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UNI UNI revista revista - - Vol. Vol. 1, 1, n° n° 2: 2: (abril (abril 2006) 2006) ISSN ISSN 1809-4651809-46511
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Gestão democrática da escola pública:Gestão democrática da escola pública:
 possibilidad possibilidades e limiteses e limites
Marcos Vinicius ConçeiçãoMarcos Vinicius Conçeição
Mestrando em EducaçãoMestrando em Educação
 joiamvc@yahoo.c joiamvc@yahoo.com.brom.br
Universidade Federal de Santa Maria, RSUniversidade Federal de Santa Maria, RS
Clarice ZientarskiClarice Zientarski
Mestranda em EducaçãoMestranda em Educação
czientarski@yahoo.com.brczientarski@yahoo.com.br
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Sueli Menezes PereiraSueli Menezes Pereira
Doutora em EducaçãoDoutora em Educação
sueli@ce.ufsm.brsueli@ce.ufsm.br
Universidade Federal de Santa Maria, RSUniversidade Federal de Santa Maria, RS
IntroduçãoIntrodução
O presente artigo apresenta alguns questionamentos a respeito O presente artigo apresenta alguns questionamentos a respeito da gestão democrática da escola pública, noda gestão democrática da escola pública, no
intuito de construir um entendimento e apontar algumas alternativas para os principais problemas naintuito de construir um entendimento e apontar algumas alternativas para os principais problemas na
implantação desta proposta determinada pela Lei 9394/96 em conformidade com os princípiosimplantação desta proposta determinada pela Lei 9394/96 em conformidade com os princípios
constitucionais de 1988.constitucionais de 1988.
Entendendo gestão democrática como a participação consciente do coletivo escolar em busca de umaEntendendo gestão democrática como a participação consciente do coletivo escolar em busca de uma
identidade para a instituição educativa que responda aos anseios da comunidade, pretendemos analisaridentidade para a instituição educativa que responda aos anseios da comunidade, pretendemos analisar asas
políticas educacionais a partir do contexto macro político e econômico buscando aí elementos para umapolíticas educacionais a partir do contexto macro político e econômico buscando aí elementos para uma
compreensão das mudanças no âmbito da gestão escolar, bem como as limitações institucionais para acompreensão das mudanças no âmbito da gestão escolar, bem como as limitações institucionais para a
operacionalização desta proposta.operacionalização desta proposta.
A escola, enquanto instituição inserida numa sociedade capitalista aparece como uma instituição neutraA escola, enquanto instituição inserida numa sociedade capitalista aparece como uma instituição neutra
dissociada de qualqudissociada de qualquer influência social. Iser influência social. Isto é referendado por to é referendado por Althusser (1987), quAlthusser (1987), quando afirma ando afirma que naque na
ideologia capitalista tecnoburocideologia capitalista tecnoburocrática, rática, a escola está representada como "neutra, despra escola está representada como "neutra, desprovida de ideologia", jáovida de ideologia", já
que é necessário ao regime que é necessário ao regime burguês camuflar os conflitos de interesses sociais.burguês camuflar os conflitos de interesses sociais.
Este caráter neutro, a ela imputado, faz com que a escola sofra enormes pressões de diferentes segmentosEste caráter neutro, a ela imputado, faz com que a escola sofra enormes pressões de diferentes segmentos
incorporando os valores desta sociedade, o que a confirma como uma instituição política destituída deincorporando os valores desta sociedade, o que a confirma como uma instituição política destituída de
qualquer neutralidade. Neste contexto a instituição educativa sofre pressões externas e a sociedade temqualquer neutralidade. Neste contexto a instituição educativa sofre pressões externas e a sociedade tem
demonstrado seu desagrado em relação ao trabalho realizado pelas instituições educacionais, visto osdemonstrado seu desagrado em relação ao trabalho realizado pelas instituições educacionais, visto os
resultados do fracasso escolar, amplamente divulgados no resultados do fracasso escolar, amplamente divulgados no país e país e em órgãos internacionais.em órgãos internacionais.
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Isto demonstra o quanto a instituição educativa vem sendo cobrada no sentido de dar respostas para os
problemas que se apresentam na escola e que são reflexos sociais por estar carregada de uma racionalidade
ligada ao papel político que desempenha na sociedade.
