigo 92º do CR Predial, a realização do registo como provisório por natureza. O mesmo regime vale para os actos praticados pelo gestor ou representante sem poderes enquanto não forem ratificados (alínea f) do artigo 92º do CR Predial). Em qualquer outro caso não pode o conservador recusar o registo. O princípio da legalidade devia conduzir, sempre que o registo se mostrasse inviável, à sua recusa. Mas, dado que este regime poderia acarretar graves inconvenientes para os interessados, em alternativa à figura da recusa do registo, surge a do registo provisório por dúvidas. Só nos casos mais graves e enumerados no a. 69.º do CR Predial, o registo deve ser recusado. c) Princípio da prioridade ou prevalência De acordo com o artigo 6.º do CR Predial, o direito em primeiro lugar inscrito prevalece sobre os que se seguirem em data. Caso os registos sejam da mesma data, a prioridade é determinada pelo número de ordem das apresentações. O princípio em análise só admite uma excepção em matéria de hipoteca. As hipotecas inscritas na mesma data, concorrem entre si, na proporção dos créditos que cada uma delas garante. Saliente-se que o registo provisório quando convertido em definitivo, conserva a prioridade que tinha como provisório. O registo provisório que não seja renovado ou convertido em definitivo dentro do prazo da sua vigência (6 meses), caduca. d) Princípio do trato sucessivo O princípio do trato sucessivo, previsto no artigo 34.º do CR Predial, tem como objectivo reconstituir ou estabelecer uma cadeia ininterrupta dos sucessivos titulares do direito. Estabelecendo-se esta cadeia, é fácil conhecer toda a história jurídica de um imóvel, consultando os registos. Quando, ao longo da cadeia dos sucessivos actos de transmissão, existe alguém que não regista, dá-se aquilo a que se chama de “quebra do registo”. Exemplo: E desloca-se à conservatória para registar a sua aquisição, mas o ultimo registo (há um hiato) data de 1912 e foi feito em nome de B. Então o conservador vai exigir a E a justificação das sucessivas alienações que culminaram no contrato pelo qual B adquiriu de A. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 10 e) Princípio da legitimação De acordo com o artigo 9º do CR Predial, o titular de um imóvel não pode aliená-lo nem constituir encargos sobre ele, mediante escritura pública se esse imóvel não estiver devidamente registado. Note-se: este preceito dirige-se aos notários. é a estes que compete cumprir o preceito - não realizar a escritura se não for apresentada Certidão do Registo. O notário que o fizer será objecto de sanção disciplinar, sendo que as partes não sofrem qualquer sanção. Este princípio traduz um outro, o princípio de obrigatoriedade indirecta, - ninguém é obrigado a registar um imóvel, mas se quiser aliená-lo ou constituir encargos sobre ele, terá forçosamente que o registar. Não há sanção para quem não registar, apenas uma forte limitação. 7.9.4 Actos do Registo, trâmites processuais e prova de registo São três as modalidades de actos de registo, propriamente ditos, atendendo ao seu conteúdo e à sua função: a descrição, a inscrição e os averbamentos. A descrição é o acto de registo dirigido à identificação física, económica e fiscal de cada prédio (79.º n.º1). As descrições são dependentes, em geral, de uma inscrição ou de um averbamento – artigo 80º n.º1. Os averbamentos às descrições (acto complementar), servem para alterar, completar ou rectificar os elementos delas constantes,ampliar ou inutilizar, em virtude de circunstâncias supervenientes. Os averbamentos têm um número privativo e devem ter também o número e data da apresentação quando dela depender (88º n.º1 e 89º). Diversa é a finalidade da inscrição. Esta é o acto de registo que vai revelar a situação jurídica dos prédios descritos, consistindo num extracto dos factos jurídicos relativos a cada prédio. A identificação da inscrição faz-se mediante uma letra, seguida do número de ordem correspondente e o número e data da apresentação, elementos que devem constar do correspondente extracto. 8. Classificação dos direitos reais 8.1 Direito Real Pleno e Direitos Reais Limitados O critério de distinção entre direitos reais plenos e direitos reais limitados ou menores, é a extensão dos poderes que os direitos reais atribuem ao seu titular, ou seja, existem direitos reais que atribuem aos seus titulares mais poderes do que outros. Exemplo: o direito de propriedade atribui poderes mais amplos, que o direito de usufruto. Considera-se que para além da propriedade, também a posse é um direito real pleno, significando que, por meio desta classificação, a situação possessória é colocada ao nível do direito de propriedade. O direito de propriedade é um direito real pleno porque abrange os mais amplos poderes de aproveitamento, ou seja, usar, fruir e dispor. Todos os outros direitos reais são limitados, dado os mesmos serem recortados do direito real pleno, permitindo ao seu titular o aproveitamento parcial e não pleno da coisa. 8.2 Direitos Reais de Gozo, Garantia e de Aquisição Esta é a classificação tradicional das categorias dos direitos reais. O seu critério de distinção assenta no modo como se efectua o aproveitamento das utilidades da coisa, que é o objecto do direito real. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 11 8.2.1 Direitos reais de gozo Nos direitos reais de gozo, o aproveitamento da coisa é feito de modo directo e imediato no sentido de que, o titular do direito real de gozo pode fazer suas as utilidades que a coisa lhe proporciona. Pode colher os frutos naturais, perceber frutos civis, consumir a coisa, alterá-la, etc. Portanto, o titular do direito real de gozo, satisfaz o seu interesse através do aproveitamento do valor de uso da coisa, retirando da sua substância todas as utilidades dessa coisa. São direitos reais de gozo: a posse, o direito de propriedade (compropriedade e propriedade horizontal), as servidões, o direito de superfície, o direito de uso e habitação, o direito de usufruto e o direito real de habitação periódica. 8.2.2 Direitos reais de garantia Nos direitos reais de garantia, as utilidades proporcionadas ao seu titular são aproveitadas de modo indirecto, isto é, através do valor económico, do valor de troca, e não através do seu valor de uso. Estes direitos reais são acessórios de uma relação creditória e por isso encontram-se regulados no Livro II, tendo a função de assegurar eficazmente ao credor, o pagamento preferencial do seu crédito pelo valor da coisa sobre que recaem. Os direitos reais de garantia caracterizam-se pelo facto de incidirem sobre o valor ou os rendimentos de bens certos e determinados, do próprio devedor ou de um terceiro. O CC admite os seguintes direitos reais de garantia: 1. Consignação de rendimentos 656º 2. Penhor 666º 3. Hipoteca 686º 4. Privilégios creditórios 733º 5. Direito de retenção 754º 8.2.3 Direitos reais de aquisição Os direitos reais de aquisição, constituem a categoria de direitos reais mais recente, em que o interesse do titular é satisfeito através da aquisição de um outro direito real, (a partir do momento em que se exerce o direito real de aquisição, o seu titular é imediatamente transposto para outro direito real de gozo). Por exemplo: o direito que tem cada um dos comproprietários a ter preferência, na venda ou doação, das quotas dos outros; o caso do contrato-promessa e do pacto de preferência quando se tenha atribuído eficácia real. Também a situação jurídica do possuidor que adquire o direito de propriedade por usucapião, 1287º e; o caso de apropriação de coisa alheia, 1321º e 1323º, etc. 9. Vicissitudes dos direitos reais As vicissitudes dos direitos reais têm a ver com a aquisição, com a modificação e com a perda dos direitos reais. 9.1 Aquisição dos direitos reais A aquisição de um direito real marca o momento em que esse direito (subjectivo) passa a fazer parte de uma esfera jurídica. A aquisição pode ser originária ou derivada e, esta última, ainda pode ser, constitutiva e translativa. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 12 Na aquisição originária, o direito adquirido surge na ordem jurídica, no exacto momento em que se adquire, isto é, o fenómeno de aquisição e constituição do direito é simultâneo e por sua vez não está dependente de nenhum outro direito. Na aquisição derivada o direito adquirido está sempre dependente de outro direito. E essa dependência exprime-se de duas formas: • Na aquisição derivada translativa: a aquisição depende do direito anterior que fundamentalmente é o mesmo; • Na aquisição derivada constitutiva: o direito que se adquire é um direito novo, muito embora, a sua constituição, se processe à custa de um direito pré-existente, que fica assim limitado pela constituição desse direito. Com efeito, os direitos reais menores surgem por aquisição derivada constitutiva e limitam o direito de propriedade. Se eles forem transmissíveis, pode também existir aquisição derivada translativa e, por regra, todos os direitos reais de gozo são transmissíveis. Já quanto ao direito de propriedade, só pode ser adquirido ou, por aquisição originária ou, por aquisição derivada translativa. Quanto aos modos de aquisição, são eles os seguintes: a) Contrato: mediante contrato, transmitem-se para outro titular, direitos reais já existentes, na titularidade do transmitente e, podem ser constituídos (aquisição originária) novos direitos reais (408º n.º1); b) Usucapião: a posse, mais o tempo, conduz à usucapião e, é um modo de aquisição de direitos reais de gozo; c) Lei e decisão Judicial: a constituição em si mesma, de direitos reais, muitas vezes decorre automaticamente da lei, ou seja, sem necessidade de intervenção das partes e independentemente da sua vontade. Exemplos: servidões legais (1550º), hipoteca legal (704º), os privilégios creditórios (733º), o direito de retenção (754º) e as preferências legais. 9.2 Modificação dos direitos reais A modificação dos direitos reais pode ser objectiva e subjectiva. Sempre que se opera uma aquisição derivada translativa existe uma modificação subjectiva. Exemplo: A vende a B um automóvel. Quanto à modificação objectiva, esta verifica-se sempre que, nos encontramos perante aquisições derivadas constitutivas. Exemplo: A constitui a favor de B um direito de usufruto. 9.3 Perda dos direitos reais Os direitos reais extinguem-se pelas seguintes causas: • Expropriação por utilidade pública: (62º CRP; 1308.º e alínea f), do n.º 1, do artigo 1536º do CC) consiste numa declaração feita pelo Estado, em que este declara a necessidade de utilizar determinado bem para um fim específico de utilidade pública, que faz extinguir o direito real constituído sobre tal bem e, determina a sua transferência para o património da pessoa a cujo cargo está a prossecução desse fim (direito novo independentemente do anterior). • Renúncia: (731º, 664º, 677º, 752º, 761º, 1267º, 1476º, 1490º) os direitos reais são renunciáveis, por manifestação de vontade, nesse sentido, do respectivo titular (Princípioda renunciabilidade). Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 13 O titular do direito de propriedade de um bem móvel pode simplesmente abandoná-lo, desligando-se da sua posse (causal), passando a coisa a ser considerada uma res nullius (coisa de ninguém) e, fica susceptível de ser adquirida por ocupação (1318º). O proprietário de um imóvel também pode renunciar ao seu direito, embora haja opinião diversa. Por efeito da renúncia (que deve ser feita por escritura pública e sujeita a registo) o imóvel integra-se ex vi lege no património do Estado, não sendo susceptível de ocupação. • Confusão: esta figura aparece-nos como causa extintiva dos direitos reais limitados (alínea b), do n.º 1, do artigo 1476º; alínea d), do n.º 1, do artigo 1536º; alínea c), do n.º1, do artigo 1569º). Quando o titular de um direito real menor, passa a titular de um direito real maior, dá- se a confusão. Exemplo: A. usufrutuário adquire a propriedade a B (nu proprietário). • Extinção de um direito real pelo decurso do prazo, quando o mesmo tenha sido constituído a termo. 