É inegável que para podermos entender os entraves que parecem surgir a partir do momento que se tenta
implementar uma gestão democrática, é preciso esclarecer o emprego que fazemos do termo democracia.
Em uma sociedade dita democrática, mas onde poucos conhecem os meandros do poder, que na maioria das
vezes atende apenas aos interesses das elites, torna-se vulnerável e questionável qualquer processo que
tente ser democrático, mas que não redimensione este conceito hegemônico de democracia. Mais do que
isso, como assinala Bobbio (2000), para o bom funcionamento da democracia, não basta que um grande
número de cidadãos participe, direta ou indiretamente, da tomada de decisões coletivas. Não basta, também,
a existência de regras de procedimento como a da maioria, isto é, da unanimidade. Para o autor, torna-se
"...indispensável uma terceira condição: é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os
que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher
entre uma e outra" (Bobbio,2000, p. 32).
Outro aspecto que pretendemos destacar é a questão da construção de formas de participação de todos os
segmentos da escola na gestão educacional. Para tal buscaremos exemplos de ações institucionalizadas que
impliquem em participação, pois estas podem contribuir para o avanço da cultura da participação, tanto na
escola, quanto na sociedade.
Nesta perspectiva, entende-se como cultura organizacional escolar, de acordo com Lúcia Helena G. Teixeira
 “um conjunto de concepções básicas, adotados por um grupo como resultado de sua própria aprendizagem
ao lidar com seus problemas de adaptação externa e integração interna (Teixeira, 1993). Sendo assim,
cultura da participação é uma modalidade de, coletivamente, elucidar problemas e buscar alternativas para
a superação dos entraves consolidando a gestão democrática no seio da escola pública.
Entendo gestão democrática como uma construção coletiva, o que implica em nova cultura de organização,
desenvolvemos o presente trabalho, buscando esta alternativa na escola pública.
Este é o teor do presente trabalho, o que discutiremos a seguir.
A gestão democrática no contexto da escola pública
Não poderemos propor algo novo sem antes conhecer os determinantes sócio-políticos que interferem no
campo educacional, bem como sem entender a totalidade das relações neste contexto. Desta forma não
poderíamos sequer pensar em apresentar alternativas para a superação da fragmentação que tem
determinado o campo da administração escolar e do sistema educacional, sem antes conhecer um pouco das
relações estabelecidas entre a prática educacional e escolar e a estrutura econômico-social no interior do
capitalismo atual que tem sua base nas leis do mercado, o que referenda a idéia de que as transformações
que estão acontecendo no âmbito educacional não ocorrem por acaso, visto que as organizações sociais,
principalmente as da área educacional, mudam quando surgem pressões externas, especialmente as
decorrentes das determinações da estrutura macro econômica que estabelecem as regras de organização
social.
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3Não parece haver dúvida, portanto, nas análises de diferentes orientações teóricas, que a escola está de
alguma forma articulada à sociedade em que ocorre, apesar de não haver consenso teórico quanto à forma
como se dá esta articulação. Algumas tendências dizem que não poderemos modificar a escola sem antes
transformar a sociedade, outras, ao contrário, defendem que todas as mudanças sociais partem da escola.
Esta dubiedade de interpretações tem ocasionado situações de desagrado na comunidade, o que hoje a
escola pode atender de outra forma através do espaço oportunizado pelas políticas educacionais atuais que,
mesmo determinado pelo projeto neoliberal, se constitui num fórum de debates entre escola e comunidade
no sentido de buscar alternativas coletivas que, se compreendidas criticamente pela comunidade educativa,
poderá se constituir como uma ferramenta para a superação do fracasso escolar. Este propósito se efetiva
pelo espaço oferecido pelo princípio constitucional de 88 que institui a gestão democrática da escola pública,
princípio este corroborado na Lei 9394/96.
Desta forma, utilizando-se da prerrogativa legal instituída pela LDB/96, a coletividade escolar, em nome da
gestão democrática, deverá ocupar este espaço para construir sua autonomia o que, além de amenizar as
críticas que se impõem ao projeto educacional em vigor, poderá, efetivamente, atender os anseios da
comunidade na construção de uma escola a serviço deste coletivo educacional.