10. Dos direitos reais em especial 10 Posse (1251º a 1301º) A ideia de posse sugere imediatamente uma situação de poder sobre uma coisa e, por outro lado, sugere também a existência de uma relação material entre uma pessoa e uma coisa. 10.1 Posse causal, posse formal e posse precária A posse diz-se causal porque existe uma causa que a justifica, isto é, no caso do proprietário ele é titular de um direito real em cujo conteúdo se integram os poderes que justificam o uso da coisa. Ora, a posse é o poder de uso e, neste caso, é causal, porque tem como causa a titularidade de um direito real, cujo conteúdo integra um poder de uso. O proprietário e o possuidor embora actuem do mesmo modo perante todas as outras pessoas, não têm o mesmo direito, dado que um é proprietário e, tais actos traduzem o exercício do seu direito, o outro não é proprietário e, os seus actos traduzem uma mera actuação de facto. Repare-se ainda, que o possuidor tem de praticar os actos correspondentes à titularidade de um direito real, enquanto que o proprietário não precisa de praticar quaisquer actos para que o direito lhe reconheça a sua qualidade. Na posse formal, o possuidor não é titular de qualquer direito real sobre a coisa, em cujo conteúdo se integre o poder exercido, isto é, não há qualquer causa que justifique o uso. Face ao exposto, poderá dizer-se que na posse causal o possuidor é, enquanto que, na posse formal, o possuidor actua como se fosse. A posse diz-se precária (caso do comodatário), quando o sujeito tem apenas uma autorização do titular do direito real para possuir a coisa em seu nome, isto é, em nome do titular do direito. O possuidor precário é tão somente o possuidor em nome de outrem em cujo conteúdo se integra o poder de uso. O artigo 1268º consagra uma presunção ilidível, (admite prova em contrário) segundo o qual: “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito (...)”. O simples detentor não goza desta presunção. 10.2 Estrutura da Posse A corrente objectivista perfilhada por Jhering para a qual basta o corpus, ou seja, a apreensão material ou o poder de facto para existir uma situação possessória. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 14 Para esta teoria existe posse, quando alguém tem a apreensão material da coisa e mostra vontade de continuar com essa apreensão. Para a corrente subjectivista perfilhada por Savigny, além do corpus, será também necessário o animus, ou seja, é necessário que o possuidor deixe transparecer um poder sobre a coisa que seja conforme à titularidade de um direito real de gozo sobre ela. Por outras palavras, o animus é a intenção demonstrada pelo possuidor no seu modo de agir em relação à coisa, objecto da posse. 10.3 Natureza Jurídica da Posse Existem vários entendimentos, mas de um modo geral, e sem pretensão de aprofundar esta questão, entender-se-á a posse como um direito real subjectivo. No nosso Código Civil, a posse opera e releva ora, como mero facto jurídico – n.º 2 do 1252°, 1254°, n.º 1 do 1257°, 1260°, 1287° - ora, como situação jurídica subjectiva, fonte de importantes efeitos jurídicos para o possuidor - 1263°, 1266°, 1267°, n.º 1 do 1268°, 1270° e 1273°. 10.4 Fundamento da Protecção Possessória Na verdade, muitas das razões invocadas por várias teorias poderio ter concorrido historicamente e, concorrem ainda hoje, para o acolhimento e fundamento do instituto possessório nos diversos ordenamentos jurídicos. Destacam-se dois dos principais fundamentos do instituto possessório: - A paz pública . E o valor económico e social autónomo da posse. Vigora entre nós um sistema de justiça pública (1° do CPC), a defesa da posse só pode operar por meios processuais regulados na lei. Deste modo, havendo protecção legal da posse, evitam-se conflitos sociais e esta pode funcionar como instrumento de conservação e de produção de efeitos funcionais da coisa. 10.5 Objecto da Posse O objecto material da posse corresponde há existência material da coisa. O objecto jurídico da posse (1251°) é a forma de actuação correspondente ao exercício do direito de propriedade e dos demais direitos reais de gozo, passíveis de serem adquiridos por usucapião. Portanto, o objecto da posse pode ser não só o direito de propriedade como também outro direito real de gozo, susceptíveis de serem adquiridos por usucapião, ficando excluídos os direitos reais de garantia e de aquisição. 10.6 Modalidades da Posse •••• Posse exclusiva: é aquela que é exercida por um único possuidor. •••• Posse simultânea: corresponde às situações em que, sendo alguém possuidor, por uma ou outra razão e, sem a sua vontade, existe alguém que também adquire a posse. •••• Composse: é uma situação de comunhão do direito que é a posse. Cada um dos compossuidores exerce a posse correspondente à parte que lhe caiba na posse comum, à semelhança da figura da compropriedade, cujas regras lhe são extensíveis com as necessárias adaptações. (1404º). 10.7 Modos de Aquisição da Posse Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 15 a) Pela prática reiterada, com publicidade dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito (é o chamado apossamento - 1263º, alínea a) Por prática reiterada entende-se a prática continuada. Esta expressão suscita a questão de se saber, quantos actos materiais terão de ser praticados para se considerar que há prática reiterada. Parece que não se exige a prática de muitos actos, a prática de apenas um só acto pode dar lugar à investidura da posse, desde que esse acto tenha intensidade suficiente para demonstrar que o sujeito tem a intenção de passar a comportar-se como possuidor nos termos do artigo 1251º. “ (...) com publicidade (...)”, significa que a prática reiterada tem que ser realizada de modo a poder tornar-se conhecida dos interessados. O apossamento consiste na apropriação de uma coisa, mediante a prática sobre ela, de actos materiais correspondentes ao exercício de certo direito real. Ora, neste momento adquire-se o corpus. Porém, a posse só surge, quando pela prática reiterada (intensa e não necessariamente continuada) de actos materiais, se dê publicidade semelhante aos praticados pelo titular do direito real – animus. b) Pela tradição material ou simbólica da coisa efectuada pelo seu anterior possuidor (1263.