Isto se constitui num grande desafio visto a cultura liberal em que está assentada a escola, na qual o
individualismo e a fragmentação de decisões e soluções são a norma vigente, além da estrutura ainda
centralizadora das políticas de Estado.
Neste sentido, conforme Mendonça (2000, p. 92):
 A luta pela democratização dos processos de gestão da educação no Brasil está relacionada aos
movimentos mais amplos de redemocratização do país e aos movimentos sociais reivindicatórios de
 participação. Na sua especificidade, porém, esta luta está também e particularmente vinculada a
uma crítica ao excessivo centralismo administrativo, à rigidez hierárquica de papéis nos sistemas de
ensino, ao superdimensionamento de estruturas centrais e intermediárias, com o conseqüente
enfraquecimento da autonomia da escola como unidade da ponta do sistema.
A proposta da Gestão Democrática da escola sempre foi uma bandeira de vários movimentos que,
entendendo que eram necessárias mudanças na escola no sentido de superar as estruturas burocráticas -
formais, hierarquizadas, apontavam para a democratização da escola.
Nem sempre o entendimento de gestão democrática teve o mesmo sentido. O que hoje entendemos como
participação, organização coletiva, decisões compartilhadas em termos pedagógicos, administrativos e
financeiros buscando uma integração entre escola e comunidade com vistas à construção de uma identidade
para a instituição educativa que responda aos anseios desta e não aos interesses do capital, em outras
épocas, o que se traduz na legislação do ensino, restringia-se à ampliação apenas do acesso do aluno à
escola.
Isto implica em dizer que existem dois entendimentos de democratização. No primeiro, o termo refere-se à
ampliação do acesso à educação, visto que o Estado incentivava a gratuidade, mas não a obrigatoriedade da
educação, o que faz da própria democratização do acesso, um discurso vazio. Esta realidade se intensifica,
mais recentemente, nas leis do regime de exceção a partir de 1964.
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No segundo entendimento, a democratização deveria propiciar a participação efetiva de todos na esfera
educacional, definindo qual é o papel da escola, o que se traduz na atual legislação que, mesmo garantindo
a obrigatoriedade apenas ao ensino fundamental, preconiza não só a democratização do acesso, mas a
permanência do aluno na escola.
O primeiro entendimento mostrou-se preponderante durante muito tempo, contribuindo para que hoje os
percentuais de população fora da escola, assim como a baixa escolaridade do país, demonstrem o fracasso
educacional brasileiro frente, inclusive a outros países da América Latina.
Reverter este quadro implica em ampliarmos nossas conquistas fazendo com que a escola se abra, não
apenas pelo acesso para que a população possa participar, mas como um espaço, no qual a participação da
comunidade possa contribuir para a construção de uma escola voltada para a formação da cidadania.
O início desta caminhada está na oportunidade concedida pelos princípios da Constituição de 1988 e
referendados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9394 de 20 de dezembro de 1996
(LDB/96, p. 4), que estabelece:
 Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na
educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios”:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico
da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
 Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que
os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira,
observadas as normas gerais de direito financeiro público.
É a partir destas prerrogativas que se avultam as tentativas de tornar a esfera escolar um espaço
democrático onde todos os atores, professores, funcionários, alunos e comunidade possam contribuir e
participar ativamente neste contexto, através do qual a escola poderá construir sua autonomia.
Uma forma encontrada para democratizar a escola foi a institucionalização de instrumentos legalmente
responsáveis por promover controles democráticos sobre a administração escolar. Vejamos alguns exemplos:
Eleição de diretores: Institucionalizada por leis próprias, tal como no Rio Grande do Sul através da Lei
10.576/95, alterada pela Lei Nº 11.695/2001. É um mecanismo através do qual a comunidade da escola
(Professores, Alunos, Funcionários e Pais) escolhe o diretor da escola.