º, alínea b) Neste caso, sucede que alguém que já era possuidor (“anterior possuidor”) cede a suaposse a outrem, através da entrega material ou simbólica da coisa. Este modo de aquisição, é um modo de aquisição derivada, ou seja, a posse é aqui adquirida através de um acto de transmissão da posse (causal ou formal), anteriormente constituída. A posse a que alude esta alínea, corresponde à entrega da coisa quando o possuidor pretende que ela saía do seu poder e, que esta passe definitivamente para outrem. A posse de alguém adquirido por tradição, material ou simbólica da coisa, tem como consequência a perda da posse, caso esta seja formal, por parte do transmitente. c) Constituto possessório (1263.º alínea c) e 1264.º) Na fase de aquisição da posse, a apreensão material é extremamente importante, nomeadamente no que respeita ao constituto possessório. A aquisição da posse por constituto possessório, verifica-se quando o possuidor em nome próprio de certa coisa, deixar de o ser, por a ter alienado, convertendo-se por acordo com o adquirente, em mero detentor. Por outras palavras, alguém adquire a posse através de negócio translativo de outrem que tinha a posse, mas que no entanto, mantêm o poder de facto sobre a coisa por consentimento ou mera tolerância do novo possuidor. O constituto possessório é uma modalidade de aquisição de posse e não uma modalidade de perda da posse, por isso actua sempre do lado do adquirente e não do transmitente. Pelo constituto possessório, o adquirente torna-se possuidor e o transmitente torna-se detentor. O artigo 1264.º n.º 2 estabelece uma outra situação, em que a coisa é detida por terceiro em nome do titular, que aliena a mesma. Ora, a posse que tem, transfere-se para o adquirente, ainda que a situação de detenção existente deva continuar, quer por força da lei, quer por acordo entre os interessados. Exemplo: Se o senhorio do prédio locado a B, o vende a C, este último não deixa de adquirir a posse, mas B continua a ser locatário – (detentor). Compreende-se, pois, a razão de muitos autores afirmarem, ser o constituto possessório um afloramento do princípio do consensualismo no domínio da posse. A posse causal não tem autonomia, é inerente à titularidade de um direito real, ou seja, a posse causal, não é mais do que a manifestação exterior da titularidade do direito real. Em Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 16 consequência, entende-se não ser de aplicar o constituto possessório no domínio da posse causal, quando o negócio translativo do direito real for um negócio válido capaz de transmitir o direito real. Em conclusão, o adquirente do direito real em causa, não passando a ter o poder de facto sobre a coisa, é tido como seu possuidor. Se a posse anterior existia no alienante, este passa a mero detentor em nome do adquirente. Se a detenção existia em terceiro, este mantém a detenção, mas passa a exercê-la em nome do adquirente. De acordo com o artigo 1264º n.º1 é indiferente a causa que justifica a manutenção da posse ou a detenção do alienante ou de terceiro. Pode ser qualquer causa, mas tem de existir uma causa. d) Inversão do título da posse (1263º alínea d) e 1265º) A inversão do título da posse traduz-se numa mudança da atitude do detentor. A inversão do título da posse vem prevista na alínea d) do artigo 1263º complementada pelo regime contido no artigo 1265º. Nesta forma de aquisição da posse, dá-se a transformação de uma situação de mera detenção em posse formal, isto é, o título por que se exerciam certos poderes sobre a coisa muda. O que justifica a apreensão material (o corpus) na qual se baseia a detenção reside na existência de uma outra pessoa, que é possuidor. Assim, se B é detentor, possui em nome de outrem, em nome do possuidor. É, pois, este o título da detenção ou posse precária de B. Ora, o detentor pode inverter o título da posse mediante duas formas: 1. Por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía; 2. E por acto de terceiro capaz de transferir a posse. A oposição traduz-se numa modificação do animus do detentor, revelada pela exteriorização de actos positivos que inequivocamente expressam a sua vontade de opor uma posse própria à pessoa em cujo nome ou, no interesse de quem vinha actuando como detentor. A oposição pode ser operada por via extrajudicial ou judicial e, releva quando por essas vias for levada ao conhecimento do possuidor ou, se os actos que traduzem a oposição, forem praticados na presença do possuidor ou, na de quem o represente. Conhecida a oposição, a detenção transforma-se em posse, configurando uma situação de esbulho de quem, até aquele momento, foi possuidor. Exemplo: se o locatário de um prédio rústico se recusar a pagar a renda, arrogando-se titular do direito ao prédio, alterar o seu sistema, cortando por exemplo, um pinhal nele existente para passar a fazer culturas de milho. Relativamente à segunda situação, a inversão do título da posse resulta de acto de terceiro capaz de transferir a posse. Repara-se que este acto de terceiro tem de sofrer de algum vício impeditivo daquele efeito translativo. Assim, há inversão do título da posse, por esta via, quando alguém, sem legitimidade, vende ao detentor, por exemplo ao locatário, o prédio que lhe estava arrendado. A inversão produz- se por efeito de um novo título — compra e venda — apto (em abstracto) a transferir a posse. 10.8 Sucessão na Posse Na sucessão na posse verifica-se um fenómeno de aquisição mortis causa. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 17 O legislador ao afirmar, no artigo 1255º, que a posse “continua” nos sucessores do possuidor do falecido, pretende frisar a ideia de que se verifica, um fenómeno especial de transmissão que, em razão dos seus traços particulares, se designa por “sucessão na posse”. De acordo com esta disposição, os sucessores ocupam, por força da lei, a posição do possuidor falecido e, recebem a sua posse tal qual ele a tinha. 10.9 Acessão na Posse No caso do disposto no a. 1256°, houve uma transmissão da posse inter vivos (ex. compra e venda). A acessão da posse significa que aquele que adquirir de forma derivada, pode juntar à sua posse, a posse do antecessor. Exemplo: A ------------------------------------------ B --------------------------------------------------- C (Possuidor) (possuidor) (possuidor) (5 anos) (5 anos) (10 anos) No exemplo acima descrito, desde que C tenha adquirido a posse por uma modalidade de aquisição derivada (por tradição da coisa pelo anterior possuidor ou por constituto possessório), pode somar ao. seu tempo, o tempo da posse de B, ou seja 5 anos. E, poderá também juntar o tempo de posse de A, porque se considera que a lei ao falar de antecessor, no a. 1256° se quer referir a antecessores. Requisitos da acessão: - Aquisição derivada das posses, ou seja, as posses só podem ser somadas se a aquisição tiver sido derivada. - Os tempos de posses têm que ser referentes a posses contíguas. No exemplo acima referido, C não pode ir buscar os anos de posse de A, sem ir buscar primeiro os anos de posse de B. - Dado que a soma dos tempos possessórios é relevante para a aquisição do direito por usucapião e para o registo da mera posse; as posses a somar têm que ser públicas (1262°) e pacíficas (1261°). Exemplo: A ---------------------------------------------- B ------------------------------------------ C (possuidor) (possuidor)(possuidor) (em termos de propriedade) (em termos de usufrutuário) (em termos de propriedade) (5 anos) (5 anos) (10 anos) Nos termos do a. 1256° n.º 2, é possivel somar duas ou mais posses heterogéneas, embora nestes casos, a acessão dá-se dentro dos limites daquela que tem menor âmbito, isto é, da posse menos valiosa. Neste caso, como o conteúdo do direito de propriedade é mais amplo do que o conteúdo do direito de usufruto, a posse de B será de 15 anos. Exemplo: A --------------------------------------- B --------------------------------------------- C (possuidor) (possuidor) (possuidor) (de boa fé) (de má fé) (de boa fé) (5 anos) (5 anos) (10 anos) Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 18 O a. 1256° não resolve este problema de se saber se a posse de C é ou não de boa fé. Assim, a doutrina resolve a questão de duas formas: 1°, por analogia aplicando-se o critério do âmbito (1256° n.º 2), sendo que neste caso se C fizesse a acessão ficaria com 20 anos de posse de má fé e isto porque, a posse de má fé tem menor âmbito do que a posse de boa fé. 2°, por analogia com as regras do a. 1299° estabelecidas para a usucapião de móveis não sujeitas a registo. Assim, como esta disposição atribui à posse de boa fé o dobro do valor da posse de má fé (seis anos), esta vale metade da posse de boa fé (três anos). Partindo desta regra, antes da acessão ser feita, há, que converter a posse de má fé em posse de boa fé. Como a posse de má fé só vale metade da posse de boa fé, B não teria a posse por cinco anos, mas apenas por dois anos e meio. Após a acessão, resultaria que C teria a posse de boa fé por dezassete anos e meio. 10.10 Caracteres da Posse De acordo com o disposto no a. 1258º, a posse pode ser titulada ou não titulada, de boa fé ou de má fé, violenta ou pacífica, pacífica ou oculta. a) Posse Titulada e Não Titulada O carácter da posse titulada só é relevante se a modalidade da aquisição da posse for derivada, isto é, para estarmos perante uma posse titulada, esta tem que ter sido adquirida através de um negócio jurídico translativo ou constitutivo. De acordo com o a. 1259º n.º1 “diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir” Entende-se por “modo legítimo de adquirir”, qualquer negócio jurídico translativo que, em concreto, não o transmitiu ou, porque o transmitente não tem legitimidade para o transmitir ou, porque o negócio jurídico está ferido de uma invalidade substantiva que impede a transmissão. A posse não titulada quando se trata de uma invalidade formal e, neste caso, o negócio jurídico translativo não se considera um modo legítimo de adquirir o direito de propriedade. Conclui-se que, sempre que o negócio jurídico translativo seja formalmente inválido a posse é não titulada. Pelo contrário, sempre que haja um vício que impediu a transmissão do direito por invalidade substantiva, a posse é titulada. Existem, porém, excepções, ou seja, existem casos em que, embora o negócio jurídico seja idóneo para a transmissão do direito ferido de invalidade substantiva, não dá lugar à posse titulada. É o caso do negócio jurídico celebrado com coacção física, quando se considere que a consequência é a inexistência jurídica. Ora, se o negócio é inexistente, o título é meramente putativo, e de acordo com o a. 1259º exclui a possibilidade de se admitir a existência deste título – (título putativo é aquele que apenas existe na convicção do possuidor). Se a ordem jurídica desconhece o título, não estamos perante um modo legítimo de adquirir o direito. b) Posse de Boa Fé ou de Má Fé O critério que preside à distinção entre posse de boa ou má fé, é o do conhecimento ou desconhecimento que o adquirente tenha ou não de estar a lesar direitos de outrem (1260º). Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 19 A boa fé a que alude o a. 1260º, reporta-se ao momento da aquisição da posse. Mas, a posse de boa fé pode convolar-se em posse de má fé, a partir do momento em que o possuidor tome consciência de que está a lesar o direito de outrem (1270º n.º 1 e 2). Nos termos do a. 1260º o legislador entendeu conveniente fixar presunções quanto à qualificação destas modalidades de posse. Assim, a existência ou falta de título leva a presumir que a posse é, respectivamente de boa ou de má fé (n.