A redemocratização da escola e eleição de diretores é uma antiga reivindicação da sociedade e, com a
aprovação da constituição de 1988 reforçou-se esta prática que alguns sistemas escolares já desenvolviam
desde o início da década de 80, antes mesmo da regulamentação via legislação nacional. Embora a eleição
tenha propiciado à comunidade a livre escolha de seus dirigentes também pode converter-se em um
corporativismo que atenda interesses individuais ou de grupos em detrimento da comunidade. Esta prática
requer consciência política, comprometimento e não apenas participação restrita ao momento do voto.
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Desta forma não estaremos como coloca Paro (2003) limitando-nos apenas ao corporativismo estreito ou às
imposições muitas vezes antieducativas do estado. Esta prática de gestão, democrática, deve se desenvolver
num ambiente em que todos convivam como sujeitos, com direitos e deveres percebidos a partir de
discussões e decisões coletivas.
Conselho de Escola: Institucionalizados no Rio Grande do Sul, na rede estadual de ensino pela Lei 10.576/95,
alterada pela Lei Nº 11.695/2001, que em seu artigo 41 estabelece: “os Conselhos Escolares, resguardados
os princípios constitucionais, as normas legais e as diretrizes da Secretaria de Educação, terão funções
consultiva, deliberativa e fiscalizadora nas questões pedagógico-administrativo-financeiras”.
Ao conselho escolar caberá “deliberar sobre a organização do trabalho na escola, sobre todo o
funcionamento e, inclusive sobre a escolha do diretor”.(Gadotti, 1992, p. 51), o que faz com que o poder na
escola esteja centralizado neste conselho por ser este um fórum de participação instigante e desafiador onde
podem ocorrer aprendizagens coletivas em situações de inclusão e igualdade. Porém, na prática, como
sustenta Flávia O.C. Werle,(1997, p. 275-276), ao invés de se constituir em uma instância de poder
representativo dos interesses da comunidade escolar, parece estar se configurando como instrumento de
apoio à direção da escola.
Isto indica que a vivência das escolas nestas experiências participativas ainda está em estágio embrionário.
Porém a escola não pode deixar de fazer uso destes espaços concedidos, assim como não permitir que estas
experiências tornem-se, mais uma vez, ferramentas manipuladas por interesses individuais e não
articuladas aos interesses reais da comunidade escolar.
A cultura escolar tem sido marcada na sociedade brasileira por um profundo autoritarismo nas relações
sociais e seria impossível que a escola assim não o fosse. Superar esta situação faz dos Conselhos Escolares
instrumentos de enorme importância de experiências participativas, na medida em que educam a todos,
especialmente os futuros cidadãos, para que vivenciem e valorizem a democracia.
Estas possibilidades de participação concedidas pela lei 9394/96 são passíveis de algumas críticas e
questionamentos por serem ainda vagas na própria legislação.
Isto é que nos diz Mendonça (2000, p. 416), quando afirma que
 As referências à autonomia escolar nas legislações e normas dos sistemas de ensino são feitas de
maneira vaga. De modo geral, enunciam a autonomia como um valor, mas não estabelecem
mecanismos concretos para sua conquista efetiva.
Mesmo sem os mecanismos para a democratização da escola, via descentralização com vistas à autonomia
da instituição educativa é preciso persistir nesta conquista pois, tal como diz Fogaça (1999, p. 60), quando
trata das relações educação e trabalho:
...o verdadeiro sentido desta descentralização é a manutenção das decisões relevantes - por 
exemplo, aquelas relativas aos conteúdos do ensino, aos critérios de avaliação e a destinação de
recursos – ao nível do poder central, enquanto se “democratiza” os problemas, com a transmissão
ao sistemas e unidades escolares e, por extensão, às comunidades às quais servem da
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responsabilidade e do ônus da resolução dos seus problemas, sem que se ofereça a essas instâncias
os instrumentos para tanto.