º2 do a. 1260º). No entanto, e por força do n.º 3, ainda que a posse seja titulada, mas se tiver sido adquirida com violência, presume-se sempre de má fé. Estabelece-se no n.º 3 uma presunção inilidível ao contrário do que se verifica no n.º 2 em que a presunção é ilidível. Compreende-se a diferença de regimes estabelecida, uma vez que a falta de título justo não significa que se esteja em presença de um acto ilícito, como sucede na violência. Assim, não será necessário punir civilmente quem adquiriu a posse sem título. Em conclusão, o possuidor sem título não está impedido de invocar e fazer prova da sua boa fé, no momento de aquisição da posse. Se o não fizer, a posse considera-se de má fé. c) Posse Pacífica ou Posse Violenta (1260º) A posse é pacífica se foi adquirida sem violência. Há violência, de acordo com o n.º2 do a.1261º, quando a posse é obtida com coacção física ou moral Não pode deixar de se fazer um reparo, à técnica infeliz e inadequada utilizada neste artigo, dado que a expressão coacção física a propósito do negócio jurídico não se aplica neste âmbito. Pretendeu o legislador referir que a violência tanto pode ser sobre as pessoas como sobre as coisas. Só assim se compreende que o legislador apenas remeta para a noção de coacção moral constante do a. 255º e, não para o a. 246º. Refira-se que a posse violenta não serve para adquirir, isto é, não serve para a usucapião, enquanto não se tornar pacífica (1297º) A posse violenta é violenta enquanto se mantiver a coacção, mas passa a pacífica quando ela cessa com relevantes consequências, nomeadamente quanto à contagem do prazo de usucapião. Porém, a posse considerar-se-á sempre de má fé por força do a. 1260º n.º3. d) Posse Pública ou Posse Oculta Tanto a posse oculta como a posse violenta não tem qualquer relevância, sendo necessário que ela seja pública. O a. 1262º atende ao modo por que a posse é exercida. Pode, porém, a posse constituir-se ocultamente, como decorre de regime do esbulho (1282º a 1297º) com relevantes consequências no seu regime, nomeadamente, quanto à contagem do tempo de posse, para efeito de registo de mera posse (1295º) e de usucapião (1297.º e 1300º n.º1). Não significa isto, que a posse oculta não seja posse, existindo apenas inconvenientes, conforme acima indicado. Os efeitos negativos do carácter oculto da posse são próximos dos da posse violenta, sendo nomeadamente fixados os mesmos artigos. Repita-se, que a posse oculta não se presume de má fé. Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 20 Para que a posse seja pública é necessário que ela seja exercida de modo a poder ser conhecida dos interessados. Não é necessário o conhecimento efectivo do exercício da posse, por aqueles a quem possa interessar, bastando a possibilidade, de dele se aperceberem, aqueles a quem a posse afectar. Assim, se o exercíciofor tal que, uma pessoa de diligência normal, colocada na situação do titular do direito daquele, se teria apercebido, a posse considera-se pública. 10.11 Exercício e Conservação da Posse A posse conserva-se pelo seu exercício, não sendo necessário que a mesma seja exercida através de uma actuação contínua. A partir do momento, em que se adquire a posse, esta conserva-se, ainda que, o corpus não se manifeste claramente (1257º n.º1), se bem que seja necessário, que persista a possibilidade de continuar a actuação correspondente ao exercício do direito. Nestes termos, o possuidor só terá que provar ter tido início a sua posse, presumindo-se que, uma vez adquirida, a posse persistiu até ao momento actual (1257º n.º2 e 1254º n.º1). 10.12 Perda da Posse A perda da posse verifica-se: 1. Por abandono, 1318º; 2. Pela perda ou destruição material da coisa ou, porque esta foi colocada fora do comércio (202º); 3. Pela cedência, (sempre que há transmissão) – 1267º, al. c) e 1263.º, al. b). 4. Pela posse de outrem, se esta durar mais de um ano. Pergunta-se: quando é que A perde a posse? A, só perde a sua posse, decorrido um ano sobre a aquisição de B, ou seja, a posse de B. só se concretiza ou, consolida, decorrido um ano sobre a sua aquisição. Assim, durante um ano, coexistem duas posses divergentes, conflituantes e incompatíveis sobre o mesmo objecto. A razão de ser desta situação, fica a dever-se, ao facto de, caso A perdesse automaticamente a posse com a aquisição de B, ficaria sem qualquer possibilidade de defesa, o que não faria sentido. A tem um ano, para lançar mão, dos meios de defesa da posse que estudaremos adiante. Qual a importância da chamada posse de um ano e um dia? Em primeiro lugar, a consolidação da situação possessória de um determinado possuidor face a anteriores possuidores. Decorrido um ano sobre a aquisição da nova posse, extingue-se o direito de intentar a acção possessória. Esta consolidação da nova posse tem como consequência a extinção das posses anteriores. Em segundo lugar, a posse de ano e um dia releva, quando é necessário encontrar entre várias situações possessórias, qual é a melhor posse (cfr. a. 1278.º n.º1 e 2). 10.13 Efeitos da posse. Conteúdo da posse a) Presunção da titularidade do direito (1268º) b) Direitos aos frutos (1270º, nº1 e 213º, n.º1 e 2) e direito a indemnização por benfeitorias (1273º a 1275º e 216º) c) Usucapião (1287º). Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 21 d) Direito às acções possessórias a) Presunção da titularidade do direito Estes efeitos referem-se ao lado activo, dado que no lado passivo, existe a obrigação de responder pela perda da coisa e de suportar os seus encargos. De acordo com o a. 1268º, o possuidor goza de presunção de titularidade do direito. Mas titularidade de que direito? Quem possui, possui sempre pela referência ao conteúdo de um determinado direito real. Assim, se o possuidor actuar por forma correspondente ao exercício de certo direito, considera-se que é ele o titular desse direito, isto é, se o possuidor agir como proprietário, presume-se ser ele o titular do direito de propriedade. b) Direito de Uso e de Fruição O possuidor tem direito a usar a coisa, segundo o conteúdo do próprio direito possuído. O uso da coisa pelo possuidor, enquanto se cinja ao conteúdo do direito possuído, não é considerado ilícito e, por isso, não terá a obrigação de indemnizar. A faculdade de o possuidor usar a coisa possuída, não se encontra explicitada pelo legislador, esta decorre da noção legal de posse e de tutela concedida ao possuidor. De acordo com o a. 1269º, conclui-se que o uso é lícito, a contrario. O próprio possuidor de má-fé só responde, embora sem culpa, pela perda ou deterioração da coisa e, consequentemente, não responde pelo uso, se dele não decorrerem aquelas consequências. Relativamente ao possuidor de boa-fé, só tem de indemnizar os danos que lhe forem imputados. É corrente na doutrina, entender-se que o uso de coisa não constitui o possuidor no dever de indemnizar. O direito aos frutos e a indemnização pelas benfeitorias realizadas, só têm relevância quando o possuidor venha, por alguma razão, a ter que entregar a coisa, objecto da sua posse. Direito aos frutos quando a posse é de boa-fé A lei reconhece ao possuidor a faculdade de fruir a coisa. Nesta matéria, só releva a modalidade de posse, quanto à boa-fé. Se a posse foi adquirida de boa-fé, mas se o possuidor vier, mais tarde, a ter conhecimento de estar a lesar direito alheio, a partir desse momento está de má-fé quanto ao direito de fruição. O direito de fruição não é reconhecido ao possuidor de má-fé (1271º). Se a posse for de boa- fé, domina como princípio geral, o direito de o possuidor adquirir os frutos da coisa, sejam elas naturais ou civis (1270º, n.º1). Quanto aos frutos naturais, há a distinguir os frutos colhidos e os frutos pendentes e, por outro lado, o ter havido ou não, alienação de frutos, ainda pendentes. Assim, se os frutos estão já produzidos, mas não colhidos e, caso o possuidor nesta altura, saiba que lesa o direito de outrem, cessa a sua boa-fé. O direito aos frutos pertence ao titular do direito, tendo o possuidor direito a ser indemnizado, pelo titular do direito, a todas as despesas feitas pela sua produção (1270º, n.º2). Caso o possuidor de boa-fé, antes da colheita, tiver alienado os frutos como coisa futura, para além dos interesses deste e do titular do direito, há que analisar os interesses do terceiro Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 22 adquirente. Ver o a. 1270º, nº 3 ao adquirente interessa-lhe que a alienação subsista e, é esta a solução na lei. Assim, o titular do direito não pode fazer seus os frutos em si mesmos, a título sucedâneo, é- lhe atribuído o direito ao produto de alienação. Quanto ao possuidor é reconhecido o mesmo direito que lhe cabe quanto aos frutos pendentes não alienados, isto é, indemnização das despesas de produção com os limites referidos (1270º, nº2). Os frutos podem denominar-se pendentes, que são aqueles em que ainda não se fez a sua separação da coisa (215.º, n.º2); percebidos, aqueles que já se separaram da coisa (213º, n.º1 e 215º, n.º 1); maduros, aqueles que, quando separados, reúnem condições para sobreviver por si mesmos (214º) e percipiendos, aqueles que podiam ter sido colhidos e, por uma qualquer razão, não o foram (214º). Direito à indemnização por benfeitorias (216º e 1273º) Estando em causa benfeitorias necessárias, tanto o possuidor de boa-fé, como de má-fé, tem o direito a ser indemnizado do seu valor (1ª parte do n.º1 do a. 1273º). Relativamente, às benfeitorias úteis, o possuidor, tanto de boa–fé como de má-fé, têm direito a levantá-las, isto é, de as separar da coisa. Porém, o direito ao levantamento cessa, se a separação não puder ser feita materialmente ou, se implicar danos para a coisa principal. Se o levantamento implicar detrimento para a coisa, tem o possuidor, em sua substituição, o direito a ser indemnizado, pelo titular do direito, do valor das benfeitorias, calculado, neste caso, segundo as regras do enriquecimento sem causa (1273º, nº2 e n.º 1, 2ª parte). Por fim, e quanto às benfeitorias voluptuárias, só ao possuidor de boa-fé, são reconhecidos direitos em relação às mesmas e, apenas limitadas ao seu levantamento, desde que esta possa verificar-se sem o detrimento da coisa principal. Havendo detrimento, o possuidor não as pode levantar e não tem direito ao seu valor. Portanto, se o possuidor estiver de má-fé, nenhum direito lheé reconhecido, nem mesmo o de as levantar. O exposto está regulado nos n.ºs 1 e 2 do a. 1275º. Se o possuidor for obrigado a indemnizar as deteriorações, porque seja responsável, pode compensar essa obrigação com a que lhe seja devida para benfeitorias por ele feitas. Por outro lado, havendo lugar à indemnização, o possuidor de boa-fé goza, nos termos gerais do a. 754º, de direito de retenção. Quanto aos encargos (1272º) estes são repartidos, em relação ao período a que respeitam, na mesma medida dos direitos do possuidor e do titular do direito sobre os frutos. c) Usucapião A usucapião é o instituto através do qual se adquirem direitos reais de gozo. É pois, uma capacidade que o possuidor tem de adquirir um direito real de gozo, desde que tenha possuído por determinado lapso de tempo. A usucapião tem como requisitos a posse e o decurso do tempo. Não pode adquirir por usucapião um sujeito que não seja possuidor, isto é, que não tenha adquirido a posse por uma das modalidades do a. 1263º, posse essa, que se mantenha por determinado lapso de tempo. Como já foi referido, a posse oculta e a posse violenta não servem para a usucapião (1297º). Já a posse de má-fé e a posse não titulada servem a usucapião. No entanto, a melhor posse para a usucapião é a posse titulada e de boa-fé, uma vez que, o título e a boa-fé da posse, são factores importantes, na medida em que fazem variar o lapso de tempo para adquirir por Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 23 usucapião o direito que possuído. Caso a posse fosse menos boa, mais tempo seria preciso para se verificar a usucapião. Quanto ao decurso do tempo, ou seja, há quanto tempo se possui, é elemento necessário para se adquirir o direito possuído. Este, também varia, conforme se trate de coisas móveis ou imóveis. Para as coisas móveis, o prazo é de 3 ou 6 anos, em função da boa-fé e do título da posse (1298º e 1299º). Relativamente aos imóveis, o prazo pode ser de 10, 15 ou 20 anos, consoante a posse seja titulada ou não titulada, de boa-fé ou de má-fé e, ainda, de existir ou não registo de mera posse (1294º, 1295º e 1296º) Justo título e registo Para aplicação da alínea a) do 1294º é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos: - A existência de título de aquisição e - O registo deste. Relativamente aos conceitos de título e de boa-fé, veja-se respectivamente os aa. 1259.