A autonomia é uma conquista da modernidade e, no mundo do mercado globalizado em que vivemos,
afastado das propostas da modernidade, tornam a busca da autonomia uma necessidade material, sócio-
cultural, psicológica e política no sentido de favorecer aos cidadãos um maior domínio sobre suas vidas. Isto
implica em participação e, portanto, é uma tarefa gigantesca a ser conquistada pela educação,
especialmente quando observamos que a escola, na prática cotidiana, enquanto instituição social não está
conseguindo se desincumbir de todas as tarefas que lhe são imputadas. Dentre os entraves a este processo
se destacam as questões burocráticas, a fragmentação como reflexo da divisão do trabalho, o
distanciamento entre escola e sociedade, além das dificuldades encontradas junto ao próprio professorado,
visto a formação tecnicista que ainda predomina nas escolas e outras que aparecem como de menor
significado, tais como os problemas sociais que se evidenciam no interior da escola distanciando a instituição
educativa de seu papel social.
Estas questões tomam tempo na jornada de trabalho escolar e dificultam e ou limitam discussões e
questionamentos sobre a própria instituição e suas relações com as políticas públicas, o que acaba limitando
a gestão democrática e, consequentemente, a conquista da autonomia.
Os limites da gestão democrática e da autonomia frente às
determinações do capital
Com o objetivo de esclarecer as dificuldades que a escola encontra na implantação das políticas educacionais
com base na descentralização julgamos, ser necessário, ao tratar da gestão democrática, partir da idéia de
autonomia como o resultado mais significativo desta conquista.
De acordo com o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2002, p.57), “autonomia” significa: faculdade de
se governar por si mesmo, direito ou faculdade que tem uma nação de se reger por leis próprias. (...) Assim
em termos educacionais, uma escola autônoma é aquela que governa a si própria.
Conforme Gadotti (2002, p. 11):
O debate moderno em torno do tema remonta ao processo dialógico de ensinar-aprender contido na
filosofia grega. Ao longo dos séculos, a idéia de uma educação anti-autoritária, foi gradativamente
construindo a noção de autonomia dos alunos e da escola, muitas vezes compreendida como auto-
gestão, auto- determinação, auto- formação, auto- governo e constituindo uma forte reivindicação
dos movimentos emancipatórios. Contemporaneamente, o termo vem aparecendo na literatura
acadêmica sob diferentes matizes ideológicos, vinculados à idéia de ampliação da participação
 política no que tange questões de descentralização e/ou desconcentração do poder estatal.
Neste sentido, Martins (2001, p. 95), através de suas pesquisas evidencia um esvaziamento do caráter
político emancipatório de autonomia que vem pautado na radicalização democrática, tendo reduzido a
autogestão a uma descentralização administrativa e de financiamento, própria das políticas neoliberais,
combinadas com rigorosos processos de avaliação derivados do modelo taylorista de administração.
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Estes são entraves determinantes que impedem a escola nestas conquistas, posição esta referendada pela
autora, quando afirma:
 A estrutura vigente nos sistemas de ensino reflete o modelo das sociedades industriais transposto
 para os países em desenvolvimento, cuja concepção está relacionada às características
 prevalecentes na expansão do capitalismo entre o século XIX e a primeira metade do XX. As
mudanças em curso apontam para a necessidade de reforma na estrutura e nas funções dos
sistemas de ensino, no currículo e na formação dos profissionais de educação, para superar um
modelo de sistema de ensino que não corresponde mais às necessidades da etapa recente dos
regimes democráticos. Renovam ainda as concepções tecnicistas de educação vigente, sobretudo
nos anos 1970, apostando que a eficiência e a eficácia desses sistemas serão conquistadas via
ampliação do processo de estruturação e avaliação dos resultados obtidos pelas escolas e pela
implementação de descentralização administrativa e financeira, compreendendo essa dinâmica,como
a possível delegação de autonomia à rede de escolas.
Mesmo com as dificuldades, não morreu a esperança de se conquistar estas prerrogativas que podem
transformar a escola de instrumento do capital em lócus de formação de cidadania.
Isto é o que nos diz Gadotti (2002, p. 17), com base em experiências de sistemas educacionais:
Nasceu, no Brasil, no final da década de 80 e inicio de 90, fortemente enraizados no movimento de
educação popular e comunitária que na década de 80 se traduziu pela expressão “escola pública
 popular”.(...) Uma década de inovação e de experimentação com base numa concepção cidadã de
educação foi suficiente para gerar um grande movimento, uma perspectiva concreta de futuro para a
escola publica, demonstrando que a sociedade civil esta reagindo à tendência oficial neoliberal.
Historicamente, as evidências têm demonstrado que a estrutura de produção e realização mundial do
capital,determina a estrutura organizacional e condiciona a estrutura dosistema educacional. A este
respeito há uma vasta literatura acadêmica que procura identificar as relações entre a reorganização dos
modelos industriais contemporâneos e as reformas educacionais em curso, via de regra, a partir da teoria
política, teorias de administração de empresas e escolas.
Neste sentido, evidencia-se uma carência de análises nas instituições educacionais que procurem investigar
as relações entre as propostas de autonomia escolar e as políticas públicas no sentido de identificar no
âmbito do cotidiano escolar a forma como se dão essas relações acerca de autonomia e práticas de gestão.
Em ultima análise, podemos nos arriscar a dizer que esta tão alardeada democracia, com autonomia, mais
serve para isentar o Estado de suas obrigações legais, onerando a população em contribuições além das
que já o fazem via impostos que pagam. Devemos então, buscar uma participação que seja efetivamente
ativa em todas as decisões pertinentes na escola. Neste sentido faz-se necessário uma reconceptualização
da democracia e da participação com vistas à autonomia.
Que democracia queremos?
Os redimensionamentos dos conceitos de democracia e participação, numa ótica progressista passam a ser
uma necessidade para a escola à medida que se quer minimizar a reprodução, no âmbito escolar, de uma
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democracia liberal caracterizada por apresentar-se como uma forma de se tentar garantir os direitos civis
individuais através de formas representativas em contraposição à garantia dos direitos sociais.
Devemos, como frisam Santos & Avritzer (2002, p. 46):
 procurar levar a sério a aspiração democrática, recusando aceitar como democráticas, práticas que
são caricatura da democracia e, sobretudo, recusando aceitar como fatalidade a baixa intensidade
democrática a que o modelo hegemônico sujeitou a participação dos cidadãos na vida política.
Não é apenas com a criação de espaços e de formas de organização da escola que construiremos a gestão
democrática, antes disso faz-se necessário redefinir os conceitos e formas de democracia no seio da escola
pública. Ou seja, é preciso discutir que formas de democracia queremos e de qual democracia estamos
falando para, a partir destas considerações, oportunizar a participação dos diferentes segmentos dentro do
contexto escolar.
Democracia implica participação intensa e constante dos diferentes segmentos sociais nos processos
decisórios, no compartilhamento de responsabilidades, na articulação de interesses, na transparência das
ações, em mobilização e compromisso social, em controle coletivo. Somente desta forma estaremos
contribuindo para que na escola não ocorra apenas a reprodução de uma democracia liberal.
Segundo análise de Paro (2002), é a partir dessa constatação de fragilidade da democracia liberal que
podemos perceber o quanto é imprescindível à participação da população no controle dos serviços prestados
pelo estado. Frisa que este controle deve ocorrer na instância onde se dá o oferecimento do serviço. Para a
educação este controle deve dar-se na escola.
Com relação à gestão temos observado que o debate contemporâneo acerca da descentralização dos
sistemas escolares tem gerado uma vasta literatura acadêmica, a partir de análises pautadas no estudo do
modelo da administração toyotista e da teoria política. Isto tem evidenciado os limites impostos pelas atuais
políticas públicas de descentralização a um efetivo processo de democratização das escolas. Via de regra, a
manutenção de uma estrutura hierárquica, a diminuição dos financiamentos e as provas de avaliação do
desempenho das instituições são apontados como diretrizes estatais determinadas pelas políticas neoliberais
globalizadas que impedem que a gestão escolar seja democrática no sentido da participação efetiva.
A este respeito Afonso (1998, p. 73), evidencia que
Na ótica das diretrizes internacionais, a relação entre rendimentos dos alunos, medida por testes
 padronizados que seguem modelos internacionais, e o aumento da eficácia e eficiência dos sistemas
de ensino justificaria o controle que o Estado deve exercer sobre os processos de descentralização
de gestão do ensino e da outorga da autonomia às escolas que deveriam se responsabilizar, como
unidades autônomas, pelo sucesso ou fracasso de ensinar e aprender.