º; e 1260º. Registo de mera posse A mera posse é a posse não apoiada em título trata-se de um facto sujeito a registo, nos termos do a. 2º, nº 1, al. e) do CR Predial. Por ex.: A é possuidor há 5 anos, sendo a posse não titulada, mas pública e pacífica. Nesta situação A pode obter uma sentença que declare que este possuidor possui há 5 anos e, que a sua posse é pública e pacífica. Com esta sentença, o possuidor regista a mera posse, pois é ele que comprova os factos a registar. A finalidade do registo de mera posse é, no fundo, equiparar a posse não titulada à posse titulada, para efeitos de usucapião. Podemos afirmar que a sentença e o registo valem como título de posse. A usucapião é uma modalidade de aquisição originária de direitos reais de gozo. O art. 1295º entrou em vigor em 01/01/2002, não se aplicando aos processos pendentes. E é apenas aplicável a bens imóveis, Como se exerce a usucapião? Depois de decorrido o prazo necessário, a usucapião não faz adquirir automaticamente o direito correspondente. O direito possuído só se adquire potestativamente. Decorrido o prazo, o possuidor adquire a faculdade de vir a adquirir o direito real, faculdade esta que consiste num direito real de aquisição. Este direito de aquisição pode ser exercido por duas vias: ⇒ por acção (judicial) e, ⇒ por excepção (em sede de defesa judicial) O possuidor exerce o seu direito de aquisição por acção se, sabendo que estão preenchidos os requisitos de usucapião, intenta uma acção de simples apreensão, a fim de ser declarado titular do direito. A declaração de aquisição do direito por usucapião faz extinguir direitos incompatíveis com o direito assim adquirido. Os efeitos de usucapião retroagem-se à data do início da posse (1288º). Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 24 O possuidor defende-se por excepção e exerce o direito de aquisição, também por excepção se, face a uma acção de reivindicação de um proprietário, o possuidor se defende invocando a usucapião. d) Direito às acções possessórias O possuidor formal pode defender o seu direito através das chamadas acções possessórios, tema que a seguir se aborda. 10.14 Meios de defesa da posse A posse pode ser exercida judicialmente ou extrajudicialmente. Relativamente a esta última, a defesa exerce-se através dos meios legais comuns a todos os direitos (acção directa, legitima defesa, etc.) O 1277º contempla apenas expressamente como meio de tutela privada da posse, a acção directa. Esta matéria relativamente à defesa da posse encontra-se regulada nos 1276º a 1286º (via judicial e extrajudicial). A defesa judicial de posse exerce-se através de uma acção de: ⇒ Prevenção (1276º); ⇒ Manutenção (1278º, n.º 1); ⇒ Restituição da posse (1278º, n.º 1); e ⇒ Embargos de terceiro (1285º) ⇒ Restituição provisória da posse (1285º) As acções de prevenção, manutenção e restituição da posse são actualmente acções declarativas de condenação, que seguem o processo comum, contendo algumas especialidades. Manteve-se no Código Civil, que não foi totalmente alterado, os artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º e 1282.º, a designação tradicional destas acções. Foi eliminada da grande reforma processual de 1995, a «posse ou entrega judicial avulsa», antes regulada nos artigos 1044º a 1055º, agora revogados. A defesa judicial da posse pode ser ainda exercida através de meios cautelares. Assim, quando haja esbulho violento, pode o esbulhado intentar um procedimento cautelar especificado: a restituição provisória da posse (395º do CPC). Não havendo violência, o esbulhado poderá socorrer-se do procedimento cautelar comum (395º do CPC). Esta via processual está aberta aos casos de mera perturbação da posse. a) Acção de prevenção Esta acção tem pouca relevância prática, porque a posse ainda não foi atingida e, porque é um meio pouco eficaz. Através desta acção, não fica assegurada a efectiva abstenção de terceiro uma vez que, de acordo com o a. 1276º, a procedência deste pedido gera apenas a aplicação de uma multa e indemnização pelos prejuízos causados, não sendo por conseguinte dissuasor de terceiros que pretenda levar a efeito o seu contento. Por ex., A odeia B e ameaça-o verbalmente que em breve invadirá a sua casa e a fará sua. Este meio é activado quando o possuidor tenha «justo receio» de ser esbulhado. O pressuposto de facto desta acção é a ameaça. A finalidade desta acção, é a de que seja intimado o autor de ameaça, de se abster de fazer agravo ao exercício da posse, sob pena de multa ou indemnização pelo prejuízo que causar. Apenas o possuidor tem legitimidade para intentar esta acção (a. 1276.º). b) Acção de manutenção da posse (1278º) Direitos Reais Direito das Coisas António Manuel de Albuquerque Pereira – 2400030 – Turma 3P1 Universidade Lusófona – Direito – 2006/07 25 Pode recorrer-se a este meio, se houver perturbação da posse, sem que contudo, chegar a haver esbulho (De acordo com a doutrina dominante é necessário tratar-se de um receio consistente e não vago). A finalidade desta acção é a de manter a posse e a de condenar o réu a não perturbá-la. É pressuposto desta acção a perturbação, ou seja,
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