Neste contexto, os projetos de gestão dos sistemas escolares,como uma instituição social, mantêm uma
relação de permanente tensão com tais medidas governamentais e pressões da sociedade civil.
De forma geral, as propostas de construção de escolas públicas populares autogestionadas, ao proporem
uma prática pautada na dialogicidade, vêm procurando construir seus projetos curriculares considerando
uma crítica social dos problemas de tais avaliações como alternativa a tal questão.
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No entanto, como evidencia Martins (2001, p. 36), ao analisar a construção de projetos autônomos
evidencia que:
O produto híbrido originado desses processos de incorporação de práticas sociais detém parte da
originalidade da intenção que as geram: inicia-se um processo de transmutação a partir da adoção
de temas, bandeiras de luta, expressão de necessidades sociais difusas(...) invariavelmente, as
organizações incorporam as reivindicações, as necessidades e as estruturas hierárquicas dos
movimentos autônomos-antes livres -metamorfoseadas,para atender à ordem vigente.
Diante de tais observações, torna-se urgente à tomada de consciência da comunidade educativa e
especialmente dos educadores no sentido de que realizem estudos a respeito da gestão democrática, para
que tenham condições de melhor avaliar as práticas que estão sendo desenvolvidas e a serviço de quem,
pois, não se pode esquecer que a escola funcionando como Aparelho Ideológico de Estado, segundo
Althusser (1987, p. 08), acabam por reproduzir as ideologias da classe dominante que “são o conjunto de
práticas materiais necessárias à reprodução das relações de produção” Desta forma, os discursos e práticas
pedagógicas dos educadores devem fazer a diferença.
Considerações finais
É inegável que nas últimas décadas a caminhada em direção a uma Gestão Democrática da escola pública
deu enormes passos, como colocava Arroyo (1995, p. 232):
Temos que mostrar às elites que a seu contragosto o direito à educação e à cultura está muito mais
 próximo de ser garantido do que nos tempos em que tiveram a hegemonia, que as forças
democráticas foram mais competentes em poucas décadas do que eles em séculos para criar 
espaços públicos de direitos.
Queremos, pois, continuar esta caminhada, muitas vezes penosa, mas que seguramente irá nos
proporcionar grandes conquistas no campo da educação.Parece-nos claro que para isso devemos buscar
uma democracia participativa e de alta intensidade, ou seja, uma democracia onde todos tenham voz e vez,
onde se respeitem as diferenças e as peculiaridades de cada escola. A democracia é um princípio sem fim,
desta forma, a participação deve ser uma das prerrogativas de toda ação que se propuser ser democrática.
Assim sendo, a educação deve ser entendida como um bem público.
A educação não pode estar a serviço de interesses de uma minoria, somente assim poderemos garantir que
a escola seja realmente um espaço democrático.Portanto uma das principais medidas de democratização, no
plano escolar, reside na criação de estruturas participativas de organização onde professores, alunos e
funcionários formem uma comunidade real. Por outro lado, de nada adianta uma Lei de Gestão Democrática
do Ensino Público que "concede autonomia" pedagógica, administrativa e financeira às escolas,se os
principais interessados, que compõem a comunidade educativa, não sabem o significado político da
autonomia, a qual não é dádiva, mas sim uma construção contínua, individual e coletiva que de forma
concreta, voltada para dentro da escola e para além dela, poderá contribuir com o seu processo de
crescimento e mudança.
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A gestão educacional e o projeto educativo da escola pública têm uma importância decisiva, na vida das
comunidades e no processo emancipatório de seus cidadãos, apesar dos obstáculos razão pela qual há
desistências na conquista do processo diante, até, das primeiras dificuldades.
Não podemos, no entanto, acreditar em colocações ingênuas como as que dizem que apenas mudando a
escola mudaremos a sociedade, porém também não é possível continuar sustentando a posição inversa, pois
a escola não é apenas o resultado das estruturas sociais e defender este princípio é o mesmo que negar a
força da educação e das práticas pedagógicas na transformação da realidade.
A confirmação desse contexto só poderá ser dada numa escola autônoma, onde as relações pedagógicas são
humanizadas, visto que a autonomia faz parte da própria natureza da educação.
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